ECOPONTO
DANOS
SITUAÇÃO METEOROLÓGICA ANORMAL
DANO DA PRIVAÇÃO DO USO
CUSTO DE ALUGUER DE VEÍCULO
Sumário

I - O Ecoponto usado pelas recorridas na recolha dos resíduos, enquanto coisa inerte, já que não tem forma de por si própria se deslocar, mas por força de fatores externos, como sejam os ventos fortes, tem aptidão a provocar danos, tendo aqueles que usam essas coisas o dever de zelar por na medida do possível impedir ou reduzir a probabilidade desses fatores externos se constituírem como causa ou concausa de eventos danosos.
II - Uma situação meteorológica anormal, como constitui facto notório, envolve alertas da proteção civil com referenciação dos níveis de alerta em cada zona geográfica, normalmente os distritos.
III - Uma situação meteorológica anormal de tempestade requer cuidados especiais relativamente a objetos que possam ser deslocados pela força do vento e especialmente relativamente aos que se acham junto da via pública, dado o maior risco de virem a causar danos materiais e pessoais.
IV - Neste contexto, as rés tinham ao seu dispor informação que lhes permitia avaliar a existência de um sério risco de que pelos menos alguns dos Ecopontos usados na sua atividade pudessem ser derrubados ou arrastados pela força do vento, como aliás se veio a verificar.
V - Na posse da referida informação, as rés tinham de adotar medidas a fim de evitar, na medida do possível, que tais riscos sérios se pudessem vir a concretizar, nomeadamente, amarrando os Ecopontos entre si e de preferência a outro ponto fixo nas imediações e solicitando ao Município que nos sítios mais ventosos ou em que se formam corredores de vento fossem adotadas outras medidas eventualmente mais eficazes para prevenir o risco de deslocação e derrube dos Ecopontos.
VI - Para que o dano da privação do uso seja indemnizado é bastante a prova de que o lesado usaria normalmente a coisa danificada e de cujo gozo está privado por efeito do sinistro.
VII - O custo do aluguer de um veículo além de cobrir a margem de lucro a que qualquer atividade económica aspira, tem que necessariamente cobrir os custos inerentes ao desenvolvimento de tal atividade, sob pena de insolvência a breve trecho da entidade que a desenvolve.
VIII - E porque assim é, o dano da privação do uso do veículo sinistrado, sempre que o lesado não prova a efetiva realização de despesas com o aluguer de um veículo de substituição, não se pode aferir pelo valor locativo de um veículo similar ao sinistrado, sob pena de um injustificado enriquecimento do lesado.

Texto Integral

Processo nº 1444/22.2.T8GDM.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 1444/22.2.T8GDM.P1 elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório[1]

Em 29 de abril de 2022, com referência ao Juízo Local Cível de Gondomar, Comarca do Porto, com apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e bem assim de nomeação e dispensa de pagamento da compensação de patrono, AA instaurou a presente ação declarativa comum contra A..., S.A. e B... S.A. pedindo a condenação solidária das rés a pagarem-lhe a quantia de € 8.241,93, sendo € 1.760,00 a título de despesas para reparação dos danos no seu veículo, € 1.231,93, a título de privação do uso do seu veículo durante sete dias e € 5.250,00, a título de danos não patrimoniais.

Para fundamentar as suas pretensões a autora alegou, em síntese, ser dona do veículo automóvel de matrícula ..-..-TS e que no dia 18 de dezembro de 2019 estava estacionado em frente à entrada da sua habitação, em lugar destinado para o efeito; na madrugada do dia 18 para o dia 19, um dos ecopontos existentes no mesmo local caiu sobre o veículo, provocando diversos danos neste; os ecopontos em questão não têm sistema de travão, nem barra frontal e/ou lateral de proteção, de forma a evitar que se movam do seu local; os danos sofridos pelo seu veículo impediram a autora de o usar durante sete dias a fim de o mesmo ser reparado e os danos que a viatura ostenta envergonham a autora, achando-se por reparar desde 2019, com exceção dos estritamente necessários à sua circulação e para reparação dos quais a autora despendeu € 650,00.

Citadas, as rés contestaram, impugnando muita da matéria alegada pela autora e bem assim a prova documental pela mesma oferecida, admitindo que os ecopontos não dispunham de sistema de travamento e/ou barreiras de proteção frontais e laterais, mas que não estavam obrigadas a dotar os ecopontos de tais mecanismos, tendo a queda do ecoponto resultado do temporal intenso que então se registava, impugnando os danos alegados pela autora e concluindo pela total improcedência da ação e consequente absolvição das réus do pedido.

Fixou-se o valor da causa no montante de € 8.241,93, proferiu-se despacho saneador tabelar, conheceu-se dos requerimentos probatórios das partes, designando-se dia para realização da audiência final.

A audiência final realizou-se em duas sessões e em 24 de outubro de 2023 foi proferida sentença[2] a julgar a ação totalmente improcedente, absolvendo as rés dos pedidos.

Em 24 de novembro de 2023, inconformada com a sentença, AA interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos em epigrafe, que absolveu as Rés, dos pedidos indemnizatórios formulados pela Autora e é apresentado na firme convicção de que a prova produzida, a matéria de facto e a matéria de Direito sujeitas à apreciação do douto Tribunal a quo mereciam outra apreciação.

II. O Tribunal a quo em face da factualidade dada como provada e conjugando a mesma com o Direito aplicável, deveria ter proferido decisão distinta, condenando as Rés.

III. Pois, com relevância para o thema decidedum, está assente que na noite de 18 para 19 de dezembro de 2019, um ecoponto/vidrão, propriedade das Rés se desprendeu e embateu na viatura da Autora provocando-lhe danos na lateral;

IV. Está igualmente assente que na referida data, o território nacional for assolado com ventos fortes e precipitação intensa.

V. E, que tais condições climatéricas foram a causa da queda e embate do ecoponto na viatura da Autora.

VI. Entende a Recorrente e salvo melhor opinião que, da factualidade dada como provada na douta sentença, não permitiria ilidia a presunção legal de culpa que sobre as Rés impendia por força do disposto no art. 493.º, n.º 1 do Código Civil.

VII. Pois, a atuação destas não se pautou pela tomada de todas as precauções necessárias para evitar o sinistro e consequente danos, logo não demonstraram que o evento teria ocorrido, quaisquer que fossem as medidas que tomassem para impedir o mesmo.

VIII. Por outro lado, a Tribunal a quo entendeu que a queda do ecoponto e os danos que dai resultaram, deveu-se aos fortes ventos e chuva intensa que assolaram o território nacional na data dos factos e, por tal razão, a responsabilidade das Rés estaria excluída pela inaplicabilidade da cláusula 5.ª do caderno de encargos outorgado com o Município ....

IX. Contudo, entende a Recorrente que, por um lado, as obrigações e deveres constantes do citado caderno de encargos não lhe podem ser aposta, pois adquire a posição de um terceiro face ao mesmo.

X. E, por outro, não foi produzida qualquer prova que permitisse aferir, com o grau de certeza exigível, qual a efetiva intensidade do vento e chuva que se fizeram sentida na madrugada do dia 18 para 19 de Dezembro de 2019 no local onde ocorreu o sinistro.

XI. No mais, e como matéria dada como assente, a própria atuação das Rés evidencia a falta de dever de cuidado pois, atendendo às condições climatéricas que assolariam o território nacional e que foram de conhecimento público, não se coibiram de realizar a recolha do conteúdo do ecoponto em apreço no dia imediatamente anterior aos eventos.

XII. E, tratando-se de um ecoponto para recolha de vidro, a recolha efetuada no dia anterior aos factos, potenciou o risco deste se soltar da base, pois permaneceu, sujeito aos ventos, com um peso reduzido, diminuindo a sua resistência a tais ventos.

XIII. Daí que, entende a Recorrente que a atuação das Rés não se coaduna com o dever de vigilância que se lhe era imposto, na óptica de um bom pai de família.

XIV. Pois não tomaram todas as medidas necessárias para que o ecoponto não tombasse e eventualmente provocasse danos materiais ou pessoais.

XV. Conjugados todos os factos, o sinistro em causa teria elevada probabilidade de se verificar, o que na realidade sucedeu causando prejuízos para a Recorrente.

XVI. Ora, em face dessas circunstâncias de as Rés deveriam e poderiam ter agido de outro modo, assegurando que o ecoponto não se desprenderia da sua base e tombasse na viatura da Autora.

XVII. Tendo assim atuado as Recorridas, imponderada e negligentemente, sem o cuidado ou a atenção que lhes era imposto na tarefa de vigilância daquele ecoponto.

XVIII. Assim, entende a Recorrente que o Tribunal a quo, deveria ter julgado a acão, parcialmente procedente por provada e, em consequência, ter condenado solidariamente as Rés ao pagamento à Autora da quantia global de €2.991,93 (dois mil, novecentos e noventa a um euros e noventa e três cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos desde a citação até ao integral e efetivo pagamento.

XIX. Pelo exposto supra, deverá ser concedido provimento ao recurso da douta sentença proferida em primeira instância e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que condene as Rés ao pagamento à Autora, aqui Recorrente da quantia de €2.991,93 pelos danos patrimoniais que esta sofreu pela atuação daquelas.

A..., S.A. e B... S.A. responderam ao recurso pugnando pela sua total improcedência e oferecendo para tanto as seguintes conclusões:

1º. Alega a Recorrente, em suma, que o sinistro ocorrido a 19 de dezembro e por conta do qual sofreu o seu veículos os danos que resultaram provados na sentença, se deveu ao facto de os Ecopontos instalados na via pública não estarem munidos de qualquer sistema de amarração ao solo e que essa circunstância «permitiu» que os mesmos tombassem.

2º. Diz também a Recorrente que as concretas circunstâncias meteorológicas capazes de provocar o sinistro não ficaram provadas e, por outro lado, que as Rés, conhecedoras de tais previsões, deveriam ter deixado de recolher os equipamentos, por forma a que estes se mantivessem cheios e evitar assim que tombassem.

3º. Concluindo que as Recorridas não ilidiram a presunção de culpa na verificação do sinistro.

4º. Sucede que, não tem qualquer razão no que alega a Recorrente, na medida em que a douta Sentença recorrida faz um caminho claro na ponderação e julgamento de todos os factos alegados e provados em sede de audiência de discussão e julgamento, e que conduziram, de facto, à justa absolvição das recorridas.

5º. A verdade é que a Recorrente não sindica a valoração da matéria de facto dada como provada, nem requer a sua alteração, sendo que no ponto 9 ficou assente que: «Por força das condições climatéricas referidas no ponto anterior, na madrugada do da 18 para o dia 19 de Dezembro de 2019, um dos ecopontos existentes no local caiu sobre o veículo da A.».

6º. Mas, tal como igualmente resultou provado no ponto 18 da matéria dada como provada, no Concelho ..., apenas caiu aquele concreto Ecoponto naquela noite não havendo qualquer outro relato de danos semelhantes nos dias anteriores ou mesmo no dia anterior ao evento onde a tempestade já se fazia sentir.

7º. Assim, seria sempre: «totalmente imprevisível que a tempestade fosse levantar um dos muitos ecopontos situados no Concelho ..., qualquer mecanismo destinado a evitar a sua deslocação dependeria da actuação do Município e não das RR.».

8º. Relativamente ao sistema de amarração, tal como bem decidiu o douto Tribunal, o mesmo não é possível colocar naqueles concretos equipamentos de deposição de resíduos visto que estes são recolhidos precisamente através do seu levantamento com recurso a guindaste.

9º. Tal como ficou provado nos factos provados (e não sindicados) número 5 alínea g) e números 11 a 13, a responsabilidade pela gestão dos equipamentos e pelos eventuais sistemas de amarração, bem assim como pela concreta localização dos equipamentos, é exclusiva do Município.

10º. Pelo que apenas ao Município poderia, por absurdo, ser assacada a responsabilidade por não ter adquirido e mandado instalar outros equipamentos, noutros locais ou mandado executar qualquer espaço fechado para impedir a movimentação dos Ecopontos.

11º. Quanto às obrigações e cumprimento do dever de vigilância e prevenção de perigo das Recorridas, ficou provado no facto provado n.º 23 que: «Os ecopontos em questão estavam em normais condições de segurança, sem qualquer dano aparente e/ou visível na sua estrutura ou pontos de apoio.».

12º. Isso resultou à saciedade da prova produzida, tendo todas as testemunhas da Recorrida e o seu legal representante, afirmado unissonamente e de forma credível que os ecopontos são colocados em locais previamente determinados pelo Município, como foi o caso, não podem ser retirados ou deslocados sem autorização daquele e são objecto de vistorias frequentes, não havendo notícia de qualquer anomalia ou acidente envolvendo os ecopontos em questão, previamente ao sinistro aqui em apreço.

13º. Sendo que a ideia da Recorrente de que as Recorridas deveriam ter-se abstido de recolher os resíduos por forma a evitar que o ecoponto tombasse é absolutamente descabida e não poderia nunca ser admitida ou exigida às Recorridas.

14º. A recolha dos resíduos é uma obrigação contratual das Recorridas e a ausência de Recolha além de poder conduzir à aplicação de penalidades, poderia levar a outro tipo de sinistro e nem se pode sequer aferir com o mínimo de certeza ou probabilidade que esse comportamento pudesse vir a evitar o acidente.

15º. As Recorridas ilidiram de forma absoluta e segura a presunção de culpa que sobre si impendia, na medida em que os equipamentos estavam em adequadas condições de manutenção, nos locais e com as características impostas pelo Município e foi cumprida a obrigação contratualmente estabelecida que era a recolha.

16º. Assim, a decisão proferida pelo Tribunal a quo não padece de qualquer vícia que a inquine, tendo o presente recurso, inelutavelmente, de improceder.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos dos restantes membros do coletivo, cumpre agora apreciar e decidir.

2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

A única questão a decidir é a da verificação dos pressupostos necessários ao nascimento da obrigação de indemnizar com base em responsabilidade civil nos termos previstos no nº 1 do artigo 493º do Código Civil e, no caso de resposta afirmativa, a determinação do montante da obrigação de indemnizar.

3. Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida que não foram impugnados pela recorrente expurgados das meras remissões para meios de prova, não se divisando qualquer circunstância passível de se enquadrar nas previsões legais que permitem a alteração oficiosa da decisão da matéria de facto

3.1 Factos provados


3.1.1

Em 12 de setembro de 2012, as rés celebraram entre si “contrato de consórcio”, através do qual se associaram na modalidade de “consórcio externo”, cujo objetivo consistia na prestação de serviços de recolha de resíduos sólidos e higiene urbana do Concelho ....

3.1.2

A participação da A... no referido consórcio era de 5% e a da B... de 95%.

3.1.3

Convencionando-se ainda, no referido “contrato de consórcio” que “Os membros são conjuntamente responsáveis pelas reclamações deduzidas por terceiros e pelos custos e prejuízos dos Membros incorridos com tais reclamações, sempre na proporção da sua participação no Consórcio”, mais se referindo que “Os membros obrigam-se a indemnizar e salvaguardar o outro Membro pela respectiva parte das reclamações deduzidas por terceiros e pela respectiva parte dos custos e prejuízos incorridos com tais reclamações”.

3.1.4

Assim associadas em consórcio, em 16 de outubro de 2012, as rés outorgaram com o Município ... o “Contrato de Prestação de Serviços de Recolha e Resíduos Sólidos e Limpeza Urbana do Concelho ...” com o n.º ..., passando a estar obrigadas à prestação de serviços de higiene e limpeza urbana do Concelho ..., nos termos do respetivo Caderno de Encargos.

3.1.5

Nos termos do referido Caderno de Encargos:

a. O prestador de serviços tem a obrigação de assumir total responsabilidade por danos causados a terceiros ou à entidade adjudicante na execução do serviço, bem como sobre os atos do pessoal e os resultantes da utilização do equipamento;

b. O prestador de serviços tem a responsabilidade de recolha e transporte de materiais recicláveis (vidro/cartão/pilhas), contidos nos Ecopontos e Vidrões instalados no Concelho;

c. A recolha dos resíduos deverá ocorrer de Segunda a Sábado e, eventualmente, ao Domingo e feriados se necessário, podendo ser noturna ou diurna. O Concorrente deve indicar os dias e horários a que se propõe a executar os serviços de recolha de cada fileira de resíduos;

d. O prestador de serviços deverá garantir o incremento de Ecopontos e vidrões em novos locais, bem como a manutenção de todo o parque destes equipamentos e o seu reforço quando necessário e sempre que solicitado pelo município;

e. O prestador de serviços obriga-se a proceder à lavagem, desinfeção e desodorização de todos os ecopontos e vidrões existentes no concelho;

f. A manutenção e conservação dos equipamentos de deposição de resíduos será permanente de forma a que os contentores na via pública estejam em boas condições de higiene e de segurança dos equipamentos, devendo ser substituídos por novos desde que as condições atrás citadas não se possam manter;

g. As caraterísticas dos equipamentos a colocar (cor do material, caraterísticas geométricas), devem ser previamente aprovadas pelo município, de forma a uniformizar este tipo de equipamentos.


3.1.6

Encontra-se registada a favor da autora a propriedade do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Ford, modelo ..., com matrícula ..-..-TS.

3.1.7

No dia 18 de dezembro de 2019, a autora estacionou a referida viatura em local destinado para o efeito, em frente à entrada da sua habitação, sita na Rua ..., em ..., ....

3.1.8

Nos dias 18 e 19 de dezembro de 2019, o território nacional foi assolado com intensidade, pela tempestade Elsa, sentindo-se nesse período ventos fortes e precipitação intensa.

3.1.9

Por força das condições climatéricas referidas no ponto anterior, na madrugada do dia 18 para o dia 19 de dezembro de 2019, um dos ecopontos existentes no local caiu sobre o veículo da autora.

3.1.10

Tendo outro dos referidos ecopontos resvalado até à via pública.

3.1.11

Os ecopontos em questão não possuíam, como ainda não possuem na presente data, qualquer sistema de travão, nem qualquer barra frontal e/ou lateral de proteção, de forma a evitar que se movam do seu local.

3.1.12

Não estão destinados a moverem-se, não possuem rodas, nem outro tipo de elemento suscetível de os mover para a frente, trás ou qualquer dos lados.

3.1.13

Os ecopontos estavam colocados no local indicado para o efeito pelo Município ....

3.1.14

A autora solicitou a presença da Polícia de Segurança Pública no local, tendo sido elaborado auto de participação com o ..., com a refª 3739/2019.

3.1.15

A autora apresentou ainda exposição/reclamação, dirigida ao Presidente da Câmara Municipal ..., em 20 de dezembro de 2019, dando conta do sucedido e solicitando pagamento dos danos sofridos.

3.1.16

A segunda ré foi notificada, via e-mail, pela Câmara Municipal ..., em 30 de dezembro de 2019, da referida exposição.

3.1.17

Posteriormente, em 09 de janeiro de 2020, a Câmara Municipal ... remeteu à segunda ré a participação da PSP suprarreferida.

3.1.18

A segunda ré procedeu à abertura de processo interno, tendo redigido Registo de Ocorrências n.º …, datado de 12 de janeiro de 2020, elaborado pelo Departamento de Qualidade, Ambiente e Segurança da segunda ré, no qual se lê que: “Analisados os factos reportados, informamos que esta empresa cumpriu com todas as suas obrigações de cuidado e vigilância sobre os seus bens e que os danos causados na viatura com a matrícula ..-..-TS, se deveram à queda do ecoponto, originada por fortes ventos e chuva intensa que se fez sentir devido à depressão, com rajadas superiores a 90km/h de acordo com o IPMA. Assim, estas circunstâncias anómalas e imprevisíveis a par de um comportamento de regular vigilância e cuidado, afastam qualquer responsabilidade, da nossa parte, na reparação dos danos sofridos”.

3.1.19

O qual foi enviado, via e-mail, em 15 de janeiro de 2020, à Divisão do Ambiente da Câmara Municipal ....

3.1.20

A exposição/reclamação da autora foi alvo de parecer jurídico, com o n.º ..., por parte do Departamento Jurídico do Município ....

3.1.21

Conclui-se no referido parecer que “Face ao peticionado e tendo os danos invocados pela requerente sido alegadamente provocados por um Ecoponto propriedade do Consórcio C..., somos de parecer que o Município ... não tem qualquer responsabilidade quanto ao sucedido.”

3.1.22

Nenhuma anomalia foi detetada pelos colaboradores das rés, nem houve qualquer incidente relativamente aos ecopontos em questão, quer no dia 18 de dezembro de 2019 (dia imediatamente anterior ao sinistro), quer nos dias anteriores.

3.1.23

Os ecopontos em questão estavam em normais condições de segurança, sem qualquer dano aparente e/ou visível na sua estrutura ou pontos de apoio.

3.1.24

Até à presente data, nenhuma das rés assumiu o pagamento dos danos provocados pelo Ecoponto na sobredita viatura.

3.1.25

Por força do embate do Ecoponto propriedade das rés, o veículo da autora ficou com os seguintes danos:

a. Porta lateral esquerda traseira amolgada;

b. Vidro lateral esquerdo traseiro partido;

c. Porta lateral esquerda dianteira amolgada;

d. Retrovisor esquerdo partido.


3.1.26

A reparação dos danos referidos no ponto anterior ascende à quantia de € 1.760,00.

3.1.27

Atendendo a que a viatura não poderia circular com alguns dos danos provocados pelo Ecoponto, a autora viu-se obrigada a proceder a parte da reparação da mesma – substituição do retrovisor, substituição da porta e respetiva mão de obra, tendo já liquidado à oficina “D...” a quantia de € 500,00.

3.1.28

Por força dos danos causados na viatura da autora, esta ficou impossibilitada de circular, pois carecia de lhe ser colocado um novo vidro na porta traseira esquerda, bem como a colocação de um novo espelho retrovisor esquerdo.

3.1.29

Tais reparações determinaram uma paralisação da viatura da autora por um período de 7 dias, ficando esta, durante tal período, impossibilitada de usar o seu veículo nas tarefas inerentes à vida profissional e social.

3.1.30

Não detendo a autora qualquer outra viatura, viu-se obrigada a restringir os seus movimentos, nomeadamente os que diziam respeito à sua vida social e, por outro lado, a circular de transportes públicos, bem como a recorrer à ajuda de amigos e familiares.

3.1.31

O aluguer de uma viatura similar à da autora, importa o pagamento diário de € 175,99.

3.1.32

Depois da reparação parcial, a viatura ainda circulou com danos originados pelo sinistro aqui em causa, durante período de tempo não concretamente apurado, até que a autora vendeu a viatura, por € 950,00.

3.1.33

Em 07 de junho de 2021, a primeira ré A... cedeu a sua posição contratual, no contrato celebrado com o Município ..., à segunda ré B....

3.2 Factos não provados


3.2.1

Os circuitos de recolha de papel, embalagens e vidrão estejam previstos, concretamente, nos circuitos ... (recolha de papel) e ... (recolha de vidrão).

3.2.2

O circuito ... é realizado diariamente, de segunda a sábado, em regime diurno quanto ao papel e em regime noturno.

3.2.3

O circuito ... é realizado diariamente, de segunda a sexta, em regime diurno.

3.2.4

Em ambos os casos, a recolha é efetuada mediante uma verificação casuística da necessidade, isto é, de acordo com o enchimento de cada um dos ecopontos.

A autora sentiu vergonha por circular com alguns danos na viatura.

4. Fundamentos de direito

Da verificação dos pressupostos necessários ao nascimento da obrigação de indemnizar com base em responsabilidade civil nos termos previstos no nº 1 do artigo 493º do Código Civil

A recorrente pugna pela revogação da sentença recorrida alegando para tanto, em síntese, que as rés não adotaram todas as precauções necessárias para evitar o sinistro e consequentes danos, logo não demonstraram que o evento teria ocorrido, quaisquer que fossem as medidas que tomassem para impedir o mesmo, que, por um lado, as obrigações e deveres decorrentes da cláusula 5.ª do caderno de encargos outorgado com o Município ... não lhes podem ser opostos, pois adquire a posição de um terceiro face ao referido caderno de encargos e, por outro, não foi produzida qualquer prova que permitisse aferir, com o grau de certeza exigível, qual a efetiva intensidade do vento e chuva que se fizeram sentir na madrugada do dia 18 para 19 de dezembro de 2019 no local onde ocorreu o sinistro. Além disso, a própria atuação das rés evidencia a falta de dever de cuidado pois, atendendo às condições climatéricas que assolariam o território nacional e que foram de conhecimento público, não se coibiram de realizar a recolha do conteúdo do ecoponto em apreço no dia imediatamente anterior aos eventos, e, tratando-se de um ecoponto para recolha de vidro, a recolha efetuada no dia anterior aos factos, potenciou o risco deste se soltar da base, pois permaneceu, sujeito aos ventos, com um peso reduzido, diminuindo a sua resistência a tais ventos.

Por seu turno, argumentam as recorridas, em síntese, que foi por força das condições climatéricas referidas no ponto 9 dos factos provados, na madrugada do dia 18 para o dia 19 de dezembro de 2019, que um dos ecopontos existentes no local caiu sobre o veículo da autora, tendo resultado igualmente provado no ponto 18 que no Concelho ..., apenas caiu aquele concreto Ecoponto naquela noite, não havendo qualquer outro relato de danos semelhantes nos dias anteriores ou mesmo no dia anterior ao evento onde a tempestade já se fazia sentir, pelo que seria sempre «totalmente imprevisível que a tempestade fosse levantar um dos muitos ecopontos situados no Concelho ..., qualquer mecanismo destinado a evitar a sua deslocação dependeria da actuação do Município e não das RR.», pelo que as recorridas ilidiram de forma absoluta e segura a presunção de culpa que sobre si impendia, na medida em que os equipamentos estavam em adequadas condições de manutenção, nos locais e com as caraterísticas impostas pelo Município e foi cumprida a obrigação contratualmente estabelecida que era a recolha.

Na decisão recorrida para fundamentar a ilisão da presunção de culpa que impendia sobre as rés e a consequente decisão de improcedência da ação escreveu-se o seguinte:

Nos termos do contrato celebrado entre as RR. e o Município, aquelas obrigavam-se à manutenção e conservação dos ecopontos, colocados em locais previamente determinados pelo Município e cujas características deviam, também, ser previamente homologadas pelo Município, bem como à recolha, com natureza periódica e regularidade definida no caderno de encargos, dos resíduos urbanos.

O equipamento em questão, tanto quanto se apurou, estava em condições adequadas de manutenção, não havendo qualquer notícia de anomalias prévias.

Estamos perante um acontecimento gerado por condições climatéricas adversas e invulgares (tempestade Elsa), que levaram a que um objecto naturalmente pesado e que de outro modo dificilmente se levantaria com a simples força do vento tombasse sobre um veículo que estava estacionado à sua beira, provocando danos neste, não se podendo qualificar como um dano provocado “na execução do serviço”, na acepção da cláusula 5ª do caderno de encargos (aqui caberiam as consequências de actos “normais” relacionados com a actividade das RR., por exemplo, um atropelamento provocado por um veículo de recolha de resíduos ou o dano provocado pela queda involuntária de um ecoponto, durante o seu esvaziamento)

E, por outro lado, não vemos que as RR., avaliando-se a sua conduta “pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”, pudessem ter assumido comportamento diferente.

Para além de ser totalmente imprevisível que a tempestade fosse levantar um dos muitos ecopontos situados no Concelho ..., qualquer mecanismo destinado a evitar a sua deslocação dependeria da actuação do Município e não das RR.

Efectivamente, para evitar sinistros deste jaez, ou o ecoponto era fixado ao solo por intermédio de parafusos (o que, diga-se, impediria a recolha normal dos resíduos, sendo consabido que esta é feita através do seu levantamento e esvaziamento através de uma espécie de guindaste, de que os veículos de recolha do lixo estão providos) ou era construído, em redor do mesmo (e necessariamente, assente no solo), algum tipo de barreira ou espaço fechado que impedisse que o mesmo se movimentasse.

Em todo o caso, isso implicaria a ocupação do espaço/solo público, cuja gestão e administração cabe necessariamente ao Município, sendo que as RR. também não assumem qualquer obrigação nesse sentido no contrato celebrado com aquele.

Cumpre apreciar e decidir.

Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 493º do Código Civil, “[q]uem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houver culpa sua.”

No caso dos autos não se discute que as rés tinham sob a sua esfera de ação o Ecoponto que veio a cair sobre o veículo da autora por efeito da tempestade Elsa, com ventos fortes e precipitação intensa, causando os danos de que a autora pretende ser ressarcida.

À luz do caderno de encargos do concurso público a que as rés concorreram e que ganharam, as mesmas assumiram total responsabilidade por danos causados a terceiros ou à entidade adjudicante na execução do serviço, bem como sobre os atos do pessoal e os resultantes da utilização do equipamento.

No caso em apreço, embora na altura do sinistro não estivesse em curso qualquer operação de remoção de resíduos contidos no Ecoponto que veio a cair sobre o veículo da autora, não cremos que se possa questionar que os danos causados neste veículo resultam da utilização de tal equipamento por parte das recorridas.

Se acaso as recorridas não utilizassem esse equipamento, a força do vento não teria a virtualidade de por si só causar danos no veículo da autora.

Na realidade, o equipamento usado pelas recorridas na recolha dos resíduos, enquanto coisa inerte, pois não tem forma de por si própria se deslocar, mas por força de fatores externos, como sejam os ventos fortes[3], tem aptidão a provocar danos, tendo aqueles que usam essas coisas o dever de zelar por na medida do possível impedir ou reduzir a probabilidade desses fatores externos se constituírem como causa ou concausa de eventos danosos[4].

É da experiência comum que quanto maior é a superfície de um objeto exposta ao vento e quanto menor for o seu peso, tanto maior é o risco desse objeto ser projetado ou arrastado pelo vento.

No caso dos autos está em causa uma situação meteorológica anormal que por revestir essa natureza e como constitui facto notório, envolve alertas da proteção civil com referenciação dos níveis de alerta em cada zona geográfica, normalmente os distritos.

Uma situação meteorológica anormal de tempestade requer cuidados especiais relativamente a objetos que possam ser deslocados pela força do vento e especialmente relativamente aos que se acham junto da via pública, dado o maior risco de virem a causar danos materiais e pessoais.

Neste contexto, as recorridas tinham ao seu dispor informação que lhes permitia avaliar a existência de um sério risco de que pelos menos alguns dos Ecopontos usados na sua atividade pudessem ser derrubados ou arrastados pela força do vento, como aliás se veio a verificar e não apenas num Ecoponto, como afirmam as recorridas, mas sim pelo menos em dois como resulta da factualidade provada nos pontos 3.1.9 e 3.1.10.

Na posse da referida informação, as recorridas tinham de adotar medidas a fim de evitar, na medida do possível, que tais riscos sérios se pudessem vir a concretizar, nomeadamente, amarrando os Ecopontos entre si e de preferência a outro ponto fixo nas imediações e solicitando ao Município que nos sítios mais ventosos ou em que se formam corredores de vento fossem adotadas outras medidas eventualmente mais eficazes para prevenir o risco de deslocação e derrube dos Ecopontos[5].

A situação meteorológica anormal justificava a adoção de medidas[6], ainda que temporárias, de fixação dos referidos equipamentos ao solo, especialmente dos que se achassem mais leves.

Assim, tudo sopesado, é nosso entendimento que as recorridas não ilidiram a presunção de culpa que sobre ambas recaía[7], tendo os seus agentes agido ilicitamente ao não adotarem a conduta necessária a evitar a concretização dos danos que se vieram a verificar precisamente por causa dessa omissão de adoção de medida preventivas de danos causados por um equipamento de recolha de resíduos que era utilizado no exercício da atividade das recorridas.

Esta conduta ilícita e culposa causou danos no veículo da autora, pretendendo esta a condenação das rés ao pagamento da indemnização necessária à reparação dos danos evidenciados nos pontos 26, 29 e 31 dos factos provados, no total de € 2 991,93.

No que respeita aos danos provou-se o seguinte:

- Por força do embate do Ecoponto propriedade das rés, o veículo da autora ficou com os seguintes danos:

a. Porta lateral esquerda traseira amolgada;

b. Vidro lateral esquerdo traseiro partido;

c. Porta lateral esquerda dianteira amolgada;

d. Retrovisor esquerdo partido (ponto 3.1.25 dos factos provados)

- A reparação dos danos referidos no ponto anterior ascende à quantia de € 1.760,00 (ponto 3.1.26 dos factos provados);

- Tais reparações determinaram uma paralisação da viatura da autora por um período de 7 dias, ficando esta, durante tal período, impossibilitada de usar o seu veículo nas tarefas inerentes à vida profissional e social (ponto 3.1.29 dos factos provados);

- Não detendo a autora qualquer outra viatura, viu-se obrigada a restringir os seus movimentos, nomeadamente os que diziam respeito à sua vida social e, por outro lado, a circular de transportes públicos, bem como a recorrer à ajuda de amigos e familiares (ponto 3.1.30 dos factos provados);

- O aluguer de uma viatura similar à da autora, importa o pagamento diário de € 175,99 (ponto 3.1.31 dos factos provados).

No caso em apreço, não oferece dúvidas que a autora tem a haver das rés o custo da reparação do veículo de que era dona e de que, entretanto, se desfez pelo preço de € 950,00[8], sendo essa responsabilidade solidária (artigo 497º, nº 1, do Código Civil).

Não sendo suscitada qualquer questão quanto à ressarcibilidade deste dano pelas recorridas[9], devem estas ser condenadas a pagar à autora, a tal título, o montante de € 1 760,00.

Apreciemos agora a pretensão indemnizatória por privação do uso do veículo num período de sete dias e que a autora computou no montante de € 1 231,93.

O dano da privação do uso tem na realidade judiciária diversos figurinos que ora o colocam na esfera dos danos patrimoniais ora o colocam na zona dos danos não patrimoniais e noutras situações numa zona algo ambígua dos danos patrimoniais cujo montante se fixa com recurso à equidade (artigo 566º, nº 3, do Código Civil)[10].

A questão da ressarcibilidade do dano da privação do uso tem sofrido ao longo do tempo uma evolução jurisprudencial que aponta num sentido de maior abertura na reparação de tal dano[11].

Assim, numa corrente mais exigente para o lesado, para que o dano da privação do uso da coisa danificada seja ressarcível exige-se a prova de factos demonstrativos da repercussão negativa dessa privação no património do lesado[12].

Outra corrente jurisprudencial, mais favorável ao lesado, basta-se com a prova de que o lesado usaria normalmente a coisa danificada para que o dano da privação do uso seja indemnizado[13].

Outra posição, ainda mais favorável ao lesado, pronuncia-se no sentido da ressarcibilidade do dano da privação do uso mesmo que não seja feita prova de uma utilização quotidiana do veículo, indemnização a fixar com recurso à equidade e com ponderação das concretas circunstâncias de cada caso[14].

No caso dos autos, a autora é uma pessoa singular e não é titular de uma empresa de aluguer de automóveis que por definição é lucrativa e que para o desempenho dessa atividade suporta custos diversos, quer com aquisição dos veículos destinados ao aluguer, respetivos seguros e encargos fiscais, despesas de pessoal para receber os clientes, elaborar e celebrar os contratos, despesas de publicidade e etc….

Por isso, o custo do aluguer de um veículo além de cobrir a margem de lucro a que qualquer atividade económica aspira, tem que necessariamente cobrir os custos inerentes ao desenvolvimento de tal atividade, sob pena de insolvência a breve trecho da entidade que a desenvolve[15].

E porque assim é, o dano da privação do uso do veículo sinistrado, sempre que o lesado não prova a efetiva realização de despesas com o aluguer de um veículo de substituição, não se pode aferir pelo valor locativo de um veículo similar ao sinistrado, sob pena de um injustificado enriquecimento do lesado.

Amiúde, em tempos ainda não muito distantes, a jurisprudência dos tribunais superiores tem tomado como referência para cálculo do dano da privação do uso valores de dez euros diários e até inferiores[16] e numa situação estando em causa um veículo de gama bem superior ao veículo da recorrente[17].

Importa ainda referir que a privação do uso do veículo sinistrado não se traduziu só num dano para a lesada, mas também, além do mais, em despesas inutilizadas (período de tempo de cobertura com o seguro em que ocorre a privação do gozo, por exemplo) e poupança de despesas, pois que, além do mais, a circulação do veículo implica gastos com combustível e desgaste do material.

Tudo isso deve ser sopesado na fixação da indemnização por privação do uso do veículo.

Assim, tudo visto e ponderado dado o tempo decorrido desde a prolação das decisões judiciais antes citadas e o reaparecimento de uma significativa inflação, reputa-se equitativa a fixação do dano da privação do uso do veículo de matrícula ..-..-TS sofrido pela autora, no montante diário de vinte euros.

Uma vez que a privação do uso do veículo se prolongou por sete dias, a autora tem direito a haver das rés o montante de € 140,00 para ressarcimento deste dano.

Pelo exposto, o recurso e a ação procedem parcialmente, sendo as custas da ação e do recurso da responsabilidade da autora e das rés na exata proporção do decaimento (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), mas sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a autora.

5. Dispositivo

Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por AA e, em consequência, em revogar a sentença proferida em 24 de outubro de 2023, condenando-se solidariamente A..., S.A. e B... S.A. a pagar a quantia de mil e novecentos euros a AA, sendo mil setecentos e sessenta euros a título de reparação dos danos sofridos no veículo de matrícula ..-..-TS e cento e quarenta euros a título de dano de privação do uso do mesmo veículo no período de sete dias.

Custas da ação e do recurso a cargo de autora e ré na exata proporção da sucumbência, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso, tudo sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a autora.


***

O presente acórdão compõe-se de dezanove páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.


Porto, 07 de outubro de 2024
Carlos Gil
Eugénia Cunha
Manuel Domingos Fernandes
_______________
[1] Segue-se, com alterações, o relatório da decisão recorrida.
[2] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 26 de outubro de 2023.
[3] Na escala de Beaufort usada na medição da intensidade dos ventos, vento forte é o que tem uma velocidade de cinquenta a sessenta e um quilómetros por hora. Contudo, porque o vento em causa ocorreu no quadro de uma tempestade, em concreto a tempestade Elsa, fenómeno meteorológico a que estão associados ventos de oitenta e nove a cento e dois quilómetros por hora, pode duvidar-se se aquela adjetivação está usada em sentido técnico. Teria sido muito simples solicitar à entidade competente informação sobre os registos da velocidade do vento na estação meteorológica mais próxima do local do sinistro.
[4] Sobre esta problemática veja-se Responsabilidade Civil por Violação de Deveres de Tráfego, Almedina 2015, Rui Paulo de Mascarenhas Ataíde, páginas 363 a 376, nº 48.1. e especialmente o primeiro parágrafo do ponto I., na página 364.
[5] A fixação dos Ecopontos não tem que se fazer necessariamente com recurso a parafusos que impedem o seu esvaziamento mediante levantamento por guindaste. Pode haver pontos de fixação no solo com sistemas amovíveis nos ecopontos e dotados de chave própria a fim de impedir o seu desbloqueamento por terceiros. Também, a colocação de tubos fixos no solo de modo a abranger dois cantos opostos do Ecoponto, com dimensões e a uma altura tal que obste à sua basculação pode ser uma medida de segurança suficiente.
[6] A nosso ver, a repetição e aparente multiplicação destes fenómenos meteorológicos obriga a que sejam reponderadas as condições de instalação em zonas urbanas destes equipamentos que podem ser deslocados ou derrubados por ação dos ventos.
[7] As recorridas são entidades ideais e como tal não têm capacidade de ação. No entanto, da conjugação dos artigos 157º e 165º, ambos do Código Civil, tem que concluir-se que as recorridas respondem objetivamente pelas omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos atos ou omissões dos seus comissários (artigo 500º do Código Civil), sendo em rigor a conduta ilícita e culposa encabeçada nos agentes das recorridas que por estas agem ou devem agir.
[8] O baixo valor de venda indicia que foram tidos em conta os danos que o veículo apresentava e o seu custo de reparação.
[9] Sublinhe-se que a cessão da posição contratual da A..., por ser posterior à ocorrência do sinistro, nenhuns reflexos tem na responsabilidade por facto ilícito da cedente emergente de conduta anterior à referida cessão.
[10] A ambiguidade resulta a nosso ver da circunstância de que, por definição, os danos patrimoniais são aqueles que são passíveis de avaliação pecuniária e isso porque são o reflexo do dano real na situação patrimonial do lesado (veja-se por todos, Das Obrigações em Geral, 6ª Edição, João de Matos Antunes Varela, Almedina 1989, Vol. I, páginas 568 e 569) e de no dano da privação do uso do veículo automóvel é esta projeção na situação patrimonial do lesado que nalguns casos causa dificuldades, precisamente aqueles em que se afirma a impossibilidade de determinação do valor exato dos danos. De todo o modo, parece não ser contestável que a privação do uso de um veículo é uma afetação do gozo deste concreto património mobiliário. Uma explicitação clara deste carácter poliédrico do dano da privação do uso pode ver-se no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06 de fevereiro de 2018, proferido no processo nº 189/16.7T8CDN.C1, acessível na base de dados do IGFEJ.
[11] Sobre esta problemática veja-se Responsabilidade Civil, Temas Especiais, Universidade Católica Portuguesa 2015, Maria da Graça Trigo, páginas 57 a 63. Atualmente, a nível da segunda instância tem-se vindo a admitir que o dano da privação do uso possa nalgumas circunstâncias ser ressarcido como dano não patrimonial (vejam-se por exemplo os seguintes acórdãos acessíveis na base de dados do IGFEJ: do Tribunal da Relação de Guimarães de 15 de junho de 2021, proferido no processo nº 2125/18.7T8VNF.G2; do Tribunal da Relação de Coimbra de 07 de setembro de 2021, proferido no processo nº 1022/20.0T8LRA.C1), posição que já no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04 de dezembro de 2003, proferido no processo nº 03B3030, teve acolhimento maioritário.
[12] Neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04 de outubro de 2007, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Salvador da Costa no processo nº 07B1961, acessível no site do IGFEJ.
[13] Neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de junho de 2009, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Alves Velho, no processo nº 1583/1999.S1, acessível no site do IGFEJ.
[14] Neste sentido leia-se Temas da Responsabilidade Civil, Vol. I, Indemnização do Dano da Privação do Uso, 2ª edição revista e actualizada, Almedina 2005, António Santos Abrantes Geraldes, páginas 72 e 73, posição também mencionada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de julho de 2018, tirado por maioria, relatado pelo autor que se acaba de citar, no processo nº 176/13.7T2AVR.P1.S1, acessível no site do IGFEJ.
[15] Sobre esta problemática veja-se Responsabilidade Civil, Temas Especiais, Universidade Católica Portuguesa 2015, Maria da Graça Trigo, página 63, linhas 18 a 25.
[16] Vejam-se por exemplo o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21 de setembro de 2017, proferido no processo nº 252/08.8TBVLN.G1, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de dezembro de 2019, proferido no processo nº 3088/19.7YRLSB-2 e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28 de maio de 2020, proferido no processo nº 289/19.T8MCN.P1, todos acessíveis na base de dados do IGFEJ.
[17] Veja-se, a propósito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de setembro de 2021, proferido no processo nº 6250/18.6T7GMR.G1.S1 e acessível no site do IGFEJ.