PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
CENTRAL DE RESPONSABILIDADES DE CRÉDITO
SOCIEDADE COMERCIAL
OFENSA AO BOM NOME
EQUIDADE
Sumário

I- O juiz não está obrigado a, previamente à sentença, comunicar às partes a matéria de facto que entende ser relevante para a decisão da causa; a omissão de factos relevantes para essa decisão é suscetível de conduzir à anulação da decisão para ampliação da matéria de facto, não constituindo nulidade por omissão do contraditório prévio.
II- A participação de um facto não verídico à Central de Responsabilidades de Crédito junto do Banco de Portugal, constitui sempre uma ofensa ao crédito e bom nome dos visados.
III- As consequências dessa participação para as entidades empresariais são ainda mais intensas porque por regra, todas as empresas recorrem ao crédito e, por isso, dependem muito da imagem no mercado, que se revela um fator importantíssimo, sendo as mais das vezes determinante para a concessão de crédito.
IV- Daí que, perante o mercado financeiro, seja diferente uma empresa que tem uma participação na Central de Responsabilidade de outra que nada tem apontado.
V- Quanto às sociedades comerciais, o bom nome, o crédito, o conceito junto de clientes e fornecedores redunda sempre necessariamente na componente patrimonial uma vez que o nome “sujo” no mercado significa certamente a perda de negócios ou a dificuldade em os fazer com boas condições.
VI- Não se apurando e nem sendo possível apurar o quantitativo exato do dano que a situação em apreço causou à recorrente, deve-se aplicar o disposto no artº 566º/3 do CCivil, segundo o qual se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.

Texto Integral

Acordam os Juízes Desembargadores que compõem este Coletivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Recorrente:
Autora: IT, Lda.
Recorrida:
Ré: RB Sucursal Portugal,
A autora recorrente instaurou ação de condenação sob a forma comum de declaração formulando o seguinte pedido: ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) acrescida de juros de mora à taxa legal comercial a contar da data da citação até efetivo e integral pagamento.
Para fundamentar o pedido a autora alegou que celebrou um contrato de financiamento automóvel com a ré, tendo esta comunicado indevidamente à Central de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal dados sobre o incumprimento da autora no âmbito daquele contrato, o que afetou a sua credibilidade e bom-nome, do seu sócio-gerente e de outras sociedades comerciais com o mesmo sócio-gerente, que viram o seu direito ao crédito restringido, com o que sofreram prejuízos patrimoniais e não patrimoniais. Acresce que, nesta sequência, a autora teve de apresentar inúmeras reclamações junto da Ré para ver o seu nome “limpo” junto do Banco de Portugal e, perante a ausência de resposta, teve de contratar serviços jurídicos para interpelar novamente a ré e recorrer às vias judiciais.
A ré contestou, pugnando pela improcedência do pedido. Alegou que das comunicações efetuadas à Central de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal, a primeira se reportou a um efetivo incumprimento da autora e as demais decorreram de dificuldades de reestruturação dos sistemas de gestão informática, que estavam programados para gerar alertas e emitir documentos de forma automática em situações de incumprimento no pagamento das prestações acordadas, não estando preparadas para responder às medidas excecionais e extraordinárias adotadas pelo Governo no âmbito do combate à pandemia Covid-19, atento o volume de solicitações, aliado ao facto dos seus trabalhadores se encontrarem a trabalhar remotamente. Acresce que todas as comunicações indevidas ao Banco de Portugal foram de imediato corrigidas pela ré assim que sinalizadas pela autora. Mais impugna os danos invocados pela autora, dizendo que do alegado não resulta a situação em causa lhe tenha causado danos, não podendo ser imputados à ré danos sofridos por terceiros, nomeadamente o seu sócio-gerente e outras sociedades de que o mesmo é sócio e legal representante.
Realizou-se a audiência prévia na qual proferido despacho saneador tabelar a julgar verificados os pressupostos processuais. Mais foram enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.
Realizou-se a audiência final.
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 Foi proferida sentença cujo trecho decisório é o seguinte:
Em face do exposto, julgo a acção totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, decido: ABSOLVER a Ré, RB Sucursal Portugal, do pedido contra si formulado pela Autora, IT, Lda.”.
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Inconformada com o decidido, apelou a autora, tendo apresentado alegações e as seguintes conclusões:
I. A ação assenta no pedido de condenação da Ré no pagamento de uma indemnização em montante não inferior a 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros) pelos danos não patrimoniais causados decorrentes da indevida e ilícita comunicação de incumprimento pela Autora de contrato de crédito ao Banco de Portugal.
II. Conforme foi dado como provado, sem que fosse verdade, a Ré comunicou ao Banco de Portugal o incumprimento pela Autora nos meses de Abril, Outubro, Novembro e Dezembro de 2020 e janeiro de 2022.
III. Na causa de pedir, entre outra factualidade, nos pontos 38.º, 46.º, 62.º a 65.º e 66º a 74.º da petição inicial, a Autora descreveu o impacto que a conduta da Ré teve para a atividade das sociedades comerciais “LGI Lda” e “ACSB Lda.”, que têm o mesmo sócio-gerente que a Autora, contudo a Mma. Juiz a quo excluiu tal factualidade, referindo apenas que “a restante matéria vertida nos articulados não assume relevância para a decisão da causa (onde avulta a relativa a alegados danos sofridos por entidades terceiras), é conclusiva, argumentativa e/ou de direito”.
IV. De igual modo, sem que se vislumbre qualquer razão, na sentença recorrida foi ignorada a factualidade descrita nos arts. 75.º, 76.º, 77.º e 80.º da petição inicial.
V. A Autora não foi excluída em sede de despacho saneador ou outro despacho judicial, pelo que se verifica a omissão do dever de audição prévia para exercício do contraditório pela Autora, nulidade processualmente prevista no art. 3.º, n.º 3 do CPC, suscetível de influir no exame ou na decisão da causa.
VI. Em consequência deverá ser julgada verificada a indicada nulidade e ordenada a descida do processo para que seja produzida prova sobre a referida matéria e tomada decisão sobre a mesma.
Sem prescindir,
VII. Cotejada a prova carreada para os autos e a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, a sentença incorre em erro de julgamento.
VIII. Deverão ser dados como provados os factos constantes nas alíneas B), C), D) e a matéria factual alegada no articulado na petição inicial nos pontos 19.º (alínea B) factos não provados, 38.º, 40.º, 46.º, 47.º, 48.º, 52.º, 53.º, 54.º, 57.º (alínea C factos não provados), 58.º, 59.º, 61.º; 75.º, 76.º, 77.º, 78.º, 79.º, 80.º, 81.º, 82.º e 83.º.
Com efeito:
IX. O ponto 19 diz respeito à Ré ter informado a Autora que a moratória seria válida pelo período de seis meses a iniciar em abril de 2020, o que está devidamente corroborado pela reclamação apresentada em 20/05/2020 pela Autora junto do Banco de Portugal – doc. 10 junto à petição inicial.
X. No ponto 38 da petição inicial é meramente indicado que a Autora e as sociedades comerciais LGI Lda e ACSB, Lda. têm o mesmo sócio-gerente, o que tudo resulta de documento autêntico junto à petição inicial – certidões permanentes juntas como documentos 19 e 20.
XI. O ponto 40 é manifestação das várias reclamações apresentadas pela Autora perante a Ré e o Banco de Portugal, cuja prova é facilmente identificada por consulta aos documentos 10, 11, 12, 21 e 22 juntos à petição inicial, ora sejam reclamações junto do Banco de Portugal, ora sejam respostas da Ré a reclamações perante si apresentada.
XII. Resulta ainda das declarações de parte do legal representante da Autora, no seu depoimento entre 00:30:28 e 00:30:58.
XIII. No ponto 46 da petição inicial a Autora invoca a restrição do exercício da sua atividade e das outras duas sociedades em consequência da violação do direito ao bom nome e ao crédito da Autora.
XIV. Tal ponto deverá ser dado como provado, porquanto as declarações de parte da Autora merecem total credibilidade, foram espontâneas e racionais, tal como se pode verificar entre 00:28:51 e 00:30:34, nas quais o sócio-gerente descreveu como foi negado o acesso ao financiamento para aquisição de umas garagens e a obter uma linha de crédito especial relacionada com o COVID, garantida pela N... e entre os 00:36:43 e 00:38:28 quando expôs que a 321 Crédito negou que a Autora se tornasse sua intermediária de crédito.
XV. A interpelação extrajudicial da Ré invocada no ponto 47 resulta de forma inequívoca do documento 23 junto à petição inicial.
XVI. De igual modo a interpelação extrajudicial pela Mandatária da Autora invocada no ponto 48 da petição inicial resulta do documento 24 junto à petição inicial.
XVII. A matéria invocada nos pontos 52, 53 e 54 da petição inicial foi devidamente demonstrada, por um lado por força da legislação aplicável ao sector de atividade da Ré, mas é também do conhecimento público que as instituições de crédito estão dotadas de sistemas informáticos e organizadas para cumprir com o tratamento dos muitos dados que processam.
XVIII. É o normal do acontecer que constando registo de incumprimento no mapa de responsabilidades junto do Banco de Portugal, dificultará o acesso a qualquer outro crédito.
XIX. Os pontos 57 e 61 deverá ser dado como provado atentas as declarações do legal representante da Autora no seu depoimento entre os 00:36:43 e 00:39:10, bem como, as regras de experiência comum.
XX. Aliás, a idoneidade da entidade é um dos requisitos de acesso à atividade por força do DL 81-C/2017 de 7 de julho.
XXI. O ponto 59 é da petição inicial deverá ser dado como provado, enquanto consequência lógica do facto dado como provado no ponto 25 da sentença recorrida.
XXII. Os pontos 75, 76, 77, 78 e 80 invocados na petição inicial deverão ser dados como provados.
XXIII. O ponto 76 resulta dos documentos 10, 12, 21, 22, 23 e 24 juntos à petição inicial e o ponto 77 do documento 24.
XXIV. Por seu turno, os pontos 78 e 79 é corroborado pelas declarações de parte do legal representante da Autora no seu depoimento entre 00:28:51 e 00:30:56 e também entre 00:51:11 e 00:53:56. De igual modo, a testemunha JA esclareceu o impacto que a existência do registo de incumprimento gera – vd. depoimento entre 01:03:40 e 01:06:04.
XXV. Por fim, a matéria vertida nos pontos 81, 82 e 83 da petição inicial deverá ser dada como provada.
XXVI. O ponto 81 na parte em que invoca a quebra da procura dos serviços TVDE é do conhecimento público, atendendo às medidas de isolamento decretados por força da pandemia do COVID.
XXVII. A faturação invocada nos pontos 82 e 83 da petição inicial resulta dos documentos 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55 e 56.
Sem conceder:
XXVIII. A apreciação jurídica dos factos provados e dos que deverão ser dados como provados por força do presente recurso deverá ser diferente da realizada nos presentes autos.
XXIX. Entendeu a sentença recorrida que as pessoas coletivas não sofrem danos não patrimoniais e que a Autora não demonstrou quaisquer danos patrimoniais.
XXX. Salvo o merecido respeito, não é esse o melhor entendimento de Direito.
XXXI. O legislador consagrou um sistema que se centra na função reparadora ou compensatória da responsabilidade civil, contudo, num segundo momento também prevê a função punitiva ou sancionatória quando faz variar o montante da indemnização consoante o grau de culpa do agente (art. 494.º do Código Civil).
XXXII. Os requisitos da responsabilidade civil extracontratual, de que se cuida nos presentes autos, estão devidamente verificados.
XXXIII. A ilicitude decorrente da infundada comunicação pela Ré à Central de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal de diversas situações de incumprimento da autora que não ocorreram, resultam do incumprimento do Decreto-Lei 204/2008 de da instrução n.º 21/2008 do Banco de Portugal.
XXXIV. As pessoas coletivas têm o direito ao bom nome e ao crédito (art. 160.º e 484.º do Código Civil), pelo que lhes são reconhecidos alguns direitos de personalidade.
XXXV. A tutela da personalidade está constitucionalmente consagrada nos arts. 26.º, n.º 1 e 33.º., bem como, no plano infraconstitucional está plasmada no art. 70º e 484.º do Código Civil.
XXXVI. A mera violação dos direitos de personalidade, in casu, o direito ao crédito e ao bom nome, é, em si mesma, um dano não patrimonial, merecedor da tutela do direito.
XXXVII. A mera difusão do facto falso de incumprimento, é automaticamente uma ofensa ao bom nome, que, in casu, foi praticado perante o Banco de Portugal e as outras instituições de crédito que tiveram conhecimento, como a N... e o Santander.
XXXVIII. Atenta a atividade da Ré, é de salientar que a culpa deverá ser apreciada segundo a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com os arts. 73.º 74.º e 75.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
XXXIX. Resulta ainda do art. 34.º, n.º 2 da Lei da Proteção de Dados Pessoais uma presunção de culpa, que não foi ilidida.
XL. No que concerne aos danos, ficou provado que a Autora tomou conhecimento através da N..., instituição de crédito e que as comunicações foram ainda do conhecimento do Banco de Portugal e do Banco Santander.
XLI. Ficou ainda demonstrado que a Autora viu a sua liberdade de atividade restringida, ora por não obter o financiamento necessário, ora por a Autora ser estigmatizada perante outras instituições de crédito pela mera circunstância de constar incumprimento no mapa de responsabilidades.
XLII. Verificam-se assim todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
XLIII. Assim, impõe-se que seja fixada equitativamente uma indemnização a pagar pela Ré à Autora ao abrigo do disposto no art. 496.º do Código Civil, nos termos peticionados na petição inicial.
XLIV. A sentença recorrida incorre, assim, em errada interpretação do disposto nos arts. 26.º e 33.º da Constituição da República; 70.º, 484.º, 494.º, 496.º, 563.º do Código Civil; arts. 2.º, n.ºs 1 e 4; 3.º, n.ºs 2 e 5, 5.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 do Decreto-Lei 204/2008; arts. 73.º, 74.º e 75.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras; art. 34.º, n.º 2 da Lei de Proteção de Dados Pessoais e da Instrução n.º 21/2008 do Banco de Portugal.
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A recorrida apresentou contra-alegações, sem conclusões, nas quais pugna pela improcedência do recurso.
FUNDAMENTAÇÃO
Colhidos os vistos cumpre decidir.
Objeto do Recurso
O objeto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, as questões a apreciar são, para além da pretendida alteração da matéria de facto, as seguintes:
- se se verifica o vício da nulidade da decisão;
- se a ré, ao fazer as invocadas comunicações relativas a alegados incumprimentos por parte da autora ao Banco de Portugal, praticou atos ilícitos, culposos e danosos dos quais resulta a obrigação de indemnizar.
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Factualidade tida em consideração pela 1ª Instância
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1) A Autora é uma sociedade comercial por quotas, com o objeto social de actividades de agência de viagens; actividades de organização de viagens turísticas vendidas através das agências de viagem ou directamente pelos operadores turísticos; Organização de actividades de animação turística; Serviços de transporte de passageiros em veículos ligeiros; Aluguer de viaturas com condutor; Aluguer de veículos automóveis ligeiros, motociclos e ciclomotores; Comércio de veículos automóveis ligeiros, motociclos e ciclomotores; Manutenção reparação e lavagem de veículos automóveis ligeiros, motociclos e ciclomotores; Outras actividades auxiliares de serviços financeiros; Atividades de intermediário de crédito; Transporte e distribuição, nacional e internacional, de envios postais; entregas ao domicílio e serviços de estafetas urbanos; Actividades de limpeza geral em edifícios.
2) No exercício da sua actividade, a Autora é operadora de transporte em veículos descaracterizados (transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma electrónica, doravante TVDE), com o n.º de licença 2910/2018.
3) A Ré dedica-se, entre outras atividades, a operações de crédito ou de banco, sob todas as formas, destinadas, ou não, ao financiamento da aquisição de bens ou serviços e, em particular, as operações de crédito permanente, bem como a emissão ou gestão de meios de pagamento ligados a estas operações.
4) Em 19 de Junho de 2018, a Autora e a Ré celebraram um acordo escrito, denominado “Contrato de Financiamento Automóvel”, ao qual foi atribuído o n.º xxx, tendo por objecto o financiamento pela Ré da aquisição pela Autora da viatura de marca e modelo xxx, com matrícula xxx, no montante total de € 18.347,50.
5) O aludido acordo foi celebrado por um período de 48 meses, vencendo-se a primeira prestação em 19 de Julho de 2018 e a última em 19 de Junho de 2022.
6) Nos termos do referido acordo, as prestações mensais, no valor unitário de € 430,87, seriam pagas por débito directo na conta bancária para o efeito indicada pela Autora e venciam-se ao dia 19 de cada mês.
7) A referida viatura foi adquirida com a finalidade de ser cedida a motoristas para o desenvolvimento da actividade da Autora, como efectivamente veio a suceder.
8) No dia 20 de Março de 2020, a Autora remeteu à Ré o e-mail que se encontra junto à petição inicial como documento n.º 2, para cujo teor se remete e aqui se dá por reproduzido, relativamente ao acordo identificado em 4), designadamente o seguinte:
“(…) solicito à vossa instituição carência nos pagamentos a realizar a partir do dia 01-04-2020. Este mês de Março conseguimos cumprir todas as nossas obrigações mas tal não será possível para o mês que vem.
(…)
Peço carência de 6 meses dos pagamentos a realizar à vossa instituição com inicio na mensalidade de Abril, caso contrário a probabilidade de falência é elevada e não irão precisar de viaturas com 200.000 km.
(…).”.
9) No dia 26 de Março de 2020, a Ré remeteu à Autora o escrito que se encontra junto à petição inicial como documento n.º 3, a comunicar que a prestação do mês de Março tinha sido devolvida pelo banco e a solicitar a regularização do débito, mediante o pagamento da quantia de € 449,15, sendo a quantia de € 430,87 relativa à prestação e a quantia de € 18,28 a juros e encargos.
10) Na sequência da recepção do aludido escrito, a Autora, nesse mesmo dia, remeteu à Ré o e-mail de que se encontra junta cópia à petição inicial como documento n.º 4, para cujo teor se remete e aqui se dá por reproduzido, a manifestar a intenção de aderir à moratória dos pagamentos dos financiamentos aprovada pelo Governo e a solicitar a liquidação da referida prestação sem qualquer penalização.
11) Em 02/04/2020, a Ré remeteu à Autora o e-mail de que se encontra junta cópia como documento n.º 7 da petição inicial, para cujo teor se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido, a comunicar o seguinte:
“para que o seu pedido seja tido em consideração para análise e diferimento, deve V. Exa. regularizar de imediato a mensalidade de MARÇO actualmente em divida e através dos seguintes dados sem gastos nem juros (…)”.
12) A Autora, nesse mesmo dia, fez o pagamento da referida prestação através da referência multibanco facultada para o efeito pela Ré.
13) A Ré comunicou à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, no mapa referente ao mês de Março de 2020, que a Autora se encontrava em incumprimento, sendo o valor “em dívida” de € 430,87 e a data da entrada em incumprimento de 20/03/2020.
14) Em 18 de Abril de 2020 a Ré solicitou à Autora que efectuasse o pedido de adesão à moratória mediante o preenchimento de um formulário que lhe remeteu para o efeito.
15) No dia 20 de Maio de 2020, a Ré remeteu à Autora o e-mail, junto à petição inicial como documento n.º 11, para cujo teor se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido, a “informar que a moratória foi concedida entre o período de 20/05/2020 e 20/10/2020, como tal a mensalidade de 20/04/2020 não se encontra incluída na moratória, além que de que não tem efeito retroactivo” e que “A mensalidade de Abril, encontrava-se faturada desde o 07/04/2020 e a moratória foi ativada a 25/04/2020.”.
16) Nesse mesmo dia a Autora apresentou, no livro de reclamações da Ré, a reclamação cuja cópia constitui o documento n.º 10 junto à petição inicial, com o seguinte teor:
“Como responsável da empresa IT Unipessoal lda com o contribuinte xxx, venho por este meio expor aquilo que se poderá chamar de abuso de confiança e não cumprimento da legislação. A nossa empresa, que neste momento encontra-se a 100% em Lay Off, e sem facturar desde 13-03-2020 aderiu as moratórias aprovadas pelo governo no decreto de lei nº10-J2020, fizemos o pedido no dia 30-03-2020 com os anexos de todos os documentos que o decreto de lei exigia que se enviasse. Recebemos resposta desta instituição financeira dia 18-04-2020 a solicitar que preenchêssemos um novo pedido numa nova minuta efectuada pela própria instituição, inicialmente recusamos preencher um novo pedido pois já o tínhamos feito a dia 30-03-2020, mas ao telefone com o apoio ao cliente foi nos dito que a moratória iria respeitar o decreto de lei e seria valida por 6 meses onde a própria mensalidade a Abril estaria incluída. Esta semana solicitamos uma fatura de um pagamento que fizemos em Abril de 20€ para a obtenção de uma declaração de não divida e qual não é o nosso espanto?, o apoio ao cliente via email informa que os 20€ pagos não liquidaram a declaração de não dívida mas sim parte da dívida de Abril .Questionamos pela mesma via ( email ) o porquê que a intuição estaria a agir daquela maneira e a resposta foi a que passo a transcrever: "Vimos por este meio esclarecer que a moratória foi concedida no período de 20-05-2020 a 20-10-2020" Tememos que esta empresa, não cumpra o que esta estabelecido no decreto de lei do regulamento e que tenha comunicado ao Banco de Portugal o incumprimento contratual da nossa empresa, Solicitamos por isso que o Banco de Portugal fiscalize as acções desta empresa e o que a mesma faz à revelia das leis de Portugal. Solicitamos de igual forma que esta instituição cumpra o estabelecido no decreto de lei com a nossa empresa e aplique a moratória do dia 01-04-2020 a dia 30-09-2020.”.
17) Na sequência e em resposta a esta reclamação, por carta datada de 22 de Maio de 2020, cuja cópia se encontra junta à petição inicial como documento n.º 12, a Ré comunicou à Autora designadamente o seguinte:
“Tendo sido notificados através do Livro de Reclamações Online da reclamação identificada em epígrafe, a qual mereceu a nossa melhor atenção, cumpre-nos esclarecer o seguinte:
1- A data indicada para efeitos de moratória no contrato celebrado entre a RB - Sucursal em Portugal e V.Exa., com o número xxx, está relacionada com o período de faturação em curso do crédito de Vossa Exa.;
2- Efetivamente aplicámos moratória no crédito de Vossa Exa. a partir da mensalidade de Maio;
3- Contudo, iremos proceder à retificação do seu crédito número xxx, ficando assim aplicado a partir da mensalidade de Abril, terminando a moratória a 30/09/2020;
4- Desta forma, a próxima prestação de Vossa Exa. será debitada na mensalidade de Outubro.”.
18) A Ré comunicou à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, no mapa referente ao mês de Abril de 2020, que a Autora se encontrava em incumprimento, sendo o valor “em dívida” de € 410,87 e a data da entrada em incumprimento de 20/04/2020.
19) A Ré comunicou ainda à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, nos mapas dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2020, que a Autora se encontrava em incumprimento, sendo o valor “em dívida” de € 430,87 e a data da entrada em incumprimento de 20/10/2020.
20) A Ré veio a ter conhecimento da existência de um registo de incumprimento no valor de € 431,00, com referência à data de 31 de Dezembro de 2020, pela sociedade N... em 28 de Janeiro de 2021.
21) A Ré comunicou à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, no mapa do mês de Janeiro de 2022, que a Autora se encontrava em incumprimento, sendo o valor “em dívida” de € 430,87 e a data da entrada em incumprimento de 20/01/2022.
22) A prestação do mês de Janeiro de 2022 foi paga pela Ré em data anterior a 20 de Janeiro de 2022.
23) Em 4 de Maio de 2021 a Autora apresentou, no livro de reclamações da Ré, a reclamação cuja cópia constitui o documento n.º 21 junto à petição inicial, para cujo teor se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido, relativamente às comunicações de incumprimento por esta efectuadas junto da Central de Responsabilidades do Crédito do Banco de Portugal nos meses de Março, Abril, Outubro, Novembro e Dezembro de 2020.
24) A Ré respondeu à reclamação da Autora, por carta datada do mesmo dia, de que se encontra junta cópia à petição inicial documento n.º 22, para cujo teor se remete e aqui se dá por integralmente por reproduzido, admitindo que houve um lapso nos reportes efectuados junto do Banco de Portugal e que procedeu à sua rectificação, com ressalva do valor reportado no mês de Março de 2020, sustentando que o mesmo está correcto.
25) Em data não concretamente apurada, a Autora decidiu alargar a sua actividade, de modo a incluir a actividade de intermediação do crédito.
26) Para o efeito, a Autora despendeu a quantia total de € 150,00 com a realização dos cursos de intermediários de crédito e de comercialização de crédito aos consumidores por parte do seu sócio-gerente, LG.
27) Para o mesmo efeito, a Autora subscreveu ainda, em 31 de Janeiro de 2022, o seguro de intermediação de crédito, tendo despendido a quantia de € 206,46 para pagamento do prémio da apólice.
28) A comunicação dos incumprimentos reportados pela Ré junto da Central da Responsabilidades do Crédito do Banco de Portugal foi, pelo menos, do conhecimento do gestor de conta da Autora na N....
29) O sistema informático da Ré estava programado para gerar comunicações automáticas de incumprimento à Central de Responsabilidades do Crédito do Banco de Portugal.
30) Devido à pandemia provocada pela doença Covid-19 os trabalhadores da Ré foram colocados em teletrabalho.
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Foram considerados não provados os seguintes factos:
A) A Autora, no e-mail a que se alude em 8) do elenco de factos provados, tenha solicitado à Ré o não pagamento da prestação de Março de 2020.
B) Por telefone, em contacto com o serviço de apoio ao cliente da Ré, a Autora foi informada que a moratória iria ser válida pelo período de seis meses, a iniciar em Abril de 2020.
C) Em Dezembro de 2021, a Autora viu ser-lhe recusada a possibilidade de se tornar intermediária de crédito da … uma vez que apresentava incumprimento no mapa de responsabilidades de créditos junto do Banco de Portugal.
D) A Autora viu o seu bom nome descredibilizado junto de instituições de crédito e de JA, sócio da sociedade comercial “ACSB, Lda.” – sem prejuízo da factualidade vertida em 28) do elenco de factos provados.
E) Os reportes de incumprimento da Autora à Central de Responsabilidades do Crédito do Banco de Portugal com referência aos meses de Abril, Outubro, Novembro e Dezembro de 2020 e Janeiro de 2022 foram corrigidos pela Ré assim que a Autora lhe comunicou os mesmos.
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Fez-se ainda constar que: “A restante matéria vertida nos articulados não assume relevância para a decisão da causa (onde avulta a relativa a alegados danos sofridos por entidades terceiras), é conclusiva, argumentativa e/ou de direito”.
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Fundamentação jurídica
Da nulidade da sentença
Invoca a recorrente a nulidade da sentença nos seguintes termos:
“III. Na causa de pedir, entre outra factualidade, nos pontos 38.º, 46.º, 62.º a 65.º e 66º a 74.º da petição inicial, a Autora descreveu o impacto que a conduta da Ré teve para a atividade das sociedades comerciais “LGI Lda” e “ACSB Lda.”, que têm o mesmo sócio-gerente que a Autora, contudo a Mma. Juiz a quo excluiu tal factualidade, referindo apenas que “a restante matéria vertida nos articulados não assume relevância para a decisão da causa (onde avulta a relativa a alegados danos sofridos por entidades terceiras), é conclusiva, argumentativa e/ou de direito”.
IV. De igual modo, sem que se vislumbre qualquer razão, na sentença recorrida foi ignorada a factualidade descrita nos arts. 75.º, 76.º, 77.º e 80.º da petição inicial.
V. A Autora não foi excluída em sede de despacho saneador ou outro despacho judicial, pelo que se verifica a omissão do dever de audição prévia para exercício do contraditório pela Autora, nulidade processualmente prevista no art. 3.º, n.º 3 do CPC, suscetível de influir no exame ou na decisão da causa.
VI. Em consequência deverá ser julgada verificada a indicada nulidade e ordenada a descida do processo para que seja produzida prova sobre a referida matéria e tomada decisão sobre a mesma”.
Nas alegações a recorrente explicita melhor os fundamentos da arguição da nulidade, dizendo que “Desde logo, a matéria não foi excluída em sede de despacho saneador, cfr. de fls., nem foi proferido qualquer despacho a excluir essa factualidade da matéria relevante para a decisão da causa. Assim, nesta parte que não conheceu dos concretos pontos destes pontos de facto, verifica-se a omissão do dever de audição prévia para exercício do contraditório pela Autora, consubstancia uma decisão surpresa e, por conseguinte, uma nulidade processual (art. 3.º, n.º 3 do CPC) suscetível de influir no exame ou na decisão da causa. Com efeito, o objeto da causa de pedir foi reduzido sem que a Autora tivesse oportunidade de se pronunciar e, atendendo que diz respeito aos danos sofridos, a matéria excluída é suscetível de influir no exame e na decisão da causa”.
Como se constata, a recorrente entende que o tribunal a quo, ao não referir expressamente a factualidade em causa quanto à respetiva prova ou não prova, cometeu uma nulidade na medida em que excluiu tal matéria do “objeto da causa de pedir” sem que tivesse proferido qualquer decisão prévia nesse sentido, pelo que estamos perante uma nulidade decorrente da violação do princípio da audição prévia, previsto no artº 3º/3 do CPC.
Consideramos que a invocação da nulidade nos termos em que a recorrente a fez resultará de algum equívoco relativo à decisão da matéria de facto.
Nos termos do artº 607º/3 e 4, do CPC, o juiz da causa ao elaborar a sentença deve indicar os respetivos fundamentos, devendo discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final. Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
Os factos que o tribunal deve elencar, quer quanto aos factos provados, quer aos factos não provados, respeitam aqueles que são relevantes para a boa decisão da causa, tendo em conta as várias soluções plausíveis de direito. São desde logo os factos essenciais alegados pelas partes que constituem a causa de pedir e aqueles que fundamentam as exceções deduzidas (artº 5º/1 do CPC). Para além dos alegados pelas partes, o juiz deve ainda considerar os factos instrumentais, os complementares ou concretizadores e os factos notórios (artº 5º/2, do CPC).
Mas todos esses factos só são considerados na medida em que sejam importantes para a decisão da causa. Caso existam factos que assumam essa qualidade e que não tenham sido incluídos no rol, nem dos factos provados, nem dos factos não provados, tal implicará em sede de recurso e mesmo oficiosamente a anulação da decisão para ampliação da matéria de facto (cfr. artº 662º/2, al c) do CPC). Ora, é esta a consequência da omissão na sentença de pronúncia expressa sobre factos que sejam importantes para a decisão da causa. Não está, de todo, legalmente previsto qualquer tipo de contraditório prévio quanto à matéria de facto relevante e irrelevante para a causa. O juiz atualmente deve, por regra (mas admite-se a exceção), fixar os temas da prova, o que é algo de diferente dos anteriores especificação e questionário, que, esses sim, esgotavam a matéria de facto relevante para a causa. Agora, não havendo tal explicitação, cabe ao juiz, dentro dos temas da prova que elencou, selecionar a matéria de facto relevante para a decisão da causa, devendo, naturalmente, ser exaustivo nessa seleção a fim de evitar uma possível anulação com vista à ampliação da matéria de facto.
Assim, a nulidade, tal como foi invocada pela recorrente, não existe porque nem sequer está legalmente configurada em termos de violação do contraditório prévio.
O que importa apurar é se a matéria que a recorrente indicou nas conclusões acima transcritas - e sobre a qual não houve decisão expressa do tribunal a quo - é ou não relevante para a decisão da causa.
Tais factos são os seguintes:
“38. O sócio-gerente da Autora LG é também sócio-gerente das
sociedades comerciais LGI, Lda. e ACSB, Lda.
46. Ao agir da forma descrita, a Autora e as duas outras sociedades comerciais viram-se restringidas no exercício da sua atividade e na consequente diminuição da
realização de lucros, motivo pelo qual sofreram prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, dada a manifesta violação do direito ao bom nome e ao crédito.
62. Para a aquisição de dez garagens na Maia para posterior arrendamento, a “LGI Lda.” em janeiro de 2021 pediu um financiamento do montante de 50.000,00€ (cinquenta mil euros) à instituição de crédito Santander, contudo viu o seu pedido recusado em fevereiro de 2022, devido ao facto do sócio-gerente LG da LGI, Lda. ser também sócio-gerente da Autora e esta apresentar registo de incumprimento de créditos junto do Banco de Portugal.
63. Ao ser recusado o financiamento, a LGI, Lda. não conseguiu celebrar o negócio de aquisição das garagens.
64. Previsivelmente, cada um dos lugares de garagem iria gerar uma renda mensal de 50,00€, ou seja, no global um rendimento mensal a título de rendas de 500,00€.
65. Rendimento este que foi impedida de obter por força das comunicações indevidas de supostos incumprimentos ao Banco de Portugal protagonizadas pela Ré.
66. A ACSB, Lda., da qual o sócio-gerente da Autora LG é também sócio juntamente com JA, abriu atividade em 19-01-2021 e para impulsionar a prossecução do seu objeto social, pediu em abril de 2021 um financiamento junto do Banco Santander Totta, S.A., no montante de 50.000€
67. Contudo, o financiamento solicitado foi também recusado, por e-mail de 29/07/2021 (vd. Doc. 30, e-mail Santander) porquanto o sócio-gerente LG da ACSB Lda. aparecia ligado à Autora,
sociedade que apresentava registo de incumprimentos no Banco de Portugal.
68. De igual modo, em maio de 2021 pediu crédito junto do Banco Comercial Português, S.A. (também conhecido comercial por Millennium BCP) – vd. Doc.
31, e-mail Millennium BCP – tendo sido posteriormente recusado.
69. Apenas por este motivo o financiamento daquela sociedade foi recusado.
70. Essa circunstância obrigou a que o início da atividade tivesse sido adiado, uma vez que faltavam os fundos necessários para a realização das obras de adaptação
do espaço onde se irá desenvolver a atividade, obras que estão em curso e se estima que terminem no final de setembro de 2022, apenas após as quais será então possível àquela sociedade prosseguir a sua atividade.
71. Durante este período, aquela entidade viu-se restringida no livre exercício da sua atividade económica, sem acesso ao crédito necessário para o efeito, e, por conseguinte, ainda não conseguiu gerar rendimentos, antes estando a acumular apenas prejuízos.
72. Apenas em novembro de 2021 a ACSB, Lda. conseguiu
obter um financiamento de 50.000,00€ (cinquenta mil euros) da instituição de crédito Banco BPI, S.A., após o que se iniciaram as obras que apenas deverão ficar concluídas até ao final do mês de setembro de 2022.
73. Razão pela qual, a recusa de crédito decorrente da atuação da Ré, atrasou pelo menos em sete meses o início da atividade (de abril de 2021 data do primeiro pedido de crédito até novembro de 2021 – data da aprovação do crédito do BPI).
74. Não fosse essa circunstância e a “ACSB Lda.” teria a possibilidade de faturar um rendimento à razão de 3.000€ por evento, sendo certo que o estudo económico sobre a prospeção da atividade previa uma receita estimada de 32.505,00€ no ano de 2021 – vd. Doc. 32, prospeção de mercado.
75. Por força da atuação da Ré, a Autora teve inúmeros transtornos e receios que se concretizaram.
Com efeito:
76. A Autora teve de apresentar inúmeras reclamações junto da Ré para ver o seu bom nome limpo junto do Banco de Portugal.
77. Em face da ausência de qualquer resposta por parte da Ré à sua interpelação, a Autora teve de contratar serviços jurídicos para interpelar novamente a Ré e recorrer às vias judiciais.
80. Acresce que a Autora teme que o seu bom nome e direito ao crédito fique para sempre maculado por força da conduta da Ré, impedida de se financiar devidamente para o desenvolvimento da sua atividade económica e que, in extremis, poderá ficar impedida de obter qualquer financiamento e ver-se com dificuldade ou mesmo impossibilitada de cumprir com as suas obrigações, designadamente, o pagamento de salários e remunerações aos seus trabalhadores e prestadores de serviços, o pagamento aos seus fornecedores, o pagamento dos impostos e da Segurança Social e de realizar investimentos que sejam necessários para o crescimento saudável da empresa”.
Sobre a invocada nulidade, o tribunal a quo, em cumprimento do disposto no artº 617º/1 do CPC, pronunciou-se no seguinte sentido:
No que se refere à invocada nulidade da sentença por violação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, entende-se ser de manter a decisão objecto de recurso por considerar estar a mesma conforme com o direito.
Com efeito, ainda que em termos sucintos, por se considerar que, face à simplicidade e linearidade da questão, não se justificava uma abordagem mais aprofundada, o Tribunal justificou as razões para não ter atendido à descrita factualidade, o que fez nos seguintes termos, plasmados a folhas 22 da sentença:
“É certo que a Autora alegou que outras sociedades que partilhavam o mesmo sócio-gerente viram a sua situação patrimonial prejudicada. Sucede que os danos eventualmente sofridos por tais sociedades apenas pelas mesmas podem ser exigidos, enquanto titulares dos direitos alegadamente ofendidos com a conduta sob apreço, motivo pelo qual se considerou a factualidade alegada a esse propósito irrelevante para a decisão da causa, não tendo a mesma sido levada ao elenco de factos provados e não provados.”.
Por assim ser, entende-se que não se verifica a assinalada nulidade da sentença por omissão de pronúncia”.
Concordamos na íntegra com o exposto pelo tribunal a quo. De facto, quanto aos alegados danos sofridos pelas outras sociedades comerciais, que são a LGI, Lda, e a ACSB, Lda, não podem ser objeto do processo. A personalidade jurídica coletiva não se confunde com a pessoa dos sócios. É aliás por causa disso mesmo que são constituídas: para serem entes jurídicos autónomos e distintos dos sócios. E, como tal e por maioria de razão, as sociedades comerciais, ainda que sejam detidas pelos mesmos sócios, são entes jurídicos também distintos entre si. Por isso o facto de o sócio-gerente da autora ser também sócio dessas sociedades não concede qualquer tipo de legitimidade material à autora para peticionar o ressarcimento de danos que ocorreram na esfera jurídica dessas sociedades.
E quanto ao alegado relativamente à autora, não estamos perante matéria que possa ser considerada factual. Tratam-se de afirmações conclusivas e de meras conjeturas, que não podem levar a concluir pela efetiva produção de danos na esfera jurídica da recorrente. Como se disse no acórdão da Relação de Guimarães de 02.03.2023[1], o âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis: os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) e os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), sendo indiferente que o respectivo conhecimento se atinja directamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência (juízos empíricos). No mesmo sentido temos o acórdão do STJ de 11.03.2021[2] (Tomé Gomes) 1205/18.3T8PVZ.P2.S1, segundo o qual a enunciação da matéria de facto traduz-se na exposição descritivo-narrativa da factualidade provada ou não provada, devendo ser expurgada de locuções genéricas ou conclusivas ou de valorações jurídicas.
Assim, bem decidiu o tribunal a quo ao não atender a tal matéria.
*
Da alteração da matéria de facto
Pretende a recorrente a alteração da matéria de facto, nos seguintes termos:
VIII. Deverão ser dados como provados os factos constantes nas alíneas B), C), D) e a matéria factual alegada no articulado na petição inicial nos pontos 19.º (alínea B) factos não provados, 38.º, 40.º, 46.º, 47.º, 48.º, 52.º, 53.º, 54.º, 57.º (alínea C factos não provados), 58.º, 59.º, 61.º; 75.º, 76.º, 77.º, 78.º, 79.º, 80.º, 81.º, 82.º e 83.º.
Com efeito:
IX. O ponto 19 diz respeito à Ré ter informado a Autora que a moratória seria válida pelo período de seis meses a iniciar em abril de 2020, o que está devidamente corroborado pela reclamação apresentada em 20/05/2020 pela Autora junto do Banco de Portugal – doc. 10 junto à petição inicial.
X. No ponto 38 da petição inicial é meramente indicado que a Autora e as sociedades comerciais LGI Lda e ACSB, Lda. têm o mesmo sócio-gerente, o que tudo resulta de documento autêntico junto à petição inicial – certidões permanentes juntas como documentos 19 e 20.
XI. O ponto 40 é manifestação das várias reclamações apresentadas pela Autora perante a Ré e o Banco de Portugal, cuja prova é facilmente identificada por consulta aos documentos 10, 11, 12, 21 e 22 juntos à petição inicial, ora sejam reclamações junto do Banco de Portugal, ora sejam respostas da Ré a reclamações perante si apresentada.
XII. Resulta ainda das declarações de parte do legal representante da Autora, no seu depoimento entre 00:30:28 e 00:30:58.
XIII. No ponto 46 da petição inicial a Autora invoca a restrição do exercício da sua atividade e das outras duas sociedades em consequência da violação do direito ao bom nome e ao crédito da Autora.
XIV. Tal ponto deverá ser dado como provado, porquanto as declarações de parte da Autora merecem total credibilidade, foram espontâneas e racionais, tal como se pode verificar entre 00:28:51 e 00:30:34, nas quais o sócio-gerente descreveu como foi negado o acesso ao financiamento para aquisição de umas garagens e a obter uma linha de crédito especial relacionada com o COVID, garantida pela N... e entre os 00:36:43 e 00:38:28 quando expôs que a 321 Crédito negou que a Autora se tornasse sua intermediária de crédito.
XV. A interpelação extrajudicial da Ré invocada no ponto 47 resulta de forma inequívoca do documento 23 junto à petição inicial.
XVI. De igual modo a interpelação extrajudicial pela Mandatária da Autora invocada no ponto 48 da petição inicial resulta do documento 24 junto à petição inicial.
XVII. A matéria invocada nos pontos 52, 53 e 54 da petição inicial foi devidamente demonstrada, por um lado por força da legislação aplicável ao sector de atividade da Ré, mas é também do conhecimento público que as instituições de crédito estão dotadas de sistemas informáticos e organizadas para cumprir com o tratamento dos muitos dados que processam.
XVIII. É o normal do acontecer que constando registo de incumprimento no mapa de responsabilidades junto do Banco de Portugal, dificultará o acesso a qualquer outro crédito.
XIX. Os pontos 57 e 61 deverá ser dado como provado atentas as declarações do legal representante da Autora no seu depoimento entre os 00:36:43 e 00:39:10, bem como, as regras de experiência comum.
XX. Aliás, a idoneidade da entidade é um dos requisitos de acesso à atividade por força do DL 81-C/2017 de 7 de julho.
XXI. O ponto 59 é da petição inicial deverá ser dado como provado, enquanto consequência lógica do facto dado como provado no ponto 25 da sentença recorrida.
XXII. Os pontos 75, 76, 77, 78 e 80 invocados na petição inicial deverão ser dados como provados.
XXIII. O ponto 76 resulta dos documentos 10, 12, 21, 22, 23 e 24 juntos à petição inicial e o ponto 77 do documento 24.
XXIV. Por seu turno, os pontos 78 e 79 é corroborado pelas declarações de parte do legal representante da Autora no seu depoimento entre 00:28:51 e 00:30:56 e também entre 00:51:11 e 00:53:56. De igual modo, a testemunha JA esclareceu o impacto que a existência do registo de incumprimento gera – vd. depoimento entre 01:03:40 e 01:06:04.
XXV. Por fim, a matéria vertida nos pontos 81, 82 e 83 da petição inicial deverá ser dada como provada.
XXVI. O ponto 81 na parte em que invoca a quebra da procura dos serviços TVDE é do conhecimento público, atendendo às medidas de isolamento decretados por força da pandemia do COVID.
XXVII. A faturação invocada nos pontos 82 e 83 da petição inicial resulta dos documentos 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55 e 56.
Consideramos que a recorrente cumpriu os ónus previstos no artº 640º/1 do CPC, pelo que cumpre apreciar da pretendida alteração da matéria de facto.
Quanto aos factos constantes dos artºs 38, 46, 75, 76 e 77 da p. i., já foram apreciados supra, pelo que fica prejudicada a respetiva apreciação nesta sede.
Relativamente aos factos 52, 53, 54 e 59 da p. i., que são os seguintes:
52. A Ré naturalmente conhece as consequências das suas comunicações ao Banco de Portugal, pelo que se lhe era exigível rigor que não teve no cumprimento da obrigação de comunicar ao Banco de Portugal a situação de créditos vencidos e não pagos imposta pelo art. 120 do DL 298/92, de 31 de dezembro, circunstância geradora de responsabilidade civil extracontratual.
53. No caso concreto, tais exigências de rigor a que a Ré estava vinculada não foram observadas, verificando-se que a indevida comunicação efetuada por essa sociedade ao Banco de Portugal quanto à invocada existência de mora da Autora relativamente às suas responsabilidades contratuais consubstanciou a omissão de um dever de diligência.
54. Sendo a Ré uma instituição bancária, que se movimenta numa área de maiores exigências formais, necessariamente dotada de organização empresarial e dos meios necessários para responder em condições apropriadas de qualidade e eficiência, a culpa deve ser analisada num padrão de grande exigência, bastando a culpa leve para alicerçar um juízo de censurabilidade sobre a sua conduta, tal como vem sendo entendido pelos nossos Tribunais.
Tratam-se de alegações manifestamente conclusivas e valorativas que respeitam exclusivamente à apreciação que a recorrente faz da conduta da recorrida em causa nos autos, remetendo-se para a fundamentação que acima se explanou quanto a este género de alegação.
Quanto aos factos 81, 82 e 83, que são os seguintes:
81. Todos esses danos verificaram-se numa época de intensa fragilidade económica da Autora, por força da enorme quebra da procura dos serviços TVDE, o que impediu que a Autora compensasse essas perdas através de outras áreas de negócio suscetíveis de mitigar a drástica redução da sua atividade e sua faturação.
82. Com efeito, no ano de 2019 a Autora apresentou uma faturação de prestação de serviços da atividade TVDE na quantia de 770.715,66€, enquanto no ano de 2020 apresentou uma faturação de prestação de serviços da atividade TVDE na quantia de 240.568,95€.
83. Nos meses de abril e maio de 2020 praticamente nada faturou e nos meses seguintes apresentou quebras superiores a 90% da faturação por comparação ao ano anterior.
Verifica-se tratarem-se de factos irrelevantes para a causa na medida em que a redução da faturação da recorrente não é imputável à conduta da ré que aqui está em apreciação, a qual é a que efetivamente importa valorar. É do conhecimento geral que nos referidos períodos foi decretado um confinamento em virtude da pandemia da covid-19 que, naturalmente, afetou todas as atividades económicas e, em especial, as que se destinavam ao transporte de pessoas, como era o caso da autora. Tal factualidade não traz absolutamente nada de relevante para apurar de eventuais prejuízos resultantes das comunicações ao Banco de Portugal efetuadas pela ré.
Assim, a factualidade que poderá interessar daquela que foi indicada pela recorrente é a que consta dos artºs 19, 40, 47, 48, 57 a 61, 78 e 79.
Relativamente aos factos constantes dos artºs 57 a 61, que são os seguintes:
57. Em dezembro de 2021, a Autora viu ser-lhe recusada a possibilidade de se tornar intermediária de crédito da IFC, S.A.,
uma vez que apresentava incumprimento no mapa de responsabilidades de créditos junto do Banco de Portugal.
Com efeito,
58. Dado o impacto da pandemia na sua atividade principal, a Autora procurou diversificar as suas áreas de negócio, passando também a incluir a atividade de comércio de viaturas e de intermediação de crédito.
59. A intermediação de crédito seria uma mais-valia para a Autora, dado que iria contribuir para agilizar as vendas das viaturas, facilitando os potenciais clientes a obterem crédito para o efeito e mediante o pagamento de uma comissão pelos clientes angariados para o financiamento.
60. Para esse efeito, a Autora investiu a quantia de 150,00€ para que o sócio-gerente LG realizasse a formação necessária para o efeito – vd. Doc. 25, 26, 27 e 28 diplomas e faturas de formação – e subscreveu o seguro obrigatório de responsabilidade para intermediação de crédito no montante de 206,42€ - vd. Doc. 29, fatura seguradora intermediação crédito.
61. Contudo, em consequências das diversas comunicações indevidas pela Ré ao Banco de Portugal, a Autora viu ser-lhe recusada pela IFC, SA. a possibilidade de ser intermediária de crédito.
O que na realidade importa é o facto alegado no artº 57º, que foi repetido no 61º. O restante é irrelevante, na medida em que a recusa da possibilidade de ser intermediária de crédito é que constitui o dano. Acontece, porém, que, como diz a própria recorrente, o único sustentáculo probatório desse facto foram as declarações de parte do legal representante da recorrente (cfr. conclusão XIX), acrescentando que a mesma resulta também das regras da experiência. Tais factos, que seriam efetivamente relevantes, podiam – e deviam – ter um sustentáculo probatório mais seguro e isento, nomeadamente através de documentos de onde constasse o pedido e a respetiva recusa com o invocado fundamento, ou, não havendo documentos, com base no depoimento de funcionários da instituição recusante. Ou seja, não é uma realidade que seja suscetível de ter como único sustentáculo probatório as declarações de parte da própria parte lesada. É jurisprudência pacífica que “a prova por declarações de parte deve merecer, em abstrato, a mesma credibilidade das demais provas legalmente admissíveis, sendo apreciada livremente pelo tribunal; porém, em concreto, normalmente é insuficiente para valer como prova convincente, se desacompanhada de prova corroborante que a sustente[3]. E neste caso, podendo a parte lançar mão de outros meios probatórios, impunha-se que o fizesse dada, ademais, a importância de tal factualidade para a decisão da causa.
Este mesmo argumento aplica-se aos factos alegados sob os artº 78º e 79º da p. i.[4], que também têm sustentáculo unicamente nas declarações de parte do gerente da autora (conclusão XXIV).
Resta apreciar dos factos constantes dos artº 19º, 40º, 47º e 48º da p. i., que são os seguintes:
19. Por telefone, em contacto com o serviço de apoio ao cliente da Ré, a Autora foi informada que a moratória iria ser válida pelo período de seis meses, a iniciar em abril de 2020.
40. Ciente das repercussões negativas advenientes da errada comunicação de supostos incumprimentos para o exercício da sua normal atividade e para o seu bom-nome, imagem, prestígio e credibilidade perante terceiros, a Autora apresentou diversas reclamações junto da Ré e do Banco de Portugal.
47. Em 30/07/2021, a Autora interpelou extrajudicialmente por e-mail a Ré, mas não obteve qualquer resposta – vd. Doc. 23.
48. Por carta registada com aviso de receção, enviada em 21/04/2022 e recebida em 26/04/2022, através da sua Mandatária, a Autora interpelou a Ré, porém não foi dada qualquer resposta – vd. Doc. 24.
Quanto ao facto 19º - que corresponde à al. B dos factos não provados -, o tribunal a quo considerou não provada tal factualidade com base na seguinte fundamentação:
“Relativamente à matéria de facto vertida em B), apesar de na reclamação junta como documento n.º 10 da petição inicial se aludir a tal telefonema, nenhuma outra prova foi apresentada da sua efectiva ocorrência, que o legal representante da Autora não foi capaz de confirmar nas declarações que prestou, referindo não se recordar do mesmo”.
Consideramos, porém, que, atento o teor do doc. 10 junto com a p. i., que consubstancia uma reclamação formulada no livro de reclamações online, conjugado com o depoimento de parte do gerente da autora, podemos concluir que tal factualidade se deve considerar provada. É do conhecimento geral que as entidades bancárias usam amiúde do contacto telefónico para tratarem destes assuntos, tendo até por costume gravarem a chamada para posteriores efeitos probatórios. E quanto às declarações de parte do gerente da recorrente, é certo que o mesmo não especificou esse telefonema, o que se afigura perfeitamente natural uma vez que, como referiu, naquela altura tinha contratos de financiamento com várias entidades e fez vários telefonemas para aderir à moratória que havia sido aprovada em virtude da pandemia. Mas referiu expressamente que estava convicto que, em face do que lhe havia sido dito, a moratória em causa iria entrar em vigor em 1 de abril de 2020, abrangendo, portanto, a prestação que se iria vencer nesse mês. Foi por isso que ficou muito surpreendido quando soube, em maio de 2020, que havia uma notação de incumprimento junto do Banco de Portugal. Por essa razão fez a aludida reclamação no livro de reclamações online dirigida ao Banco de Portugal, que é um elemento de prova objetivo e que complementa de forma relevante as declarações de parte.
Assim, consideramos provada tal matéria, pelo que se acrescenta à matéria de facto provada o seguinte facto:
31- “Por telefone, em contacto com o serviço de apoio ao cliente da Ré, a Autora foi informada que a moratória iria ser válida pelo período de seis meses, a iniciar em Abril de 2020”.
Quanto aos restantes factos, atenta a prova documental referida pela recorrente, que é suficiente e adequada à prova dessa factualidade, deve a mesma ser considerada provada, nos seguintes termos:
32- “Em virtude das comunicações efetuadas pela Ré ao Banco de Portugal, a Autora apresentou reclamações, quer junto da Ré, quer do Banco de Portugal”.
33- “Em 30/07/2021, a Autora enviou um e-mail a Ré, no qual informou que iria agir judicialmente em virtude das comunicações que pela mesma foram efetuadas ao Banco de Portugal.”
34- “Por carta registada com aviso de receção, enviada em 21/04/2022 e recebida em 26/04/2022, através da sua Mandatária, a Autora comunicou à Ré a intenção de agir judicialmente por causa das aludidas comunicações por esta efetuadas, calculando em 25.000€ os danos causados”.
Assim, estes factos são acrescentados à matéria de facto provada.
*
Do Direito aplicável
A sentença recorrida, depois de fazer um enquadramento correto e completo do regime da Central de Responsabilidades de Crédito, regulada pelo Decreto-Lei n.º 204/2008, de 14 de outubro, concluiu que:
Na decorrência do expendido, é de concluir que as comunicações de incumprimento contratual da Autora à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal efectuadas pela Ré por reporte aos meses de Abril, Outubro, Novembro e Dezembro de 2020 foram indevidamente efectuadas, uma vez que a obrigação de pagamento das prestações mensais contratualmente impostas por parte da Autora se encontrava suspensa, em virtude de ter sido aprovada a moratória e de esta ter produzido efeitos desde Abril de 2020 até ao final do ano de 2021. Por outro lado, foi também indevido o reporte realizado com referência ao mês de Janeiro de 2022, posto que a prestação desse mês se encontrava paga.
Ora, sendo erradas as informações prestadas pela Ré, por serem contrárias à realidade, por se afirmar por cinco vezes um incumprimento que não existia, tais actos foram contrários à lei, designadamente à obrigação de prestar informação correcta e actualizada imposta pelos artigos 1.º e 2,º do Decreto-Lei n.º 204/2008, pelo que a Ré agiu objectivamente mal, em prejuízo da Autora enquanto sujeito da obrigação cujo incumprimento foi indevidamente centralizado por acção da mesma (veja-se, a propósito, o já acima citado Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 24/03/2022, proc. n.º 2708/20.5T8GDM.P1, acessível em www.dgsi.pt, que nesta matéria se acompanha de perto).
Sob outra perspectiva, com a aludida conduta a Ré violou o direito ao bom nome e ao crédito da Autora.
A ofensa do crédito ou do bom nome, configurados como direitos de personalidade, está prevista no artigo 484.º do Código Civil, que preceitua “Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados…
Deste modo, é imperioso concluir que a Autora, enquanto pessoa colectiva, goza dos direitos especiais de personalidade relativos ao bom nome, ao crédito e à honra, os quais inequivocamente merecem tutela legal e que a comunicação de uma informação incorrecta à Central de Responsabilidades de Crédito é susceptível de ofender a honra e o bom nome da pessoa visada na comunicação e a sua credibilidade ou confiança na sua capacidade para cumprir as obrigações.
Ora, a conduta perpetrada pela Ré, no que se reporta às comunicações de incumprimento efectuadas nos mapas relativos aos meses de Abril, Outubro, Novembro e Dezembro de 2020 e Janeiro de 2022, é ofensiva do direito ao bom nome e crédito da Autora, direitos absolutos desta.
Donde, com excepção do reporte relativo ao mês de Março de 2020, a conduta da Ré não pode deixar de ser considerada ilícita.
Relativamente à culpa, é de considerar, em face da matéria de facto provada, que era exigível à Ré actuar de forma diferente. Com efeito, mesmo que se considere a epidemia da Covid 19 como uma circunstância fortuita e inesperada, o facto das comunicações indevidas ao Banco de Portugal terem acontecido por diversas vezes, tendo-se protelado no tempo, por vários meses após a aprovação do regime de moratória a que a Autora aderiu, determina a censurabilidade da conduta. De facto, após ter procedido à indevida comunicação de incumprimento no mapa referente ao mês de Abril de 2020, a Ré deveria ter sido mais diligente na prevenção do erro, de forma a que tal situação não se voltasse a repetir, pois, como instituição de crédito que é, sabe necessariamente as repercussões que uma comunicação dessas pode assumir para a sua cliente, aqui Autora, sendo expectável e exigível um maior zelo, cuidado e diligência, que não foi verificado. Neste particular, cumpre referir que as sucessivas prorrogações do regime da moratória foram aprovadas com meses de antecedência relativamente à sua entrada em vigor, pelo que a Ré dispôs de um período suficiente para actualizar os seus sistemas, de modo a garantir que as informações que prestava eram actuais, rigorosas e verdadeiras, pelo que, não o tendo feito, há que concluir que a Ré foi negligente na sua actuação.
Como, com acutilância, se reflectiu no Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 24/03/2022 (proc. n.º 2708/20.5T8GDM.P1, acessível em www.dgsi.pt), que aqui acompanhamos de perto, fazendo desde logo apelo aos ensinamentos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/5/2011 “o facto de os Bancos serem obrigados a remeter mensalmente e por via informática ao Banco de Portugal todos os créditos e a respetiva situação devidamente codificada não lhes retira a responsabilidade pelas comunicações efetuadas. Mesmo o automatismo dessa comunicação e as consequências que dela nascem para o cliente impõem um reforço do cuidado e da diligência por forma a evitar o erro e as suas consequências.
Não agiu com dolo, mas podia e devia a R. ter agido de outro modo, mais consentâneo com o devido sentido de responsabilidade e da lei, informando-se previamente sobre o estado do crédito (ainda não cedido) e evitando a prestação de duas informações falsas, em dois meses consecutivos, sobre o estado do seu crédito. Tal conhecimento estava perfeitamente ao seu alcance. Tais factos, contrários à lei, são imputáveis à R. a título de mera culpa.
Tal não significa que a R. tivesse agido de má fé. A negligência é compatível com a boa fé. Uma pessoa pode agir com falta de atenção e de cuidado e, por isso, prejudicar outra pessoa, sem intenção, ou simplesmente sem consciência, desse prejuízo”.
Concluiu-se, portanto, na sentença recorrida que houve a prática pela ré de factos ilícitos e culposos. Onde se considerou que a pretensão da autora claudicava era quanto ao requisito do dano, tendo-se afirmado o seguinte:
No caso vertente, a Autora não logrou demonstrar ter sofrido danos patrimoniais directos, seja na vertente de danos emergentes seja de lucros cessantes.
Na verdade, neste circunspecto a Autora limitou-se a fazer considerações gerais e abstractas, sem nunca concretizar os reflexos patrimoniais negativos que sofreu em decorrência da conduta da Ré.
E, de facto, a Autora, no essencial, estriba a sua pretensão nos danos não patrimoniais que alega ter sofrido fruto da conduta da Ré…
O que significa que nada obsta a que uma pessoa jurídica possa ser indemnizada por ofensa ao seu bom nome e crédito, desde que prove em decorrência de tal ofensa sofreu danos patrimoniais, o que a Autora não logrou fazer.
Não se desconhece que alguma jurisprudência vem, em particular nos últimos anos, adoptando uma posição mais abrangente, no sentido de ser possível existir dano não patrimonial mesmo que o dano sofrido pela pessoa colectiva não tenha reflexos no seu património. No entanto, afigura-se que tal só acontecerá “se um ato ilícito que ofenda um direito de personalidade de uma pessoa coletiva puser em causa o seu prestígio e a sua credibilidade a tal ponto que danifique a sua capacidade de prossecução do seu fim.”, como se ponderou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27/04/2017 (proc. n.º 289/14.8T8FND.C1, disponível em www.dgsi.pt), pois que só quando “a aptidão para a prossecução do fim for seriamente afetada e esse dano não for avaliável em dinheiro é que podemos falar de um dano não patrimonial.”.
Ora, no caso, da factualidade provada não resulta que a prossecução do fim da Autora tenha sido seriamente afectada em decorrência da conduta ilícita e culposa da Ré.
Na verdade, neste âmbito, a única factualidade alegada prendia-se com a recusa da possibilidade de se tornar intermediária de crédito, actividade que a Autora pretendia vir a exercer (mas ainda não exercia). Sucede que não se provou a factualidade que a Autora alegava relativamente a tal recusa e seus motivos”.
Apreciando e decidindo.
É jurisprudência assente que incorre em responsabilidade civil extracontratual a entidade que sem fundamento comunica à CRC a existência de um crédito vencido, ficando obrigada a indemnizar o visado pelos danos que tal atuação lhe causar.
A título exemplificativo temos os seguintes acórdãos (todos in dgsi.pt, à exceção do último que se encontra em diariodarepublica.pt):
- TRPorto de 12.07.2023 (procº nº 4288/19.5T8GDM.P1)
I - O cumprimento da obrigação legal que recai sobre instituições bancárias e financeiras de enviar ao Banco de Portugal a informação referente aos saldos, que se registaram no final de cada mês, das operações de crédito realizadas com particulares, empresas ou outras entidades, não desresponsabiliza essas instituições pelas comunicações efectuadas, pois «a comunicação de uma incorrecta informação à Central de Responsabilidades de Crédito ofende a honra e o bom nome da pessoa visada na comunicação.»
II - Tendo a recorrente comunicado à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal que a autora estava em situação de incumprimento de responsabilidades de crédito, mas não provando que essa informação era correcta, que realmente a autora fosse devedora dos montantes correspondentes aos saldos negativos das contas que menciona, é essa incorrecção que a faz cair nas malhas do ilícito civil;
III - Os clientes de uma instituição bancária têm o direito de esperar que esta actue com zelo e diligência e que esteja devidamente apetrechada para evitar erros como o cometido pela recorrente.
- TRPorto de 24.03.2022 (procº nº 2708/20.5T8GDM.P1)
I - A Central de Responsabilidades de Crédito, com atual enquadramento legal no Decreto-Lei n.º 204/2008, de 14 de outubro, constitui, no essencial, uma base de dados criada com o objetivo de apoiar as instituições financeiras na avaliação do risco na concessão de crédito, permitindo-lhes consultar informação agregada sobre o endividamento de quem lhes peça a concessão de crédito.
II - A responsabilidade da informação prestada à CRC cabe apenas à entidade que a presta, competindo-lhe, designadamente proceder à sua alteração ou retificação sempre que ocorram erros ou omissões.
III - A comunicação de uma informação incorreta à Central de Responsabilidades de Crédito pode ofender a honra e o bom nome da pessoa visada na comunicação e, bem assim, a sua credibilidade ou confiança na sua capacidade para cumprir as suas obrigações.
- TRLisboa de 16.05.2019 (procº nº 3906/17.4T8VIS.L1-6 )
II- De acordo com o disposto no artº 1 do D.L. 204/2008 de 14/10, incumbe à Central de Responsabilidades de Crédito do B. de Portugal, “centralizar as responsabilidades efectivas ou potenciais de crédito concedido por entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, abrangendo “a informação recebida relativa a responsabilidades efectivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito, sob qualquer forma ou modalidade, de que sejam beneficiárias pessoas singulares ou coletivas, residentes ou não residentes em território nacional”.
III- A responsabilidade pela correcção das informações relativas ao crédito sobre os seus clientes, incumbe às entidades que a tenham transmitido, cabendo exclusivamente a estas proceder à sua alteração ou rectificação, por sua iniciativa ou a solicitação dos seus clientes, sempre que ocorram erros ou omissões.
IV-A participação de um facto, não verídico, à Central de Responsabilidades de Crédito junto do Banco de Portugal, constitui sempre uma ofensa ao crédito e bom nome dos visados.
V- Incorre em responsabilidade civil por factos ilícitos, a entidade financeira que efectuou uma comunicação de responsabilidades ao Banco de Portugal, indicando o crédito dos AA., como “crédito vencido”, ou invés de “crédito renegociado”.
- TRCoimbra de 28.01.2014 (procº nº 1776/11.5T2AVR.C1)
1.- Decorre do DL 204/2008 de 14/10 uma obrigação dos Bancos de enviarem mensalmente ao Banco de Portugal todos os créditos e respectivas situações, sendo responsáveis pelas comunicações efectuadas, o que permite uma actualização mensal da informação constante de tal Central de Responsabilidades.
2.- O automatismo dessa comunicação e as consequências que dela nascem para o cliente impõem um reforço do cuidado e da diligência por forma a evitar o erro e as suas consequências.
3.- A responsabilidade dos Bancos derivada do mau cumprimento dessa obrigação deve ser apreciada à luz do instituto da responsabilidade civil aquiliana previsto nos artigos 483.º a 498.º, do Código Civil.
- TRLisboa de 11.05.2021 (procº nº 3949/17.8T8CSC.L2-7)
II. Nesse contexto, incumbe à instituição bancária espelhar tal superveniência objetiva na atualização da informação transmitida ao Banco de Portugal, sabendo-se que a participação ao Banco de Portugal de um facto não verídico ou inexacto é susceptível de ofender o crédito e bom nome dos visados.
III. Impõe-se nestas situações uma posição de cautela e de sobreaviso, cabendo à instituição financeira seriar os casos, sobretudo a partir de um patamar em que a versão infirmativa da responsabilidade do mutuário colhe corroboração no âmbito de uma investigação criminal. Isto porquanto a persistência de uma informação incorreta ou inexata ofende o crédito e bom nome do visado e, nomeadamente, a figuração do visado na lista de incumpridores impede o recurso a qualquer crédito, como foi o caso.
Não estando, portanto, em causa que a ré praticou efetivamente factos ilícitos e culposos – quanto a esse aspeto não houve impugnação, pois a recorrida não apresentou recurso subordinado para a hipótese de proceder a alegação da recorrente – importa exclusivamente apurar se dos factos provados se pode retirar a existência de danos na esfera jurídica da autora.
Como se constata da resenha jurisprudencial supra, dela resulta que a participação de um facto, não verídico, à Central de Responsabilidades de Crédito junto do Banco de Portugal, constitui sempre uma ofensa ao crédito e bom nome dos visados. Concordamos plenamente com esta conceção. Até chamam à inclusão nessa Central de “Lista Negra”, como se verifica, por exemplo, neste site: https://www.gestlifes.com/lista-negra-banco-portugal/, aí se dizendo o seguinte:
Uma das principais missões do Banco de Portugal é regular e fiscalizar o nosso sistema bancário. O procedimento habitual, sempre que inicia um contrato de crédito, é que os bancos comuniquem o seu nome a esta entidade central. Mas o caso muda de figura quando existe um atraso no pagamento da prestação. É aqui que o Banco de Portugal passa a identificá-lo como devedor na sua base de dados, e terá o “nome sujo” até regularizar a dívida”.
É esta a conceção dominante na sociedade em geral, e nos meios financeiros em particular, da integração de uma pessoa, singular ou coletiva, na referida Central de Responsabilidades. E essa consequência é ainda mais intensa quanto às sociedades comerciais. Desde logo porque estas, sendo entidades jurídicas cuja apreciação da situação económico-financeira envolve análises que por vezes são difíceis de efetuar, dependem muito da imagem no mercado, que se revela um fator importantíssimo, sendo as mais das vezes determinante. E, depois, porque, por regra, todas as empresas recorrem ao crédito. É raríssima a empresa que atua no mercado com capitais próprios. Seja para aumentar as vendas, ou para garantir fluxo de caixa, ou ainda para auxiliar na elaboração de um planejamento financeiro eficiente, uma boa política de crédito é fundamental para qualquer empresa.
Daí que, perante o mercado financeiro, seja diferente uma empresa que tem uma participação na Central de Responsabilidade de outra que nada tem apontado. Esta última consegue mais acesso ao crédito e melhores condições nessa concessão.
Assim, acompanhamos a argumentação da recorrente quando afirma nas alegações que “o crédito ou o bom-nome são, pois, elementos que compõem e integram os direitos inerentes à personalidade, tanto no plano da seriedade e honestidade negocial, como na reputação, que é “a consideração dos outros na qual se reflete a dignidade pessoal” e que pode ser afetada “independentemente de se atribuírem qualidades eticamente aviltantes. A reputação “representa a visão exterior sobre a dignidade de cada um, o apreço social, o bom-nome de que cada um goza no círculo das suas relações” ou da comunidade onde se insere (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de janeiro de 2000, processo n.º 761/99, disponível in www.dgsi.pt).
A ofensa ao crédito resultará da divulgação de facto que tenha como consequência a diminuição ou a afetação da confiança sobre a capacidade de cumprimento das obrigações da pessoa visada; a ofensa ao bom-nome abala o prestígio e a consideração social de que uma pessoa goze, perturbando o conceito e a apreciação positiva com que alguém é considerado no meio social onde se insere e se desenvolve a sua vida: o prestígio coincide, assim, com a consideração social das pessoas, que se projeta em perspetiva relacional entre a pessoa e o meio social.
No que concerne ao crédito, como defende Capelo de Sousa, in “O Direito Geral da Personalidade”, 1995, “por crédito, deve entender-se o prestígio da pessoa,(…)gerador de confiança financeira, de convicção social de solvabilidade(…)ao passo que o bom-nome ou reputação abrangerá tudo o que se refere ao prestígio da própria pessoa(…)no plano da lisura e do relevo da sua conduta social.”
Levando em conta estas considerações quanto à tutela dos direitos de personalidade e assente que estes direitos são reconhecidos às pessoas coletivas, em face dos factos que resultaram provados, será que reconhecer à Autora o direito indemnizatório de que se arroga”.
É claro que o bom nome das pessoas coletivas é diferente do das pessoas singulares. Quanto a estas assume a característica de dano moral. Quanto às sociedades comerciais, o bom nome, o crédito, o conceito junto de clientes e fornecedores redunda sempre necessariamente na componente patrimonial. Com a rapidez com que o mercado atualmente funciona, em que as decisões são tomadas com grande imediatismo, o nome “sujo” no mercado significa certamente a perda de negócios ou a dificuldade em os fazer com boas condições. É até de afirmar que esse bom nome é mais importante para as empresas do que para os particulares, pois pode significar o fim da atividade da empresa, que pode ser umas das consequências do não acesso ou dificuldade de acesso ao crédito.
Não se sabe o quantitativo exato do dano que a situação em apreço causou à recorrente e nem sequer é possível apurar. Apesar de se tratar, efetivamente, de um dano patrimonial, assume nesse aspeto, na parte da respetiva quantificação, a natureza de um dano moral. Sabe-se que existe, mas é muito difícil, senão impossível, de determinar. Ora, nesses casos temos o disposto no arttº 566º/3 do CCivil, segundo o qual se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. Como se decidiu no acórdão do STJ de 10.12.2019 (proferido no procº nº 1087/14.4T8CHV.G1.S1, in dgsi.pt),
I - A equidade traduz, no nosso sistema jurídico, um método facultativo que o julgador tem ao seu dispor para que possa decidir sem aplicação de regras formais, ainda que essa decisão tenha de ser tomada “à luz de diretrizes jurídicas dimanadas pelas normas positivas estritas”.
II - A necessidade de fazermos apelo aos critérios da equidade, nos termos do n.º 3 do artigo 566.º da lei civil, segundo a qual, “se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”, surge quando se encontre esgotada a possibilidade de recurso aos elementos com base nos quais se determinaria com precisão o montante dos danos”.
Nesse acórdão cita-se ainda o acórdão do STJ de 17.6.2008 (Proc. nº 08A1700), que entendeu que “O julgamento de equidade, designadamente nos termos do n.º 3 do art. 566.º do CC, só ocorre quando se mostre esgotada a possibilidade de recurso aos elementos com base nos quais se determinaria com precisão o montante devido. O recurso à equidade constitui um critério residual que só será aplicável desde que dos factos provados se tenha como demonstrada a existência de danos e estiverem esgotadas as possibilidades de determinação do valor desses danos”.
Assim, entendemos que, atendendo a que dos factos provados resulta que há dano efetivo na esfera jurídica da autora, cujo quantitativo não é possível determinar pela própria natureza da lesão, o tribunal pode, e deve, recorrer à equidade.
No acórdão da Relação de Lisboa de 11.05.2021, acima referido, mencionam-se valores que foram atribuídos em várias decisões a título de danos morais a pessoas singulares, dizendo o seguinte: “no que tange aos parâmetros da jurisprudência, encontram-se decisões em casos similares que fixaram a indemnização desde € 2.500, € 3.500, € 5.000 a € 10.000 (cf., respetivamente, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16.5.2019, Cristina Neves, 3906/17, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.1.2014, Anabela Carvalho, 1776/11, Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.9.2017, Jorge Leal, 15249/15 e 20.5.2014, Isabel Fonseca, 1723/10)”. Como se referiu, no âmbito empresarial, o dano patrimonial decorrente de uma imagem negativa junto das instituições creditícias pode ser imenso. Mas, na falta de outros critérios e tendo também em conta o pedido formulado pela autora – 25.000€ - que se reporta a danos sofridos por outras duas empresas que não podem ser atendidos nos termos acima expostos, entendemos que a fixação da indemnização em 10.000€ se mostra adequada ao ressarcimento do dano causado pela conduta da ré.
Assim, o recurso procede nesta medida, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que condene a ré no pagamento daquela quantia, acrescida de juros de mora desde a citação (juros que foram peticionado pela autora).
*
Relativamente à responsabilidade pelas custas, atendendo a que a condenação decorreu da aplicação das regras da equidade, tendo a autora obtido vencimento quanto à questão fundamental que era a de existir obrigação de indemnização por parte da ré, entendemos que, nos termos do artº 527º/1 e 2 do CPC, que as custas deverão ficar a cargos de ambas as partes na proporção de metade para cada em ambas as instâncias.
***
DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem este coletivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, condenando-se a ré recorrida RB Sucursal Portugal a pagar à autora recorrente IT, Lda., a quantia de 10.000€ (dez mil euros), acrescida de juros de mora contados desde a citação, julgando improcedente o pedido quanto ao restante, absolvendo, nessa parte, a ré do pedido.
Custas em ambas as instâncias pela autora recorrente e pela ré recorrida na proporção de metade para cada.

TRLx, 26set2024
Jorge Almeida Esteves
Gabriela de Fátima Marques
Octávia Viegas
_______________________________________________________
[1] Proferido no procº nº 189/20.2T8ALJ.G1 (in dgsi.pt)
[2] Proferido no procº nº 1205/18.3T8PVZ.P2.S1 (in dgsi.pt)
[3] Acórdão da Relação de Coimbra de 26.04.2022, proferido no procº nº 63725/20.8YIPRT.C1 (in dgsi.pt).
[4] Que são os seguintes:
78. A Autora viu o seu bom nome descredibilizado junto de outras instituições de crédito e junto do … sócio da sociedade comercial “…, Lda.”.
79. Como consequência direta da atuação da ré, a Autora foi confrontada com várias recusas de créditos que impediram o normal e livre desenvolvimento da sua atividade económica, que por sua vez a impediu de aumentar e diversificar o seu leque de atividade.