ALTERAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Sumário

I - A autorização conferida pelo progenitor da criança deslocada para outro Estado para a sua frequência em escola desse Estado pressupõe o consentimento à sua retenção nesse Estado, onde passou a ter a residência habitual.
II - Subsumindo-se o caso ao critério geral da competência, consagrado no nº1, do art. 7º, do Regulamento (UE) n.º 1111/2019, de 25 de junho, que entrou em vigor em 1 de agosto de 2022 (a eleger, como elemento decisivo em matéria de competência internacional para conhecer de litígio, a residência habitual da criança à data da instauração do processo judicial de alteração das responsabilidades parentais), na não verificação das situações especiais taxativamente consagradas (em que a competência geral do tribunal da residência habitual da criança cede - cfr nº2, do art. 7º e artigos 8º, 9º e 10º), na aplicação de tal critério, cumpre, julgando procedente a exceção dilatória, mesmo de conhecimento oficioso (por internacionalmente competente para conhecer do litígio ser o Estado Francês), declarar os tribunais portugueses internacionalmente incompetentes para julgar a ação e absolver a Requerida da instância (cfr. art. 18º do referido Regulamento e arts. 59º, 96º, al. a), 97º, 99º, 278º, n.º 1, al. a), 279º, 577º, al. a) e 578º, todos do CPC).

Texto Integral

Processo nº 1169/13.0TMPRT-C.P2
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo de Família e Menores de ... - Juiz 3



Relatora: Des. Eugénia Cunha
1º Adjunto: Des. Manuel Fernandes
2º Adjunto: Des. Ana Olívia Loureiro



Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto


Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: AA

Recorrida: BB

AA apresentou-se a requerer contra BB alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais relativas ao filho menor de ambos, CC, alegando, para tanto, que a progenitora, junto de quem se mostra fixada a residência da criança, se mudou para França, em setembro de 2022, levando a criança consigo, sem consentimento do requerente, circunstância que justifica a redefinição do regime de visitas e contactos do progenitor não residente.

Alega o requerente, especificadamente, o seguinte:

“… 2. Em Setembro de 2022, a Requerida mudou-se para França, levando consigo o menor CC,

3. A Requerida deslocou-se com o filho menor para o estrangeiro, nomeadamente para França, sem consentimento prévio do pai ou do Tribunal.

4. No caso em concreto, o exercício das responsabilidades parentais do CC, estava confiado em conjunto aos pais – aqui Requerente e Requerida, configurando a alteração de domicílio uma decisão que deveria ter sido tomada pelos progenitores em conjunto.

5. Tal conduta, que perdura durante mais de 8 meses, impede o contacto entre filho e pai, levou, de forma reiterada, ao não cumprimento dos direitos de visita do requerente nesse período de tempo, bem como, impede / dificulta a comunicação entre filho e pai pelos restantes meios de comunicação, mais concretamente através de vias eletrónicas.

6. Tal situação representa uma autêntica rutura na relação familiar habitual entre o menor e o Requerente que estava habituado em estar com o pai de 15 em 15 dias.

7. E, ainda numa lesão nos direitos e interesses do menor, tendo sido o superior interesse da criança gravemente violado já que o exercício das responsabilidades parentais não foi cumprido de forma plena.

8. Neste 8 (oito) meses, o Requerido apenas consegui falar telefonicamente com o seu filho e sempre com limitações da Requerida.

9. O Requerente não foi consultado, nem deu o seu consentimento para a mudança de residência do filho menor, nem considera como razão justificativa e suficiente o direito ao trabalho da Requerida para, unilateralmente, decidir o destino do menor,

10. Não obstante, entende que não será de fazer regressar o menor, nos termos da Convenção de Haia, pelo que manifesta o seu consentimento,

11. Para o desenvolvimento harmonioso e sadio do menor, impõe-se a alteração das responsabilidades parentais, nomeadamente através da alteração do regime de visitas e contactos, que permita ao Requerente ter o convívio com o seu filho nomeadamente nas férias escolares e festividades” (negrito nosso).

Citada a progenitora, veio a mesma, apresentar alegações, invocando a exceção dilatória da incompetência internacional deste Tribunal, por a residência da criança estar fixada em França desde setembro de 2022, o que era do conhecimento do requerente que, inclusive, assinou uma declaração para que o menor ali frequentasse a escola.

O Ministério Público promoveu a improcedência da exceção da incompetência internacional dos tribunais portugueses dado o progenitor alegar alteração do país de residência de Portugal para França sem o seu consentimento ou do tribunal, sendo o menor português, como os seus pais, e tendo vivido em Portugal 12 anos, país de residência do progenitor.
Observado o contraditório ao requerente, apresentou-se o mesmo a pugnar pela improcedência da exceção dado que a autorização por si emitida “não consubstancia qualquer aceitação na ida deste para França” e que “tal declaração destinava-se a não inviabilizar a ida do menor para a escola”.

Após foi proferida decisão com a seguinte
parte dispositiva:
“Nestes termos, decide-se julgar verificada a exceção dilatória da incompetência absoluta, decorrente da infração das regras de incompetência internacional, e, em consequência, absolve-se a requerida da instância.
Custas a cargo do requerente, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil”.

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Apresentou o progenitor Requerente recurso de apelação, pugnando por que seja concedido provimento ao recurso e, em consequência, seja alterada a decisão recorrida, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:

1. O Requerente deu entrada em 23 de maio de 2023 de uma Alteração da Regulação das Responsabilidade Parentais,

2. A Requerida apresentou Alegações em 17 de junho de 2023, onde invocou excepção dilatória de incompetência internacional e juntou documento, na mesma data notificou a mandataria do Requerente,

3. A douta decisão “sub judice” que julgou procedente a excepção de incompetência internacional do Tribunal Português e absolveu a ora Requerida da instância deve ser alterada.

4. O menor CC foi levado em setembro de 2022, para a França pela Requerida, sem consentimento prévio do pai ou do Tribunal.

5. A regulação das responsabilidades parentais tinha fixado que “Todas as decisões de maior relevo para a vida do menor serão tomadas conjuntamente pelo pai e pela mãe, ressalvados os casos de urgência manifesta, em que qualquer deles poderá agir sozinho, prestando contas ao outro logo que possível.”

6. A residência habitual do menor CC situava-se em território nacional, o menor, tem nacionalidade portuguesa, nasceu neste país e aqui residiu até aos 12 anos, fala a língua portuguesa, a sua família alargada materna e paterna reside neste país, estava perfeitamente integrado no meio escolar, não tendo na França, para além da sua progenitora, qualquer outro familiar e não tendo qualquer ligação afectiva, linguística ou cultural com aquele país.

7. Conforme decorre do alegado pelo Requerente, no seu requerimento de 26.06.2023 e 02.04.2024, consubstanciado no documento junto pela Requerente, não foi dada qualquer autorização implícita para residir em França, nem tal declaração consubstancia qualquer aceitação na ida do menor para França, mas sim minimizar o malefício já feito pela Requerida, tal declaração destinava-se a não inviabilizar a ida do menor para a escola,

8. A deslocação do menor CC foi ilegal, não sendo de aplicar o artigo 8.º, quanto ao Prolongamento da competência quanto ao direito de visita.

9. É de aplicar ao presente processo o Regulamento Bruxelas II-B) - Regulamento (UE) 2019/1111 do Conselho de 25 de junho de 2019, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças,

10. No artigo 9.º do referido regulamento, estabelece que “… em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, os tribunais do Estado-Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas, continuam a ser competentes até a criança passar a ter a sua residência habitual noutro Estado-Membro…”.

11. De acordo com a definição de «deslocação ou retenção ilícitas de uma criança» (art. 2.º, n.º 11, do Regulamento (CE) n.º 2019/1111, e artigo 3.º da Convenção de Haia de 1980), a legalidade de uma deslocação ou retenção é apreciada em função dos direitos de guarda atribuídos nos termos do direito do Estado-Membro da residência habitual da criança antes da sua deslocação ou retenção.

12. Nos presentes autos, de acordo com o direito português, que corresponde ao direito do Estado-membro no qual a criança tinha a sua residência habitual antes da sua deslocação, a transferência da residência do menor dependia do consentimento expresso ou tácito dos seus dois progenitores, salvo se houvesse decisão judicial que autorizasse a progenitora a deslocar o menor.

13. Concluindo-se que a deslocação do menor CC para França foi uma deslocação ilícita, é aplicável o disposto no artigo 9º do Regulamento n.º 2019/1111, de acordo com o qual os tribunais do Estado-Membro, onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ilícita, continuam a ser competentes até a criança passar a ter a sua residência habitual noutro Estado-Membro.

14. Assim, segundo a interpretação dos artigos. 7.º e 9.º do Regulamento n.º 2019/1111, e ainda que se entendesse, por aplicação da regra geral constante do artigo 7.º, n.º 1, que o menor tinha adquirido uma nova residência habitual em França, os tribunais portugueses apenas poderiam declarar-se internacionalmente competentes se uma das condições alternativas enunciadas neste artigo 9.º, alíneas a) ou b) estivesse igualmente preenchida, o que não sucede no caso dos autos.

15. Mal esteve, portanto, o Tribunal “a quo” ao decidir que o Tribunal Português era incompetente para julgar a acção, absolvendo a Recorrida da instância, tendo a douta decisão recorrida violado as normas jurídicas invocadas, nomeadamente o artigo 9.º - Regulamento (UE) 2019/1111 do Conselho de 25 de junho de 2019.

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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS

- OBJETO DO RECURSO
Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.
Assim, a questão a decidir é a seguinte:
- Da competência internacional dos Tribunais Portugueses em matéria de alteração da regulação das responsabilidades parentais.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1. FACTOS PROVADOS

Os factos provados com relevância para a decisão, vicissitudes processuais, constam já do relatório que antecede.

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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

- Da competência internacional dos Tribunais Portugueses em matéria de alteração da regulação das responsabilidades parentais.
Sustentando ter o menor CC sido levado, em setembro de 2022, para França, pela Requerida sem consentimento, prévio, do pai ou do Tribunal, insurge-se o apelante contra a decisão recorrida que julgou verificada a exceção dilatória da incompetência absoluta, decorrente da infração das regras de incompetência internacional, e, em consequência, absolveu a requerida da instância, concluindo ter a mesma violado as normas jurídicas que invocada, nomeadamente o artigo 9.º - Regulamento (UE) 2019/1111 do Conselho de 25 de junho de 2019.

Entendeu o Tribunal a quo serem os tribunais portugueses internacionalmente incompetentes para a presente ação, sendo competentes os Tribunais Franceses, pois “o próprio requerente confirma que deu autorização para o filho frequentar a escola em França, pelo que, implicitamente, deu autorização para ele ali residir. Aliás, ainda que assim não se entendesse, sempre se diga que o progenitor invoca que o CC foi levado em setembro de 2022, para a França pela requerida, sem consentimento prévio do pai ou do Tribunal, logo a alteração de país de residência foi feita de forma ilícita, mas logo mais à frente conclui que entende que não será de fazer regressar o menor, nos termos da Convenção de Haia, pelo que manifesta o seu consentimento” (negrito nosso).
Analisemos da competência dos Tribunais portugueses.
O artigo 62º, do Código de Processo Civil, abreviadamente CPC, estabelece os fatores a atender para a competência internacional dos tribunais judiciais, salvaguardado o estabelecido nos regulamentos europeus e demais instrumentos internacionais que vinculem o Estado Português – artigo 59º do CPC, sendo que importa ter em consideração o disposto no artigo 7º do Regulamento Bruxelas II, norma de competência geral, em matéria de responsabilidade parental, que atribui em primeiro lugar, a jurisdição ao tribunal da residência habitual da criança, conceito este a interpretar no sentido de essa residência corresponder ao local onde o menor tem organizada a vida familiar, social e escolar, com carácter de estabilidade e duração, demonstrativas da integração na sociedade local, e também a intenção dos titulares das responsabilidades parentais de se fixarem com a criança em certo estado, com carácter de permanência[1].
Deste modo, e nos termos do, aplicável ao caso, Regulamento (CE) n.º 2019/1111, do Conselho, de 25/06/2019 (Bruxelas II), a competência internacional no âmbito das responsabilidades parentais afere-se, em primeiro lugar, pelo critério da residência habitual da criança à data em que o processo é instaurado no tribunal (art. 7º, n.º 1).
Ora, sendo pacífico nos autos (cfr., desde logo, o requerimento inicial supra citado) que a criança reside em França desde setembro de 2022, para onde foi levada pela mãe, que aí passou a residir, pacífico é, também, que o progenitor autorizou a criança a aí frequentar a escola.
E, ao conceder essa autorização - de frequência da escola em França -, independentemente das razões ou intenções com que o fez, está, como não pode deixar de ser, a autorizar a criança a permanecer naquele país, a aí ter, para o efeito, organizada a vida familiar, social e escolar, com carácter de duração/permanência e estabilidade, demonstrativas da sua integração na sociedade local.
E bem se analisa no recente Ac. da RG de 24/4/2024, da competência internacional dos Tribunais Portugueses em matéria de alteração da regulação das responsabilidades parentais, que, bem abordando e explicitado o regime jurídico a que o caso se subsume, passamos a citar.
“Segundo as palavras de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora[3], a “competência internacional designa a fracção do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros, para julgar as acções que tenham algum elemento de conexão com ordens jurídica estrangeiras. Trata-se, no fundo, de definir a jurisdição dos diferentes núcleos de tribunais dentro dos limites territoriais de cada Estado”.
(…) Nos termos do art. 37.º, n.º 2, da Lei n.º 62/2013, de 26/08 [Lei da Organização do Sistema Judiciário], a “lei de processo fixa os fatores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais”, sendo que a “competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei” (art. 38.º, n.º 1).
No que concerne à competência internacional dos tribunais portugueses, o art. 59.º do CPC estabelece:
“Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º”.
Deste modo, a competência internacional dos tribunais portugueses depende, em primeiro linha, do que resultar de convenções internacionais ou dos regulamentos europeus sobre a matéria [v.g. Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27/11/2003 ou o Regulamento (UE) 2019/1111 (Bruxelas II ter)], que vinculem o Estado Português e, depois, da integração de alguns dos segmentos normativos dos arts. 62º e 63º do CPC[5].
Na ordem jurídica portuguesa vigoram, assim, normas de fonte interna e normas de fonte supra estadual.
Como elucida Remédio Marques[6], “coexistem na nossa ordem jurídica regras de competência internacional directa impostas por fontes normativas supranacionais, de direito comunitário da União Europeia – os regulamentos comunitários –, que determinam a competência internacional directa dos diferentes tribunais dos Estados membros. As regras de competência internacional (directa), que constam desses regulamentos comunitários, valem tanto para os tribunais do foro (isto é, para os tribunais de um Estado membro onde, em concreto, a ação foi proposta), como para os tribunais de qualquer outro Estado membro.” Diferentemente – acrescenta o citado autor[7] –, «as regras que determinam a competência internacional dos tribunais portugueses previstas nos» arts. 62º e 63º do CPC «são unilaterais, pois só fixam a competência (internacional) dos tribunais portugueses; um tribunal estrangeiro nunca se pode sentir condicionado no exercício da sua jurisdição pela existência e validade daquelas regras».
Porém, este regime interno de competência internacional estabelecido no CPC só será aplicável quando a ação não for abrangida pelo âmbito de aplicação do regime comunitário, que é de fonte hierarquicamente superior e prevalece sobre o direito interno (cfr. arts. 249º, 4º parágrafo do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, 8.º, n.º 4 da Constituição de República Portuguesa e 1ª parte do art. 59º do CPC). O mesmo é dizer que, sendo aplicável o regime estabelecido num regulamento europeu, é pelas regras dele constantes que deve aferir-se a competência internacional dos tribunais portugueses. Além de que, se dele não resultar a competência dos tribunais portugueses, também não poderá tal competência resultar da aplicação das regras internas[8].
Caracterizado por Moura Ramos como um direito «inclusivo», o direito comunitário constitui um sistema de normas disciplinadoras da vida jurídica da sociedade «comunitária», cuja aplicação se torna directamente vinculativa na ordem interna dos Estados-Membros”[9].
Com efeito, a aplicação das disposições legais do Código de Processo Civil que fixam e estabelecem os fatores de atribuição da competência internacional dos tribunais portugueses encontra-se negativamente delimitada pelas convenções internacionais ou outros instrumentos da União Europeia regularmente ratificadas ou aprovadas e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.
Por conseguinte, quando uma determinada relação jurídica se encontra no âmbito de aplicação de uma concreta convenção ou de outro instrumento de direito internacional que vincule o Estado Português, as normas destes últimos prevalecem sobre as normas de direito interno que regulam a competência internacional (lex fori), sempre que um tribunal português seja chamado a conhecer de uma causa em que exista um elemento de conexão com a ordem jurídica de outro Estado[10]”.
Assim, sendo Portugal e França “Estados-Membros da União Europeia, o regime comunitário aplicável é o definido pelo Regulamento (UE) 2019/1111 (Bruxelas II ter)[11] [12], publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º L 178/1, de 2.7.2019, em vigor desde 1 de agosto de 2022[13] (art. 105º, n.º 2)[14], relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças, porquanto o mesmo tem aplicação às matérias civis relativas à atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental [art. 1º, n.º 1, al. b)[15]], sendo que estas matérias dizem, nomeadamente, respeito, para além de outras, ao direito de guarda[16] e ao direito de visita[17] [art. 1º, n.º 2, al. a)].
O art. 1º, n.º 4, do Regulamento (UE) 2019/1111 exclui do seu âmbito de aplicação um conjunto de questões, taxativamente previstas, tais como a obrigação de alimentos [al. d)].
As obrigações alimentares têm o seu regime jurídico regulado no Regulamento n.º 4/2009, do Conselho de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares, estando por isso excluídas do âmbito de aplicação do Regulamento (UE) 2019/1111 (Bruxelas II ter).
O Considerando 13 do Regulamento (UE) 2019/1111 esclarece que os «tribunais competentes nos termos do presente regulamento em matéria de responsabilidade parental são geralmente competentes para decidir em matéria de obrigações alimentares acessórias em relação a crianças, em aplicação do artigo 3.º, alínea d), do referido regulamento».
Quanto às responsabilidades parentais, o mencionado Regulamento estabelece a competência internacional dos Estados-Membros da União Europeia relativamente a tais matérias, deixando ao direito processual interno a determinação do tribunal competente ao nível do próprio Estado-Membro[18].
Sob a epígrafe “Competência geral”, estabelece o art. 7º, n.º 1, do Regulamento (UE) 2019/1111 que “[o]s tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal”[19].
O n.º 2 dessa disposição refere que este n.º 1 é aplicável sob reserva do disposto nos arts. 8º a 10º.
Quer dizer, como princípio fundamental, estabelece-se que o foro mais adequado em matéria de responsabilidade parental é o tribunal competente do Estado-Membro de residência habitual da criança à data da instauração do processo no tribunal (critério da proximidade), que por natureza se encontra mais apto a adotar as decisões necessárias.
As exceções à regra geral de competência prevista no art. 7.º do Regulamento encontram-se taxativamente enumeradas nos arts. 8.° a 11.° do mesmo instrumento, indicando os casos em que os tribunais competentes podem ser os de um Estado-Membro diferente do da residência habitual da criança ou no caso de a residência habitual da criança não poder ser determinada, e devem ser interpretadas de forma estrita[20].
O Considerando 19 do Regulamento fundamenta as regras de competência em matéria de responsabilidade parental em função do superior interesse da criança, as quais devem ser aplicadas em função desse interesse. Esclarece no Considerando 20 que, para «salvaguardar o superior interesse da criança, a competência jurisdicional deverá, em primeiro lugar, ser determinada em função do critério da proximidade. Consequentemente, a competência deverá ser atribuída aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, exceto em determinadas situações previstas no presente regulamento, por exemplo, nos casos em que ocorra uma mudança da residência habitual da criança ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental».
O superior interesse da criança no âmbito da competência internacional é concretizado pela atribuição de competência ao tribunal mais próximo da criança – com base na residência habitual desta –, por ser aquele que conhece melhor a sua situação familiar e social, o seu estado de desenvolvimento e, por isso, está mais apto a adotar as decisões necessárias e de forma mais eficiente para salvaguardar o seu superior interesse[21].
Com efeito, o legislador considerou que o órgão jurisdicional geograficamente próximo da residência habitual do menor é o mais bem colocado para apreciar as medidas a adotar no interesse do menor[22].
Aquela norma de competência geral é apelidada de centralizadora, visto que todos os pedidos relativos às responsabilidades parentais, sejam relativos ao direito de guarda, ao direito de visita, ou as demais matérias elencadas no n.º 2 do art. 1º do Regulamento estão sujeitas ao foro da residência habitual da criança[23].
Mas o que se deve entender por «residência habitual»?
Desde logo devemos ter presente que os conceitos plasmados no Regulamento (UE) 2019/1111 (Bruxelas II ter) devem ser interpretados independentemente de direito nacional dos Estados-Membros, através de uma interpretação autónoma dos mesmos.
Segundo a jurisprudência do TJUE – ainda a propósito do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 (Bruxelas II bis), mas que mantém plena validade, visto ter sido mantida a mesma regra da competência geral –, residência habitual para efeitos do Regulamento (UE) 2019/1111 deve ter uma interpretação autónoma[24], à luz do contexto das regras e dos fins prosseguidos pelo mesmo no contexto da responsabilidade parental, nomeadamente o que resulta do seu 12 Considerando, segundo o qual as regras de competência nele fixadas são definidas em função do superior interesse da criança, em particular do critério da proximidade[25]. Dito de outro modo: O conceito de residência habitual da criança deve ser objeto de uma interpretação autónoma, em conformidade com os objetivos e finalidade dos instrumentos internacionais, a determinar com base num conjunto de circunstâncias de facto relevantes em cada caso concreto (teste de conexão), incumbindo ao órgão jurisdicional nacional determinar esse local[26].
Nesse sentido, a residência habitual para efeitos do art. 7° do Regulamento (UE) 2019/1111 deve ser entendida como o local que revela uma certa integração da criança ou regularidade social e familiar e deve apresentar certa estabilidade ou regularidade, características determinadas por alguns indícios do caso concreto que traduzem a integração social e familiar da criança. Além da presença física da criança, os indícios a serem determinados no caso específico devem permitir concluir que essa presença não é de natureza temporária ou ocasional e revelar a integração da criança num ambiente social e familiar localizado naquele Estado, sendo a residência habitual caracterizada por uma certa estabilidade ou regularidade[27].
A noção referida envolve elementos objetivos que traduzem a integração social e familiar da criança, mas também elementos subjetivos que se corporizam na intenção dos titulares das responsabilidades parentais se fixarem com a criança em certo estado com caráter de permanência. Com efeito, o ambiente da criança é geralmente um ambiente familiar que deve ser valorizado no apuramento residência habitual da criança.
Segundo a jurisprudência do TJUE, os indícios que, no caso concreto, podem ser valorizados para preencher os elementos objetivos e subjetivos que integram o conceito de residência habitual podem ter em consideração, por exemplo: presença da criança sem caráter temporário ou ocasional, revelando uma certa integração num ambiente social e familiar; presença física da criança num determinado Estado (embora essa mera presença não seja suficiente); a duração; regularidade; as condições e os motivos da permanência da criança e da família no território de um Estado-Membro ou da mudança para outro Estado-membro; a nacionalidade da criança; o local e as condições de escolaridade; os conhecimentos de linguísticos; os laços familiares e sociais nesse Estado; a intenção do detentor do direito de guarda de se estabelecer com a criança em outro Estado-Membro, expressa por certas medidas externas, como a aquisição ou o arrendamento de uma casa no Estado-Membro de acolhimento ou o pedido de atribuição de habitação social a prestar aos serviços sociais de um Estado-Membro, que pode ser uma indicação da transferência da residência habitual; a idade da criança, sendo que os fatores a tomar em consideração no caso de uma criança em idade escolar são diferentes daqueles a que se deve atender tratando-se de uma criança mais velha ou mais nova; regra geral, o ambiente de uma criança de tenra idade é essencialmente um ambiente social e familiar, determinado pela pessoa ou pessoas de referência com as quais a criança vive, que a guardam efetivamente e dela cuidam; estando a criança em idade lactante, razões da mudança da mãe para outro Estado, seus conhecimentos linguísticos e suas origens geográficas e familiares; a intenção da pessoa que exerce as responsabilidades parentais em fixar o centro permanente ou habitual dos seus interesses com a intenção de torná-lo permanente; propositura conjunta de uma ação por ambos os pais de uma criança num tribunal da sua escolha[28].
A competência é determinada no momento em que o processo é instaurado no tribunal, conforme resulta do art. 7º, n.º 1, do Regulamento (UE) 2019/1111[29].
O dito Regulamento mantém o princípio da estabilidade da jurisdição competente (“perpetuatio fori”) do tribunal da residência habitual da criança, que já resultava do Regulamento (CE) n.º 2201/2003.
Em conformidade com o Considerando 21, «quando ainda não exista qualquer processo pendente em matéria de responsabilidade parental e quando a residência habitual da criança seja alterada na sequência de uma mudança de residência legítima, a competência deverá acompanhar a criança, a fim de manter a proximidade. Para os processos já em curso, a segurança jurídica e a eficiência da justiça justificam que a competência seja mantida até que esses processos culminem numa decisão definitiva ou sejam arquivados por qualquer outra razão».
De acordo com o mencionado princípio da “perpetuatio fori”, a alteração da residência habitual da criança na pendência do processo não tem como consequência a alteração da competência no processo pendente.
Todavia, essa competência do tribunal deve ser verificada e determinada em cada caso específico, quando um processo é instaurado num tribunal, o que implica que não se mantém após a conclusão de um processo[30].
Daí que, em relação a decisões transitadas, se existir uma alteração lícita da residência habitual da criança o tribunal da nova residência habitual assume a jurisdição. Nesse sentido, o TJUE já decidiu que os «órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro que adotaram uma decisão transitada em julgado em matéria de responsabilidade parental e de obrigações de alimentos devidas a um menor já não são competentes para se pronunciarem sobre um pedido de alteração das disposições decretadas por essa decisão, na medida em que a residência habitual do menor se situar no território de outro Estado‑Membro. São os órgãos jurisdicionais deste último Estado‑Membro que são competentes para se pronunciarem sobre esse pedido»[31].
A competência geral do tribunal da residência habitual da criança cede, porém, nos termos do art. 7º, n.º 2, perante as regras de competência (internacional) especiais previstas no art. 8º (“Prolongamento da competência do Estado-Membro da anterior residência habitual da criança”), art. 9º (“competência em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança”), art. 10º (“escolha do tribunal”)”[2] (negrito nosso).
Convocada vem, no caso, mudança ilícita de residência da criança (por não autorizada), juntamente com a progenitora, de Portugal para França, situação alegadamente subsumível ao referido art. 9º, do Regulamento (UE) 2019/1111 (não a preceito do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, visto não ser este diploma aplicável à presente ação, instaurada no ano de 2023, tendo aquele regulamento entrado em vigor, como vimos, no dia 1 de agosto de 2022).
O mencionado art. 9º com a epígrafe “Competência em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança” estatui:
“Sem prejuízo do artigo 10.º, em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, os tribunais do Estado-Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas, continuam a ser competentes até a criança passar a ter a sua residência habitual noutro Estado-Membro e:
a) Cada pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda dar o seu consentimento à deslocação ou à retenção; ou
b) A criança ter estado a residir nesse outro Estado-Membro durante, pelo menos, um ano após a data em que a pessoa, instituição ou outro organismo, titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, se esta se encontrar integrada no seu novo ambiente e se estiver preenchida pelo menos uma das seguintes condições:
i) não ter sido apresentado, no prazo de um ano após a data em que o titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, qualquer pedido de regresso junto das autoridades competentes do Estado-Membro para onde a criança foi deslocada ou onde se encontra retida;
ii) o titular do direito de guarda ter desistido do pedido de regresso e não ter sido apresentado qualquer novo pedido dentro do prazo previsto na subalínea i);
iii) o pedido de regresso apresentado pelo titular do direito de guarda ter sido indeferido por um tribunal de um Estado-Membro com base em motivos diferentes dos previstos no artigo 13.º, primeiro parágrafo, alínea b), ou no artigo 13.º, segundo parágrafo, da Convenção da Haia de 1980, e essa decisão já não ser suscetível de recurso ordinário;
iv) não tiver sido instaurado um processo em qualquer tribunal, como referido no artigo 29.º, n.ºs 3 e 5, no Estado-Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas;
v) os tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas terem proferido uma decisão sobre o direito de guarda que não determine o regresso da criança” (negrito nosso).

Revertendo para as circunstâncias do caso, temos que, como o próprio progenitor afirma, logo no requerimento inicial, a criança (que teve residência em Portugal e que neste país viveu até aos 12 anos de idade) foi deslocada para França, aí passando, desde setembro de 2022, a ter residência habitual com a mãe, frequentando nesse país a escola, cumprindo, contudo, acrescentar ter o pai autorizado essa frequência - de escola em França (v. alegação da progenitora e resposta do progenitor à exceção por ela deduzida).
Assim, o menor, que reside com a mãe em França, desde setembro de 2022, foi autorizado, pelo seu progenitor/requerente/apelante a frequentar a escola nesse país, o que tem, na verdade, implícito o consentimento prestado, pelo mesmo, à permanência, à retenção da criança naquele país. Na verdade, a autorização dada pelo progenitor, de frequência da escola, tem, necessariamente, ínsita a autorização de residência em França, por forma a criança, de 12 anos de idade, poder frequentar, em termos de normalidade, a escola nesse país.
Deste modo, à data da instauração do presente incidente de alteração do exercício das responsabilidades parentais, como vimos, a relevante, a criança tinha a sua residência habitual, em França, há mais de três meses. Assim, no caso, tal como se verificava no do mencionado Ac. da RG, não merece controvérsia não se verificarem as exceções contidas no art. 8º[3] (visto estar já excedido o prazo de três meses após a deslocação da menor para outro Estado-Membro), porquanto, tendo a criança sido deslocada para França (com a mãe, que aí passou a residir), esta aí tem residência desde setembro de 2022 e a presente ação foi proposta em 2023. E perante a inviabilidade da aplicação do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 (diploma que, como vimos, não é aplicável, sendo-o o Regulamento (CE) n.º 2019/1111, entrado em vigor em 1 de agosto de 2022) e dado a situação não ser subsumível ao art. 10º[4], do Regulamento (CE) n.º 2019/1111, pois que se não trata de situação de “escolha do tribunal” por ambos os progenitores (exceção ao princípio da proximidade e à competência do tribunal da residência habitual da criança, a verificarem-se determinadas condições relativas à escolha de um tribunal de um Estado-Membro), cumpre analisar se se verifica uma das outras situações consagradas no Regulamento que justifique a competência dos tribunais portugueses. Ora, a pretensão de alteração de regulação das responsabilidades parentais foi apresentada pelo recorrente, por apenso ao processo onde se realizou o acordo sobre as responsabilidades parentais, tendo sido apenas aquele a requerer a alteração da regulação do poder paternal e sem no requerimento inicial fazer alusão à existência de um acordo entre os progenitores quanto à atribuição da competência do tribunal (português) para apreciar a pretensão de alteração do regime. Assim, não existindo acordo das partes quanto à atribuição da competência celebrado até à data em que o processo foi instaurado, temos se apresenta o apelante a pretender seja o caso enquadrado no art. 9º, dada a ilícita deslocação da criança para França.
Contudo, como vimos, também nele se não pode enquadrar o caso, pois o requerente deu o seu consentimento à permanência em França, tendo, mesmo, autorizado a criança a aí frequentar a escola, não estando, pois, reunidas as condições, de exceção, consagradas para se afastar o critério geral da residência habitual da criança, ínsito no art. 7.º, n.º 1, do Regulamento (UE) 2019/1111), e, por isso, são, efetivamente, os tribunais portugueses internacionalmente incompetentes para o presente processo de alteração das responsabilidades parentais.
Não se verificam as condições necessárias à continuação da competência dos Tribunais do Estado Português, pois a criança passou a ter residência habitual em França e o progenitor requerente deu o seu consentimento à retenção da mesma nesse país.
Subsumindo-se o caso ao critério geral da competência, consagrado no nº1, do art. 7º, do Regulamento(UE) n.º 1111/2019, de 25 de junho, a eleger como elemento decisivo a residência habitual da criança à data da instauração do processo judicial de alteração das responsabilidades parentais, não se verificando as circunstâncias, especiais, consagradas em que a competência geral do tribunal da residência habitual da criança cede (cfr nº2, do art. 7º) - consagradas no art. 8º (com a epígrafe “Prolongamento da competência do Estado-Membro da anterior residência habitual da criança”), art. 9º (“Competência em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança”) e art. 10º (“Escolha do tribunal”) – aplicando ao caso aquele critério geral temos que é internacionalmente competente para conhecer do litígio o Tribunal do Estado Francês, sendo o do Estado Português incompetente, como bem considerou o Tribunal a quo, o que conduz à procedência da, arguida, exceção dilatória, mesmo de conhecimento oficioso (cfr. art. 18º do referido Regulamento[5]), da incompetência internacional dos Tribunais portugueses (v. arts. 59º, 96º, al. a), 97º, 99º, 278º, n.º 1, al. a), 279º, 577º, al. a) e 578º, todos do CPC).
Neste conspecto, e porque, na verdade, o progenitor, que invoca que o CC foi levado para a França pela requerida sem consentimento prévio do pai ou do Tribunal e aí reside desde setembro de 2022, se apresentou a consentir a retenção da criança naquele país, autorizando a que aí frequente a escola, temos de concluir que o procedimento incidental de alteração da regulação pretendida pelo requerente compete aos tribunais franceses, sendo, assim, os portugueses internacionalmente incompetentes.
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As custas do recurso são da responsabilidade do recorrente dada a total improcedência da sua pretensão recursória (nº1 e 2, do artigo 527º, do Código de Processo Civil).

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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.







Porto, 7 de outubro de 2024

Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores

Eugénia Cunha
Manuel Domingos Fernandes
Ana Olívia Loureiro

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[1] Ac. do STJ de 29/2/2024, proc. 3322/22.6T8LRA-A.C1-A.S1, acessível in dgsi.pt
[2] Ac. da RG de 24/4/2024, proc. 4272/08.4TBBCL-E.G1 (Relator: Alcides Rodrigues), acessível in dgsi.pt
[3] É a seguinte a redação de tal artigo:
“Prolongamento da competência do Estado-Membro da anterior residência habitual da criança
1. Quando uma criança se desloca legalmente de um Estado-Membro para outro e passa a ter a sua residência habitual neste último, os tribunais do Estado-Membro da anterior residência habitual da criança mantêm, em derrogação do artigo 7.º, a sua competência, durante três meses após a deslocação, para alterarem uma decisão sobre o direito de visita proferida nesse Estado-Membro antes da deslocação da criança se a pessoa a quem foi reconhecido o direito de visita pela decisão continuar a residir habitualmente no Estado-Membro da anterior residência habitual da criança.
2. O n.º 1 não é aplicável se o titular do direito de visita referido no n.º 1 tiver aceitado a competência dos tribunais do Estado-Membro da nova residência habitual da criança, participando no processo instaurado nesses tribunais, sem contestar a sua competência”.
[4] Estatui tal artigo 10º:
 “1. Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental caso sejam preenchidas as seguintes condições: a) Se a criança tiver uma ligação estreita com esse Estado-Membro, em especial devido ao facto de:
i) pelo menos, um dos titulares da responsabilidade parental ter a sua residência habitual nesse Estado-Membro,
ii) a criança ter tido nesse Estado-Membro a sua residência habitual anterior, ou
iii) a criança ser nacional desse Estado-Membro;
b) Se as partes no processo, bem como qualquer outro titular da responsabilidade parental:
i) tiverem chegado de livre vontade a acordo quanto à competência, o mais tardar à data em que o processo é instaurado em tribunal, ou
ii) tiverem aceitado explicitamente a competência no decurso do processo e o tribunal tiver assegurado que todas as partes sejam informadas do seu direito de não aceitar a competência; e
c) Se o exercício da competência for no superior interesse da criança.
2. O acordo relativo à atribuição de competência nos termos do n.º 1, alínea b), deve ser por escrito, datado e assinado pelas partes em causa, ou incluído no auto do processo em conformidade com o direito e os procedimentos nacionais. Entende-se equivalente à forma escrita qualquer comunicação por via eletrónica que permita um registo duradouro do acordo.
As pessoas que se tornem partes no processo após a instauração do mesmo em tribunal podem manifestar o seu acordo após a instauração. Na falta da sua oposição, é considerado implícito o seu acordo.
3. Salvo acordo das partes em contrário, a competência atribuída nos termos do n.º 1 cessa logo que:
a) A decisão proferida nesse processo já não for suscetível de recurso ordinário; ou
b) O processo tenha sido arquivado por qualquer outra razão.
4. A competência atribuída nos termos do n.º 1, alínea b), subalínea ii), é exclusiva
[5] Estatui o referido preceito: “O tribunal de um Estado-Membro no qual tenha sido instaurado um processo para o qual não tenha competência para conhecer do mérito da causa ao abrigo do presente regulamento, e em relação ao qual um tribunal de outro Estado-Membro seja competente para conhecer do mérito da causa ao abrigo do presente regulamento, deve declarar-se oficiosamente incompetente”.