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DANO BIOLÓGICO
DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO
Sumário
I - O dano biológico consiste numa lesão corporal que afeta a integridade físico-psíquica do lesado e que implica uma perda da plenitude das suas capacidades pessoais. É um dano complexo posto que, traduzindo-se na ofensa da saúde e integridade física, tem repercussões quer a nível patrimonial, quer a nível não patrimonial. II - A indemnização por esse dano deve ser fixada com base em critérios de equidade, nos termos do art. 566º, nº 3, do CC. III - Tendo o autor, de 29 anos de idade, ficado afetado de uma incapacidade de 16%, impeditiva do exercício da sua profissão habitual de motorista, tendo sido reconvertido para a categoria de administrativo, com inerentes perdas salariais, justifica-se, à luz da equidade, que a indemnização por danos patrimoniais futuros seja fixada na quantia peticionada de € 220 000,00. IV - No caso de indemnização por danos não patrimoniais deve também atender-se à natureza mista de reparação do dano e punição que caracteriza tal indemnização. V - Considera-se adequada, proporcional, justificada e equitativa a fixação da indemnização em € 40 000,00 relativamente aos danos não patrimoniais sofridos por um lesado com 29 anos de idade, que foi vítima de um acidente causado por culpa exclusiva do condutor do veículo segurado na ré, na sequência do qual sofreu fratura do joelho e perna direita; ao longo de vários meses, teve necessidade do auxílio de terceira pessoa para tarefas elementares; sofreu um Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 370 dias; teve um quantum doloris de grau 5/7; um Dano Estético Permanente de grau 3/7; Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer de grau 3/7 e ficou com um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 16 pontos, impeditivo do exercício da atividade profissional habitual, tendo deixado de ser motorista e reconvertido em administrativo; tornou-se uma pessoa mais triste, desmotivada e sem perspetivas de futuro; tem dores físicas, incómodo e mal-estar que o vão acompanhar para o resto da vida; deixou de praticar corrida e manutenção corporal, e, devido ao medo causado pelo acidente, deixou de conduzir motas, um dos seus hobbies preferidos, o que lhe provoca um enorme desgosto.
Texto Integral
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães
RELATÓRIO AA instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra EMP01... - COMPANHIA DE SEGUROS S.A. pedindo a condenação da ré:
1) a pagar a quantia de € 24 000,00, a título de danos não patrimoniais;
2) a pagar a quantia relativa a danos patrimoniais futuros que viesse a ser fixada, em ampliação do pedido, após a atribuição de défice funcional por exame médico-legal;
3) a custear todos os tratamentos a que o autor tivesse necessidade de se submeter em consequência do dano fisiológico provocado pelo acidente;
4) a pagar juros de mora legais sobre todas as quantias em que viesse a ser condenada, desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento.
Como fundamento do seu pedido alegou, em síntese, que, no dia 17 de julho de 2019, ocorreu um acidente de viação na Estrada Nacional ...09, Estrada ..., freguesia ..., em que foram intervenientes o motociclo com a matrícula ..-VZ-.., conduzido pelo autor, e o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-BQ-.., conduzido pela sua proprietária, BB.
O acidente ocorreu por culpa da condutora do BQ.
Em consequência do acidente, o autor sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais, cujo ressarcimento pretende obter da ré uma vez que a responsabilidade civil emergente de acidente de viação relativamente ao veículo BQ se encontrava para si transferida mediante contrato de seguro.
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Regularmente citada, a ré contestou, tendo aceitado a culpa da sua segurada na produção do acidente e a sua consequente obrigação de indemnizar o autor pelos danos sofridos.
Todavia, impugnou a extensão e quantificação dos danos sofridos pelo autor e terminou pedindo que a ação seja julgada de acordo com a prova que se vier produzir nos autos.
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Foi proferido despacho (ref. Citius 179376886) que:
a) dispensou a realização da audiência prévia;
b) fixou o valor da ação em € 24 000,00;
c) apreciou tabelarmente os pressupostos processuais;
d) identificou o objeto do processo e procedeu à enunciação dos temas de prova.
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Foi realizada perícia de avaliação de dano corporal ao autor.
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Após a realização da perícia, o autor requereu a ampliação do pedido, requerendo que a ré fosse condenada:
a) a pagar a quantia de € 40 000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros desde a data do acidente até efetivo e integral pagamento;
b) a quantia de € 471 170,00, a título de danos patrimoniais, pela perda futura de ganho, acrescida de juros desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento;
c) a suportar todos os tratamentos que o autor venha a necessitar durante a sua vida e relacionados com o acidente descrito nos autos.
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A ré deduziu oposição à ampliação do pedido.
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Por despacho de 13.9.2023 (ref. Citius 186468940) foi admitida a requerida ampliação do pedido.
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Realizou-se a audiência final e, após, foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
“Atento tudo o exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, julgo a ação parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência: 1) Condeno a ré a pagar ao autor a quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde o trânsito em julgado da presente sentença; 2) Condeno a ré a pagar ao autor a quantia de € 110.000,00 (cento e dez mil euros) relativa a danos patrimoniais futuros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde o trânsito em julgado da presente sentença; 3) Ao valor da indemnização arbitrada, será abatida a quantia de € 7.500,00 já paga pela ré ao autor. 4) Condeno a ré a custear todos os tratamentos que o A. tenha necessidade realizar em consequência do dano fisiológico provocado pelo acidente, a liquidar em incidente próprio. Custas na proporção do decaimento.”
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A ré não se conformou e interpôs recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: “1) Os presentes autos dimanam da ocorrência de um acidente de viação de que foi vítima o Autor/Apelado, não estando controvertida a matéria referente à dinâmica e culpa pela ocorrência do acidente rodoviário em causa, por ter sido, desde logo, assumida pela Apelante. 2) O Mmo. Tribunal “a quo” condenou a Seguradora ora apelante no pagamento da quantia global de Euro 145.000,00 (incluindo aqui danos patrimoniais e danos não patrimoniais). 3) Não pode, porém, a Apelante conformar-se com tal entendimento, por se afigurar que os valores indemnizatórios fixados a título de dano patrimonial/lucros cessantes e danos não patrimoniais se mostram fundados em critérios desajustados face aos dispositivos legais aplicáveis e ao entendimento maioritário da jurisprudência em situações semelhantes, discordando-se, pois, dos valores em que os mesmos foram fixados, que se mostram amplamente excessivos. 4) Assim, e segmentando o recurso ora interposto, verifica-se que a Ré se insurge contra: a. Critério utilizado e montante fixado a título de indemnização por lucros cessantes/perda de ganho (que se fixou em € 110.000,00) b. Valor arbitrado a título de compensação por danos não patrimoniais (que se fixou em € 35.000,00) 5) Andou mal o Mmo. Tribunal a quo na fixação dos aludidos valores indemnizatórios, que são desadequados aos danos que se pretendem ver ressarcidos impondo-se, pois, a revogação da decisão proferida, nos precisos termos que infra se aduzirá. 6) Perante a supra elencada factualidade considerada provada, e assente que estava, desde o início, o apuramento da responsabilidade pelo evento em apreço nos presentes autos, entendeu o Mmo. Tribunal a quo, e para o que no presente recurso releva, conceder ao Apelado uma indemnização por danos patrimoniais, na vertente de lucros cessantes /dano futuro pela perda da capacidade de ganho, que fixou em Euro 110.000,00. 7) A indemnização em causa deverá obedecer ao disposto nos art. 562º e ss do Cód. Civil. 8) A dificuldade na sua determinação concreta acha-se no facto de se tratarem de danos futuros, razão pela qual não há um entendimento uniforme junto da nossa doutrina e jurisprudência. 9) Refere-se, contudo, no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05/07/2007, in www.dgsi.pt: ”Tal vai traduzir-se na perda efectiva de rendimentos resultante da diminuição da capacidade para os angariar. Esse corte no orçamento pessoal não pode transformar-se numa quantia correspondente à mensalmente perdida multiplicada pelo número de anos de vida (activa) do lesado. Tal seria irrealista já que a quantia encontrada iria assegurar a percepção de um rendimento muitíssimo superior ao efectivamente perdido. É muito diferente receber uma quantia mensal do que receber um quantum total, pois este traduz-se numa antecipação de rendimentos que só seriam acumulados ao fim de anos. Ora, somando o juro que seria susceptível de produzir, o capital poderia exceder em muito o dano efectivo.” 10) Ainda, nesta esteira, pronunciou-se este Venerando Tribunal do Porto, no Acórdão de 07/10/2004, mencionando “Devem, pois, utilizar-se juízos lógicos de probabilidade ou de verosimilhança, segundo o princípio id quod plerumque accidit com a equidade a impor a correcção, em regra por defeito dos valores resultantes de cálculo baseado nas referidas fórmulas de cariz instrumental. No fundo, a indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder á quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção ou omissão lesiva em causa” 11) Estes juízos lógicos de probabilidade carecem de ser temperados com critérios objetivos e, citando o Prof. Antunes Varela, “a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). 12) E ponderando vários fatores, tais como, o grau de incapacidade, a idade da vítima, o tempo provável da sua vida, a natureza do trabalho, a variação dos rendimentos, a possibilidade de progressão na carreira, a desvalorização da moeda em função da inflação, aliando-os a uma correção de acordo com a equidade, temos que, salvo o devido respeito por diversa opinião, o montante indemnizatório arbitrado na douta sentença recorrida mostra-se absolutamente exagerado face ao efetivo dano gerado na esfera jurídica do lesado, sendo mesmo suscetível de lhe gerar um efetivo rendimento que o mesmo jamais viria a obter caso não se tivesse dado o acidente. 13) No caso em apreço e coligida a factualidade que resultou provada nos presentes autos, e sempre com o máximo respeito por opinião diversa, o que se verifica é que o défice funcional de 16 pontos de que o lesado ficou a padecer por virtude do acidente tem rebate profissional, até porque reconduziu à reconversão profissional. 14) Não obstante, não deixou o lesado de auferir rendimentos (embora inferiores) em virtude da conversão da profissão que foi forçado a operar, após o evento danoso, exercendo outras funções profissionais que até então vinha desempenhando. 15) Assim, neste conspecto é igualmente importante averiguar-se de que forma se tem a nossa Jurisprudência pronunciado em situação semelhantes. 16) Ou seja, em rigor, não se está aqui perante uma verdadeira perda da capacidade aquisitiva de ganho, mas antes o dano que a nossa jurisprudência vem tratando como dano biológico (enquanto diminuição funcional psico-física). 17) Qualificação esta que não pode deixar de ser tida em linha de conta para a fixação do montante indemnizatório aqui em análise. 18) Entende a Apelante que andou mal o Mmo. Tribunal a quo em múltiplos aspetos atinentes à fixação desta indemnização, a saber: a. Não podia o Mmo. Tribunal a quo, para o cálculo da indemnização atender, sem mais, ao valor da retribuição anual recebida pela sinistrada b. Não podia o Mmo. Tribunal a quo, para esse mesmo cálculo, simplesmente multiplicar o valor da remuneração anual pelo número de anos restantes até ao fim da idade útil/activa (que entendeu ser, indevidamente, os 70 anos). 19) Escalpelizada a douta decisão aqui posta em crise, o que da mesma se retira é que o Mmo. Tribunal a quo fez um raciocínio puramente linear aplicando à retribuição anual auferida pelo Apelado, a pontuação dos 16 pontos, correspondente ao défice funcional/incapacidade de que o mesmo ficou afetado, e multiplicando tal valor pelo número de anos restantes até perfazer os 70 anos de idade (idade que teve como o fim da vida ativa). 20) Verifica-se que o Mmo. Tribunal a quo opera um raciocínio muito semelhante àquele que dimana do cálculo indemnizatório da pensão devida por acidente de trabalho – que se destina única e exclusivamente a ressarcir uma efetiva perda da capacidade de trabalho/ganho. 21) Mas mesmo neste caso – que se considera ser desajustado aos presentes autos pois, como vimos, não estamos diante da existência de uma efetiva desvalorização para a prestação de trabalho – ainda assim estaria mal a decisão proferida. 22) Desde logo que, mesmo nas indemnizações/pensões calculadas nos termos do direito do trabalho, se opera sempre uma redução do valor em causa (no caso do trabalho mediante a aplicação do fator correspondente à idade e vertido na Tabela aplicável) por forma a impedir que o lesado tenha uma vantagem com o recebimento da quantia indemnizatória de uma só vez, vantagem essa que consabidamente não teria ao trabalhar regularmente e até ao final da sua vida ativa. 23) Entende o Apelante, porém, que não pode ser este o raciocínio e critério a seguir na fixação do valor indemnizatório, a título de dano patrimonial futuro e que o valor da indemnização a fixar deverá ser por reporte à equidade, sempre sem deixar de ter em mente, naturalmente, os factos provados e circunstâncias do caso relevantes para esta apreciação. 24) Assim, e revertendo para o caso em apreço, temos que, para além do vencimento anual do Apelado, os factos tidos como relevantes para a determinação do quantum indemnizatório, a título de dano biológico/dano patrimonial futuro, serão os seguintes: - Idade: 29 anos à data do evento danoso - Atividade profissional a que se dedicava: motorista de pesados - Natureza das lesões e sequelas sofridas em consequência do acidente – sequelas permanentes que lhe demandam um défice funcional de integridade físico-psíquica de 16 pontos - idade da reforma: 65 anos (e não 70 como se ajuizou na sentença recorrida) 25) Perante tal realidade fáctica e recorrendo aos critérios doutrinários e jurisprudenciais supra referidos, sem nunca esquecer o cálculo decorrente de utilização da fórmula matemática vertida no Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04/04/1995 compatibilizada com a decorrente do Acórdão do STJ de 05/05/1994, e cotejada com um juízo equitativo, sem esquecer o necessário desconto a operar face à vantagem de receber todo este valor de uma só vez, e sempre com o merecido respeito por diverso entendimento, afigura-se adequada a atribuição da indemnização a título de dano patrimonial futuro, na vertente de dano biológico, no valor nunca superior a Euro 75.000,00 26) Ao consignar diverso entendimento a douta decisão proferida violou, entre o demais, o disposto no art. 562º do Cód. Proc, Civil, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que, por apelo ao supra alegado, fixe a indemnização a título de dano patrimonial futuro em valor nunca superior a Euro 75.000,00. 27) Com efeito, entendeu o Mmo. Tribunal “a quo” fixar ao A., ora Apelado, a título de indemnização pelo dano não patrimonial, no montante de Euro 35.000,00. 28) Para tanto, e em suma, recorreu a um juízo de pura equidade. 29) Não se conforma, porém, o Apelante com o valor de Euro 35.000,00 assim arbitrado, entendendo-se que o valor compensatório justo e adequado, em face da concreta factualidade dada como provada e por via do vertido no art, 496º do Cód Civil, se quedaria na quantia de Euro 25.000,00, e não mais. 30) Por aferição aos critérios jurisprudenciais a seguir no caso concreto, destaca-se, a este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/04/2012, Proc. 3046/09.0TBFIG.S1, onde se fixou €15.000,00 para lesado com 24/25 anos, estudante, IPG de 13 pontos, decorrente de lesões no punho e tornozelo esquerdo que tenderão a agravar-se no futuro, quantum doloris valorado em 4 numa escala de 7, teve grande sofrimento físico e psíquico com a intervenção cirúrgica a que foi sujeito, e sente grandes dificuldades em nadar, andar de bicicleta e a pé; 31) Ora, comparando tais circunstâncias com a situação concreta do Apelado nos presentes autos – que contava com 29 anos e sofre de desvalorização um pouco superior - não podemos deixar de constatar que a quantia de Euro 35.000,00 arbitrada, se mostra francamente desajustada aos efetivos danos em apreço. 32) E, sobretudo, se atendermos ao facto de que foi autonomamente indemnizado o dano biológico sofrido pelo Apelado. 33) Ora, sempre com o máximo respeito, considera o Recorrente que o Meritíssimo Tribunal a quo se orientou por critérios que embora fundados na equidade, se mostram desfasados da atual realidade e, portanto, desconformes às orientações jurisprudenciais. 34) Recorde-se que o recurso à equidade não afasta a necessidade de cumprir as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente compatível com as circunstâncias do caso concreto. 35) E sob pena da equidade se consubstanciar em verdadeira arbitrariedade. 36) É ainda consabido que a fixação da compensação por danos não patrimoniais implica o recurso aos padrões definidos pela jurisprudência, e de molde a obter-se uma uniformização de critérios que evite o subjetivismo na determinação do quantum indemnizatur. 37) E que se têm entendido, de forma praticamente unânime, que esta compensação tem de revestir um papel significativo, procurando um justo grau de compensação e não se compadecendo com a atribuição de valores simplesmente simbólicos, certo é que se tivermos em linha de conta que os nossos tribunais superiores têm entendido como justo e adequado fixar uma indemnização de Euro 20.000,00 para a dor incomparável e verdadeiramente irressarcível da perda de um filho, facilmente depreendemos que o valor equivalente fixado nos presentes autos para os danos morais sofridos pela Apelada, se mostra completamente excessivo e desajustado. 38) Assim sendo, tendo por base os supra citados arestos, e atendendo à factualidade considerada provada e relevante para esta questão (sobretudo a períodos de défice funcional total, quantum doloris, e demais padecimentos havidos por força do acidente), temos que se mostraria justo e adequado o montante nunca superior a Euro 25.000,00, a título de danos não patrimoniais sofridos pelo Apelado. 39) Ao consignar diverso entendimento, andou mal a douta sentença proferida, violando, além do mais, o disposto no art. 496º do Cód. Civil, devendo por isso ser revogada e substituída por outra que fixe a indemnização atribuída em sede de danos não patrimoniais no montante de Euro 25.000,00.”
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O autor também não se conformou e interpôs recurso de apelação tendo apresentado as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso visa colocar em crise a decisão do Tribunal a quo no que respeita à errada análise dos factos dados como não provados, o quantum indemnizatório arbitrado quanto aos danos não patrimoniais e o quantum indemnizatório arbitrado quanto aos danos patrimoniais futuros. 2. O Tribunal a quo, e com o devido respeito, considerou como não provados factos que, pelo contrário, da prova produzida em audiência de julgamento resultam inequivocamente provados. 3. Ao contrário do que considerou o Tribunal a quo, e considerando o relatório médico legal junto aos autos, que procedeu à avaliação do dano corporal do recorrente período de repercussão temporária na atividade profissional total do recorrente, anteriormente denominada de incapacidade temporária profissional total, foi fixada em 370 dias. 4. Ou seja, o recorrente esteve sem trabalhar desde a data do acidente, 17 de julho de 2019 até 22 de julho de 2020. 5. Podia e devia o Tribunal a quo considerar que, efetivamente, em janeiro de 2020, o A. Recorrente ainda se mantinha de baixa médica. 6. Considerou ainda o Tribunal a quo, e mal no entender do recorrente, como não provado que: f) A redução do vencimento do autor deveu-se ao facto de este, nas funções que agora exerce, não poder fazer trabalho suplementar e trabalho noturno, que lhe permitiam o acréscimo no vencimento de cerca de 200,00€. g) O que o A. fazia anteriormente. 7. Em consequência do acidente, o A. viu-se impedido de manter a sua atividade profissional habitual, motorista da EMP02..., passando a exercer funções administrativas. 8. Os recibos de vencimento do recorrente, como motorista e, após o acidente, como administrativo e, considerados esses vencimentos como provados pelo Tribunal a demonstram que não consta nos recibos como administrativo qualquer retribuição a título de trabalho suplementar ou trabalho noturno. 9. O que o A. fazia antes, tendo em conta o recibo de vencimento como motorista. D) Da discordância quanto à indemnização arbitrada a título de danos patrimoniais 10. É manifestamente reduzida e redutora dos direitos do recorrente a indemnização a este arbitrada, não só a título de danos patrimoniais mas também a título de danos não patrimoniais, ponderando apenas os factos que o próprio Tribunal a quo considerou provados. 11. Consideremos os factos dados como provados no que a estes danos diz respeito. 12. O recorrente, com 29 anos de idade à data do acidente, em consequência do embate grosseiro e culposo que sofreu por parte da segurada da R. esteve 370 dias sem poder trabalhar. 13. Em matéria de danos patrimoniais rege, em primeiro lugar, o princípio da reconstituição natural expresso no art. 562º do CC e, quando esta não for possível, bastante ou idónea (art. 566º, nº1 CC) vale a indemnização em dinheiro a fixar de acordo com a teoria da diferença nos termos do art. 566º, nº 2 do mesmo diploma. 14. A indemnização tem como medida, em princípio, a diferença entre a situação patrimonial real do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a situação hipotética que teria nessa data se não tivesse ocorrido o facto lesivo gerador do dano. 15. No caso dos autos até é possível a determinação concreta da perda de ganho do A. atenta a redução no seu vencimento. 16. A previsibilidade é a condição de ressarcibilidade dos danos futuros, ou seja, relevam aqui apenas os danos futuros previsíveis decorrentes da afectação da capacidade laboral do lesado. 17. E a jurisprudência tem-se orientado para considerar que a referida indemnização deve ser fixada segundo critérios de equidade nos termos do art. 566º, 3 CC, em função dos seguintes factores: idade do lesado, esperança média de vida, grau de incapacidade geral permanente, impedimento para o exercício da sua actividade profissional habitual, limitações que as sequelas de que o Autor é portador implicam para o seu dia-a-dia e salário auferido. 18. De acordo com o relatório médico, não impugnado pela recorrida e considerado pela sentença ora colocada em crise, a data da consolidação médico-legal das sequelas do recorrente ocorreu em 20 de julho de 2020, mais de um ano após o acidente, o quantum doloris foi fixado no grau 5 de 7, a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, no grau 3 de 7, défice funcional temporário total fixável num período 22 dias, défice funcional temporário parcial fixável num período 348 dias, repercussão temporária total na atividade profissional fixável num período de 370 dias. 19. Também considerado como provado que à data do acidente, o A. auferia o salário bruto de 1.651,55 € integrado na categoria de motorista de autocarro na empresa EMP02... SA, conforme recibo vencimento de 2019 junto autos, que em consequência das sequelas de que ficou a padecer, e conforme consta no relatório médico legal, o A. Ficou totalmente incapacitado para exercer a profissão que até então exercia. 20. O cálculo do dano da perda da capacidade deve ser feito tendo em conta o que o A. perdeu, isto é, o dano por ele sofrido, foi uma perda de parte da sua capacidade de ganho de rendimentos. 21. E o valor da remuneração a considerar para efeitos de cálculo deverá ser sempre o salário ilíquido, bruto portanto ao contrário do que fez o Tribunal a quo que considerou apenas o salário líquido nos cálculos usados para determinação do quantum indemnizatório. 22. E é esta a posição que é normalmente seguida, embora de forma implícita e por várias razões, na jurisprudência (isto é, por norma, os cálculos são quase sempre feitos com base nos valores ilíquidos; assim, por exemplo, os acórdãos do STJ de 10/05/2012, 451/06.7GTBRG.G1.S2, 16/12/2010, 270/06.0TBLSD.P1.S, de 21/10/2010, 1331/2002.P1.S1, de 07/10/2010, 839/07.6TBPFR.P1.S1, de 30/09/2010, 935/06.7TBPTL.G1.S1, de 05/11/2009, 381-2002.S1, de 24/09/2009, 09B0037, de 22/01/2009, 07B4242, e de 23/09/2008, 07B2469); em alguns casos chega-se a usar expressamente a expressão valor ilíquidos: apenas por exemplo, nos acs. do STJ de 21/03/2013, 565/10.9TBPVL.S1, de 07/10/2010, 2171/07.6TBCBR.C1.S1. 23. Também em relação às contribuições para a Segurança Social não há que as deduzir à remuneração ilíquida. 24. Também aqui andou mal o Tribunal a quo ao aplicar no cálculo da indemnização a receber pelo A. a esperança média de vida ativa, 70 anos e não a esperança média de vida. 25. A referência ao tempo provável de vida da vítima foi opção seguida pelo acórdão do STJ de 28/9/1995, publicado na CJ.STJ.95.III, pág. 36 (:“finda a vida activa do lesado não é razoável ficcionar que também a vida física desaparece no mesmo momento e com ela todas as necessidades do lesado e, por outro lado, geralmente, continua a receber remunerações, ou como pensão de aposentação da própria profissão, ou como prestação da segurança social”) e nos acórdãos do STJ de 16/3/1999, CJ.STJ.99.I.167, de 25/7/2002, na CJ.STJ.2002.II.128. 26. Assim, por exemplo, o referido acórdão do STJ de 04/12/2007 diz: “Aqui chegados, entramos na 3.ª fase, ou seja, naquela em que há que atender a todos os outros factores que as ditas fórmulas não contemplam, e que se repercutirão, previsivelmente, em termos de perdas patrimoniais, e que são extremamente relevantes, indicando-se a título exemplificativo: “o prolongamento da IPP para além da idade de reforma (sendo importante sublinhar que entrando na base de cálculo a referência à idade de reforma aos 65 anos não significa necessariamente que se deixe de trabalhar depois dessa idade, ou que se deixe de ter actividade depois dela).” 27. Assim, seja por uma via ou por outra, o que deve entrar como factor é a esperança média de vida e não o tempo provável de vida activa sendo que, em Julho de 2020 um homem com 30 anos de idade (o autor nasceu em ../../1990) tinha ainda uma esperança média de vida de 50,96 anos. 28. Em consequência do acidente e das lesões provocadas pelo mesmo, o autor ficou incapacitado para o trabalho habitual, e o seu défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixa-se em 16 pontos. 29. A Base XVI/1b) da Lei 2127 de 03/08/1965 – a antiga Lei dos acidentes de trabalho – previa que se do acidente resultasse incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, a pensão vitalícia seria fixada entre metade e dois terços da retribuição-base [mesmo uma incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho só dava direito a uma pensão de 80%...], conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível. 30. Dizia Cruz de Carvalho, que a fixação deste regime especial resultou da consideração lógica […] de que a incapacidade permanente absoluta para todo o trabalho habitual é sempre mais grave do que uma diminuição parcial da mesma amplitude fisiológica, não só pela necessidade de mudança de profissão, como pela dificuldade de reeducação profissional, exigindo por isso uma compensação maior” (Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Petrony, 2ª edição, 1983, pág. 97; no mesmo sentido, veja-se ainda Vítor Ribeiro, Acidentes de Trabalho, Rei dos Livros, Jan84, págs. 317/318). 31. O art. 17/1b) da Lei 100/97, de 13/09 – lei dos acidentes de trabalho – prevê que na incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, seja fixada uma pensão anual e vitalícia compreendida entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de profissão compatível. 32. O mesmo diz hoje a o art. 48/3b) da nova lei dos acidentes de trabalho, Lei 98/2009, de 04/09. 33. Aplicando aquela legislação analogicamente, de novo há que notar que mesmo uma incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho só por si só dá direito, na lei dos acidentes de trabalho, a uma pensão anual e vitalícia igual a 80% da retribuição (por exemplo, art. 48/3a) da Lei 98/2009). 34. Considerando isto tudo dir-se-á que não é aceitável considerar aquele que fica totalmente incapacitado para o trabalho habitual mas tem uma incapacidade permanente de 16 pontos, igual àquele que tem uma incapacidade permanente total. 35. Mas muito mais inadmissível é considerar esse lesado numa situação igual à daquele que tem uma incapacidade permanente de 16 ou 20 pontos, sem mais nada. 36. A forma de fazer a distinção pode perfeitamente passar pela adaptação da legislação laboral, adaptação que terá que ter em conta que nos actos geradores de responsabilidade civil não laboral não há limites de 80% para a indemnização dos danos. 37. E, assim, se aquele que tem uma incapacidade permanente absoluta para todo o trabalho pode receber, no máximo, por acidente de trabalho, uma pensão de 80%, mas se fosse num acidente não laboral já poderia receber 100%, então há que fazer a correspondência proporcional dos limites de 50% a 70% para aqueles que ficam totalmente incapacitados para o trabalho habitual, bem como de qualquer outro dentro da sua área de preparação técnico-profissional. 38. E dentro destes limites, a percentagem deve ser fixada conforme o que se prove quanto à maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de qualquer outra profissão. 39. No caso concreto, deverá ter-se em consideração aquela percentagem mínima (50%), pois que o autor está capaz para o exercício da profissão de motorista. 40. Assim é como se o A. tivesse perdido 50% da sua capacidade de ganho desde a data da consolidação da incapacidade – até lá o que há é uma incapacidade temporária, não a permanente -, ou seja, no caso, a partir de Julho de 2020. 41. Para o cálculo da indemnização sempre deverão ser tidos em conta a inflação e os ganhos de produtividade e as promoções profissionais. 42. O A. evoluiria na sua situação profissional com aumentos de produtividade, a inflação existe e a longevidade vai aumentando. 43. Não é previsível que os vencimentos/salários dos trabalhadores nunca mais serão aumentados regularmente (nem mesmo para acompanhar a inflação), que todos os ganhos de produtividade nunca mais beneficiarão os trabalhadores por conta de outrem e que eles nunca mais serão promovidos. 44. Pelo que, deve manter-se a consideração destes factores (mesmo que numa percentagem mais baixa do que até há pouco tempo antes), se possível nas fórmulas de cálculo de que se falará à frente. 45. Em suma: os factores a ter em conta no cálculo da indemnização da perda da capacidade de ganho que o Tribunal a quo deveria ter aplicado seriam os seguintes: a perda de capacidade é equivalente a 50%; a remuneração mensal a ter em conta é de 1651,05€; logo, o valor da perda mensal equivale a 825,52€. 46. Sendo que o A. auferia aquele vencimento em 14 meses, logo, o valor da perda anual é de 825,52€ x 14 = 11.557,35€. 47. Os anos a ter em conta são os da esperança média de vida, no caso 50,96, a contar de Julho de 2020. (588.962,56€). 48. Uma taxa de juro de 1,5%, uma inflação anual de 0,5% e os ganhos de produtividade, promoções profissionais de 0,375%. 49. Após determinar o capital, deve-se subtrair o benefício respeitante à recepção antecipada de capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do A. à custa alheia. 50. Admitindo-se o desconto de 20% pela entrega imediata, o valor do capital da perda de ganho do A. sempre seria de 471.170,04€. 51. Mas e ainda que se considere não ser aplicável ao caso concreto a jurisprudência maioritária no que diz respeito ao cálculo da perda futuro de ganho do A. e acima detalhadamente justificada, sempre o A. teve uma perda salarial na ordem dos cerca de 500,00€ mensais e que o Tribunal a quo não considerou no cálculo da indemnização. 52. Supreendentemente, e sem que o recorrente teça comentários acerca da afirmação, limitando-se impugná-la no presente recurso, diz o Tribunal a quo que “ Repare-se que o autor pode exercer uma outra atividade onde recebe um vencimento menor do que recebia anteriormente, mas, ainda assim, pode continuar a exercer atividade profissional”. 53. Antes do acidente, o A. auferia 1651,55€ mensais como motorista da EMP02..., com possibilidade de acrescer no seu salário com horas extraordinárias e trabalho aos fins de semana e feriados, conforme recibo junto aos autos e nele constante. 54. Havendo ficado totalmente incapacitado para o seu trabalho habitual, o A. passou a operador administrativo, auferindo o salário de 1193,99€, também conforme documento junto aos autos, ambos aceites pelo Tribuna a quo. 55. Anualmente, a perda é, então, e considerando os 14 meses e, sempre considerando o salário bruto, de 7.000,00€. 56. Considerando ainda a esperança média de vida do A., 50,96 anos, aquela perda seria de 356.720,00€. 57. E, ainda sem conceder o acima pedido, considerando apenas a vida ativa do A., sempre a perda do A. se reflete na quantia de 308.000,00€. 58. Considerando a entrega imediata e antecipada do capital, ao A. recorrente nunca deveria ter sido arbitrada indemnização por danos patrimoniais nunca inferior a 250.000,00€ (duzentos e cinquenta mil euros) o que, com o presente recurso se pretende. 59. O Tribunal a quo, mal mais uma vez, partiu da Portaria 377/08 de 26/05/08, alterada pela Portaria 679/2009 de 25/06, que prevê os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados de acidente de viação de proposta extra judicial razoável para indemnização do dano corporal, mas não vincula os tribunais. 60. Podia e devia aquele Tribunal a quo calcular a indemnização com base em valores concretos conhecidos, a perda de cerca de 500,00€ mensais por parte do recorrente. 61. Não o fazendo, deveriam ser aplicados os princípios fundamentais adoptados pelo Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria e que estão resumidos no acórdão de 5 de Julho de 2007 deste Supremo Tribunal e são os seguintes: (i) a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida; (ii) no cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável; (iii) as tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade; (iv) deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio lesado gastaria consigo mesmo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos), consideração esta que somente vale no caso de morte; (v) deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia; (vi) deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida activa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 78 anos, e tem tendência para aumentar; e a das mulheres chegou aos 83)”. 62. Cumpre ainda relevar que o A. não contribuiu com qualquer culpa para a produção do sinistro em causa. 63. As lesões que o A. sofreu são totalmente incompatíveis com a sua profissão habitual. 64. Deste modo, atenta a factualidade supra exposta, e nomeadamente a concreta e provada perda salarial com que o A. se confrontou em consequência do acidente, cerca de 500€ mensais, e os considerandos jurídicos a ela respeitantes, entende o recorrente como razoável e adequado, no seu valor mínimo, o montante de 220.000,00€ a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pelo A. Da não concordância com os valores fixados a título de danos não patrimoniais 65. A título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, foi arbitrada ao A. Uma indemnização de €35.000,00. 66. A indemnização por danos morais não visa reconstituir a situação que existiria se o dano não tivesse ocorrido, mas simplesmente e, de alguma forma, compensar o lesado pelos abalos e sofrimentos sentidos e igualmente sancionar a conduta do lesante. 67. Na verdade, trata-se de prejuízos de natureza infungível, pelo que não é possível uma reintegração por equivalente, susceptível de indemnização, mas apenas um quantitativo que proporcione ao beneficiário certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro. 68. Esta compensação deve ser proporcionada à gravidade do dano e deverá ter um alcance significativo e não meramente simbólico; por outro lado, a sua valoração é actual, motivo pelo qual não há lugar à sua actualização nem deverão ser estipulados juros a partir da citação. 69. Nesta conformidade e face ao caso concreto, há aqui a considerar, relativamente ao Autor: o número de dias em que o Autor esteve com um défice funcional temporário total, o número de dias com um défice funcional temporário parcial, o período de repercussão temporária na actividade total, o défice permanente (16 pontos), às dores sofridas, o dano estético permanente, à repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer. 70. Há ainda a considerar a idade do Autor, a circunstância de ter sido submetido um internamento e a uma cirurgia, ter visto a sua qualidade de vida, quer do ponto vista físico, quer do ponto de vista social, afectada, de ter ficado limitado funcionalmente. 71. E conforme se realça na sentença recorrida, decorre dessa limitação que, em qualquer juízo de prognose que se fizer quanto ao seu futuro, se concluirá que nas actividades mais quotidianas e normais do dia-a-dia o Autor necessitará de desenvolver esforços suplementares e de se submeter a tratamentos regulares. 72. Temos assim a considerar as dores e desgostos sofridos, o dano estético permanente, a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer, a natureza das lesões sofridas, tratamentos recebidos, e natureza das sequelas de que ficou portador, e bem assim o período de tempo desde o acidente até à consolidação. 73. Estamos, pois, perante danos não patrimoniais que o autor sofreu, merecedores da tutela do direito, e que se encontram espelhados no rol de factos provados. 74. O tribunal a quo considerou adequada e justa uma indemnização de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros) por danos não patrimoniais. 75. O recorrente entende que justa e adequada seria uma indemnização de 40.000,00€ pelos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrente. 76. Na verdade, como ensina Antunes Varela, e como vem sendo seguido pela jurisprudência dos nossos tribunais, o juízo de equidade requer do julgador que tome «em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida», sem esquecer que sobredita “indemnização” tem natureza mista, já que visa não só reparar, de algum modo, o dano, mas também reprovar a conduta lesiva. 77. Com efeito, ante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização dos danos não patrimoniais não pode ter por escopo a sua reparação económica. 78. Visa sim, por um lado, compensar o lesado pelo dano sofrido, em termos de lhes proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão; e, por outro lado, servir de sancionamento da conduta do agente. 79. E temos de ter presente que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (de que é exemplo, entre outros, os Acórdãos citados na sentença) vem acentuando a ideia de que tais compensações devem ter um alcance significativo, e não meramente simbólico nem miserabilista. 80. Violou a sentença de que ora se recorre os artigos 376º, 496º e 562º do Código Civil.”
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Os recursos foram admitidos na 1ª instância como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo, não tendo sido objeto de alteração neste Tribunal da Relação.
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Foram colhidos os vistos legais.
OBJETO DO RECURSO
(...) Neste enquadramento, as questões relevantes a decidir, elencadas por ordem de precedência lógico-jurídica, são as seguintes:
I - saber se a matéria de facto deve ser alterada;
II - saber se a indemnização por danos patrimoniais, que foi fixada em € 110 000,00, deve ser reduzida para € 75 000,00 (pretensão da ré) ou se deve ser aumentada para € 220 000,00 (pretensão do autor);
III - saber se a indemnização por danos não patrimoniais, que foi fixada em € 35 000,00, deve ser reduzida para € 25 000,00 (pretensão da ré) ou se deve ser aumentada para € 40 000,00 (pretensão do autor).
FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTOS DE FACTO
Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos, que aqui se transcrevem nos seus exatos termos:
1.º) No dia 17 de julho de 2019, cerca das 18H10M, na Estrada Nacional ...09, Estrada ..., freguesia ..., seguiam os seguintes veículos:
a. motociclo com a matrícula ..-VZ-.., conduzido pelo autor, seu proprietário, que circulava no sentido ... e o
b. veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-BQ-.., conduzido pela sua proprietária, BB, que circulava no sentido ....
2.º) O BQ, que seguia no sentido contrário ao do motociclo,
3.º) a velocidade superior a 50 km/h.,
4.º) em local onde a estrada configura uma curva apertada à direita, com sinalização horizontal de linha contínua, atento o sentido de marcha em que seguia,
5.º) iniciou a manobra de ultrapassagem de um condutor de velocípede sem motor que seguia à sua frente,
6.º) transpondo a linha contínua,
7.º) invadindo a metade esquerda da faixa de rodagem (atento o seu sentido), destinada à circulação dos veículos que seguiam em sentido contrário ao seu, e nomeadamente, a direção em que seguia o motociclo onde circulava o A. como condutor.
8.º) O veiculo ..-BQ-.., com a manobra efetuada pela sua condutora, cortou o trajeto do motociclo que ali circulava naquele momento, a velocidade inferior a 50 km/h., junto à berma do lado direito atento o sentido em que seguia.
9.º) A condutora do veículo ligeiro embateu com a frente do seu veículo na frente, lado esquerdo do motociclo.
10.º) A velocidade máxima permitida naquele local era de 50km/h.
11.º) Em consequência do embate, o A. e a passageira que transportava caíram no pavimento, o que lhes causou ferimentos.
12.º) A culpa na produção do acidente, em virtude do contrato de seguro celebrado pela condutora do ..-BQ-.., foi assumida pela R., em comunicação enviada à companheira do A.
13.º) Após o acidente, o A. foi transportado de ambulância para o Hospital ... onde deu entrada nas urgências apresentando um quadro de diagnóstico médico, referindo no joelho direito: fratura com avulsão do prato tibial lateral, com três fragmentos deslocados, o maior medindo 2,5 cm e os outros medindo 1 cm e 1,5 cm, na perna esquerda; fratura completa do terço médio diafisário da tíbia e do perónio sem grandes desalinhamentos, com prioridade urgente (cfr. registos clínicos juntos na PI como doc. 3).
14.º) Foi transferido no dia seguinte, 18 de julho de 2019 para o Centro Hospitalar ..., local da sua residência, onde foi submetido a diversos tratamentos porquanto apresentava fratura do joelho e perna direita.
15.º) Quando ocorreu o acidente, o A. encontrava-se a iniciar as suas férias de 15 dias, numa viagem pelo Norte do país, que teve de cancelar.
16.º) No início do tratamento a que foi sujeito e durante a recuperação, ao longo de vários meses, o A. teve necessidade do auxílio de terceira pessoa, a sua mãe, para tarefas elementares como fazer as refeições, vestir-se e tratar da higiene pessoal.
17.º) Porque não podia conduzir, necessitava sempre de terceira pessoa que o transportasse para qualquer lado que fosse e nomeadamente para os tratamentos a que foi sujeito.
18.º) O A. era uma pessoa alegre e divertida,
19.º) que gostava de viajar e sair com os amigos.
20.º) Tornou-se uma pessoa mais triste, desmotivada e sem perspetivas de futuro,
21.º) irritando-se facilmente quer com os amigos, quer com os seus familiares.
22.º) As lesões sofridas provocaram-lhe dores físicas intensas, tanto no momento do acidente como no decurso do tratamento,
23.º) e as sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar,
24.º) que o vão acompanhar para o resto da vida.
25.º) e que se exacerbam com as mudanças de tempo.
26.º) O A. era um praticante de corrida e manutenção corporal, atividade que exercia diariamente e deixou de o fazer.
27.º) Não mais, até à data, pelo medo causado pelo acidente, o A. conduziu motas, um dos seus hobbies preferidos, o que lhe provoca um enorme desgosto.
28.º) O autor nasceu em ../../1990.
29.º) Na altura do acidente o A. tinha 29 anos de idade.
30.º) À data do acidente, o A. auferia o salário bruto de 1.651,55 €, correspondentes a € 1.040,38 líquidos, e estava integrado na categoria de motorista de autocarro na empresa EMP02... SA.
31.º) Categoria essa que implica a sujeição do autor a esforços acrescidos na sua atividade profissional, o que levou à alteração da sua categoria profissional, passando de motorista a administrativo da EMP02..., E.M., S.A..
32.º) Após a reconversão para a categoria de administrativo, o autor passou a auferir a quantia de € 1.193,99 brutos, correspondente a € 802,94, líquidos, a título de salário.
33.º) A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 20/07/2020.
34.º) O autor sofreu um Período de Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 22 dias.
35.º) O autor sofreu um Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período 348 dias.
36.º) O autor sofreu um Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total fixável num período total de 370 dias.
37.º) O autor sofreu um quantum Doloris fixável no grau 5/7.
38.º) O autor sofreu um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 16 pontos, sendo de admitir a existência de Dano Futuro.
39.º) As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, impeditivas do exercício da atividade profissional habitual, sendo, no entanto, compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional (como a atividade de administrativo que exerce atualmente).
40.º) O autor sofreu um Dano Estético Permanente fixável no grau 3 /7.
41.º) As repercussões Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer são fixáveis no grau 3 /7.
42.º) À data do acidente, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ..-BQ-.. encontrava-se transferida para a Companhia de Seguros, ora R., titulado esse seguro pela apólice nº ...19.
43.º) Por conta do acidente, a ré já pagou ao autor a quantia de € 7.500,00 (cfr. requerimento de 04/08/2023).
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Na 1ª instância foram considerados nãoprovados os seguintes factos, que aqui se transcrevem nos seus exatos termos:
a) O autor permaneceu de baixa médica, desde a data do acidente até ../../2020.
b) Após o acidente, não mais o A. viajou, nem tampouco tem vontade de sair com os amigos.
c) O autor esperava passar a viver com a sua companheira após as férias e ter um filho em comum.
d) Projeto esse que foi adiado, atentas as consequências físicas do acidente, quer para o A., quer para a sua namorada.
e) Esse facto provocou uma tristeza e amargura profundas no A.
f) A redução do vencimento do autor deveu-se ao facto de este, nas funções que agora exerce, não poder fazer trabalho suplementar e trabalho noturno, que lhe permitiam o acréscimo no vencimento de cerca de 200,00€.
g) O que o A. fazia anteriormente.
FUNDAMENTOS DE DIREITO
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As questões que se colocam nos presentes autos e que supra se enunciaram prendem-se com a fixação dos montantes indemnizatórios relativos aos danos patrimoniais e não patrimoniais, pretendendo o autor o aumento dos valores fixados na sentença recorrida, ao passo que a ré, inversamente, pugna pela sua redução.
Não obstante se tratarem de dois recursos, uma vez que as matérias controversas são as mesmas, serão tratadas conjuntamente.
Por outro lado, nos autos está plenamente assente a existência de obrigação de indemnizar a cargo da ré relativamente aos danos sofridos pelo autor na sequência do acidente de que este último foi vítima. As partes discordam unicamente das indemnizações arbitradas. Como tal, não se entrará em considerações sobre a matéria da responsabilidade, analisando-se apenas se os valores indemnizatórios fixados a título de danos patrimoniais e não patrimoniais são ou não corretos.
II - Fixação da indemnização devida por danos patrimoniais
Em matéria de obrigação de indemnização o art. 562º, do CC, consagra o princípio geral da reconstituição natural pois quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art. 563º, do CC) e o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (art. 564º, do CC). A indemnização devida abrange, assim, quer os danos emergentes, quer os lucros cessantes, consistindo aqueles numa diminuição efetiva do património e estes na frustração de um ganho.
Na fixação da indemnização pode ainda o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior (art. 564º, nº 2, do CC).
A indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (art. 566º, nº 1, do CC).
Nessa hipótese, a indemnização tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (art. 566º, nº 2, do CC).
Ou seja, no cálculo da indemnização importa considerar a diferença entre a situação real e hipotética do lesado se o mesmo não tivesse sido atingido pelo facto ilícito.
Caso não seja possível averiguar o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art. 566º, nº 3, do CC).
Para além dos danos patrimoniais, deve ainda atender-se na fixação da indemnização aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496º, nº 1, do CC), sendo o montante desta indemnização fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (arts. 496º, nº 4 e 494º, do CC).
O dano biológico consiste numa lesão corporal que afeta a integridade físico-psíquica do lesado e que implica uma perda da plenitude das suas capacidades pessoais.
É um dano complexo posto que, traduzindo-se na ofensa da saúde e integridade física, projeta-se em diferentes aspetos da vida do lesado e é suscetível de provocar danos quer de natureza patrimonial, quer de natureza não patrimonial.
No que respeita às consequências patrimoniais, tal dano pode implicar uma concreta perda de rendimentos, como ocorrerá nas situações em que o lesado deixou de auferir um determinado montante pecuniário durante o período de tempo em que esteve incapacitado para exercer a sua atividade profissional.
Porém, independentemente da concreta perda de rendimentos, o dano biológico enquanto défice funcional de que passou a padecer o lesado no plano específico das atividades profissionais, tem ainda uma dupla repercussão pois, por um lado, implica um esforço acrescido que o lesado terá que despender para compensar tal défice, de modo a prosseguir uma atividade laboral e, por outro lado, implica uma limitação de oportunidades profissionais pois “o lesado vê diminuída a amplitude ou o leque das atividades laborais que pode perspectivar exercer plenamente no futuro, ficando – por via da perda de capacidades funcionais- necessariamente condicionado e «acantonado» no exercício de actividades menos exigentes – o que naturalmente limita de forma relevante as suas potencialidades no mercado do trabalho (facto particularmente atendível numa organização económica que crescentemente apela à precariedade e à necessidade de mudança e reconversão na profissão exercida, a todo o momento susceptível de mutação ao longo da vida do trabalhador)” (cf. Acórdão do STJ, de 21.1.2016, P 1021/11.3TBABT.E1.S1, in www.dgsi.pt).
Na verdade, a força de trabalho de uma pessoa é um bem capaz de propiciar rendimentos. Logo, a incapacidade funcional importa sempre diminuição dessa capacidade, obrigando o lesado a um maior esforço e sacrifício para manter o mesmo estado antes da lesão e, inclusivamente, provoca inferiorização, no confronto do mercado de trabalho, com outros indivíduos por tal não afetados (cf. Acórdão do STJ, de 7.6.2011, P 160/2002.P1.S1, in www.dgsi.pt).
É de realçar a dificuldade e delicadeza subjacente ao cálculo do dano biológico na vertente patrimonial, enquanto perda futura de capacidade de ganho, pois exige a previsão, sempre problemática, de dados que apenas são constatáveis no futuro e por um muito longo período de tempo, como seja a evolução da economia, da produtividade, do emprego, dos salários ou da inflação (cf Acórdão da Relação de Guimarães, de 19.10.2017, P 2236/14.8T8GMR.G1, in www.dgsi.pt).
Como se escreveu no Acórdão do STJ, de 10.11.2016 (P 175/05.2TBPSR.E2.S1, in www.dgsi.pt) “constitui entendimento jurisprudencial reiterado que a indemnização a arbitrar por tais danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional ativa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma, aos 65 anos).”
A jurisprudência, para determinar este capital produtor de rendimento, tem tentado encontrar critérios objetivos que possam apoiar um juízo de equidade.
Assim, encontramos jurisprudência que se socorre do auxílio de diferentes fórmulas matemáticas, nomeadamente:
- A do Ac. RC de 04.04.1995 publicado na CJ - Ano XX - Tomo II, e explicada no acórdão da mesma Relação de Coimbra de 15.02.2011, proferido no processo nº291/07.6TBLRA.C1, disponível in www.dgsi.pt (que pondera a variação do capital do 1º ano, achado pelo rendimento anual líquido multiplicado pela percentagem de incapacidade, durante a esperança média de vida do lesado, nomeadamente face às taxas de juro nominais e às taxas de crescimento decorrentes da inflação e taxas de promoção e produtividade).
- A do Ac. STJ de 05.05.1994, publicado in CJ STJ, II, t2, p.86.
- As mais simples do estudo do Conselheiro Sousa Dinis, in CJ do STJ, Ano IX, Tomo I, 2001, fls.6 a 12, explicada no ac. STJ de 28.03.2019, proferido no processo nº1120/12.4TBPTL.G1.S1 (que explica «Um dos critérios assenta numa regra de três simples, tendo em conta uma determinada taxa de juro, adequada à realidade económica e financeira do país, ao aumento pecuniário que o lesado ou seus dependentes economicamente, deixaram de auferir, durante 14 meses, num ano, a idade ativa provável do mesmo, fazendo um primeiro ajustamento com um desconto que variará com o nível de vida do país, do custo de vida, em que predominará o prudente arbítrio do juiz, tendo em conta estes dados ou outros relevantes. E, encontrado um determinado valor, este poderá sofrer alterações para mais ou para menos, de acordo com juízos de equidade, tendo em conta a idade do lesado, a progressão na carreira e outros fatores influentes, que possam existir. O outro critério traduz-se na determinação do montante que o património do lesado deixou de auferir durante 14 meses, num ano, multiplicando-o pelo período de tempo provável de vida ativa, reduzindo o montante encontrado de acordo com regras de equidade já apontadas, e finalmente, ajustando o respetivo valor ao caso concreto, recorrendo a juízos de equidade, de acordo com a progressão na carreira, ganhos de produtividade e outros elementos influentes existentes em cada caso.».
Encontra-se, também, jurisprudência que recorreu a analogias de critérios de outros regimes normativos, nomeadamente: os da Portaria nº377/2008, de 26.05. que orientam a atividade das seguradoras na elaboração de propostas de indemnização (contestados maioritariamente, nomeadamente no referido Ac. RC de 15.02.2011, proferido no processo nº291/07.6TBLRA.C1, no Ac. RG de 19.10.2017, proferido no processo nº2236/14.8T8GMR.G1, referido infra; no Ac.STJ de 19.09.2019, proferido no processo nº2706/17.6T8BRG.G1.S1); os da Lei nº98/2009, de 04.09. que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais (nomeadamente, o Ac. RG de 28.06.2018, proferido no processo nº2476/16.5T8BRG.G1, que, num caso de uma lesada com 49 anos de idade, que ficou com lesões que lhe determinaram uma IPG de 26 pontos, impeditiva do exercício da sua profissão habitual, mas compatível com outras profissões ou funções da área da sua preparação técnico-profissional, considerou justificada a aplicação da referência do disposto no art. 48º/3- b), da Lei n.º 98/2009, de 4.09, nos termos do qual a pensão para sinistrados em acidentes de trabalho afetados por uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual deve ser fixada entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível).
A jurisprudência maioritária, entre os critérios objetivos aplicados para achar a indemnização por dano futuro, tem considerado:
- O rendimento líquido do lesado (v.g. Ac. STJ de 21.03.2019, proferido no processo nº1069/09.8TVLSB.L2.S2;Ac. STJ de 19.06.2019, proferido no processo nº80/11.3TBMNC.G2.S1; Ac. STJ de 05.02.2020, proferido no processo 10529/17.6T8LLRS.L1.S1), em detrimento do rendimento ilíquido (com defesa, todavia, neste sentido, nomeadamente, no voto de vencimento do Ac. RG de 28.06.2018, proferido no processo nº2476/16.5T8BRG.G1).
-A esperança média de vida e não a vida ativa (vide, v.g., ac. RG de 12.09.2019, no processo nº1629/18.6T8VCT.G1; Ac. STJ de 28.03.2009 no processo nº1120/12.4TBPTL.G1.S1, Ac. STJ de 07.03.2019, no processo nº203/14.0T2AVR.P1.S1).
A indemnização de danos duradouros por antecipação de capital (e não em forma de renda vitalícia) tem levado também a jurisprudência ao longo do tempo a prever tanto a possibilidade de proceder a um desconto pelo benefício de antecipação do capital (que chegou a oscilar no tempo entre 33% e 1,5%, consoante os dados da sociedade ao tempo da prolação da decisão e a situação do caso concreto), como a defender a possibilidade de eliminação da redução por esse benefício, considerando o quadro económico atual e as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente: o acórdão do STJ de 12.11.2019, proferido no processo nº468/15.0T8PDL.L1.S1, explicou molduras de taxas já aplicadas e aplicou a redução de 10% na contabilização de uma indemnização por danos futuros; o acórdão do STJ de 25.05.2017, proferido no processo nº868/10.2TBALR.E1.S1, relatado por Lopes do Rego, considerou que o benefício de antecipação pode ser eliminado ou reduzido, consoante as circunstâncias de cada caso, vindo a aplicar uma taxa de redução de 1,5% (sumariando: «I. A regra ou princípio geral segundo a qual o benefício da antecipação deve descontar-se na indemnização arbitrada pelo dano patrimonial futuro deve ser adequada às circunstâncias do caso concreto, podendo nomeadamente tal benefício ser eliminado ou apagado perante a existência provável de um particular agravamento ou especial onerosidade dos danos patrimoniais futuros expectáveis que importa compensar com recurso a critérios de equidade. II. O dito benefício nunca poderia actualmente corresponder – perante o quadro económico actual e face às perspectivas razoáveis de rentabilização do montante indemnizatório recebido – aos pretendidos 20% - sendo, quando muito, equitativa e ajustada a redução ao montante do capital a atribuir à autora a título de indemnização pela perda de rendimentos do correspondente a uma taxa na ordem de 1,5%.»).
A jurisprudência, por fim, tem sido clara que os tribunais não estão sujeitos aos limites da Portaria nº377/2008 e que o critério final da determinação do valor indemnizatório é a equidade.
O Acórdão desta Relação de Guimarães, de 19.10.2017 (P 2236/14.8T8GMR.G1, in www.dgsi.pt) considerou que “como é posição sucessivamente reiterada pelo nosso mais Alto Tribunal, o tribunal está apenas sujeito aos critérios que emergem do preceituado no Código Civil e, em particular ao critério da equidade, pois que os critérios consagrados na Portaria n.º 377/2008, de 26.05 (ou na Portaria n.º 679/2009, de 25.06, que procedeu à sua alteração/atualização), não obstante possam (ou devam) ser considerados pelo julgador, não se sobrepõem aos que decorrem do restante sistema substantivo e, sobretudo, em primeiro lugar, do Código Civil. De facto, como se pode alcançar da nossa jurisprudência, é pacífico o entendimento de que os critérios previstos nas citadas Portarias não substituem os critérios de fixação da indemnização consignados no Código Civil e não vinculam os tribunais em tal tarefa casuística, visando, sobretudo, em sede de apresentação de proposta célere e razoável por parte das seguradoras ao lesado, servir de critério orientador para esse confessado fim”(com bold apócrifo).
No sentido de o critério último para a fixação da indemnização pelo dano biológico na vertente patrimonial ser a equidade, escreveu-se no Acórdão desta Relação de Guimarães, de 4.10.2017 (P 1964/14.2T8GMR.G1, in www.dgsi.pt) que “mesmo a análise do dano na perspetiva essencialmente patrimonial, considerando que assenta em juízos de prognose, de simples probabilidade e o conjunto de variáveis que se deverão fazer intervir para projeção do mesmo num futuro mais ou menos longínquo, só pode, em última análise, ser obtida pela equidade.”
E também o acórdão do STJ, de 21.1.2021, (P 6705/14.1T8LRS.L1.S1, in www.dgsi.pt) considerou, na mesma linha de entendimento, que a “limitação funcional em que se traduz a incapacidade permanente de que ficou afectada a vítima de um acidente de viação, mesmo quando não implica a redução da capacidade de ganho, mas obriga a um esforço acrescido para a evitar, é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial. Em ambos os casos, a indemnização deve ser calculada segundo a equidade” (sublinhado nosso).
Traçado o quadro normativo que deve presidir à fixação da indemnização, revertamos agora ao caso concreto.
Na sentença recorrida foi atribuída ao autor uma indemnização por danos patrimoniais no valor de € 110 000,00.
Esta indemnização foi fixada com base na equidade pois, embora na aludida sentença se refira que, de acordo com o art. 7º, nº 3 da Portaria, o valor indemnizatório corresponderia a € 58 261,28 (atendendo ao salário líquido e a 70 anos de vida), entendeu-se que a indemnização deveria ser fixada não nesse montante, mas antes em € 110 00,00.
Neste juízo de equidade para determinação do quantum indemnizatório, a decisão recorrida teve em conta:
- a idade do autor (29 anos);
- o défice funcional (16 pontos);
- a incapacidade para o exercício da profissão habitual;
- a ocorrência de reconversão profissional;
- o salário mensal líquido auferido (€ 1 040,38), com os previsíveis aumentos ao longo dos anos;
- a erosão decorrente da inflação;
- a vantagem de receber de uma só vez o valor total da indemnização;
- a esperança média de vida.
O autor discorda e pretende o aumento da indemnização para a quantia de € 220 000,00, ao passo que a ré pretende a sua redução para a quantia de € 75 000,00.
Os recorrentes, em abono das respetivas pretensões, discutem:
- Elementos utilizados na sentença recorrida para fixar a indemnização: os anos de vida, defendendo a recorrente/ré que se deveria atender à vida ativa do lesado (65 anos) e entendendo o recorrente/autor que se deveria atender à esperança média de vida (cerca de 81 anos); o salário líquido, entendendo o recorrente/autor que deveria ser utilizado o salário bruto.
- Fórmulas e critérios para apoiar o juízo de equidade: a recorrente/ré defendeu que o cálculo do tribunal recorrido se aproximou indevidamente da pensão devida por acidente de trabalho (não ser uma efetiva desvalorização para a prestação de trabalho), quando deveria ter atendido aos critérios doutrinários e jurisprudenciais expostos, nomeadamente os da fórmula matemática do Ac. da Relação de Coimbra de 04/04/1995 compatibilizada com a decorrente do Ac. do STJ de 05/05/1994, e cotejada com um juízo equitativo, seguida de um necessário desconto a operar face à vantagem de receber capital antecipado; o recorrente/autor defendeu que se deveria ter atendido não apenas ao défice funcional de 16 pontos mas à sua incapacidade absoluta para o trabalho habitual (e, nessa medida, ao critério do art.48º/3-b) da Lei dos acidentes de trabalho nº98/2009, fixando-se a incapacidade de 50%), a inflação (de 0,5%), os ganhos de produtividade e as promoções profissionais (de 0, 375%), a taxa de juro nominal de (1,5%), com possibilidade de desconto de 20%, ou, subsidiariamente, às suas perdas salariais brutas provadas (de € 500, 00 mensais em 50, 96 anos).
Importa apreciar.
Pese embora as dificuldades salientadas na quantificação de um dano futuro a que já acima aludimos, no concreto caso em análise as mesmas encontram-se atenuadas, porquanto o autor, para além dos 16 pontos de défice permanente da integridade físico-psíquica (facto 38º), sofreu uma perda concreta de rendimentos perfeitamente determinada.
Assim, antes do acidente o autor exercia a profissão de motorista e auferia a quantia mensal ilíquida de € 1 651,55, correspondente à quantia mensal líquida de € 1 040, 30 (facto 30º).
Devido ao acidente ficou impossibilitado de exercer a sua profissão habitual, o que levou à alteração da sua categoria profissional, passando de motorista a administrativo, e passando a auferir a quantia mensal ilíquida de € 1 193,99, correspondente à quantia mensal líquida de € 802, 94 (factos 31º e 32º).
Esta perda de rendimentos efetiva não pode deixar de se atender durante o tempo de esperança média de vida do autor/recorrente, não apenas pelas razões que fundamentam o critério geral da jurisprudência maioritária referida para o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, mas porque efetivamente o valor da perda salarial ocorrido se repercute também no valor de perda da pensão de reforma que tem o valor do salário como referência.
Entre 2021 e 2023, a esperança de medida de vida em Portugal correspondeu a uma média de 81,17, correspondente a 83,67 para as mulheres e a 78,37 para os homens (https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_indicadores&indOcorrCod=0001724&contexto=bd&selTab=tab2 ).
Assim, a fixação da indemnização deve atender que o autor, com 29 anos na data do acidente e com esperança média de vida até aos 78,37 anos (cerca de mais 49 anos): ficou incapaz para a sua profissão habitual, com reconversão de carreira e perda efetiva de rendimentos salariais provados, correspondente, pelo menos, ao valor líquido de € 237,44 do salário (€ 1 040,38 - € 802,94= € 237,44) em 14 meses; ficou com um défice permanente de integridade físico-psíquica de 16 pontos, que lhe diminui o uso do corpo e onera com maior esforço, limitando consequentemente a flexibilidade de transição laboral.
Estes critérios objetivos, qualquer que seja a operação objetiva utilizada como referência auxiliar do juízo de equidade, não permitem reduzir a indemnização fixada e permitem ampliá-la nos termos pedidos pelo autor.
De facto, ponderando as duas perdas concretas sofridas pelo autor, e com os elementos objetivos mais conservadores, verificamos o seguinte:
- As perdas laborais líquidas sofridas pelo autor após o acidente (com a sua reconversão laboral), implicam, numa operação simples, pelo menos uma perda global líquida de € 162 883, 84 (€ 237, 44 x 14 meses = € 3 324,16; € 3 324,16 x 49 anos = € 162 883,84), que poderia ser acrescida pela ponderação de ganhos de produtividade e de promoções de carreira.
- O valor compensatório de um défice funcional de integridade físico-psíquica de 16 pontos, que atendesse apenas ao valor líquido de € 800, 00 por mês (referenciado ao valor reduzido do salário mensal líquido do autor após o acidente de € 802,94), em 14 meses ao ano (€ 800, 00 x 14 meses = € 11 200, 00; € 11 200, 00 x 16 %= prestação do primeiro ano “P” de € 1 792,00), alcançaria, em 49 anos, de acordo com a fórmula enunciada supra (do Ac. RC de 04.04.1995, explicada pelo Ac. RC de 15.02.2011): o valor de € 82 681,00 se atendesse à taxa de juro nominal líquida “r” de 3% (em equivalência à taxa média das obrigações de tesouro com taxa fixa e a 10 anos - ...) e à taxa anual de crescimento da prestação do 1º ano de 2,75% (taxa de inflação de 2%, ganhos de produtividade de 0,375% e promoções profissionais de 0,375%);o valor de € 99 525,80 se atendesse à taxa de juro nominal líquida “r” de 1,5% (atendendo à tendência de descida das taxas de juro de depósitos a prazo e das taxas de rentabilidade das obrigações de tesouro a 10 anos, tal como às expectativas recentes da taxa de dívida pública em Portugal e na ..., antes das guerras ocorridas desde 2022, conforme explicado nos factos notórios do Ac. RG de 11.05.2023, proferido no processo nº2820/21.3T8VRL.G1, em que foi relatora a aqui 1ª adjunta e 1ª adjunta a aqui relatora, e para que se remete) e à taxa anual de crescimento da prestação do 1º ano de 2% (taxa de inflação de 1%, ganhos de produtividade e promoções profissionais de 1%, aplicados no referido Ac. RG de 11.05.2023).
Por sua vez, se ponderássemos os critérios do regime dos acidentes de trabalho do art.48º/3-b) da Lei nº98/2009, de 04.09, e tão só como uma referência para fazer depois atuar a totalidade dos fatores cíveis pela equidade, como foi feito no referido Ac. RG de 28.06.2018, e na perspetiva também mais desfavorável ao lesado (fixação da perda de ganho no limite inferior da norma de 50%, em relação ao seu rendimento mensal líquido antes do acidente, em referência à sua incapacidade absoluta de exercício da sua profissão habitual e aos 16 pontos de défice permanente de integridade físico-psíquica), atingiríamos, a partir da prestação do primeiro ano de € 7 280,00 (€ 1 040,00 x 14 meses = € 14 560,00; € 14 560, 00 x 50%= € 7 280, 00), em 49 anos, de acordo com a referida fórmula do Ac. RC de 04.04.1995, explicada pelo Ac. RC de 15.02.2011: o valor de € 335 892, 00, no caso de ponderação dos fatores referidos no primeiro caso enunciado no parágrafo anterior; o valor de € 404 323,00 no caso de ponderação dos fatores referidos no segundo caso referido no parágrafo anterior.
Tendo em conta as quantias objetivas que o autor deixou de auferir e tendo ainda em conta que a essas perdas pecuniárias concretas acresce a circunstância de o autor ter ficado com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 16 pontos (facto 38º), é manifesto que, à luz da equidade e dos critérios indemnizatórios constantes do Código Civil, por um lado não há fundamento para reduzir a indemnização, como pretendido pela ré, e, por outro lado, a indemnização tem que ser fixada na quantia peticionada pelo autor de € 220 000,00.
Perante o explanado, conclui-se, quanto a esta questão recursória, que improcede o recurso da ré e procede o do autor, tendo o ponto 2) da decisão recorrida que ser revogado, sendo a ré condenada no pagamento da quantia de € 220 000,00 relativa a danos patrimoniais futuros.
III - Fixação da indemnização devida por danos não patrimoniais
Como já supra se referiu, para além dos danos patrimoniais, deve ainda atender-se na fixação da indemnização, aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496º, nº 1, do CC), sendo o montante desta indemnização fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (arts. 496º, nº 4 e 494º, do CC).
Trata-se de danos ou prejuízos que não atingem em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo, antes ofendem bens de carácter imaterial, desprovidos de conteúdo económico, insuscetíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. A ofensa objetiva desses bens tem em regra um reflexo subjetivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral (cf. acórdão do STJ, de 21.4.2022, P 96/18.9T8PVZ.P1.S1 in www.dgsi.pt).
Por conseguinte, a indemnização por danos não patrimoniais não se destina obviamente a repor as coisas no estado anterior, mas tão só a dar ao lesado uma compensação pelo dano sofrido, proporcionando-lhe situação ou momentos de prazer e alegria que neutralizem, quanto possível, a intensidade da dor física ou psíquica sofrida (Vaz Serra, BMJ 278º, 182).
Como é assinalado no Acórdão do STJ, de 9.9.2014, (P 654/07.7TBCBT.G1.S1, in www.dgsi.pt) deverá ainda ter-se em consideração a natureza mista de reparação do dano e punição que caracteriza a indemnização por danos não patrimoniais, a qual é assinalada por diversos autores citados no referido aresto, designadamente:
- pelo Prof. Menezes Cordeiro que ensina que “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança, aliás, de qualquer indemnização”;
- pelo Prof. Galvão Telles que sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma «pena privada», estabelecida no interesse da vítima – na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”.
- pelo Prof. Menezes Leitão que destaca a índole ressarcitória/punitiva da reparação por danos morais, quando escreve: “assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante”;
- pelo Prof. Pinto Monteiro, o qual sustenta que a obrigação de indemnizar é “uma sanção pelo dano provocado”, um “castigo”, uma “pena para o lesante”.
Como se esclarece no acórdão do STJ, de 21.4.2022 (P 96/18.9T8PVZ.P1.S1 in www.dgsi.pt) “o dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo: (i) o chamado quantum (pretium) doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos, a analisar através da extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico; (ii) o “dano estético” (pretium pulchritudinis), que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; (iii) o “prejuízo de distracção ou passatempo”, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, vg., com renúncia a actividades extra-profissionais, desportivas ou artísticas; (iv) o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra na “alegria de viver”; (v) o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida; (vi) os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; (vii) o prejuízo juvenil “pretium juventutis”, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida, privando a criança das alegrias próprias da sua idade; (viii) o “prejuízo sexual”, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais; (ix) o “prejuízo da auto-suficiência”, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária, decorrente da impossibilidade, de se vestir, de se alimentar”.
Na decisão recorrida foi atribuída ao autor, relativamente aos danos não patrimoniais, uma indemnização de € 35 000,00, pretendendo a ré que a mesma seja reduzida para € 25 000,00 e defendendo o autor que seja aumentada para € 40 000,00.
Releva, em sede de fixação da indemnização por danos não patrimoniais, a seguinte factualidade:
13.º) Após o acidente, o A. foi transportado de ambulância para o Hospital ... onde deu entrada nas urgências apresentando um quadro de diagnóstico médico, referindo no joelho direito: fratura com avulsão do prato tibial lateral, com três fragmentos deslocados, o maior medindo 2,5 cm e os outros medindo 1 cm e 1,5 cm, na perna esquerda; fratura completa do terço médio diafisário da tíbia e do perónio sem grandes desalinhamentos, com prioridade urgente (cfr. registos clínicos juntos na PI como doc. 3).
14.º) Foi transferido no dia seguinte, 18 de julho de 2019 para o Centro Hospitalar ..., local da sua residência, onde foi submetido a diversos tratamentos porquanto apresentava fratura do joelho e perna direita.
15.º) Quando ocorreu o acidente, o A. encontrava-se a iniciar as suas férias de 15 dias, numa viagem pelo Norte do país, que teve de cancelar.
16.º) No início do tratamento a que foi sujeito e durante a recuperação, ao longo de vários meses, o A. teve necessidade do auxílio de terceira pessoa, a sua mãe, para tarefas elementares como fazer as refeições, vestir-se e tratar da higiene pessoal.
17.º) Porque não podia conduzir, necessitava sempre de terceira pessoa que o transportasse para qualquer lado que fosse e nomeadamente para os tratamentos a que foi sujeito.
18.º) O A. era uma pessoa alegre e divertida,
19.º) que gostava de viajar e sair com os amigos.
20.º) Tornou-se uma pessoa mais triste, desmotivada e sem perspetivas de futuro,
21.º) irritando-se facilmente quer com os amigos, quer com os seus familiares.
22.º) As lesões sofridas provocaram-lhe dores físicas intensas, tanto no momento do acidente como no decurso do tratamento,
23.º) e as sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar,
24.º) que o vão acompanhar para o resto da vida.
25.º) e que se exacerbam com as mudanças de tempo.
26.º) O A. era um praticante de corrida e manutenção corporal, atividade que exercia diariamente e deixou de o fazer.
27.º) Não mais, até à data, pelo medo causado pelo acidente, o A. conduziu motas, um dos seus hobbies preferidos, o que lhe provoca um enorme desgosto.
29.º) Na altura do acidente o A. tinha 29 anos de idade.
34.º) O autor sofreu um Período de Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 22 dias.
35.º) O autor sofreu um Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período 348 dias.
36.º) O autor sofreu um Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total fixável num período total de 370 dias.
37.º) O autor sofreu um quantum Doloris fixável no grau 5/7.
38.º) O autor sofreu um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 16 pontos, sendo de admitir a existência de Dano Futuro.
39.º) As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, impeditivas do exercício da atividade profissional habitual, sendo, no entanto, compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional (como a atividade de administrativo que exerce atualmente).
40.º) O autor sofreu um Dano Estético Permanente fixável no grau 3 /7.
41.º) As repercussões Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer são fixáveis no grau 3 /7.
Trata-se de danos extensos, graves, alguns de natureza permanente e que, por isso, acompanharão o autor pelo resto da sua vida.
Salienta-se nomeadamente a circunstância de ter sido obrigado a mudar de profissão devido ao acidente, tendo sido forçado a deixar de ser motorista - atividade que é exercida no exterior e que, para quem goste de conduzir veículos, como era o caso do autor, propicia momentos de satisfação e realização pessoal - e sujeito a uma reconversão profissional que o obrigou a ser administrativo, atividade que é exercida num espaço interior, normalmente partilhado com outras pessoas.
A circunstância de estar impedido de exercer a profissão que tinha habitualmente é um dano de enorme gravidade.
Assim como o é uma pessoa jovem, de apenas 29 anos, e que era um praticante de corrida e manutenção corporal, atividade que exercia diariamente, ter deixado de o fazer e de, devido ao medo causado pelo acidente, ter deixado de conduzir motas, um dos seus hobbies preferidos, situação que lhe provoca um enorme desgosto.
E integra também um dano muito grave o facto de o autor, que era uma pessoa alegre e divertida, que gostava de viajar e sair com os amigos, se ter tornado uma pessoa mais triste, desmotivada e sem perspetivas de futuro, irritando-se facilmente quer com os amigos, quer com os seus familiares.
Acresce que as lesões sofridas lhe provocaram dores físicas intensas, tanto no momento do acidente como no decurso do tratamento, e as sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar.
Para além do sofrimento que já experienciou devido às lesões, tratamentos e período de recuperação a que esteve sujeito, as descritas limitações, desgosto e dores irão acompanhá-lo pelo resto da vida o que implica que, dada a sua idade (29 anos) e a esperança média atual de vida (de 78,37 anos para os homens), expectavelmente se prolongarão por cerca de 49 anos.
Importa ter ainda em conta que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo segurado na ré, não tendo o autor contribuído de qualquer forma para a ocorrência do mesmo.
Tendo em conta todas estas circunstâncias, considera-se que o valor de € 35 000 fixado a título de danos não patrimoniais na decisão recorrida se mostra insuficiente, sendo antes proporcional, adequado e equitativo o valor peticionado pelo autor de € 40 000,00.
De relembrar que a equidade não é sinónimo de arbitrariedade ou discricionariedade, sendo antes a aplicação da justiça ao caso concreto mediante ponderação, prudencial e casuística, das concretas circunstâncias da situação em análise. Nas palavras do Ac. do STJ, de 10.2.1998, (in CJ S. T., 1, p. 65) a equidade é "a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei", devendo o julgador "ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida."
Na verdade, ainda que se recorra à equidade, é importante que exista uma justiça relativa por forma a que se obtenham soluções idênticas para casos semelhantes, pois só assim se respeita o princípio da igualdade, plasmado no art. 13º, da CRP, e se acautela a imposição contida no art. 8º, nº 3, do CC, segundo o qual nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.
Considera-se que o valor ora fixado tem arrimo nos critérios da jurisprudência atual, desta forma estando assegurado quer o princípio da igualdade, quer a justiça relativa, havendo na jurisprudência uma clara tendência de valorização social dos danos infligidos à integridade física e psíquica e de elevação dos correspondentes montantes indemnizatórios, deste modo se afirmando e consolidando a orientação de que a indemnização por danos não patrimoniais não pode ser simbólica nem miserabilista.
Com efeito, vejam-se, exemplificativamente os seguintes arestos do STJ, (todos disponíveis in www.dgsi.pt):
- acórdão de 11.5.2022, (P 3028/17.8T8LRA.C1.S1) relativamente a um lesado de 49 anos, com défice funcional permanente de 18 pontos percentuais, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicando esforços suplementares, que teve Quantum Doloris de 5/7; Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer de 5/7; Dano Estético de 3/7, considerou adequada uma indemnização de € 45 000 a título de danos não patrimoniais;
- acórdão de 17.2.2022, (P 2712/18.3T8PNF.P1.S1) relativamente a um lesado de 37 anos, com incapacidade permanente absoluta para o exercício da sua profissão habitual ou de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional, e uma incapacidade permanente geral de 34 pontos, que teve Quantum Doloris de 5/7; Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer de 3/7; Dano Estético de 2/7, considerou adequada uma indemnização de € 75 000 a título de danos não patrimoniais;
- acórdão de 29.4.2021, (P 2648/18.8T8FNC.L1.S1) relativamente a um lesado de 54 anos, com incapacidade permanente absoluta para o exercício da sua profissão habitual e uma incapacidade permanente geral de 22 pontos, que teve Quantum Doloris de 4/7; Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer de 3/7; Dano Estético de 4/7, considerou adequada uma indemnização de € 60 000 a título de danos não patrimoniais;
- acórdão de 19.9.2019, (P 2706/17.6T8BRG.G1.S1) relativamente a um lesado de 45 anos, com incapacidade permanente absoluta para o exercício da sua profissão habitual bem como qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional e uma incapacidade permanente geral de 32 pontos, que teve Quantum Doloris de 5/7; Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer de 3/7; Dano Estético de 3/7, considerou adequada uma indemnização de € 50 000 a título de danos não patrimoniais.
Perante o explanado, conclui-se, quanto a esta questão recursória, que improcede o recurso da ré e procede o do autor, tendo o ponto 1) da decisão recorrida que ser revogado, sendo a ré condenada no pagamento da quantia de € 40 000,00 relativa a danos não patrimoniais.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Tendo o recurso da ré sido julgado improcedente e tendo o do autor procedido, é a ré responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada.
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação:
A) em julgar improcedente a apelação interposta pela ré;
B) em julgar procedente a apelação interposta pelo autor e, em consequência, em revogar os pontos 1) e 2) da sentença recorrida nos seguintes termos:
1) Condenam a ré a pagar ao autor a quantia de € 40 000,00 (quarenta mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde o trânsito em julgado do presente acórdão;
2) Condenam a ré a pagar ao autor a quantia de € 220 000,00 (duzentos e vinte mil euros) relativa a danos patrimoniais futuros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde o trânsito em julgado do presente acórdão;
Custas das apelações pela ré.
Notifique.
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Sumário (da responsabilidade da relatora, conforme art. 663º, nº 7, do CPC):
I - O dano biológico consiste numa lesão corporal que afeta a integridade físico-psíquica do lesado e que implica uma perda da plenitude das suas capacidades pessoais.
É um dano complexo posto que, traduzindo-se na ofensa da saúde e integridade física, tem repercussões quer a nível patrimonial, quer a nível não patrimonial.
II - A indemnização por esse dano deve ser fixada com base em critérios de equidade, nos termos do art. 566º, nº 3, do CC.
III - Tendo o autor, de 29 anos de idade, ficado afetado de uma incapacidade de 16%, impeditiva do exercício da sua profissão habitual de motorista, tendo sido reconvertido para a categoria de administrativo, com inerentes perdas salariais, justifica-se, à luz da equidade, que a indemnização por danos patrimoniais futuros seja fixada na quantia peticionada de € 220 000,00.
IV - No caso de indemnização por danos não patrimoniais deve também atender-se à natureza mista de reparação do dano e punição que caracteriza tal indemnização.
V - Considera-se adequada, proporcional, justificada e equitativa a fixação da indemnização em € 40 000,00 relativamente aos danos não patrimoniais sofridos por um lesado com 29 anos de idade, que foi vítima de um acidente causado por culpa exclusiva do condutor do veículo segurado na ré, na sequência do qual sofreu fratura do joelho e perna direita; ao longo de vários meses, teve necessidade do auxílio de terceira pessoa para tarefas elementares; sofreu um Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 370 dias; teve um quantum doloris de grau 5/7; um Dano Estético Permanente de grau 3/7; Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer de grau 3/7 e ficou com um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 16 pontos, impeditivo do exercício da atividade profissional habitual, tendo deixado de ser motorista e reconvertido em administrativo; tornou-se uma pessoa mais triste, desmotivada e sem perspetivas de futuro; tem dores físicas, incómodo e mal-estar que o vão acompanhar para o resto da vida; deixou de praticar corrida e manutenção corporal, e, devido ao medo causado pelo acidente, deixou de conduzir motas, um dos seus hobbies preferidos, o que lhe provoca um enorme desgosto.
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Guimarães, 19 de setembro de 2024
(Relatora) Rosália Cunha
(1º/ª Adjunto/a) Alexandra Maria Viana Parentes Lopes
(2º/ª Adjunto/a) Gonçalo Oliveira Magalhães