ARTICULADO SUPERVENIENTE
PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
SUPERVENIÊNCIA SUBJECTIVA
SUPERVENIÊNCIA OBJECTIVA
Sumário


I- Os factos a alegar como supervenientes hão-se ser factos essenciais, pois que o art. 588º/1 CPC fala de factos constitutivos, modificativos e extintivos.
II- Tal como ocorre quando proposta ação atinente ao incumprimento de contrato promessa de compra e venda, se o promitente vendedor, já no decurso do processo, vende o bem a terceiro;
III- E hão de ser factos supervenientes - objetivamente, porque ocorridos depois do articulado em que faria sentido, se já ocorridos, terem sido alegados, ou porque ocorridos depois de todos os articulados; subjetivamente, se ocorreram anteriormente ao articulado em que faria sentido alegá-los, mas de que a parte só vem a ter conhecimento depois de findos os prazos normais para a sua alegação.
IV- Se a parte alegar a superveniência subjetiva para justificar a dedução do novo articulado, sobre a mesma recai o ónus da prova de tal alegação e da não “censurabilidade” da respetiva superveniência.
V- Só o desconhecimento atempado do facto assente numa negligência grave deve obstar à sua alegação em articulado superveniente.
VI- Tendo resultado demonstrado que a parte apenas poderia ter deduzido o articulado superveniente após a audiência prévia, (porque apenas lhe era exigível que poderia ter tido conhecimento da factualidade que a legitima após a realização da diligência, e quando se juntou aos autos o registo da ação donde ressuma a modificação da situação jurídica dos imóveis em discussão desde 2015) e apresentando tal articulado antes de iniciada a audiência final, o articulado deve ser admitido por se mostrar tempestivo.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

*
I- Relatório:

A- Em 07-07-2015, os presentes autos de ação declarativa e com o nº ...48/15, foram propostos por EMP01..., S. A, AA, E BB, contra, EMP02..., LDA,
Trata-se de uma ação de condenação, pedindo os AA:
a. A Ré condenada a reconhecer que é aos Autores, BB, AA e EMP01..., S. A. que assiste o direito de ver cumprido os contratos promessa de partilha outorgados;
b. A Ré citada para querendo contestar a execução específica do contrato promessa de permuta do lote de terreno número 5 e 6 e 7 e 8.
c. Caso não seja ordenada a execução específica dos referidos contratos, o que por mera hipótese académica se admite, sempre deverá, em alternativa, a Ré ser condenada a restituir aos Autores os valores com que ela indevidamente se apropriou no valor correspondente ao preço dos lotes de terreno número 5 e 6, ou seja, de 270.000,00 € (duzentos e setenta mil euros), acrescido do seu dobro por incumprimento definitivo do contrato promessa de permuta.

Foi apresentada a contestação pela Ré em 25-09-2015.

B- Em 15-12-2015, foi proposta ação declarativa, com o nº processo nº ...5, por “EMP02..., LIMITADA”,  contra AA, BB, “EMP01... S.A.”, “EMP03..., LDA.,” CC e mulher DD.

Trata-se de uma ação de condenação, pedindo o autor:
Ã) ser declarado resolvido o contrato promessa de permuta referido em 13º da p.i., e por via disso, serem os RR. solidariamente, condenados a pagar à Autora o montante de 412.042,46 € (quatrocentos e doze mil e quarenta e dois euros e quarenta e seis cêntimos ), correspondente à soma de todos os valores das obras e construções esta incorporou nos Lotes Nº ... e ..., melhor identificados no Artigo 9º deste articulado, acrescida de juros de mora contados à taxa legal de 4% ano, sob o montante de 381.830,78 euros, deste a citação até efectivo e integral pagamento; ou o montante que vier a ser apurado em momento ulterior do processo ou ainda em quantia que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença, ou em
execução de sentença;
B)- Quando assim se não entenda ser declarada a resolução do contrato promessa de permuta por incumprimento por parte dos RR., e por via por via disso, serem os RR. solidariamente, condenados a restituir à Autora o montante de 412.042,46 € (quatrocentos e doze mil e quarenta e dois euros e quarenta e seis cêntimos ) correspondente à soma de todos os valores que esta incorporou nos Lotes Nº ... e ..., acrescida de juros de mora contados à taxa legal de 4% ano, sob o montante de 381.830,78 euros deste a citação até efectivo e integral pagamento;
Ou,
se assim senão entender, e se entender ser de aplicar o instituto da acessão industrial imobiliária
C) Devem nesse caso, os RR. ser solidariamente condenados a reconhecer que as obras realizadas no Lote Nº ..., foram feitas e pagas exclusivamente pela Autora, em valor não inferior a 54.550,00€ (cinquenta e quatro mil quinhentos e cinquenta euros, e que tal valor é por sua vez inferior ao que o referido prédio urbano (Lote ...) ,tinha antes dessa incorporação, e nesse pressuposto indemnizarem a Autora no supra referido montante de 54.550,00 €, acrescido de juros de mora ; ou o montante que vier a ser apurado em momento ulterior do processo ou ainda em quantia que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença, ou em execução de sentença;
D) E ser declarado e reconhecido, que a Autora adquiriu, por acessão industrial imobiliária, e livre de quaisquer ónus ou encargos, o direito de propriedade sobre o prédio que constitui o Lote Nº ... que corresponde ao actual artigo 4249º da União de Freguesias ... (... e ...) e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...17, da freguesia ... (...), e as benfeitorias em consequência daquela incorporação, e nesse caso, fixando-se o preço a pagar pela A. à 3ª Ré, pelo Lote Nº ..., no montante de 130.000,00 €, valor que tal prédio tinha antes da incorporação das obras efectuadas pela Autora, ou o montante que vier a ser apurado em momento ulterior do processo ou ainda em quantia que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença, ou em execução de sentença;
E) -Efectuando-se em todo caso a devida compensação de valores, de que a Autora é credora em virtude das obras realizadas no Lote Nº ..., no montante de 54.550,00 € ou o montante que vier a ser apurado em momento ulterior do processo ou ainda em quantia que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença, ou em execução de sentença;
Subsidiariamente,
F) Serem os RR. condenados a pagar de forma solidária, à Autora, a quantia 412.042,46 € (quatrocentos e doze mil e quarenta e dois euros e quarenta e seis cêntimos ) acrescida de juros de mora contados à taxa legal de 4% ano, sob o montante de 381.830,78 euros deste a citação até efectivo e integral pagamento, a titulo de enriquecimento sem causa.

Os RR apresentaram contestações conjuntas.

C- Por despacho de 28-10-2016 foi ordenada a apensação a estes autos os autos de processo nº ...5 supra referidos.

D. Na audiência prévia realizada em 20-02-2018, foi proferido despacho saneador e fixado valor à ação.

E. Em 17-01-2024, véspera da data agendada para o início da audiência de julgamento, e através de requerimento, vieram os autores apresentar articulado superveniente, ao abrigo do disposto no artigo 588.º do Código de Processo Civil.
Alegam os mesmos que, em 17/01/2024, na preparação da audiência final, se deslocaram à Conservatória do Registo Predial ... e obtiveram fotocópias simples, com valor de informação, respeitantes ao prédio identificado na petição inicial como doc. n.º 6.
Os AA. tomaram conhecimento que se mostra registada sobre o prédio designado como lote n.º ... (prédio descrito no Registo Predial com o n.º ...12, da freguesia ...), através da Ap. ...52, de 17/01/2017, a constituição de propriedade horizontal do referido imóvel, nos termos da qual o mesmo passou a integrar 6 (seis) frações, designadas pelas letras ..., ..., ..., ..., ... e ..., e partes comuns.
Subsequentemente, os AA. solicitaram fotocópias simples, com valor de informação, relativas a cada uma das 6 (seis) frações autónomas e independentes que integram o condomínio do prédio designado na petição inicial como doc. n.º 6, e tomaram conhecimento de que as mesmas foram vendidas ( com os registos respetivos datados de 6.11.2017, 19-05-2017, 04-08-2017, 28-07-2017, 31-08-2017 e 26-11-2019).
Em 17/01/2024, os AA. tomaram também conhecimento de que, os sócios da Ré EMP02... (EE e FF), em Janeiro de 2018, constituíram uma nova sociedade comercial, com objeto social similar ao da referida Ré, que denominaram de Quinta ..., cujo registo de constituição foi feito através da Ap. ...0, de 10/01/2018. Os AA. souberam ainda que, em 06/12/2018, os sócios-gerentes da Ré EMP02..., Lda. registaram uma redução do capital social daquela Ré, de 700 000,00 € para 200 000,00 €, facto que foi registado através da Ap. ...7, de 06/12/2018.
Os AA. dizem assim que a Ré EMP02..., Lda. impossibilitou definitivamente o cumprimento das obrigações assumidas no contrato promessa de permuta de bem presente por bem futuro celebrado com os Autores AA e BB, pois a alienação de frações desse prédio aos mesmos deixou de estar dependente da Ré EMP02..., Lda. e passou a estar dependente de atos de terceiros, designadamente, dos adquirentes das 6 (seis) frações acima referidas. Concluem os AA. que a Ré EMP02..., Lda. incumpriu definitiva e culposamente o contrato-promessa de permuta de bem presente por bem futuro, respeitante aos prédios designados na p.i. como Lotes n.º ... e ....
Os AA. alegam que, no início de 2018, os sócios e os gerentes da Ré EMP02..., Lda., precavendo o mais que provável desfecho desfavorável deste processo, começaram a preparar terreno para se furtarem ao cumprimento das suas obrigações (os AA. referem duas ações judiciais).
Os AA. dizem que a Ré atentou contra o dever de boa fé processual, ocultando factos pertinentes para a apreciação do mérito da causa e pedem a condenação da mesma como litigante de má fé.
A Ré apresentou resposta e opôs-se à admissão de tal articulado e ampliação do pedido e também pediu a condenação dos AA. como litigantes de má fé.

F- Sobre a matéria em questão foi proferido despacho que decidiu não admitir o articulado superveniente apresentado pelos AA, bem como, a ampliação da causa de pedir e pedido baseadas no mesmo articulado  e no requerimento datado de 12-02-2024, nos termos do qual se lê o seguinte:
“ …
Cumpre decidir:
Da documentação junta aos autos pela Ré, constata-se que o Exmº Mandatário dos AA., em momento muito anterior ao invocado, teve conhecimento dos atos por si enunciados no articulado superveniente.
Por outro lado, importa referir que estamos perante factualidade decorrente da análise de certidões obtidas na conservatória do registo predial. De igual modo, no que respeita à questão das sociedades, estão em causa atos de registo comercial, que são públicos. A qualquer momento os AA. poderiam ter tido acesso a essa informação se diligenciassem nesse sentido.
O artigo 588.º do Código de Processo Civil prescreve os termos em que são admitidos os articulados supervenientes.
A superveniência a que se refere o artigo, pode ser de dois tipos:
- Superveniência objetiva: verifica-se quando os factos capazes de legitimarem o oferecimento de novo articulado ocorrem depois de oferecidos os articulados das partes e, por esse motivo, não podiam ter sido alegados nesses articulados.
- Superveniência subjetiva: verifica-se quando os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito, ocorreram antes do oferecimento dos articulados, mas a sua ocorrência só mais tarde veio ao conhecimento da parte a quem aproveitam.
De acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 588.º do Código de Processo Civil, o articulado superveniente deve ser apresentado:
a) Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respetivo encerramento;
b) Nos dez dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia;
c) Se houver audiência prévia e os factos ocorrerem ou forem conhecidos após o respetivo encerramento, o articulado superveniente deverá ser deduzido no início da audiência de julgamento;
d) Na situação prevista na alínea b), se os factos ocorrerem ou o conhecimento dos mesmos for posterior ao prazo ali indicado, o novo articulado deverá ser deduzido no início da audiência de julgamento;
e) Caso se tenha iniciado a audiência final, mas a ocorrência dos factos ou o seu conhecimento se verificar após esse início, o articulado superveniente deverá ser deduzido até ao encerramento da discussão.
Se a parte alegar a superveniência subjetiva para justificar a dedução do novo articulado, sobre a mesma recai o ónus da prova de tal alegação.
Tendo resultado demonstrado que a parte poderia ter deduzido o articulado superveniente na audiência prévia, (porque poderia ter tido conhecimento da factualidade que o legitima antes da realização da diligência, se tivesse atuado com o zelo e o cuidado que são exigíveis ao cidadão medianamente diligente em idênticas circunstâncias), e que só o apresenta dias antes de iniciada a audiência final, o articulado não deve ser admitido por se mostrar intempestivo.
Ora, entende-se que a situação descrita não se enquadra na superveniência subjetiva; não foi feita prova dessa superveniência subjetiva; contudo, sempre se dirá que se constata que foi realizada audiência prévia, com elaboração de despacho saneador, em 20 de fevereiro de 2018. Em face da alegação constante do articulado superveniente, o mesmo é intempestivo.
Acrescentar ainda que toda a factualidade em causa resulta de certidões de registo predial e comercial, pelo que, mesmo que o articulado fosse tempestivo, não haveria necessidade nunca de alterar os temas de prova. O Tribunal, analisadas as certidões, teria de considerar as alterações efetuadas a nível de registos.
A litigância de má fé das partes, será apreciada a final.
Indefere-se assim o peticionado pelos AA.
Condenam-se os mesmos no pagamento de duas UCs pelo incidente anómalo gerado.
Notifique.
*
Os AA., em 12/02/2024, invocando o seu articulado superveniente, referem que os factos por si alegados nos arts. 7.º, 8.º, 9.º, 10.º e 11.º do mesmo foram confessados pela Ré, porque expressamente aceites no art. 20.º da douta resposta ao articulado superveniente.
De acordo com o art. 265.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, “Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor.
Referem os AA. que a confissão de factos pela Ré, contida no art. 20.º da resposta ao articulado superveniente, lhes confere o direito a alterar a causa de pedir.
Requerem os AA. a admissão da ampliação do pedido indemnizatório já formulado na p.i., com a consequente condenação, a final, da Ré a pagar aos Autores indemnização de valor não inferior a 910 000,00 €, acrescida de juros moratórios, contados à taxa legal, desde a data da citação, ou, caso o valor de tal prejuízo não venha a ser apurado nesta sede, indemnização a liquidar em execução de sentença ou, caso assim se não entenda, a fixar em decisão ulterior, equivalente ao valor real e de mercado dos 3 (três) frações que deixou de receber da Ré ou, subsidiariamente, ao valor dos Lotes n.º ... e ... e ao lucro que deixou de poder auferir por força da sua não restituição; a admissão da ampliação do pedido indemnizatório já formulado na p.i. devendo, subsidiariamente e para o caso de improcedência do pedido de execução específica e conclusão das obras respeitantes ao contrato que tem por objeto os
Lotes n.º ... e ..., condenar-se, a final, da Ré a pagar aos Autores indemnização de valor não inferior a 910 000,00 €, acrescida de juros moratórios, contados à taxa legal, desde a data da citação, ou, caso o valor de tal prejuízo não venha a ser apurado nesta sede, indemnização a liquidar em execução de sentença ou, caso assim se não entenda, a fixar em decisão ulterior, equivalente ao valor real e de mercado dos 3 (três) frações que deixou de receber da Ré ou, subsidiariamente, ao valor dos Lotes n.º ... e ... e ao lucro que deixou de poder auferir por força da sua não restituição; a admição da ampliação ou modificação do pedido contido no ponto b do petitório – cfr. art. 265.º, n.º 2 e 3 do Cód. Proc. Civil -, de modo a que a Ré seja, ademais, condenada a praticar os atos necessários à conclusão das obras que se obrigou a fazer, nos Lotes n.º ... e ..., entregando aos Autores 3 (três) frações desses lotes, nos termos contratualizados no contrato que tem por objeto os mesmos; a extinção da instância, por inutilidade superveniente, quanto ao pedido de execução específica do contrato celebrado por Autores e Ré que tem por objeto os Lotes n.º ... e ..., com custas a cargo da Ré.

Cumpre apreciar.
Quanto à alteração ou ampliação do pedido e da causa de pedir, a lei admite-as por acordo das partes em qualquer altura, em 1ª ou 2ª instância, salvo de tal “perturbar inconvenientemente a instrução, discussão ou julgamento do pleito” (art. 264º do CPC).
Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor (art. 265º nº1 do CPC); ou se estiverem em causa factos supervenientes, isto é, factos que tenham ocorrido ou sido conhecidos depois da apresentação da petição inicial (art. 588º nº1 do CPC).
Tendo em conta que se considerou não existir superveniência, não há factualidade nova admitida, não há confissão da mesma e, portanto, fica prejudicada a apreciação do requerido pelos AA. (sendo que o Tribunal, a final, declarará extintos os pedidos que se tenham tornado supervenientemente inúteis).
Condenam-se os AA. no pagamento de duas Ucs pelo incidente anómalo gerado.
Notifique.”
*
Inconformado com aquele despacho, vieram os AA dela interpor recurso, e a terminarem as respetivas alegações, formularam as seguintes conclusões (que se transcrevem):
“1. O presente recurso é interposto do douto despacho proferido nos autos em 24/05/2024, na parte em que não admitiu o articulado apresentado superveniente pelos Recorrentes em 17/01/2024 nem a ampliação e alteração ao pedido feitas no requerimento de 12/02/2024.
2. Atento o disposto no art. 588.º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil, temos que: havendo audiência prévia, é nesta diligência que deve ser apresentado articulado superveniente; caso não haja audiência prévia, o articulado superveniente deve ser apresentado nos 10 (dez) dias posteriores à designação de data para a audiência final.
3. Nos presentes autos houve lugar à realização de audiência prévia, o que significa que, de acordo com o disposto no art. 588.º do Cód. Proc. Civil, os articulados supervenientes teriam de ser apresentados nessa diligência (relativamente a factos ocorridos até essa data e que fossem já do conhecimento dos Recorrentes) ou no início da audiência final (relativamente a factos ocorridos após a audiência prévia ou conhecidos após esta diligência).
4. A audiência prévia foi realizada no dia ../../2018, data em que também foi proferido douto despacho saneador, donde resulta que serão objectivamente supervenientes todos os factos posteriores a essa data; os demais, no limite, poderão ser subjectivamente supervenientes (o que sucederá se, sendo anteriores, só tiverem chegado ao conhecimento dos Autores após essa data).
5. Partir-se de um pedido de registo com data de 21/06/2018 e de uma sentença datada de 14/09/2018 para se concluir que os Autores ou, no caso, os seus Mandatários tinham conhecimento dos factos alegados no articulado superveniente antes da audiência prévia (ou seja, 4 e 7 meses antes das datas daqueles documentos), é extrair dos mesmos um alcance que os mesmos manifestamente não têm.
6. São objectivamente supervenientes os factos alegados nos arts. 12.º, 14.º do articulado superveniente, ao passo que não são objectivamente supervenientes, mas, no limite (caso tenham chegado ao conhecimento da Recorrente após ../../2018), subjectivamente supervenientes, os factos alegados nos arts. 4.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º e 13.º do articulado superveniente.
7. Quanto aos factos objectivamente supervenientes, relevando os mesmos para apreciação do mérito da causa (desde logo, o alegado no art. 12.º do articulado superveniente, por respeitar a fracção que, na tese dos Autores, a Ré estava obrigada a entregar àquela), não se vislumbra qualquer fundamento legal para rejeitar liminarmente esse articulado, pelo que, nessa parte, o articulado superveniente não poderia deixar de ser admitido.
8. Quanto aos factos subjectivamente supervenientes, os Autores terão de provar que chegaram ao seu conhecimento após a data de realização da audiência prévia, sendo que, caso assim suceda, o articulado superveniente não poderá deixar de ser admitido, considerando-se tais factos na decisão final a proferir nos autos.
9. O Tribunal recorrido só poderia rejeitar o articulado superveniente caso os autos contivessem elementos que permitissem concluir que, em Fevereiro de 2018, os Autores já teria conhecimento dos factos subjectivamente supervenientes.
10. A partir do momento em que os autos não contêm elementos que permitam extrair essa conclusão, terá forçosamente de se concluir que a douta decisão recorrida é, nesta parte, ilegal e deverá ser revogada.
11. A circunstância de se terem realizado nos autos sucessivas tentativas de conciliação após a audiência prévia de 28/02/2018 não obrigava os Autores a apresentar, nessas diligências, o articulado superveniente.
12. Ainda que o mandatário dos Autores tivesse conhecimento dos factos supervenientes em 28/02/2018 (e nada nos autos aponta nesse sentido), tal facto seria irrelevante, já que o que releva para apreciação da superveniência dos factos era a data em que os Autores, e não o seu mandatário, tomaram conhecimento dos mesmos.
13. Não é o facto de o registo predial ser público que obrigava os Autores, até á audiência prévia, a consultar os actos de registo respeitantes ao imóvel, pois o que a lei exige é a alegação e prova da data em que, independentemente da data dos actos de registo, os Autores tomaram efectivo conhecimento dos mesmos, o que significa que, nada constando nos autos no sentido de que os Autores teriam conhecimento dos factos supervenientes antes de 28/02/2018, não se poderia invocar a data anterior dos registos para se concluir pela não superveniência do conhecimento dos mesmos pela Autora.
14. Não existem nos autos elementos que permitam concluir que os Autores tinham conhecimento dos factos supervenientes antes de 28/02/2018, o que significa que o Tribunal recorrido não poderia ter rejeitado os articulados supervenientes, pelo menos sem produção de prova quanto à data em que os Autores tomaram conhecimento dos factos aí alegados.
15. Não é o facto de o mandatário dos Autores não se recordar de documentos que consultou em Junho de 2018 (há mais de seis anos) – facto que, embora merecedor de uma mea culpa, não é anormal, atento o lapso de tempo decorrido – que poderá retirar aos Autores a possibilidade de produzir prova quanto à superveniência subjectiva dos factos por si alegados.
16. Ao decidir em sentido inverso, a douta decisão recorrida violou, além de outras, a norma do art. 588.º, n.º 1, 2 e 3, al. a) do Cód. Proc. Civil, o que impõe a sua revogação e prolação, em sua substituição, de Douto Acórdão que determine a produção de prova quanto à superveniência dos factos alegados para, em função da prova que vier a ser produzida, concluir, aí sim, pela admissibilidade, ou não, do articulado superveniente.
17. A segunda consequência a retirar do exposto é que o conhecimento da ampliação/alteração do pedido não poderá ficar prejudicada com fundamento na ausência de superveniência dos factos, o que equivale a dizer que, nessa parte, a decisão recorrida deverá também ser revogada e substituída por Douto Acórdão que ordene que, após prolação de decisão quanto à admissibilidade do articulado superveniente, o Tribunal recorrido aprecie as demais questões suscitadas pela Recorrente, designadamente, quanto às alterações e ampliações do pedido por esta requeridas.”
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Foram apresentadas contra-alegações sustentando-se a manutenção da decisão recorrida.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão essencial que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber:
- se o articulado superveniente de 17-01-2024, por ser tempestivo, deve ser admitido, conforme defendido pelos autores ou não, conforme consta da decisão recorrida, e ser apreciada a ampliação do pedido e admitida a mesma ou não.
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III. Fundamentação de facto.

Os factos a atender com relevo jurídico-processual constam do relatório elaborado.
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IV. Fundamentação de direito.

Entendeu o tribunal recorrido que não seria admissível o articulado superveniente junto aos autos pelos AA por ser extemporâneo, porquanto “ Tendo resultado demonstrado que a parte poderia ter deduzido o articulado superveniente na audiência prévia, (porque poderia ter tido conhecimento da factualidade que o legitima antes da realização da diligência, se tivesse atuado com o zelo e o cuidado que são exigíveis ao cidadão medianamente diligente em idênticas circunstâncias), e que só o apresenta dias antes de iniciada a audiência final, o articulado não deve ser admitido por se mostrar intempestivo”.
Argumentou ainda a decisão recorrida com base no seguinte raciocínio: “Da documentação junta aos autos pela Ré, constata-se que o Exmº Mandatário dos AA., em momento muito anterior ao invocado, teve conhecimento dos atos por si enunciados no articulado superveniente.
Por outro lado, importa referir que estamos perante factualidade decorrente da análise de certidões obtidas na conservatória do registo predial. De igual modo, no que respeita à questão das sociedades, estão em causa atos de registo comercial, que são públicos. A qualquer momento os AA. poderiam ter tido acesso a essa informação se diligenciassem nesse sentido.”.
Ora, cumpre desde já referir que a decisão recorrida refere-se à apreciação de todo o requerimento em causa como se tudo o alegado se tratasse apenas de superveniência subjetiva, sem distinguir dos factos essenciais alegados os que seriam objetivamente supervenientes e os subjetivamente supervenientes.
Diga-se, ainda, que de toda a alegação aduzida naquele articulado, apenas os factos essenciais são suscetíveis de ser considerados naquele âmbito.
Ou seja, do art. 588º, nº 1 do CPC resulta que só os essenciais (os factos constitutivos do direito do autor e os factos extintivos ou modificativos integrantes das exceções opostas pelo réu) constituem objeto do articulado superveniente, tal como ocorre com os factos concernentes às vendas dos imóveis a terceiros e ocorridas em 2017 e 2019 e que impossibilitam o cumprimento dos contratos promessa em causa.
Assim sendo a matéria da litigância de má fé extravasa a relação material controvertida e não seria apta a justificar a apresentação de articulado superveniente, ou seja, todos os factos respeitantes aos arts. 13º e 14º daquele articulado.
Diferentemente, já os factos respeitantes à constituição em propriedade horizontal e às vendas a terceiros das frações que constituíam todo o lote ... que consta do contrato promessa em causa, já são indubitavelmente factos essenciais suscetíveis de constituírem objeto do articulado superveniente e que nos interessa analisar e constantes dos arts. 4º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º.
E se a constituição em propriedade horizontal e as vendas a terceiro referidas nos arts. 4º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º respeitam ao ano de 2017, já a venda a terceiro referida no art. 12º refere-se ao ano de 2019.
Por outro lado, no caso vertente a audiência prévia teve lugar em 20-02-2018.
Vejamos.
Nos termos do art.º 588º do CPC, “1 - Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
2 - Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.
3 - O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes é oferecido:
a) Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respetivo encerramento;
b) Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia;
c) Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores.
4 - O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior.
5 - As provas são oferecidas com o articulado e com a resposta.
6 - Os factos articulados que interessem à decisão da causa constituem tema da prova nos termos do disposto no artigo 596º”.
Por seu turno, e atenta a ideia da economia processual, nos termos do art.º 611º, nºs 1 e 2 do CPC, a sentença deve atender aos factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão, atendendo-se àqueles factos que tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida.
No caso dos autos, na decisão recorrida questiona-se, desde logo, a superveniência ( subjetiva) dos factos alegados.
Consideram-se factos supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos dos articulados (superveniência objetiva), como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos devendo, neste caso, produzir-se prova da superveniência (superveniência subjetiva) – cfr. artigo 588.º/2, do CPC ( vide neste sentido A. Varela, Miguel Bezerra, Manual de Processo Civil, 2ª ed. p. 366).
Decorre do citado regime legal que a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes preconizada no artigo 611.º do CPC se opera a partir dos factos supervenientemente alegados pelas partes, observado que seja o disposto no artigo 588.º do CPC, cabendo ainda considerar outros factos conforme dispõe o artigo 5.º/2, do CPC, cumprido que seja o contraditório consagrado no artigo 3.º/3, do CPC.
Importa ainda consignar, conforme se lê em anotação ao art. 588º do CPC ( in CPC Anotado de G.P.S., p. 696, 2ª ed.): “ Relativamente ao autor, os factos constitutivos cuja alegação superveniente aqui se prevê  tanto podem destinar-se a completar a causa de pedir inicial, como podem implicar uma efetiva alteração ou modificação da causa de pedir inicial (ampliação da causa de pedir), o que significa que a superveniência é critério bastante para afastar as restrições fixadas pelo artigo 265º”.
Neste sentido, “pode o autor, neste específico condicionalismo, através dos novos factos supervenientes completar ou alterar a causa de pedir inicial, nomeadamente, ampliando-a mediante a alegação de outra causa de pedir, sem carecer, para tal, do acordo do réu ou, ainda, independentemente de a mesma resultar de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor, nas condições do citado artigo 265º, n.º 1, do CPC”. (Ac. TRP de 22-11-2021, proc. 470/20.0T8SJM-A.P1, relator Jorge Seabra).
A este propósito, refira-se que, a doutrina, com fundamento na economia processual e no aproveitamento de atos processuais, (designadamente Lebre de Freitas in Introdução ao Processo Civil, pág. 170, ed. de 1996, Coimbra Editora e C.P.Civil Anotado, 2001, pág. 342 e Teixeira de Sousa, in As partes, o objecto e a prova na acção declarativa, págs. 189 e 190, 1990 e in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, págs. 299-300, e também em blogippc.blogspot.pt) tem vindo a entender que, através do articulado superveniente, pode ser invocada uma nova causa de pedir e, assim, a rejeição de tal articulado só deve ter lugar quando se verificar qualquer dos pressupostos de indeferimento a que alude o nº 4 do art.º 588º.
Tal entendimento tem também vindo a ser seguido na jurisprudência, como se enumerou no AC da RL de 28-03-2023, relatora Ana Rodrigues da Silva: “ nomeadamente no Ac. TRC de 11-09-2012, proc. 408-F/2001.C1, relator Sílvia Pires, Ac. TRG de 25-05-2016, proc. 1827/09.5TBBCL-A.G1, relator Maria Purificação Carvalho, Ac. TRC de 26-04-2016, proc. 933/12.2TBCLD.C1, relator Maria Domingas Simões, todos permitindo a alteração ou ampliação da causa de pedir através de articulado superveniente.”
Mais se consigna que embora seja possível a dedução da ampliação do pedido em sede de articulado superveniente, nos termos do art.º 588º do CPC, estas duas realidades não se confundem, podendo ocorrer uma sem a outra, ao contrário do que se fez crer na segunda parte da decisão recorrida ( cfr. neste sentido o sumário do Ac. do STJ de 19-06-2019, proc. 22392/16.0T8PRT.P1.S1: “Decorre do direito adjetivo civil, que a ampliação do pedido não se confunde com um articulado superveniente, seja a título formal, seja a título substantivo, atenta a exigência decorrente da unidade do sistema jurídico e tendo em devida conta os preceitos legais atinentes”).
Assim sendo, poderia ser admitida a alteração do pedido nos termos pretendidos, por estarem demonstrados os requisitos constantes do art.º 265º do CPC, questão, contudo, não apreciada na decisão recorrida por se ter considerado prejudicada ( cfr. situação jurídica semelhante à ocorrida nos presentes autos, quanto aos lotes ... e ...- AC da RL de 27-06-2006, relator Carlos Moreira, e em cujo sumário se lê : “ Proposta ação atinente ao incumprimento de contrato promessa de compra e venda, se o promitente vendedor, já no decurso do processo, vende o bem a terceiro, pode o promitente comprador substituir o seu pedido de execução específica pelo pedido de indemnização, sem que a tal obste o disposto no artº 273º nº2 do CPC, perspectivando os princípios da boa fé e da lisura na actuação processual, considerando a obtenção célere e com economia de meios, vg. processuais, da verdade material e atento o estatuído no artº 663º do CPC.”).
Acresce referir ainda que a respeito da culpa a que alude o art. 588º ,nº4 do CPC (quanto ao desconhecimento da superveniência subjetiva), incide não só sobre a apresentação do articulado superveniente, mas também sobre o conhecimento do facto.
Daí “ o problema seguinte consiste em determinar qual o grau de culpa que é incompatível com a superveniência subjetiva e que, por isso, impede que a parte possa alegar o facto como superveniente… a resposta é melindrosa, mas não parece razoável exigir que a parte assuma na procura da informação relevante para a defesa dos seus interesses em juízo uma diligência maior do que aquela que a lei exige que ela tenha perante a contraparte: como a litigância de má fé pressupõe a atuação com negligência grave, isso mostra que a negligência leve é desculpável e, por isso, irrelevante em processo. Assim só o desconhecimento atempado do facto assente numa negligência grave deve obstar à sua alegação em articulado superveniente” ( in Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, págs. 299).
Volvendo ao caso sub judicio: temos em mãos a questão de saber se são supervenientes os factos alegados no articulado apresentado pelos Requerentes em 17-01-2024.
Ora, a decisão recorrida entendeu que não se verificava, porque não se fez prova, qualquer superveniência subjetiva, em face da data da audiência prévia- 20-02-2018 e datas constantes das certidões e, nessa medida, entendeu ser de indeferir o articulado superveniente, dando a entender que era exigível aos  autores terem conhecimento dos factos constantes dos registos, nomeadamente os prediais, pela simples circunstância de terem sido registadas as vendas a terceiros em 2017- data anterior à audiência prévia ( 20.02.2018)-, pelo que se fossem cidadãos atentos e a qualquer momento poderiam ter acesso a tal informação e não o tendo feito revelaram uma culpa tal incompatível com a superveniência subjetiva e impeditiva de sequer ser alegada e provada.
Ou seja, no caso vertente temos desde logo uma superveniência objetiva e que resulta do próprio documento que suporta o facto descrito no art. 12º daquele articulado, pois respeita a uma venda a terceiro ocorrida no ano de 2019, data posterior à audiência prévia ( 20-02-2018), pelo que sempre seria admissível, circunstância que não foi sequer considerada e destrinçada na decisão recorrida.
E quanto aos demais factos?
Não concordamos com a conclusão simplista a que se chega na decisão recorrida, sem qualquer elemento que atestasse uma qualquer falta grave da parte dos AA por apenas não terem ido consultar na data da audiência prévia as certidões prediais e supostamente terem acesso às mesmas livremente. Donde se retira que os AA tinham acesso às certidões prediais de forma livre e imediata, quando é consabido que é necessário um código para tal? E era exigível ao seu mandatário que assim procedesse sem que houvesse algo mais que suscitasse tal consulta?
Não cremos que assim seja e de modo tão simplista, sob pena de relevarmos uma eventual negligência leve, quando o que releva é uma negligência grave ou culpa grave no desconhecimento do facto.
Com efeito, entendemos que a não consulta das certidões prediais durante o decurso de um processo e ainda que com a possibilidade de acesso às certidões de registo predial pela simples razão da sua existência e sem mais não consubstancia uma culpa grave tal por forma a relevar. Quando muito tratar-se-ia de um caso de negligência leve, desculpável.
Com efeito, não deixa de configurar uma situação anormal a modificação da situação jurídica de um imóvel que está em discussão em tribunal e cujas certidões prediais constam desde o início juntas aos autos e a refletir a situação jurídica dos imóveis.
Saliente-se que tal não significa que não concordamos com a doutrina que entende que , “importa ter presente que o que releva para efeitos de admissibilidade do articulado superveniente à luz do artigo 588º, n.ºs 2 e 4, do CPC, não é, em caso de superveniência subjectiva, a data em que a parte teve conhecimento efetivo da factualidade que se mostra demonstrada no documento ou de outra factualidade que dele decorre, mas, em termos radicalmente distintos, a data em que a mesma parte poderia ter tido conhecimento de tal factualidade se actuasse com a diligência e o cuidado que são exigíveis a um cidadão medianamente diligente, sagaz e atento nas mesmas circunstâncias.” (vide neste sentido ACRP de 22-11-2021, relator Jorge Seabra e AC RE de 12.05.2022, Paula do Paço e Ac RC de 26.01.2021, Teresa Albuquerque).
Em 20-02-2018, data da audiência prévia, era exigível aos autores que tivessem ido consultar as certidões prediais dos imóveis em discussão, quando as certidões dos mesmos já se encontravam juntas aos autos desde 2015, data de início do processo?
E caso não o tivessem feito, como não fizeram, tal conduta configura uma culpa grave da sua parte?
Cremos que não, sem mais.
Repare-se que no caso sub judicio, já seria de outra forma, caso se ponderasse, como ocorre no caso, que estando nos autos certidão de registo da ação- junta em ../../2018- era exigível que as partes e o mandatário dos AA tivessem conhecimento dos tratos sucessivos constantes de tais certidões, nomeadamente era exigível que a partir dessa data tivessem conhecimento de tais vendas a terceiros ali registadas.
É que a partir dessa data- ../../2018- já existe nos autos informação consistente da alteração da situação jurídica dos imóveis por via da junção do registo da ação e a ressumar do teor de tais documentos e, nessa medida, a alertar para tal, pelo que nessa data tornou-se indubitavelmente exigível aos autores que tomassem conhecimento da mesma, sob pena de o desconhecimento aí sim configurar culpa grave incompatível com a superveniência subjetiva.
Sem embargo, sempre se dirá que tal data de registo da ação-../../2018- é sempre posterior à audiência prévia ( 20-02-2018), pelo que sempre poderiam tais factos constar do articulado superveniente a juntar até ao início da audiência de julgamento ( cfr. nº 3, al. c) do art. 588º do CPC).
Pelo exposto, logrou-se provar que data do conhecimento da superveniência reportar-se a, pelo menos, ../../2018 e não a Janeiro de 2024, conforme tinha sido alegado.
Ora, tudo para se concluir que a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra em que deverá ser admitido, por tempestivo, o articulado superveniente em relação aos seguintes factos alegados e essenciais:
- no art. 12º do articulado, por ser facto objetivamente superveniente;
- nos arts. 4º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11, por serem factos subjetivamente supervenientes e ter sido feito prova dessa superveniência, porquanto se provou que aos AA pelo menos desde ../../2018- em momento posterior ao da audiência prévia ( ocorrida em 20-02-2018)- era-lhes exigível ter conhecimento dos mesmos, já que ressumavam do teor do registo da ação junta nessa data aos autos e, nos termos da al. c) do nº3 do art. 588º do CPC, como houve audiência prévia, o novo articulado em que se aleguem factos supervenientes pode ser oferecido até à audiência final, por o seu conhecimento ou possibilidade de conhecimento relevante ter ocorrido após a audiência prévia.
Em suma, o articulado superveniente deverá ser admitido, nos moldes supra referidos, por ser tempestivo e respeitar:
- a factos objetivamente supervenientes e ocorridos em 2019 ( ocorridos após a audiência prévia-20.02.2018);
- a factos subjetivamente supervenientes ( ocorridos em 2017) e ter sido feito prova desse conhecimento superveniente, pelo menos desde ../../2018, ou seja, após a data da audiência prévia ( 20.02.2018) e antes de iniciada a audiência de julgamento.
Atenta a presente decisão, deverão os autos baixar para prosseguirem com a admissão do articulado superveniente conforme supra e apreciação da ampliação do pedido, sendo certo que a ampliação do pedido não se refere apenas aos contratos promessa de permuta dos lotes ... e ..., mas também aos contratos promessa de permuta respeitantes aos lotes ... e ..., e, por outro lado, os factos supervenientes apenas contendiam com contrato promessa respeitante aos lotes ... e ..., pelo que entende-se não se aplicar o disposto no nº2 do art. 665º do CPC.
*
V- Decisão:

Pelo exposto, acordam as Juízes que constituem esta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar o despacho recorrido, determinando-se a sua substituição por outro que determine a admissão do articulado superveniente conforme supra, devendo, nessa sequência, ser apreciada a ampliação do pedido.
Custas pela recorrida ( cfr. art. 527º do CPC).
Guimarães, 3 de outubro de 2024

Assinado eletronicamente por:
Anizabel Sousa Pereira ( relatora)
Fernanda Proença Fernandes e
Sandra Melo