1. Constitui requisito do direito de preferência previsto no art. 1380.º n.º 1 do Código Civil que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante.
2. Se a venda foi feita a proprietário confinante, os outros proprietários confinantes já não terão direito de preferência nessa venda.
3. Só no caso de a venda ser realizada a não confinante, e existirem vários proprietários confinantes, é que tem lugar a aplicação do mecanismo previsto no art. 1380.º n.º 2 al. b) e n.º 3 do Código Civil.
4. A excepção prevista no art. 1381.º al. a) do Código Civil tem aplicação quando o adquirente alegue e prove que o fim que pretende dar ao imóvel não é a cultura, e que esse fim pretendido é legalmente admissível.
(Sumário elaborado pelo relator)
B. A Recorrente é proprietária do prédio misto FONTE DO CORTIÇO, o qual é objecto de exploração agrícola. Cfr. Pontos 1, 3, e 5 dos “Factos Provados” e alíneas A) a Q) dos “Factos não provados” constantes da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.
C. O prédio FONTE DO CORTIÇO de que a Recorrente é proprietária confina a norte com o prédio VALE DA HORTA, sendo que, o único acesso ao prédio da Recorrente é realizado através do prédio VALE DA HORTA, porquanto o caminho cruza essa parcela. Cfr. Pontos 6 e 18 do “Factos Provados” constante da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.
D. Não ficou provado que o prédio VALE DA HORTA nunca foi destinado à agricultura, sendo dado como facto provado que as explorações agrícolas dos prédios FONTE DO CORTIÇO e VALE DA HORTA são em tudo semelhantes. Cfr. Pontos 8 e 9 dos “Factos Provados” e alínea R) dos “Factos não provados” constantes da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.
E. À luz do artigo 1380.º, n.º 1 do Código Civil “Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.”
F. A Recorrente nunca foi notificada para exercer o direito legal de preferência em relação ao negócio de compra e venda do prédio VALE DA HORTA celebrado entre os 1.ºs Recorridos, vendedores, e a 2.ª Recorrida, compradora.
G. O douto Tribunal de 1.ª instância deu como provado que “A aquisição pela 2.ª R. do “Vale da Horta” foi efectuada com intenção de promover a utilização do imóvel no âmbito de um projecto de um Empreendimento Turístico em Solo Rural, que é viável.”.
H. Em consequência, o Tribunal a quo determinou a aplicação in casu da excepção prevista no artigo 1381.º, alínea a) do Código Civil, a qual dispõe que “Não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes: (...) a) Quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura”, decidindo, em síntese, que “estando demonstrado que a 2.ª R., aquando da aquisição destinava o prédio à sua revenda, logo, a fins alheios à cultura, nos termos do art.º 1381.º, a) do CC, verifica-se que inexiste o direito legal de preferência reclamado pela A.”.
I. Salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo fundamenta a sua convicção, de que há lugar à aplicabilidade de uma excepção contida no artigo 1381.º, alínea a) do CC, num facto incorrectamente julgado – Ponto 31. Dos “Factos provados” – e, em consequência, numa norma que não é aplicável ao caso concreto dos presentes autos.
J. A 2.ª Recorrida juntou à sua Contestação (ref.ª Citius n.º 30550525), como Doc. 1 um “Relatório de Atendimento Público”.
K. No último parágrafo do Doc. 1 junto pela 2.ª Recorrida, lê-se o seguinte: “Informei o requerente que a acta do atendimento em causa não é vinculativa para qualquer entidade relativamente à decisão sobre um eventual pedido de licenciamento e no controlo sucessivo de operações urbanísticas sujeitas a comunicação prévia. Para que a informação seja vinculativa o requerente deverá solicitar um pedido de informação prévia nos termos do art.º 14.º do D.L. n.º 555/99 de 16/12 na sua actual redacção.”.
L. Portanto, decorre do próprio “Relatório” junto como Doc. 1 pela 2.ª Recorrida que tal “atendimento público” não é apto nem susceptível de provar que a viabilidade do Projecto de Empreendimento Turístico em Solo Rural.
M. A 2.ª Recorrida limitou-se a fazer prova de que efectuou um mero pedido de atendimento público, genérico e não vinculativo e jamais fez prova de que formalizou um pedido de informação prévia, conforme é legalmente exigido!
N. A 2.ª Recorrente não alegou nem provou ter dado início ao pedido de informação prévia nos termos do artigo 14.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 555/99 de 16 de Dezembro, por isso, não provou que a mudança de destino do prédio VALE DA HORTA é, ou não é, permitida por lei.
O. O Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 17-10-2019, Processo n.º 295/16.8T8VRS.E1.S2, (Relator: Raimundo Queirós) determinou o seguinte: “Para que o facto impeditivo do direito de preferência, aludido no art. 1381°, al. a), 2ª parte, do CC, opere os seus efeitos é necessário que o adquirente alegue e prove, não só a sua intenção de dar ao prédio adquirido uma outra afectação ou um outro destino que não a cultura, mas também que essa projectada mudança de destino é permitida por lei. IV- Esta é matéria que se insere no âmbito do facto impeditivo do direito invocado pela Autora, e, por esta razão, o respectivo ónus probatório recai sobre contra quem a invocação é feita, ou seja sobre os Réus compradores. V- Não tendo demonstrado a viabilidade legal de afectação do prédio adquirido ao concreto objectivo que lhe pretendiam dar, os Réus compradores não lograram afastar o direito de preferência da Autora.”
P. No mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-10-2003, Processo n.º 04A844, (Relator: Ribeiro de Almeida), o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-02-2017, Processo n.º 1522/13.9TBGMR.G1, (Relator: Pedro Alexandre Damião e Cunha), o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-12-2021, Processo n.º 726/18.2T8FIG.C2, (Relator: Emídio Francisco Santos).
Q. Deste modo, a prova constante dos presentes autos impõe decisão diversa da recorrida, devendo ser proferida decisão que considere como NÃO PROVADO que a finalidade pretendida pela 2.ª Recorrente para o prédio VALE DA HORTA para Projecto de Empreendimento Turístico em Solo Rural é viável.
R. Não sendo, por isso, aplicável o artigo 1381.º, alínea a) do Código Civil, mas sim, o artigo 1380.º, n.º 1 do Código Civil.
S. Devendo o douto Tribunal ad quem preferir Acórdão a determinar a revogação da decisão proferida pelo Tribunal a quo, dando provimento ao presente recurso e, em consequência, seja declarado o direito da Recorrente na aquisição do prédio rústico VALE DA HORTA no exercício da sua preferência legal ao abrigo do artigo 1380.º do Código Civil e que a Recorrente assuma a posição de adquirente do referido prédio, mediante o pagamento do preço de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros).
A resposta sustenta a manutenção do julgado.
Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.
Os factos julgados provados na sentença recorrida são os seguintes:[1]
1. Na CRP de Grândola, freguesia de Melides está descrito sob o n.º …, o prédio misto denominado Fonte do Cortiço, composto de terras de semeadura, montado de sobro, árvores de fruto e casa de rés do chão com dependência, ac. de 141 m2, sendo a área total de 12,85 hectares, inscrito na matriz da referida freguesia sob o artigo rústico n.º …, secção … e artigo urbano n.º …, cuja titularidade está inscrita a favor da A., pela ap. 8, de 06.10.1994, por compra.
2. Na CRP de Grândola, freguesia de Melides está descrita sob o nº …o prédio rústico denominado Vale da Horta, situado em Melides, composto por terra de semeadura e árvores de sobro, com a área de 6,95 hectares, confrontando, além do mais, a sul, com Fonte do Cortiço de Cima e Fonte do Cortiço de Baixo, inscrito na matriz da referida freguesia sob o artigo rústico n.º …, secção …, cuja titularidade está averbada pela ap. …, de ….03.2018, a favor de Comporta Blue, Investimentos Imobiliários Unipessoal, Ld.ª, por aquisição a: B1; B2; B3; B4; B5; B6; B7; B8; B9; B10 e B11.
3. No que concerne ao prédio da A., consta da caderneta matricial n.º …, secção … que 10,050000ha são «montado de sobreiro ou sobreiral», a que acrescem pequenas parcelas de «horta» 0,125 000ha, «pomar de citrinos» 0,350000ha, «cultura arvense» 2,191700ha e «olival» 0,100000ha.
4. No que concerne ao prédio adquirido pela R. Comporta Blue, consta da caderneta matricial nº …, que 6,825000 hectares são «montado de sobro ou sobreiral», e que 0,125000 «olival».
5. O prédio da autora é objecto de exploração agrícola, concretamente plantação de sobreiros e extracção de cortiça, sendo esta feita por 3 (três) vezes em cada 10 (dez) anos, plantação de pinheiros e colheita de pinhas, cultivo de oliveiras e produção de azeite, cultivo de árvores de fruto, semeadura para forragem, dos quais têm beneficiado proprietários da vizinhança.
6. O referido prédio confina a norte com o prédio rústico Vale da Horta.
7. Os primeiros RR sabiam que a A. tinha interesse em adquirir o prédio Vale da Horta.
8. Há cerca de 4 (quatro) anos à data da propositura da acção, a Autora tinha tentado adquirir o Vale da Horta, tendo-lhe sido solicitado pelos 1ºs Réus o pagamento de EUR 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros).
9. As explorações agrícolas da 1.ª Autora e dos 1ºs Réus são em tudo semelhantes.
10. Com a aquisição do Vale da Horta, a Autora poderá aumentar a sua produção de sobreiros.
11. A venda do prédio Vale da Horta, à Comporta Blue, ocorreu no dia 23.03.2018, pelo montante de EUR. 150.000,00.
12. Facto de que a Autora tomou conhecimento apenas no dia 22.08.2018.
13. Na CRP de Grândola, freguesia de Melides, está descrito sob o nº …, o prédio misto denominado Fonte do Cortiço de Cima, sito em Melides, com a área de 7,9 hectares, composto de montado de sobro, cultura arvense de sequeiro pinhal e edifício de rés-do-chão, que confronta a norte com Vale da Horta e cuja titularidade está inscrita a favor da 2ª Ré, pela ap. …, de ….12.2017.
14. Na escritura de c/v do prédio acima referido, consta como tendo sido dito pelo legal representante da 2ª Ré, que “o prédio rústico não se destina a qualquer actividade de natureza agrícola”.
15. Na escritura de c/v do prédio referido em 2, consta que consta como tendo sido dito pelo legal representante da 2ª Ré, que “destina o prédio à revenda, e que o prédio ora adquirido não se destina a qualquer actividade de natureza agrícola” e consta como tendo sido referido pelos vendedores, que “não é exercida qualquer actividade agrícola no imóvel objecto do presente contrato”.
16. Por reporte à data da propositura da acção, foi recentemente extraída cortiça de alguns dos sobreiros que compõem o montado de sobro do Vale da Horta.
17. Entre os dias 20 (vinte) e 28 (vinte e oito) do mês de Agosto de 2018, teve lugar uma pastagem no Vale da Horta.
18. O único acesso ao prédio da A. é realizado através do Vale da Horta, porquanto o caminho cruza essa parcela.
19. O prédio da autora é composto de uma habitação secundária, destinada aos períodos de lazer dos seus proprietários.
20. Onde a componente urbana se encontra cuidada.
21. No prédio da A. existe um imóvel com uma piscina.
22. A A. adquiriu um prédio contíguo, que era uma antiga escola primária, afectando-o, igualmente, à habitação.
23. A 2ª Ré é uma sociedade comercial que tem por objecto, entre outros, a compra de imóveis para revenda.
24. Tendo como fim último a obtenção de lucro.
25. Todos os imóveis que compra são exclusivamente para revenda.
26. A 2.ª ré comprou o prédio Vale da Horta para revenda, após anexação ao outro prédio confinante de que já é proprietária.
27. Um vizinho solicitou à 2ª R., que os seus animais ali estivessem um curto espaço de tempo, o que foi consentido para facilitar a limpeza do prédio que veio posteriormente a ocorrer, limpeza essa determinada por protecção contra incêndios.
28. A aquisição pela 2ª R. do “vale da Horta” foi efectuada com intenção de promover a utilização do imóvel no âmbito de um projecto de um Empreendimento Turístico em Solo Rural, que é viável.
29. Com a limpeza do prédio “vale da Horta” a 2ª R. despendeu € 7.950,00.
30. No montado do prédio da A. existem alguns sobreiros velhos e mortos.
31. Alguns sobreiros ou os seus restos encontrando-se caídos no chão.
Aplicando o Direito.
Do direito de preferência entre vários terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura
A Recorrente afirma que não haveria lugar à aplicação da excepção contida no art. 1381.º al. a) do Código Civil, pois foi incorrectamente decidido o facto julgado provado acerca da intenção da 2.ª Ré de “promover a utilização do imóvel no âmbito de um projecto de empreendimento turístico em solo rural, que é viável” – ponto 31 dos factos julgados provados na sentença recorrida, a que corresponde o ponto 28 após a remuneração efectuada neste Acórdão.
Preliminarmente, diremos que este ponto foi julgado provado não apenas com base no “Relatório de atendimento público” efectuado na Câmara Municipal de Grândola em 11.04.2018, mas ainda com base nas declarações do legal representante da 2.ª Ré, inquirido em audiência, como se pode constatar na motivação fáctica contida na sentença. Logo, tratando-se de facto conhecido também com fundamento em prova gravada, a parte deveria ter dado cumprimento ao disposto no art. 640.º n.º 1 al. b) e n.º 2 do Código de Processo Civil, sob pena de rejeição da impugnação – e como não cumpriu esse requisito, a impugnação fáctica não pode proceder.
De todo o modo, teremos a apontar que a norma do art. 1381.º al. a) do Código Civil constitui uma excepção – facto impeditivo – ao exercício do direito de preferência consagrado no art. 1380.º n.º 1.
Mas tratando-se de uma excepção ao exercício de um direito, a primeira questão que se coloca é a seguinte: existe esse direito?
Ora, logo na sua petição inicial (nos seus arts. 25.º, 26.º, 27.º, 29.º e 30.º) a A. afirmou que a 2.ª Ré já era proprietária de um prédio confinante. Porém, como este prédio tinha uma área inferior ao da A., esta alegou que dispunha de preferência por ser a que obteria a área que mais se aproximava da unidade de cultura fixada para a respectiva zona – 48 hectares (Portaria 219/2016, de 9 de Agosto).
Está provado que o prédio da A. tem 12,85 hectares, enquanto que o que era dos 1.ºs RR. tem 6,95 hectares. Por seu turno, a 2.ª Ré já era proprietária de um outro prédio (adquirido em 19.12.2017), também confinante com o que era dos 1.ºs RR., que tem a área de 7,9 hectares.
Face aos termos como está formulado o art. 1380.º n.º 1 do Código Civil, pode-se afirmar que o direito de preferência ali atribuído depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
1.º Ter sido vendido ou objecto de dação em cumprimento, ou aforamento, um prédio com área inferior à unidade de cultura;
2.º Ser o preferente proprietário de prédio confinante com o prédio alienado;
3.º Ter o prédio do proprietário que se apresenta a preferir área inferior à unidade de cultura;
4.º Não ser o adquirente do prédio alienado proprietário confinante.[2]
Ora, “é sobre aqueles que se arrogam titulares do direito de preferência e que pretendem que lhes seja judicialmente reconhecido esse direito que recai o ónus de alegação e prova de todos estes requisitos, nos termos do disposto no artigo 342º, nº1 do Código Civil, impendendo sobre aqueles contra quem é invocado este direito, nos termos das disposições conjugadas do nº 2 do citado artigo 342º, e 1381º, alíneas a) e b), do mesmo código, o ónus de provar factos dos quais se possa concluir pela verificação de alguma das excepções contidas nestas duas alíneas.”[3]
O requisito do adquirente não ser proprietário confinante está claramente expresso na parte final do art. 1380.º n.º 1 do Código Civil e justifica-se porque o legislador teve “o propósito de facilitar o emparcelamento de terrenos com área inferior à unidade de cultura, visando uma exploração agrícola tecnicamente rentável, evitando-se, assim, a proliferação do minifúndio, considerado incompatível com um aproveitamento fundiário eficiente (…), dando prioridade absoluta a quem quer que fosse proprietário confinante sobre quem o não fosse”.[4]
Note-se, ainda que o regime previsto nos n.ºs 2 e 3 do art. 1380.º do Código Civil somente tem lugar quando a venda do prédio seja realizada a proprietário não confinante.
Como se afirmou no Acórdão desta Relação de Évora de 30.06.2022, “constituindo a atribuição do direito de preferência uma limitação ao poder de livre disposição do proprietário, ainda que justificada por razões de interesse público que legitimam o sacrifício imposto ao alienante – no caso, como se referiu, a eliminação dos minifúndios tendo em vista a obtenção de explorações mais rentáveis – não deixa de ter carácter excepcional. Neste contexto, (…) se o objectivo é já atingido pela venda a um proprietário confinante, não se mostra necessário nessa circunstância coarctar a liberdade negocial do alienante e fazer intervir o mecanismo da preferência, uma vez que a transmissão por si só já realiza o fim que com esta se pretende alcançar. Tal asserção melhor se justifica quando se tenha presente que em muitos casos, como o vertente, o preferente preterido também não atingiria a área correspondente à unidade de cultura, o que levaria ao sacrifício do emparcelamento obtido directamente pela via negocial por outro, imposto, quantas vezes apenas “um pouco melhor”.”[5]
Esta é a jurisprudência que vem sendo afirmada nesta Relação de Évora, nomeadamente nos seus Acórdãos de 11.03.2021 (Proc. 264/17.0T8TVR.E1), de 11.11.2021 (Proc. 41/08.0TBSTB.E1) e de 12.01.2023 (Proc. 236/20.8T8GDL.E1), para além do citado de 30.06.2022, todos publicados no endereço da DGSI.
Na Relação de Guimarães também assim se pronunciou o Acórdão de 03.10.2019 (Proc. 23/19.6T8PRG.G1), publicado na mesma página.
Se logo por aqui improcederia a pretensão da A., pois a adquirente 2.ª Ré era proprietária confinante, pelo que os 1.ºs RR. gozavam de plena liberdade contratual para lhe vender o prédio, sem dar preferência a outros confinantes, também diremos que a sentença fez bem ao aplicar a norma do art. 1381.º al. a) do Código Civil.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.11.2019, escreveu-se o seguinte: “O Supremo Tribunal de Justiça tem interpretado a fórmula quando algum dos terrenos se destine a algum fim que não seja a cultura da alínea a) do art. 1381.º do Código Civil como significando quando o adquirente e, em especial, o comprador destine o terreno a algum fim que não seja a cultura. Em consequência, “[o] fim que releva […] não é aquele a que o terreno esteja afectado à data da alienação, antes o que o adquirente pretenda dar-lhe”. Interpretando a fórmula da alínea a) do art. 1381.º como significando quando o comprador destine o terreno a algum fim que não seja a cultura, o Supremo Tribunal de Justiça exige que dos factos provados decorram duas coisas: em primeiro lugar, a intenção de afectar o terreno a algum fim que não seja a cultura […] e, em segundo lugar, a possibilidade física […] e jurídica (legal ou regulamentar) da afectação correspondente à intenção do comprador […]. Os dois requisitos explicam-se pelo perigo de fraude: “Caso contrário – caso não se exigisse a prova de que a intenção de afectar o terreno a algum fim que não seja a cultura é legal e regulamentarmente possível – estar-se-ia a dar relevo jurídico a simples manifestações subjectivas de vontade, quiçá ficcionadas, que fariam precludir a norma-regra do direito de preferência do proprietário confinante”.[6]
Se o que releva é o destino a dar pelo adquirente ao imóvel adquirido e não a caracterização do imóvel nos documentos oficiais, basta que se alegue e demonstre que esse fim não é a cultura, e que o fim pretendido é legalmente admissível.
E estando alegado e provado que a 2.ª Ré adquiriu o prédio com a intenção de promover a sua utilização no âmbito de um projecto de um Empreendimento Turístico em Solo Rural, e que este é viável – o “relatório de atendimento público” na Câmara Municipal de Grândola assim o comprova – sempre a acção improcederia.
Motivos pelos quais o recurso não merece provimento.
Decisão.
Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Évora, 26 de Setembro de 2024
Mário Branco Coelho (relator)
Maria Adelaide Domingos
José António Moita
__________________________________________________
[1] Alterou-se a numeração que vinha da sentença, de forma a seguir-se uma ordem numérica sequencial. A sentença não segue esse critério, contendo números com a referência apenas de “eliminados”, sem que exista decisão que ordene a eliminação de um ou mais factos.
[2] Assim se pronunciam Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. III, págs. 270 e 271.
[3] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.01.2021 (Proc. 892/18.7T8BJA.E1.S1), publicado em www.dgsi.pt.
[4] Antunes Varela, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 127º, págs. 365 e 367.
[5] Proferido no Proc. 30/21.9T8RMZ.E1 e publicado em www.dgsi.pt.
[6] Proferido no Proc. 8496/17.5T8STB.E1.S2 e publicado em www.dgsi.pt.