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EXECUÇÃO SUMÁRIA
OPOSIÇÃO OFICIOSA
FALTA DE TÍTULO
INJUNÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário
I. A tramitação da execução sumária não prevê a prolação despacho liminar (art.º 855.º, n.º 1, do CPC), mas tal não obsta a que o juiz venha a conhecer questões que sejam passíveis de conhecimento oficioso, designadamente as de falta ou de insuficiência do título executivo. II. O regime processual especial de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos só é aplicável às obrigações pecuniárias directamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir o credor obter, por esta via, indemnização por encargos decorrentes da cobrança da divida. III. O uso indevido do procedimento de injunção (numa concreta situação que não permitia o recurso ao mesmo), sem oposição do requerido, do qual resulta a obtenção de um título executivo, inquina todo o processo, implicando a inaproveitabilidade total do título, justificando assim o indeferimento liminar in totum. IV. Não obstante a perda de economia processual que tal solução acarreta, a opção por um indeferimento liminar parcial (na dicotomia indeferimento liminar parcial/ indeferimento liminar in totum) apenas contribuiria para aumentar o risco de os credores procurarem obter títulos executivos por via de injunção (quando tal direito não se lhes assistia), aproveitando-se do facto de o controlo não ser exercido jurisdicionalmente. V. A prolação da decisão de indeferimento liminar da execução sem exercício prévio do contraditório não constitui violação do artigo 3.º do CPC;
(Sumário elaborado pela relatora)
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório:
A S.A., aqui Recorrente, propôs ação executiva contra B com base em requerimento de injunção ao qual foi aposta formula executória, dando à execução um requerimento de injunção no valor de €862,82, no qual reclamara (i) o pagamento de faturas emitidas e que permanecem em divida no montante de €649,00 e (ii) a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida o montante de €129,80.
Foi proferido despacho a 24-04-2024 (despacho recorrido) que, ao abrigo do disposto nos artigos 726º. nº. 2 al. a) e 734º do Código de Processo Civil, rejeitou a execução por verificação da excepção dilatória da falta de título executivo.
É a seguinte a fundamentação da decisão que importa convocar (sublinhado nosso): Compulsados os autos, sendo, esta, a primeira vez que o processo vem a despacho – atenta a forma (sumária) do processo (cf. artigo 550.º, nº2, alínea b), do CPC), que dispensa a prolação de despacho liminar (cf. artigos 855.º e 726.º a contrario, do CPC) –, constata-se que a exequente A, S.A. intentou contra B a presente execução com base em requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva por secretário de justiça, do qual consta peticionado o pagamento de valores correspondentes, além do mais, a cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato e indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida, resultando do requerimento de injunção que: Apreciando. Nos termos do disposto no artigo 734.º do CPC, “o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo” (nº1), sendo que, “rejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, no todo ou em parte” (nº2). O procedimento de injunção é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos (não tendo a virtualidade de servir para exigir obrigações pecuniárias resultantes da responsabilidade civil contratual), sendo certo que tal prestação só pode ter por objeto imperativamente uma obrigação pecuniária, isto é, uma entrega em dinheiro em sentido restrito (em contraposição com a obrigação de valor, que não tem por objeto a entrega de quantias em dinheiro e visa apenas proporcionar ao credor um valor económico de um determinado objeto ou de uma componente do património). Este regime processual só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, de enriquecimento sem causa ou de relações de condomínio. A jurisprudência tem-se inclinado, de forma praticamente unânime, para a inadmissibilidade do pedido de pagamento da cláusula penal por incumprimento contratual nesta forma processual e/ou de indemnização (RL 08.10.2015, processo 154495/13.0YIPRT.L1-8; 12.05.2015, processo 154168/13.YIPRT.L1-7; RL 15-10-2015, processo 96198/13.1YIPRT.A.L1-2; RL 17.12.2015, processo 122528/14.9YIPRT-L1.2; RL, de 25.01.2024, processo 101821/22.2YIPRT.L1-8). Ou seja, as injunções, incluindo as decorrentes de transação comercial, e a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, não são a via processual adequada para acionar a cláusula penal, mesmo que compulsória, decorrente da mora ou de qualquer vicissitude na execução do contrato – ver, neste sentido, Ac. RL, de 15.10.2015, relatado por Teresa Albuquerque (in www.dgsi.pt); João Vasconcelos Raposo e Luís Baptista Carvalho, in «Injunções e Ações de Cobranças», 2012, p.22. A cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato e a indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida peticionadas no procedimento injuntivo de que emergiu o requerimento/documento dado à execução não consubstanciam “uma obrigação pecuniária diretamente emergente de um contrato”. Assim, relativamente ao pedido de pagamento do montante correspondente à cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato e à indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida, foi lançado mão de uma forma processual que legalmente não é a prevista para tutela jurisdicional respetiva. O objetivo do legislador com o procedimento de injunção não foi o da economia processual, mas sim o de facilitar a cobrança das obrigações pecuniárias como instrumento essencial da regulação do sistema económico, ou seja, das dívidas que, pela sua própria natureza, implicam uma tendencial certeza da existência do direito de crédito. A exequente não poderia ter recorrido ao requerimento de injunção e, tendo-o feito, deu causa à verificação de uma exceção dilatória inominada, prevista nos artigos 555.º, n.º 1,37.º, n.º 1, primeira parte, e geradora de absolvição da instância ao abrigo do vertido nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, 578.º e 278.º, n.º 1, alínea e), todos do Código de Processo Civil. Tal exceção atinge e contagia todo o procedimento de injunção, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigíveis para a sua utilização, e não apenas o pedido referente ao valor da cláusula penal peticionada – ver, neste sentido, Ac. RL, de 23.11.2021, relatado por Edgar Taborda Lopes, proc.88236/19.0YIPRT.L1-7; Ac. RP, de 15.01.2019, relatado por Rodrigues Pires, proc.141613/14.0YIPRT.P1 (in www.dgsi.pt). Ver, ainda, o recente acórdão da Relação de Lisboa, de 28.04.2022, relatado por Cristina Pires Lourenço, proc.28046/21.8YIPRT.L1-8 (in www.dgsi.pt), assim sumariado: “O uso indevido do procedimento de injunção inquina na totalidade a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias em que se se transmutou, consubstanciando exceção dilatória inominada (art.º 577º, do Código de Processo Civil), de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição da instância, impedindo qualquer apreciação de mérito, designadamente, dos créditos cuja cobrança poderia ter sido peticionada por via daquele procedimento.” E, ainda, o Ac. RC, de 14.03.2023, relatado por Henrique Antunes (in www.dgsi.pt), assim sumariado: “I - Não é admissível, através do procedimento de injunção, a exigência de créditos pecuniários objecto de reconhecimento unilateral do devedor; II - Ainda que através de negócio jurídico unilateral o devedor tenha reconhecido a dívida, o credor está vinculado, no procedimento de injunção, a alegar o contrato objecto da relação jurídica fundamental do qual a obrigação emerge; III - O procedimento de injunção não é o adequado à exigência de créditos resultantes de cláusula penal com função indemnizatória ou despesas feitas pelo credor com a actuação ou exercício do crédito de que se diz titular; IV- O uso inadmissível ou inadequado, ainda que meramente parcial do procedimento inquina e torna inaproveitável, in totum, a acção especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato em que o procedimento, por virtude da oposição, se convolou, e dá lugar a uma excepção dilatória, conducente à absolvição do requerido da instância.” (sublinhado e negrito, nossos). Nesta conformidade, ao requerimento de injunção dado à execução não deveria ter sido aposta força executiva, uma vez que não podia deixar-se prosseguir ação especial/comum para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que houvesse resultado da transmutação de injunção interposta para acionamento dessa cláusula, pois, de contrário, estar-se-ia a admitir que o credor, para obter título executivo, que bem sabia, à partida, que não podia obter, defraudasse as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção. Caso tivesse sido submetido a apreciação jurisdicional, deveria ter tido lugar um juízo de improcedência total do pedido, por recurso indevido ao procedimento de injunção, o que, repita-se, constitui exceção inominada de conhecimento oficioso – neste sentido, além dos arestos supra citados, Acs. RP de 31.05.2010 (Maria de Deus Correia), de 26.09.2005 (Sousa Lameiras); Acs. RL, de 07.06.2011 (Rosário Gonçalves), de 08.11.2007 (Ilídio Sacarrão Martins); João Vasconcelos Raposo e Luís Baptista Carvalho, in «Injunções e Acções de Cobranças», 2012, p.39 e 40). Porém, o recurso ao procedimento de injunção quando este não se ajusta à pretensão formulada, porque acarreta exceção inominada, nulidade de conhecimento oficioso, pode esta ser conhecida em sede execução cujo título executivo é o requerimento injuntivo ao qual, embora ao arrepio da lei, tenha sido atribuída força executória por secretário judicial – neste sentido, Ac. RE, de 16.12.2010, relatado por Mata Ribeiro (in www.dgsi.pt). Com efeito, a aposição de fórmula executória pelo Secretário Judicial, na sequência de falta de oposição, não tem força constitutiva de caso julgado, não precludindo a apreciação do aludido vício de uso indevido de procedimento injuntivo. Como se refere no acórdão da Relação de Lisboa, de 15.02.2018, relatado por Anabela Calafate, processo 2825/17.9T8LSB.L1-6, consultável em www.dgsi.pt, “não pode ser equiparada a decisão judicial a aposição da fórmula executória por um secretário de justiça. Por isso a rejeição por despacho judicial da execução baseada em injunção não constitui violação de caso julgado.” Por outro lado, a omissão ou insuficiência de título executivo são de conhecimento oficioso e podem ser apreciadas e declaradas até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados (artigos 734.º n.º 1 e 726.º n.º 2 al. a) do CPC). Sendo irrelevante, para esse efeito, que o/s executado/s se tenha/m abstido de invocar tal vício, nomeadamente em sede de oposição à execução – ver, neste sentido, Ac. RL, de 12.07.2018, relatado por Jorge Leal (in www.dgsi.pt). Como recentemente se entendeu no Ac. RP, de 27.09.2022, relatado por Anabela Dias da Silva, o procedimento de injunção não é meio processual próprio para se peticionar o pagamento de uma quantia a título de cláusula penal indemnizatório ou qualquer outra quantia a título de indemnização pelos encargos com a cobrança da dívida. Intentando-se a execução dando-se como título executivo injunção de onde resulte que abrange semelhantes quantias, há que se verificar exceção dilatória de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância, devendo-se indeferir liminarmente o requerimento executivo. – No sentido de que “a injunção à qual foi aposta fórmula executória nestas circunstâncias está assim afetada de vício que constitui exceção dilatória inominada justificativa do indeferimento liminar da execução”, ver, ainda, Ac. RP, de 08.11.2022, relatado por Alexandra Pelayo (in www.dgsi.pt). Entende, assim, este Tribunal não dispor a exequente de título executivo eficaz, por a pretensão formulada não se ajustar à finalidade do procedimento de injunção. Decisão: Em face de todo o exposto, por verificação da exceção dilatória da falta de título executivo, decido rejeitar a presente execução (cf. artigos 734.º n.º 1 e 726.º n.º 2 al. a) do CPC). Custas pela exequente. Registe e notifique. *** Sintra, d.s”
Inconformado com tal decisão veio a Exequente interpor recurso da mesma, pugnando pela sua revogação.
Termina as respectivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. Considerou o Tribunal a quo existir exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção, absolvendo o Apelado da instância; 2.Por a Autora ter lançado mão de injunção onde incluiu valores em dívida relativos a cláusula penal pela rescisão antecipada do contrato e de despesas associadas à cobrança da dívida; 3. Salvo, porém, o devido respeito, tal decisão carece de oportunidade e fundamento, sendo contrária à Lei; 4. Desde logo porque a lei não habilita o Tribunal a quo a conhecer oficiosamente de exceções dilatórias relacionadas com o conteúdo do título executivo; 5. Das causas admissíveis de indeferimento liminar do requerimento executivo constantes do artigo 726.º do CPC não resulta o uso indevido do procedimento de injunção; 6. Permitir-se ao juiz da execução pronunciar-se ex officio relativamente à exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção esvaziaria de função o artigo 14.º-A n.º 2 do DL 269/98, de 01 de setembro, e atentaria contra o princípio da concentração da defesa ínsito no artigo 573.º do CPC; 7. Sem prescindir, o entendimento de que a cláusula penal e as despesas de cobrança não podem integrar o procedimento injuntivo não determina a extinção total da instância executiva, mas somente a recusa do título executivo relativamente à parte que integra tais valores; 8. A sentença recorrida foi ainda proferida sem a Apelante ter sido convidada a oferecer o devido contraditório, o que consubstancia uma violação do artigo 3.º do CPC; 9. A sentença proferida pelo Tribunal a quo traduz-se em indeferimento liminar da petição inicial, o que legitima a apresentação do presente recurso; De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão recorrida, ao rejeitar, liminarmente, a execução, violou, nomeadamente:- o artigo 726.º n.º 2 do C.P.C.;- o artigo 734.º do CPC;- o artigo 14.º-A n.º 2 do regime anexo ao DL 269/98 e os artigos 227.º, número 2 e 573.º do CPC;- o artigo 193.º do CPC;- o artigo 3.º n.º 3 do CPC;, devendo, consequentemente, ser revogada e substituída por decisão que admita o requerimento executivo e mande prosseguir os autos nos termos acima expostos.»
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Dos autos não constam contra-alegações.
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Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.
* Questão a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (arts. 5.º, 635.º n.º 3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber se, no caso concreto:
(i) do indeferimento liminar do requerimento executivo fundado em injunção, a que foi aposta fórmula executória, com base na sua inadequação para peticionar ao devedor o pagamento de custos administrativos relacionados com diligências de cobrança de dívidas;
(ii) Da prolação da decisão de indeferimento liminar sem exercício do contraditório, em violação do artigo 3.º do CPC
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II - Fundamentação
Além do que consta do relatório, acima sumariado, resulta ainda dos autos, com interesse para o presente recurso a consideração dos seguintes factos, documentados nos autos, que aqui importa destacar:
- o título executivo indeferido tinha por base requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória e que tinha o seguinte teor: «A Req.te (Rte), celebrou com o Req.do (Rdo) um contrato de prestação de bens e serviços telecomunicações a que foi atribuído o n.º 845002857. No âmbito do contrato, a Rte obrigou-se a prestar os bens e serviços solicitados pelo Rdo, e este obrigou-se a efetuar o pagamento tempestivo das faturas, a devolver com a cessação do contrato os equipamentos da Rte e a manter o contrato pelo período acordado, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento de cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato. Das facturas emitidas, permanece(m) em dívida a(s) seguinte(s): €70.28 de 19/10/2021, €88.33 de 17/11/2021, €83.58 de 17/12/2021, €66.17 de 18/01/2022, €340.64 de 17/03/2022, vencidas, respectivamente, em 12/11/2021,12/12/2021,12/01/2022,12/02/2022 e 12/04/2022. Enviada(s) ao Rdo logo após a data de emissão e apesar das diligências da Rte, não foi(ram) a(s) mesma(s) paga(s), constituindo-se o Rdo em mora e devedor de juros legais desde o seu vencimento. Mais, é o Rdo devedor à Rte de €129.8, a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida. Termos em que requer a condenação do Rdo a pagar a quantia peticionada e juros vincendos. O valor em dívida poderá ser pago, nos próximos 15 dias, realizando uma transferência bancária para o IBAN PT123456789.»
- Não obstante ter sido notificado no âmbito da injunção que serve de base à presente execução, não procedeu o Executado ao pagamento integral do valor aí reclamado.
- Foi aposta fórmula executória a tal requerimento de injunção, por Secretário de Justiça;
- A Recorrente intentou, com base nesse título executivo, execução a seguir a forma de processo sumário.
-Após diligências com vista à penhora foi o executado citado.
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III. Direito
A decisão recorrida, indeferiu liminarmente a execução, com base na sustentação de a exequente não dispor de título executivo eficaz, por a pretensão formulada não se ajustar à finalidade do procedimento de injunção, entendendo que o procedimento de injunção não é meio processual próprio para se peticionar o pagamento de uma quantia a título de indemnização pelos encargos com a cobrança da dívida.
E concluindo, assim, que intentando-se a execução e dando-se como título executivo injunção de onde resulte que abrange semelhantes quantias, há que se verificar exceção dilatória de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância, devendo-se indeferir liminarmente o requerimento executivo.
(i) Excepção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção e indeferimento liminar
A recorrente insurge-se contra esta decisão e, como acima enunciado, a primeira das questões a apreciar é a de saber se o tribunal recorrido podia indeferir liminarmente o requerimento executivo com base em exceção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção.
A presente execução segue a forma sumária nos termos das disposições conjugadas dos artigos 550.º, n.º 2, b) e 855.º e seguintes do Código de Processo Civil.
A tramitação da execução sumária não prevê a prolação despacho liminar, como resulta do previsto no artigo 855º, número 1 do Código de Processo Civil que determina que o executado seja citado “sem precedência de despacho judicial prosseguindo os autos para as diligências de penhora, após o que ocorre a citação.
Tal não obsta, naturalmente, a que o juiz venha a conhecer questões que sejam passíveis de conhecimento oficioso, designadamente as de falta ou de insuficiência do título executivo, nos termos do artigo 726º, número 2 a) do Código de Processo Civil que é invocado como fundamento legal do despacho recorrido.
O artigo 734º CPC prevê precisamente que o juiz conheça oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726º CPC, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.
Tal norma é aplicável ao processo sumário por força da remissão prevista no número 3 do artigo 551º do Código de Processo Civil. Pelo exposto, nada obsta a que em sede de execução sumária o juiz conheça oficiosamente das questões que poderiam suscitar indeferimento liminar do requerimento executivo caso a execução seguisse a forma ordinária, e que são as elencadas no artigo 726º, número 2 do Código de Processo Civil. In casu, o título executivo é um requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória. Ora, o Tribunal a quo indeferiu a execução por insuficiência do título na medida em que entende que a Exequente se socorreu do procedimento de injunção para se fazer munir de título executivo relativo a quantias que não podia reclamar por essa via. Entende-se na decisão recorrida que o objetivo do legislador com o procedimento de injunção não foi o da economia processual, mas sim o de facilitar a cobrança das obrigações pecuniárias como instrumento essencial da regulação do sistema económico, ou seja, das dívidas que, pela sua própria natureza, implicam uma tendencial certeza da existência do direito de crédito e que o secretário judicial deveria ter recusado a aposição da formula executória.
Invoca, pois, a decisão objecto de recurso que, relativamente ao pedido de pagamento do montante correspondente à indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida, foi lançado mão de uma forma processual que legalmente não é a prevista para tutela jurisdicional respetiva e como tal por verificação da falta de titulo executivo decidiu rejeitar a execução com base na al. a) do art.º 726.º n.º 2 do CPC.
Ora, o regime processual especial de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos só é aplicável às obrigações pecuniárias directamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, de enriquecimento sem causa ou de relações de condomínio, e com tal não comporta a possibilidade de cobrança da indemnização por encargos decorrentes da cobrança da divida (cfr Acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 15.09.2022, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 27.11.2014; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 28.10.2015, todos in www.dgsi.pt ).
E, não obstante a questão não tenha sido suscitada no procedimento de injunção pelo requerido, uma vez que não deduziu oposição, nada obsta a que na ação executiva ela possa ser apreciada, visto estarmos perante um caso de inadequação do procedimento de injunção para a formulação de um pedido de indemnização por encargos com cobrança da dívida e o vício redunda numa excepção dilatória inominada.
Começa por se assinalar que podemos ultrapassar esta questão, que tem suscitado controvérsia (a da utilização do processo de injunção para a cobrança de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida peticionadas - quantia não abrangida pelos requisitos substantivos do processo de injunção-), uma vez que a ora Recorrente não a coloca como objecto de recurso, assumindo, assim, ter feito uso do processo de injunção previsto no Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, numa situação que este não previa. Estamos assim, no caso dos autos, - e neste particular o recurso não ataca a decisão recorrida - perante uma situação em que não se mostravam preenchidos os pressupostos legalmente exigidos para o recurso ao procedimento de injunção e em que, portanto, a Exequente-Recorrente, fez, sem margem para dúvidas, um uso indevido e inadequado deste meio de exigir o cumprimento das obrigações (a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro)” e em que, por força da falta de oposição do requerido, obteve deste modo um título executivo que, agora, vem dar à execução.
Impõe-se assim definir qual a consequência a retirar deste uso indevido do procedimento de injunção, que acabou por culminar na obtenção de um “pretenso” título executivo.
Pelo exposto, tendo presente o disposto no art.º 726.º e 734.º CPC e particularmente o fundamento legal invocado em sede da decisão recorrida previsto na al. a) do n.º 2 do art.º 726.º CPC – que, elencando as causas admissíveis de indeferimento liminar da execução, elege como primeira causa a « manifesta a falta ou insuficiência do título» - importa tão só saber se a mesma se verifica e, na afirmativa, a execução se extingue no todo ou em parte.
Não desconhecemos que a jurisprudência não é, de todo, pacífica quanto a esta questão.
Encontramos acórdãos que:
(a) Defendem a utilização do título obtido na parte em que o mesmo é válido e não se encontra viciado pela inclusão de pedido não admissível em sede de injunção, convocando o principio do máximo aproveitamento dos actos consagrado como corolário do principio, adoptado pelo nosso legislador, da economia processual. Esta corrente conclui assim pelo aproveitamento do título executivo, em nome do princípio da economia processual e da proporcionalidade. Exemplos desta solução são o Ac. Relação de Évora de 15-09-2022 e o Ac. Relação do Porto de 08-11-2022.
Conforme se refere no Ac. da R.E. “Neste particular, face ao princípio do máximo aproveitamento dos actos presente no direito adjectivo português relativamente a nulidades, erros ou outros vícios de natureza processual, impõe-se a utilização do título obtido na parte remanescente porquanto o mesmo é válido e se encontra apenas parcialmente viciado pela inclusão de um pedido não admissível e todos os outros aos quais foi conferida força executiva são aproveitáveis em nome das regras da economia processual e da proporcionalidade e no carácter tendencialmente definitivo da decisão administrativa não impugnada.”
(b) Defendem que o uso indevido do procedimento de injunção inquina todo o processo, implicando a sua inaproveitabilidade total, seja no processo declarativo, seja na execução em que o título executivo tenha resultado da aposição de fórmula executória a uma injunção utilizada numa concreta situação que não permitia o recurso à mesma.
Exemplo paradigmático desta tese é o Ac. da R. L. de 23-11-2021.
Nesse mesmo acórdão se refere: “…se no pressuposto de uma utilização indevida do processo de injunção, estando o processo já no Tribunal, é possível fazê-lo prosseguir quanto à matéria que podia - efectivamente - ser objecto do referido processo. O Tribunal a quo entendeu que não e, em seu apoio, foi buscar uma decisão do Tribunal da Relação de Coimbra (20/05/2014, Processo n.º 30092/13.6YIPRT.C1-Fonte Ramos, disponível em www.dgsi.pt), onde se refere que “tal exceção dilatória inominada, afetando o conhecimento e o prosseguimento da ação especial em que se transmutou o procedimento de injunção, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização (as condições de natureza substantiva que a lei impõe para que seja decretada a injunção), não permite qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento; caso contrário, estava encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção”. Numa situação semelhante à dos presentes autos, o Acórdão da Relação do Porto de 18/12/2013 (Processo n.º 32895/12.0YIPRT.P1-Fernando Samões, disponível em www.dgsi.pt) expressamente assinala que a injunção que se destine a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor superior a €15.000 e inferior a €30.000, requerida depois de 01/01/2008 e em cujo requerimento não se alegue que elas emergem de transacções comerciais abrangidas pelo DL n.º 32/2003, de 17/2, à qual tenha sido deduzida oposição, não pode seguir como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, por se verificar um obstáculo impeditivo do conhecimento do mérito, que, por não permitir qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento, dá lugar à absolvição da instância”. Sublinhe-se que o Supremo Tribunal de Justiça, através do Acórdão de 14/12/2012 (Processo n.º 319937/10.3YIPRT.L1.S1-Salazar Casanova, disponível em www.dgsi.pt), definiu uma solução que importa levar em consideração: quando o processo de injunção tem um valor superior ao da alçada da Relação e é transmutado em processo comum ordinário, por força da dedução de oposição (artigo 7.º do DL n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro), a questão de saber se a transacção comercial que esteve na origem do crédito reclamado é ou não daquelas que permitem a injunção, não exerce qualquer influência no mérito da causa, nem na sua tramitação, visto que estamos em processo comum (e não em processo especial) e, portanto, sem quaisquer diminuição de garantias. E é esta mesma decisão que nos traz luz aos autos e nos permite concluir nos mesmos termos que a decisão recorrida. Com sólidos fundamentos. De facto, “ainda que a transação invocada não pudesse permitir que fosse decretada a injunção, ela não obsta a que o crédito seja reconhecido visto que em ação declarativa ordinária é indiferente a natureza da transação que deu origem ao crédito, não exercendo qualquer influência na tramitação da causa ao contrário do que sucede na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que a lei determina que seja a aplicável nos casos em que, em razão da oposição, se converteu a providência de injunção respeitante a transações comerciais de valor inferior à alçada da Relação”. Certo que face “a uma absolvição da instância, as partes teriam de reiniciar um percurso processual, muitas vezes longo, tudo isto evidenciando perda de economia processual, sendo certo que o objetivo pretendido pelo requerente - a injunção - está já definitivamente afastado”, mas “um tal estado de coisas é fruto da responsabilidade do requerente da injunção quando decide iniciar um procedimento de injunção para o qual não lhe assistia direito a obtê-la, podendo mesmo considerar-se que, a não se obviar pela assinalada forma da absolvição da instância, se contribui para aumentar o risco de os credores procurarem obter títulos executivos por via de injunção, aproveitando-se do facto de o controlo não ser exercido jurisdicionalmente, apesar de saberem que o crédito invocado não lhes permitia o recurso à injunção”. Muitas vezes – assinala-se no mesmo Acórdão - havendo dedução de oposição, é o próprio Réu que tem interesse em vê-la aproveitada, mas (acrescentamos nós) nos casos em que o Requerido não teve qualquer intervenção nos autos e não há transmutação em acção comum, permitir que a acção pudesse prosseguir constituiria uma situação de benefício do infractor, que não temos como tolerável. In casu, a ora Recorrente poderia – logo à cabeça – ter utilizado como meio processual para obter a condenação do seu devedor, a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, mas não o fez, preferindo utilizar uma estratégia de risco recorrendo ao mecanismo da Injunção (para, assim, com mais facilidade, obter um título executivo), ficando na expectativa da notificação e não oposição do Requerido, para assim obter um benefício ilegítimo. Correu o risco, mas, com a frustração na notificação e a apreciação judicial que foi feita da situação pelo Tribunal a quo, esse risco concretizou-se e tem agora de “sofrer” as consequências. E elas respeitam ao inquinar de todo o processo e não apenas da parte que a ora Recorrente colocou “a mais” do que poderia e deveria. Caso assim não fosse, como se sublinha no já citado Acórdão da Relação de Coimbra de 20/05/2014 (Fonte Ramos), estaria “encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção”. Voltando ao Acórdão do STJ (Salazar Casanova), assentamos em que “as condições que a lei impõe para que seja decretada a injunção são condições de natureza substantiva que devem verificar-se para que a injunção seja decretada; no entanto, ultrapassada esta fase, elas não assumem expressão na fase subsequente do processo que venha a ser tramitado sob a forma de processo comum ordinário quando o seu valor seja superior à alçada da Relação”[4], já o mesmo não sucedendo quando a transmutação da acção é para acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (valor inferior à alçada da Relação), caso em que o processo se torna inaproveitável e a absolvição da instância faz terminar a acção pela procedência da excepção dilatória inominada de uso indevido/inadequado da providência de injunção. Assim sendo, a consequência a tirar deste uso indevido do procedimento de injunção (por ausência das condições de natureza substantiva que a lei impõe para a decretar) é a verificação da presença desta excepção dilatória inominada, a qual, obstando a que se possa conhecer do mérito da causa, com a inevitável absolvição da instância, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2, 577.º e 578.º do Código de Processo Civil. (…)”
Sufragamos e seguimos este último entendimento.
Com efeito, não se podendo pessoalizar a decisão a tomar em função do requerente/exequente (como sendo um litigante de massas), não podemos deixar de tomar em consideração a exposição de motivos do DL 269/98, de 01-09, onde se refere expressamente os especiais interesses que se pretendem acautelar e quais os titulares desses interesses: “A instauração de acções de baixa densidade que tem crescentemente ocupado os tribunais, erigidos em órgãos para reconhecimento e cobrança de dívidas por parte dos grandes utilizadores, está a causar efeitos perversos, que é inadiável contrariar. Na verdade, colocados, na prática, ao serviço de empresas que negoceiam com milhares de consumidores, os tribunais correm o risco de se converter, sobretudo nos grandes meios urbanos, em órgãos que são meras extensões dessas empresas, com o que se postergam decisões, em tempo útil, que interessam aos cidadãos, fonte legitimadora do seu poder soberano. Acresce, como já alguém observou, que, a par de um aumento explosivo da litigiosidade, esta se torna repetitiva, rotineira, indutora da 'funcionalização' dos magistrados, que gastam o seu tempo e as suas aptidões técnicas na prolação mecânica de despachos e de sentenças. É impossível uma melhoria do sistema sem se atacarem a montante as causas que o asfixiam, de que se destaca a concessão indiscriminada de crédito, sem averiguação da solvabilidade daqueles a quem é concedido.”
Ou seja, foi a pensar nestas concretas situações que o legislador avançou com o procedimento de injunção. O que a nosso ver faz decair a critica que se tece ao supra citado Ac. da Relação de Lisboa de 23-11-2021, assim como ao Ac. do STJ nele citado, de que os argumentos neles utilizados pessoalizam a pessoa do credor.
Esta opção legislativa criada tendo em vista estes concretos credores, visou “facilitar-lhes a vida” e descongestionar os Tribunais.
Por esta razão, entendemos que, tendo os mesmos utilizado indevidamente o procedimento de injunção – com todas as benesses que o mesmo lhes acarreta ao nível do valor da taxa de justiça e redução de prazos de defesa -, a responsabilidade desse uso indevido deverá recair sobre o requerente/exequente, não lhes concedendo oportunidades de aproveitamento de actos processuais que, de todo o modo, neste caso concreto não existiriam caso o requerido tivesse deduzido oposição, tendo em atenção o valor do pedido do procedimento de injunção.
Justificando-se assim inteiramente o indeferimento liminar “in totum”.
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(ii) Violação do princípio do contraditório
Uma palavra, quanto à invocada indevida prolação de decisão sem exercício do contraditório, em violação do disposto no art.º 3.º n.º 3 do CPC.
Importa considerar que o despacho de indeferimento liminar é uma espécie dentro do género da “rejeição liminar”, e ocorre no caso de inviabilidade “lato sensu” da pretensão (onde se insere a falta insuprível de pressupostos processuais), em que a lei elenca taxativamente as causas relevantes da rejeição (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.05-2021 ).
Pelo que, a imposição de um despacho prévio ao despacho de indeferimento liminar parece ser, em si mesmo, contraditório porque se o despacho liminar está legalmente previsto como podendo ser de rejeição liminar, não faz sentido a parte ser ouvida preliminarmente (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-02-2015).
Nas situações de indeferimento liminar, a lei difere o contraditório na medida em que se prevê sempre a admissibilidade do recurso, independentemente do valor e da sucumbência e se determina que o réu seja citado para os termos do recurso e da causa (arts. 629 nº 3 c) e 641 nº 7 CPC). Daqui parece resultar a dispensa da audição prévia do autor, porque desnecessária, permitindo-se o contraditório diferido e em situação de igualdade.
Sustentando que à prolação do despacho de indeferimento liminar não há que preceder a audição da parte, vejam-se ainda os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-05-2018, relator Nuno Sampaio, processo n.º 16173/17.0T8LSB.L1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-02-2019, relatora Maria José Mouro, processo n.º 5568/17.0T8ALM.L1-2 e de 24-04-2018, relator Luís Filipe Sousa, processo n.º 15582/17.0T8LSB.L1-7; do Tribunal da Relação de Évora de 11-04-2019, relator Rui Machado e Moura, processo n.º 1501/17.7T8SLV.E1; do Tribunal da Relação do Porto de 17-12-2020, relator Jerónimo Freitas, processo n.º 22665/19.0T8PRT.P1 e de 8-03-2019, relator Carlos Portela, processo n.º 14727/17.4T8PRT-A.P1 (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 11.05.2021 in www.dgsi.pt).
Improcede assim o recurso também neste particular.
IV- Decisão
Por tudo o exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente o recurso, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique e registe.
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Lisboa, 10-10-2024
Maria Teresa F. Mascarenhas Garcia
Cláudia Barata
Elsa Melo (vencida, nos termos da declaração infra)
Votei vencida, na medida em que discordo da solução adoptada pela maioria do colectivo, pelas razões que sintetizo da seguinte forma:
A execução em apreço nos autos segue a forma sumária nos termos das disposições conjugadas dos artigos 550º, número 2 b) e 855º e seguintes do Código de Processo Civil.
A tramitação da execução sumária não prevê a prolação despacho liminar, como resulta do previsto no artigo 855º, número 1 do Código de Processo Civil que determina que o executado seja citado “sem precedência de despacho judicial prosseguindo os autos para as diligências de penhora, após o que ocorre a citação.
Tal não obsta, naturalmente, a que o juiz venha a conhecer questões que sejam passíveis de conhecimento oficioso, designadamente as de falta ou de insuficiência do título executivo, nos termos do artigo 726º, número 2 a) do Código de Processo Civil conforme invocado como fundamento legal do despacho recorrido.
O artigo 734º CPC prevê precisamente que o juiz conheça oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726º CPC, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.
Tal norma é aplicável ao processo sumário por força da remissão prevista no número 3 do artigo 551º do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, nada obsta a que em sede de execução sumária o juiz conheça oficiosamente das questões que poderiam suscitar indeferimento liminar do requerimento executivo caso a execução seguisse a forma ordinária, e que são as elencadas no artigo 726º, número 2 do Código de Processo Civil.
In casu, o título executivo é um requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória. Ora, o Tribunal a quo indeferiu a execução por insuficiência do título na medida em que entende que a Exequente se socorreu do procedimento de injunção para se fazer munir de título executivo relativo a quantias que não podia reclamar por essa via. Entende-se na decisão recorrida que o objetivo do legislador com o procedimento de injunção não foi o da economia processual, mas sim o de facilitar a cobrança das obrigações pecuniárias como instrumento essencial da regulação do sistema económico, ou seja, das dívidas que, pela sua própria natureza, implicam uma tendencial certeza da existência do direito de crédito e que o secretário judicial deveria ter recusado a aposição da formula executória.
Invoca, pois, a decisão objecto de recurso que, relativamente ao pedido de pagamento do montante correspondente à indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida, foi lançado mão de uma forma processual que legalmente não é a prevista para tutela jurisdicional respetiva e como tal por verificação da falta de titulo executivo decidiu rejeitar a execução com base na al. a) do art.º 726.º n.º 2 do CPC.
Ora, o regime processual especial de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos só é aplicável às obrigações pecuniárias directamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, de enriquecimento sem causa ou de relações de condomínio, e com tal não comporta a possibilidade de cobrança da indemnização por encargos decorrentes da cobrança da divida (cfr Acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 15.09.2022, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 27.11.2014; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 28.10.2015, todos in www.dgsi.pt ).
E, não obstante a questão não tenha sido suscitada no procedimento de injunção pelo requerido, uma vez que não deduziu oposição, nada obsta a que na ação executiva ela possa ser apreciada, visto estarmos perante um caso de inadequação do procedimento de injunção para a formulação de um pedido de indemnização por encargos com cobrança da dívida e o vício redunda numa excepção dilatória inominada. E, como tal, pelo menos em parte, a injunção à qual foi aposta fórmula executória nestas circunstâncias está, assim, afectada de vício que constitui excepção dilatória inominada justificativa do indeferimento liminar da execução e que se traduz numa manifesta insuficiência do título executivo, tendo a ora exequente feito um uso indevido do procedimento de injunção no segmento a que se reporta a indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida.
Pelo exposto, tendo presente o disposto no art.º 726.º e 734.º CPC e particularmente o fundamento legal invocado em sede da decisão recorrida previsto na al. a) do n.º 2 do art.º 726.º CPC que elencando as causas admissíveis de indeferimento liminar da execução elege como primeira causa a « manifesta a falta ou insuficiência do título», importa tão só saber se a execução se extingue no todo ou em parte.
Neste particular, face ao princípio do máximo aproveitamento dos actos presente no direito adjectivo português relativamente a nulidades, erros ou outros vícios de natureza processual, impõe-se a utilização do título obtido na parte remanescente porquanto o mesmo é válido e encontra-se apenas parcialmente viciado pela inclusão de um pedido não admissível e todos os outros aos quais foi conferida força executiva são aproveitáveis em nome das regras da economia processual e da proporcionalidade.
Em suma, esta pretensão que extravasa o objecto contratual admissível nos procedimentos de injunção, dá origem a uma excepção dilatória inominada e isso implica que na parte referente ao montante de «€129,80 a titulo de indemnização por encargos com cobrança da divida» a decisão de rejeição da execução seja mantida, mas na parte restante a recorrente dispõe de um título válido e suficiente para prosseguir a acção executiva.
Daí entender que se deveria decidir pela procedência parcial do recurso, revogando-se parcialmente a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos, com exclusão do valor de €129,80 a título de indemnização por encargos com cobrança da dívida.
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Lisboa, 10.10.2024
Elsa Melo