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TEMPESTIVIDADE DO RECURSO
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
REPARAÇÃO DA COISA
PRESUNÇÃO DE CULPA
Sumário
I - Na avaliação da tempestividade de um recurso, tendo havido alargamento do prazo nos termos do art. 638.º, nº 7, do CPC, cabe apenas verificar se faz parte do objeto desse recurso a reapreciação de prova gravada, o que é independente da observância dos ónus a cargo do recorrente, previstos no art. 640.º do CPC. II - Verificado algum dos pressupostos previstos no artigo 913.º, n.º 1, do Código Civil, e concluindo-se que os autores têm direito, nos termos do disposto no art. 914.º do mesmo diploma legal, a exigir do vendedor a reparação da coisa defeituosa, tal só não ocorre, como resulta da parte final do dito art. 914.º, se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece, o que constitui uma presunção de culpa que, contudo, pode ser ilidida pelo vendedor.
(Da responsabilidade da Relatora)
Texto Integral
Processo 893/22.0T8VNG.P1
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO
AA e BB intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CC e DD, pedindo a condenação dos Réus a:
a) Proceder à imediata e definitiva reparação de alegados defeitos existentes no imóvel dos Autores, não conhecidos por si à data da compra, no valor de € 4.189,50 (quatro mil cento e oitenta e nove euros e cinquenta cêntimos), mais IVA.
Subsidiariamente,
b) Restituírem aos Autores parte do preço pago na aquisição da moradia, a liquidar em fase de execução de sentença, com fundamento no direito à redução do preço pago, devido à desvalorização do imóvel.
Em alternativa, os Autores peticionaram a condenação dos Réus ao pagamento de indemnização no valor de € 5.689,50 (cinco mil seiscentos e oitenta e nove euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros legais vencidos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, dos quais € 4.189,50 + IVA atine a danos patrimoniais e € 1.500 a danos não patrimoniais, com fundamento no cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda da moradia.
Para tanto, invocaram, em síntese, que após terem visitado o imóvel duas vezes e celebrado contrato de promessa de compra e venda, celebraram com os Réus contrato de compra e venda da moradia melhor identificada nos autos. Mais alegam que realizaram obras de reparação e manutenção do bem, as quais terminaram em abril de 2021, e que no decurso das aludidas obras, constataram a existência de alegados vícios que não foram transmitidos pelos Réus aquando da compra, designadamente, uma fuga de água no sifão da casa de banho sita no primeira andar; uma mancha de oxidação decorrente de uma infiltração no painel em madeira de revestimento da parede da sala; e, por fim, a existência de uma infiltração provinda da laje, sita por cima do teto falso na cozinha, a qual causou uma mancha negra de bolor, alegadamente devido a uma deficiente impermeabilização do terraço sito por cima da cozinha.
Os Réus apresentaram contestação, invocando, em síntese, que antes da compra do imóvel, vendido no estado de usado, os Autores visitaram e filmaram o mesmo, tomando conhecimento e aceitando os vícios existentes e visíveis. Os demais vícios, não eram do conhecimento dos Réus, que agiram de boa-fé na celebração do negócio.
Alegaram ainda que o imóvel foi construído em 2011 e por isso ocorre natural deterioração pelo decurso do tempo, tendo os Réus realizado as necessárias obras de manutenção do mesmo. Por fim, afirmam que os vícios invocados não diminuem o valor do imóvel que justifique uma redução do preço e que desconhecem se foram as obras executadas pelos Autores que os causaram.
Por requerimento de referência citius 33994263 os Autores apresentaram articulado superveniente, o qual foi liminarmente admitido por despacho de referência 442746591, alegando, em síntese, que na sequência de intensa pluviosidade ocorreu um significativo alastramento da mancha de humidade presente no painel de madeira supra mencionado, bem como o alargamento da mancha humidade, alegadamente devida a infiltração, presente no teto da cozinha, a qual se agravou.
Em consequência, requereram a ampliação do pedido, devido à desatualização do peticionado para a reparação e desvalorização, na mesma medida, do imóvel, devido ao aumento do custo da reparação, e da necessidade de um restauro mais extenso.
Notificados para se pronunciarem nos termos do artigo 588.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, os Réus nada disseram.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou o pedido procedente e, em consequência, condenou os Réus CC e DD a procederem à reparação imediata e definitiva dos defeitos existentes no imóvel identificado em 1. atinentes à impermeabilização do terraço sito por cima da cozinha, bem como à substituição do painel da madeira da parede da sala sito junto ao móvel da televisão, e reparação do teto da cozinha, absolvendo os mesmos do demais peticionado.
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Não se conformando com o assim decidido, vieram os Réus interpor o presente recurso, o qual foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Formularam os réus, as seguintes conclusões das suas alegações:
“1. A Prova produzida diverge da matéria dada como provada.
2. Com efeito, Vendedores e Compradores desconheciam quaisquer vícios ocultos.
3. Tais vícios, que só muito após a escritura de compra e venda foram percepcionados por profissionais da contrução civil não estavam ao alcance da vista de um bónus pater famílias.
4. O A. Recohece que aquando das visitas ao imóvel não existiam quais danos visíveis para alem daqueles que resultavam da cave.
5. Assim, não existia qualquer marca de oxidação no painel de madeira e não existia quaisquer marcas no tecto da cozinha - Diligencia_893-22.0T8VNG_2024-02-07_11-05-07 – 00:04:15 a 00:04:35 e cuja confirmação se dá em Diligencia_893-22.0T8VNG_2024-02-07_11-05-07 00:15: a 00:15:37
6. Neste sentido, o Autor, nas suas declarações de parte, Diligencia_893-22.0T8VNG_2024-02-07_11-05-07 - que dá conta que, aquando das visitas ao imóvel a infiltração da cave foi devidamente indicada pelos Recorrentes Diligencia_893-22.0T8VNG_2024-02-07_11-05-07 – 00:03:39 a 00:03:55, mas que mais nenhum sinal havia no imóvel que indiciasse quaisquer anomalias – neste sentido Diligencia_893-22.0T8VNG_2024-02-07_10-28-20 00:02:50 a 00:04:19.
7. O imóvel sempre teve a necessária manutenção, não tendo os recorrentes conhecimentos de quaisquer infiltrações no tecto da cozinha ou que provocassem a oxidação do painel de madeira.
8. Neste sentido, os aqui Recorrentes sempre deram um uso prudente ao imóvel e a manutenção necessária - Diligencia_893-22.0T8VNG_2024-02-07_10-28-20 00:09:50 a 00:10:32
9. no contexto da compra e venda, defeito oculto é aquele que, sendo desconhecido do comprador, pode ser legitimamente ignorado, pois não era detectável através de um exame diligente, i.e. não era reconhecível pelo bonus pater familias
10. O direito à reparação ou substituição da coisa repousa sobre a culpa presumida do vendedor, cabendo a este ilidir tal presunção mediante prova em contrário, isto é, a prova da sua ignorância, sem culpa, do vício ou da falta de qualidade da coisa, como facto impeditivo do direito invocado pelo comprador. Neste sentido, AcTRL 4542/2007-2.
11. nenhuma responsabilidade recai sobre os recorrentes na exata medida em que os vícios eram ocultos, não perceptiveis numa diligente apreciação do imóvel segundo um homem diligente e sagaz – padrão do Bonus Pater Familias.
Termos pelos quais deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser a decisão a quo ser revogada e substituída por outra que absolva os Réus, fazendo-se assim a acostumada
JUSTIÇA!”.
Responderam os Autores/Recorridos, apresentando contra-alegações, nas quais invocam o incumprimento dos ónus impostos pelo nº 1 do art. 640.º do CPC, com a consequente imediata rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto; a intempestividade do recurso; e, caso assim não se entenda, a total improcedência do mesmo recurso.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
II - DO MÉRITO DO RECURSO
1. Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas por apelantes e apelados, são as seguintes as questões a apreciar (segundo uma ordem lógica):
- Admissibilidade do recurso quanto à impugnação da matéria de facto;
- Tempestividade do recurso;
- A ser admitido o recurso quanto à matéria de facto, se ocorre erro de julgamento, por errada apreciação das provas, e consequente alteração da decisão da matéria de facto;
- Decidir se em conformidade, face à alteração, ou não, da matéria de facto e subsunção dos factos ao direito, deve ser alterada a análise jurídica.
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2. Decisão recorrida
2.1. Factualidade considerada provada e não provada na sentença
O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. Na Conservatória do Registo Predial de Viseu, através da AP. ...52 de 12 de agosto de 2019 e sob o nº 245 encontra-se descrito a favor dos Autores BB e AA, o prédio urbano sito na ..., denominado “... – lote 2”, e inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... e ..., sob o artigo ...93.
2. Por documento particular que intitularam de “Contrato de promessa de compra e venda”, datado de 3 de dezembro de 2020, os Réus, na qualidade de primeiros outorgantes, e os Autores na qualidade de segundos outorgantes, declararam que: “Pelo presente contrato prometem vender Segundos Contratantes, livre de ónus, hipotecas ou quaisquer encargos, a moradia descrita na cláusula anterior, no estado de uso e conservação em que se encontra à data da assinatura do presente contrato e que é do conhecimento dos Segundos Contratantes.”.
3. Mais declararam no documento referido em 2. que o valor a pagar pela moradia e respetivo recheio era de € 420.000,00 (quatrocentos e vinte mil euros), dos quais € 390.000,00 (trezentos e noventa mil euros) se correspondem ao prédio urbano descrito em 1. e € 30.000,00 aos bens que compunham o seu interior.
4. Por escritura pública datada de 5 de março de 2021, os Autores, AA e BB declararam comprar e os Réus declararam vender o prédio identificado em 1., pelo valor de € 390.000 (trezentos e noventa mil euros).
5. No documento referido em 4. pode ler-se que “Pelos segundos outorgantes foi dito: Que aceitam esta venda, nos termos exarados, destinando-se o prédio urbano ora adquirido exclusivamente a sua habitação própria permanente.”.
6. O prédio urbano descrito em 1. foi adquirido pelos Autores no estado de usado.
7. O valor de € 390.000,00 acordado foi integralmente pago pelos Autores na escritura pública mencionada em 4.
8. O prédio urbano mencionado em 1. foi construído em 2011.
9. Em datas não concretamente apuradas, mas antes da celebração do acordo mencionado em 4., a Autora BB visitou por duas vezes o prédio referido em 1., na presença dos Réus e de Mediador imobiliário.
10. Nas visitas, os Autores tomaram conhecimento de que a moradia carecia de trabalhos de limpeza, reparação e manutenção, em concreto, a pintura do interior, reparações no capoto exterior e infiltrações nos arrumos da cave, situados à frente da piscina.
11. Os Autores iniciaram os mencionados trabalhos após o acordo mencionado em 4..
12. Após o início dos trabalhos referidos em 10 e 11 os Autores aperceberam-se que:
12.1. Existia uma fuga de água provinda do sifão da casa de banho da suite sita no primeiro andar;
12.2. O painel de revestimento da parede, em madeira, sito na sala junto ao móvel de televisão, tinha uma mancha escura de oxidação devido a infiltração de humidade;
12.3. Existia uma infiltração provinda da laje sita por cima do teto falso da cozinha, que causou uma mancha negra e com bolor, formando estalactites, da qual se aperceberam quando retiraram os focos de luz embutidos no teto para o pintar.
13. Os Autores enviaram ao Réu CC, com data de 1 de abril de 2021, e-mail com o seguinte teor: “Caro Sr. CC, Só agora conseguimos proceder às mudanças para a casa que vos comprámos no passado mês de março, verificando que existe uma deficiência no esgoto da pia da casa de banho do 2.º andar, em concreto porque está a fazer um vazamento e apresenta o que lhe vou passar no vídeo anexo. Assim gostava de lhe perguntar se prefere arranjar alguem para fazer essa reparação, ou se prefere que eu arranje alguém apresentando-lhe depois a conta. (…).”.
14. Através de missiva, registada com aviso de receção e datada de 25 de maio de 2021, os Autores comunicaram aos Réus o seguinte: “Servimo-nos da presente para vos informar que a casa que vos adquirimos em 5 de Março último padece de defeitos que urge debelar, até porque, como sabem constitui a nossa casa de morada de família. Passamos a enumerar:
A) Defeitos verificados
1. Infiltração no tecto da cozinha. Impermeabilização do terraço imediatamente acima está comprometida, reclamando uma intervenção;
2. Ascensão de água por capilaridade, decorrente de deficiência construtiva, como se verifica nas paredes rebocadas, estando esta patologia disfarçada na garagem com a colocação de lambrim cerâmico;
3. Rotura do sifão do wc quarto piso 0
As patologias sumariamente descritas encontram-se evidenciadas no relatório junto, onde tambem se identificam as obras tendentes à sua resolução e a correspondente estimativa.
Como já vos foi informado, a obra no sifão do WC já foi por nós realizada, perante a sua urgência, e uma vez que não podíamos continuar com aquela rotura.
Concedemos-vos, pois, o prazo de trinta dias para realizar as obras necessárias ou proporem calendário para a sua execução, ou, em alternativa, sugerir a forma de resolver o apontado.
Saberão certamente que, na qualidade de vendedores de uma casa pela qual pagámos a quantia de €390.000,00, impende sobre vós a responsabilidade pela reparação dos identificados defeitos, o que esperamos que venha a acontecer.
Esta denúncia cumpre os prazos prescritos no artigo 916.º, n.º 3, do Código Civil, e, atentos os prazos apertados para a propositura da competente ação judicial, muito agradecemos a resposta breve. (…)”.
15. Em resposta, os Réus afirmaram o seguinte: “(…) 1. Em setembro de 2020 decidimos vender a nossa segunda habitação em ...; esta foi entregue para venda à agência imobiliária (A...) cuja gerente é a Drª EE no estado em que se encontrava usado, sem qualquer reparação por nós efetuada.
2. A casa foi vendida no seu estado de usado com o peso dos seus 9 anos de construção.
3. A vossa primeira visita ocorreu em novembro de 2020, onde confirmaram o real estado da mesma.
4. Após uma segunda visita, que poderá ser atestada pela Drâ EE, não temos bem presente o dia, mas foi anterior à assinatura do contrato de promessa de compra e venda, assinado em 3 de dezembro de 2020; foi novamente verificada a totalidade do imóvel assim como a necessidade de pintura e algumas reparações no exterior (emendas de capoto).
5. Em todas as vossas visitas, a humidade existente na zona dos arrumos esteve sempre patente e foi por vós verificada, por nossa imposição 2 dias antes da escritura, realizada a 5 de março de 2021, a sua esposa filmou toda a casa no interior incluindo os arrumos onde se poderá visionar a existência dessa zona danificada.
6. No que respeita ao painel de madeira com humidade, cumpre da nossa parte relembrar para visionarem as filmagens efetuadas pela esposa, onde se poderá constatar o seu bom estado sem qualquer mancha ou humidade, como comentário pessoal danificou esse painel deve ter sido terem deslocado o sifão do lavatório do WC e a sua utilização sem o recolocarem infiltrou agua que acabou por humedecer o painel.
7. Aquando da entrega do imóvel, havia passado todo um inverno rigoroso, sem qualquer infiltração ou problema, que caso existisse teria sido resolvido.
8. O nosso imóvel era garantido por um robusto seguro multi-riscos, que cobria qualquer problema de infiltrações, danos estéticos ou por água, incluindo privação do uso e sem franquia.
Finalizando, informando que o imóvel vos foi vendido no estado em que este se encontrava onde as reparações futuras passariam a ser da vossa responsabilidade. (…)”.
16. Os problemas descritos em 12.2 e 12.3. provêm do terraço sito por cima da cozinha cuja laje permite que a água se infiltre e se estenda para o interior da casa, nomeadamente até ao tecto da cozinha e ao painel de madeira.
17. A infiltração proveniente da laje do terraço existia antes da celebração dos acordos referidos em 2 e 4.
18. Os autores só se aperceberam da infiltração do teto da cozinha após retirarem os focos.
19. A mancha do painel de madeira evidenciou-se após o início dos trabalhos referidos em 10 e 11.
20. Os Autores procederam à substituição do sifão, o que teve o custo de € 59,50 (cinquenta e nove euros e cinquenta cêntimos).
21. Para solucionar o problema descrito em 16 é necessário retirar todo o revestimento do terraço e aplicar sobre a laje propriamente dita um isolamento adequado e eficaz, como por exemplo argamassa weber 824 em duas demãos com rede e só posteriormente fazer a aplicação do revestimento com uma inclinação que garanta o escoamento das águas. Esse tratamento deve subir nas paredes confinantes cerca de 30 cm e terá um custo de cerca de € 3.900,00
22. Após, o teto da cozinha deverá ser intervencionado para eliminar a infiltração, o que terá um custo de cerca de € 250,00
23. Após a intervenção referida em 21 terá que ser substituído o painel incluindo realização de remates e recolocação da tomada, o que terá um custo de cerca de € 500,00.
24. Por conta do referido em 12. os autores sentiram-se preocupados.
25. Os problemas referidos em 12 implicam que o valor do prédio referido em 1 ascenda a € 390.000,00, descontado o valor global das intervenções referidas em 21 a 23.
E deu como não provada a seguinte factualidade:
1. O problema descrito em 12.1. atinente ao sifão da casa de banho já existia à data da celebração do acordo mencionado em 2..
2. Os Réus desconheciam as anomalias elencadas em 12.2. e 12.3., tendo realizado todos os trabalhos de manutenção necessários.
Não existem outros factos necessários à boa decisão da causa, e os demais foram desconsiderados por serem conclusivos, de direito ou irrelevantes.
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3. Apreciação de direito
3.1. Admissibilidade do recurso quanto à impugnação da matéria de facto
O art. 640.º do CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O mencionado regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão de facto, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, o qual terá que apresentar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Recai, assim, sobre o recorrente, o ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar os concretos pontos da decisão que pretende questionar, ou seja, delimitar o objeto do recurso, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto, a fundamentação, e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pelo Tribunal da Relação.
No caso concreto, o julgamento foi realizado com gravação dos depoimentos prestados em audiência, sendo que os apelantes até fazem referência a algumas passagens dos depoimentos, sem que, no entanto, identifiquem devidamente de que depoimentos se trata, já que, embora mencionem o autor, se fica sem saber se todas as referências dizem respeito ao mesmo, ou não.
Acresce que, lendo as alegações de recurso e as respetivas conclusões, ficamos sem saber quais os factos, provados ou não provados, que os apelantes impugnam e qual a solução alternativa que propõem que o Tribunal tome. Nada disse resulta das alegações ou das conclusões, pelo que, sem necessidade de outras considerações, se impõe concluir que não foi dado cumprimento ao disposto no art. 640.º do CPC.
Ora, faltando a indicação dos concretos factos impugnados, as provas concretas que impunham decisão diversa e a proposta de alternativa para a decisão, os recorrentes não cumpriram os ónus da impugnação, pelo que terá o recurso que ser rejeitado, na parte da impugnação da matéria de facto, sem que haja lugar a despacho de aperfeiçoamento, como se retira do disposto no art. 640.º, nº 1 do CPC, citado supra.
Face ao exposto, rejeita-se o recurso interposto, na parte tocante à impugnação da matéria de facto.
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3.2. Tempestividade do recurso
O presente recurso foi admitido e considerado tempestivo, e não nos parece que tal decisão deva ser alterada.
O art. 638.º do CPC, relativamente aos prazos para interposição de recurso, e no que para o caso interessa, dispõe que:
1- O prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no n.º 2 do artigo 644.º e no artigo 677.º.
(…)
7- Se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias.
(…).
No caso dos autos, o prazo para interposição de recurso seria de 30 dias, face ao previsto na primeira parte do n.º 1 do citado art. 638.º do CPC.
Contudo, como resulta da alegação dos recorrentes, os mesmos pretendem impugnar a matéria de facto e, sendo assim, ao referido prazo acrescem 10 dias, como prevê o nº 7 do art. 638.º do CPC, ou seja, o prazo passa a ser de 40 dias.
No entanto, na ótica dos recorridos, o recurso é intempestivo, uma vez que não foram indicados factos concretos cuja alteração os recorrentes pretendiam, pelo que o recurso não configura sequer a impugnação da decisão de facto, não tendo os recorrentes direito a beneficiar do acréscimo de dez dias de prazo.
Ora, já decidimos que não é de admitir o recurso quanto à impugnação da matéria de facto.
Ainda assim, entendemos que o recurso é tempestivo.
Não desconhecemos as posições que entendem que para que o recorrente possa usufruir do acréscimo do prazo de 10 dias, a impugnação da matéria de facto deve refletir efetivamente a respetiva reapreciação, devendo existir nas alegações uma efetiva referência à prova gravada (cfr., a título de exemplo, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-02-2017, processo 471/10.7TTCSC.L1.S1).
Sucede que, tal não significa que não seja aplicável o prazo acrescido de 10 dias, por estar em causa a impugnação da prova gravada, apenas porque não se consideram corretamente cumpridos os ónus de impugnação impostos pelo art. 640.º do CPC.
Entendemos que o prazo de interposição do recurso e a sua tempestividade, é uma questão prévia e independente do conteúdo ou teor da impugnação e, em concreto, da observância, ou falta de observância, dos ónus de impugnação a que se reporta o artigo 640.º do CPC.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-09-2021, processo 18853/17.1T8PRT.P1.S1, onde se diz: “Na avaliação da tempestividade de um recurso, tendo sido feito uso do alargamento do prazo previsto no art. 638º, nº 7, do CPC, há que verificar se faz parte do objecto desse recurso a reapreciação de prova gravada, o que é independente da observância dos ditames do art. 640º do CPC.”.
No caso, resulta da alegação dos recorrentes que os mesmos pretendem impugnar a matéria de facto, o que se retira, desde logo, quando delimitam o objeto do recurso com uma alínea com o título “Matéria de facto dada como provada contrária à prova produzida”.
Assim sendo, independentemente da observância das condições de impugnação previstas no artigo 640.º do CPC, os recorrentes beneficiam do acréscimo do prazo de 10 dias, previsto no n.º 7 do artigo 638.º do mesmo diploma legal, pelo que o recurso é tempestivo.
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3.3. Decidido não ser de admitir o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, nos termos expostos supra, fica prejudicada a questão sobre se ocorre erro de julgamento, por errada apreciação das provas, mantendo-se, assim, a matéria de facto provada e não provada, tal como foi decidida pelo Tribunal recorrido.
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3.4. Análise jurídica
Para além da matéria de facto, os recorrentes insurgem-se contra a decisão de direito, invocando a ausência de responsabilidade, porque desconheciam os defeitos ocultos do imóvel, alegando que o direito à reparação ou substituição da coisa repousa sobre a culpa presumida do vendedor, cabendo a este ilidir tal presunção mediante prova em contrário, isto é, a prova da sua ignorância, sem culpa, do vício ou da falta de qualidade da coisa, como facto impeditivo do direito invocado pelo comprador, referindo que nenhuma responsabilidade sobre si recai na exata medida em que os vícios eram ocultos, não percetíveis numa diligente apreciação do imóvel segundo um homem diligente e sagaz – padrão do Bonus Pater Familias.
Vejamos.
Na sentença recorrida, a Senhora Juíza a quo, depois de qualificar o contrato em causa nos autos como contrato de compra e venda, com as obrigações que resultam para cada um dos contraentes, e de concluir que, no caso, a coisa vendida é defeituosa, para efeitos de aplicação do regime de compra e venda de coisas defeituosas, previsto no arts. 913.º e seguintes do Código Civil, entendeu que, apesar de os Autores terem declarado aceitar a coisa no estado em que se encontrava, ficou demonstrado que os problemas do teto da cozinha e do painel de madeira são provenientes de uma infiltração no terraço que já existia a quando da aquisição do imóvel, mas que se tratava de vícios ocultos, por não serem visíveis em momento anterior à aquisição da casa, vícios que “atendendo a que se trata de moradia destinada à habitação bem como a tendência destes vícios para se agravarem, - o que resultou desde logo verificado que motivou a apresentação de articulado superveniente, - é de concluir que os defeitos elencados desvalorizam o imóvel e comprometem o fim a que se destina, designadamente a longo prazo, considerando inclusive os efeitos nefastos da humidade e infiltrações para a saúde”, pelo que decidiu que se encontrava verificado o pressuposto previsto no artigo 913.º, n.º 1, do Código Civil, concluindo que os autores teriam direito, nos termos do disposto no art. 914.º do mesmo diploma legal, a exigir do vendedor a reparação da coisa.
Tal só não ocorre, como resulta da parte final do dito art. 914.º, se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece, o que constitui uma presunção de culpa que pode ser ilidida, mas que o Tribunal a quo entendeu que os réus/apelantes não lograram ilidir, quando refere que “Atenta a factualidade provada descrita supra, e ainda o facto não provado n.º 2 é de concluir que os Réus não lograram provar o facto impeditivo do direito dos Autores, previsto na parte final do artigo 914.º do Código Civil. Assim, resultou não provado que os Réus desconheciam as anomalias elencadas em 12.2 e 12.3, de acordo com a diligência e prudência que lhes era exigível (facto não provado n.º 2)”.
Ora, mantida a matéria de facto provada e não provada, correta se afigura a decisão de direito, que se mostra clara e bem fundamentada.
Improcede, pois, o recurso, sem necessidade de outras considerações.
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III - DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedentes a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo das apelantes (art. 527.º, nºs 1 e 2 do CPC).