RAPTO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS
CONVENÇÃO DE HAIA
RETENÇÃO ILÍCITA
REGRESSO DA CRIANÇA
FUNDAMENTOS DA RECUSA
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Sumário


1 – A Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia em 25/10/1980, ratificada por Portugal através do Decreto do Governo n.º 33/83, de 11/05 e o Regulamento (UE) 2019/1111 do Conselho de 25 de junho de 2019 relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças (Bruxelas II Ter), visam proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de uma mudança de domicílio ou de uma retenção ilícita, estabelecendo as formas que garantam o regresso mais rápido possível da criança ao Estado da sua residência habitual.
2 – Estando assente a ilicitude da retenção, os tribunais têm de determinar o regresso imediato da criança, salvo se ocorrerem as circunstâncias ponderosas que a Convenção de Haia e o referido Regulamento consideram aptas a fundamentar uma decisão de recusa.
3 – Tais circunstâncias podem passar pela prova de que existe risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável, devendo avaliar-se, também, se a criança já se encontra integrada no seu novo ambiente.
4 – Salvaguardando a própria Convenção que este retorno não é automático ou mecânico, o superior interesse da criança deve ser ponderado de forma substanciada e à luz das exceções previstas nos artigos 12º e 13º, as quais implicam o exame da situação familiar no seu conjunto, e de elementos de ordem factual, afetiva, psicológica, material e médica com a preocupação de determinar qual é a melhor solução para a criança no contexto de um pedido de regresso ao país de origem.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
           
I. RELATÓRIO

O Magistrado do Ministério Público junto do Juízo de Família e Menores de Guimarães, requereu, em 03-04-2024, a pedido de AA, residente em ..., pai da menor BB, nascida a ../../2019, a instauração, com carácter de urgência, do presente processo tutelar comum para entrega judicial da menor, ao abrigo da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25-10-1980, contra a mãe da mesma menor, CC.

Alegou que a menor nasceu em ..., onde tem a sua residência habitual e que o exercício das responsabilidades parentais foi regulado em ..., resultando da sentença aí proferida que o pai e a mãe exercem conjuntamente a autoridade parental (resulta da sentença junta que foi fixada a residência habitual no domicílio da mãe). Que a mãe da menor viajou com esta para Portugal, em ../../2023, aqui permanecendo até hoje, sendo que, desde essa altura, o pai não vê a filha.
Pediu que, realizadas as diligências tidas por adequadas, se decida sobre o regresso da menor a ....
Foi proferido despacho em que se determinou a tramitação do procedimento como processo tutelar comum, se atribuiu carácter urgente ao procedimento e se ordenou a citação da requerida para, no prazo de 10 dias, alegar e requerer as diligências probatórias que tivesse por conveniente.
A 15/04/2024 procedeu-se à tomada de declarações à progenitora.
A requerida, a 22-04-2024, deduziu requerimento concluindo pela sua expressa oposição ao regresso voluntário da sua filha a ... e que seja proferida decisão de recusa de entrega da menor ao abrigo do art. 12º da Convenção de Haia, tendo decorrido mais de um ano entre a vinda da menor para Portugal e a data da interposição do presente processo, estando a mesma inserida e ambientada no meio familiar e escolar, bem como ao abrigo do art. 13º, al. b), da mesma Convenção, por força do risco grave que a decisão de regresso acarretará para a menor.
Alegou que regressou a Portugal para proteger a menor, que havia sido sinalizada pela escola como estando em perigo pela relação que tinha com o pai. Que a menor vive consigo e com dois irmãos adultos (filhos de uma anterior relação sua), com quem já vivia em ... e que também regressaram a Portugal. Que, face à doença de que padece, do espectro do autismo, é acompanhada em consultas de psicologia, terapia da fala e pedopsiquiatria, bem como através do médico e enfermeira de família. Frequenta a escola básica e, todos em conjunto, conseguiram reequilibrá-la e acabar com a agitação permanente, a perda de controle e a insociabilidade com outras crianças, tendo sido possível, ao longo dos 13 meses em que vive em Portugal, de interação e cooperação entre todos os cuidadores, restaurar emocionalmente a menor e contribuir para uma personalidade sadia, com estabilidade de rotinas e de relações saudáveis com meninos e meninas da sua idade e com educadores, tendo ganho auto-confiança com as terapias e consultas, o que tudo fica salientado nos diversos relatórios de todos estes profissionais, que junta aos autos como prova, esclarecendo também que, em ..., o pai negava o problema de saúde da filha e opunha-se ao acompanhamento médico.
Ordenada a notificação do progenitor para, querendo, se pronunciar sobre a oposição deduzida pela progenitora, este nada disse.
Teve lugar a audiência de julgamento, com inquirição da pedopsiquiatra, da médica de família, da educadora, da terapeuta da fala, da terapeuta ocupacional, da madrinha, da prima, da irmã e do irmão da menor (todos testemunhas indicadas pela progenitora). Os progenitores prestaram declarações.

Foi proferida sentença cujo teor decisório é o seguinte:
“Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Julgar ilícita a retenção em Portugal da menor DD, nascida a ../../2019, filha de AA e de CC;
b) Determinar o regresso imediato da referida menor a ..., para junto do progenitor, a executar no prazo máximo de 30 dias, cabendo à Segurança Social, com o auxílio da autoridade policial competente, a recolha da menor e a sua entrega ao progenitor, o qual deverá proceder ao acompanhamento da menor desde Portugal ao seu destino;
c) Solicitar à Autoridade Central Portuguesa (Direcção-Geral de Administração da Justiça) que diligencie junto da Autoridade Central ... no sentido de sinalizar a situação da menor, após o seu regresso, ao sistema de promoção e proteção dos interesses dos menores no respetivo estado, de modo que a esta beneficie das medidas concretas que se revelem necessárias ao seu bem-estar e tratamento da doença de que padece (Perturbação do Espectro do Autismo – Síndrome de Asperger);
d) Determinar a intervenção da Autoridade Central Portuguesa na execução do regresso da menor, designadamente, nos procedimentos de articulação dos operadores envolvidos e dos progenitores, se necessário com intervenção de técnicos com formação em psicologia, sendo que a execução coerciva do regresso deverá ocorrer apenas caso a progenitora não proceda à entrega voluntária da criança à Autoridade Central Portuguesa;
e) Determinar a emissão de mandados de entrega judicial da menor, os quais deverão conter as seguintes informações:
(…)
f) Determinar a comunicação da presente decisão ao Sistema de Informação Schengen, sob responsabilidade do Gabinete Nacional SIRENE, com os dados de identificação da criança em referência nos autos e da requerida (art. 3º, al. a), do DL n.º 292/94, de 18-11, e art. 97º da Convenção Schengen, conjugados com o art. 28º, n.º1, in fine, e 4º do RGPTC), e respeitando o solicitado a fls. 116-A, tendo-se em vista evitar a deslocação da criança fora do que ora se determina, sendo que, em tal caso, assim que a menor seja localizada, deverá ser colocada em segurança;
g) Condenar a requerida no pagamento das custas processuais, sem prejuízo do decidido sobre apoio judiciário;
h)  Fixar o valor da causa em € 30 000,01 (trinta mil euros e um cêntimo)”.

A requerida/progenitora interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

1ª A sentença de 19 de ../../2023 do Tribunal de ..., ..., é nula porque a progenitora não foi notificada do seu conteúdo, nem manifestou por escrito a sua anuência a tal decisão;
2ª A nulidade da decisão de 19 de março pode e deve ser declarada porque não se trata de sindicar o teor da decisão ..., mas dos pressupostos de validade de tal decisão;
3ª Com a declaração de nulidade da decisão ..., terão os presentes autos de ser extintos por falta do pressuposto da sua execução para o pedido de regresso da criança;
4ª Há uma contradição insanável na sentença a quo porque dá-se como provado e não provado o mesmo facto: A progenitora vinha periodicamente a Portugal visitar a família quando residia em ...;
5ª Assim, deve tal facto ser retirado da matéria não provada, mantendo-se apenas na matéria provada;
6ª Também deve ser excluído dos factos provados que a DD não consegue expressar-se com mais facilidade em português do que em ..., e alterar-se o ponto 28 dos factos provados para: a DD consegue expressar-se com mais facilidade em português do que em ...;
7ª Mais devem ser inseridos nos factos provados, os seguintes:
- A progenitora não tem disponibilidade para acompanhar a filha para ...;
- Seja qual for a figura de vinculação, separar a criança da cuidadora terá um impacto brutal, a criança terá de compor o luto e terá uma regressão no seu desenvolvimento;
- Se a criança tiver o mesmo tratamento em ..., em termos emocionais, não vai resultar da mesma forma que em Portugal;
8ª Quando o processo do pedido de regresso se iniciou já tinha decorrido mais de 1 ano da deslocação da DD para Portugal;
9ª – Desde o início de ../../2023 que a DD se encontra instalada em Portugal, e está perfeitamente integrada de forma saudável e positiva no novo ambiente familiar, educativo e terapêutico, tendo criado as rotinas necessárias ao seu desenvolvimento físico e psicológico;
10ª Pelo que, nos termos do disposto no artigo 12º da Convenção de Haia, verifica-se a exceção de não regresso da DD a ...;
11ª A DD sofre de síndrome de Asperguer e as rotinas adquiridas são essenciais para que mantenha o equilíbrio físico e emocional obtido nos últimos 16 meses;
12ª A Convenção de Haia e o Regulamento do Conselho nº1111 de 2019 têm como valor estruturante o superior interesse da criança, o qual prevalece sobre qualquer interesse do progenitor, ainda que colocado numa situação mais difícil;
13ª O regresso da criança a ... deve ser recusado porque a separação da mãe e dos irmãos é muitíssimo mais prejudicial para a criança do que a permanência;
14ª A separação da criança da sua progenitora, dos irmãos e do meio onde se encontra inserida há 16 meses originará danos perniciosos, irreversíveis e violentos para o desenvolvimento da sua personalidade;
15ª Para além do regresso acarretar um grave risco para a DD, esta jamais compreenderia e aceitaria a separação da sua mãe e irmãos;
16ª A progenitora não tem condições para regressar a ... com a sua filha porque se encontra vinculada, como professora, ao Ministério da Educação português;
17ª – A DD nos últimos 16 meses, em Portugal, criou uma estabilidade emocional e psicológica que é fundamental preservar para que tenha um desenvolvimento harmonioso e saudável;
18ª A violência da separação da mãe, figura de vinculação e referência da DD, teria um impacto brutal, obrigando-a a sofrer um luto da mãe (e dos irmãos), com a consequente regressão comportamental, de linguagem, e mesmo criar-lhe um estado depressivo e agressivo por força da incompreensão e não aceitação do sucedido;
19ª Impôr o regresso a ... da DD por um “crime” que não cometeu é gerar um grave risco de potenciar uma situação absolutamente intolerável, violando de forma brutal e desumana o seu superior interesse nesta fase fundamental da sua vida: manter os laços com a sua família e ver assegurado o seu desenvolvimento num ambiente sadio e de conforto;
20ª Foram violadas as seguintes normas jurídicas: artigos 12º, 13º, alínea b) e 20º da Convenção de Haia; 19ª e 44ª considerações do regulamento nº1111 do Conselho de 25-06-2019; artigos 9º, alínea b); 16º, nº2, 18º, nº2, e 26º, nº1 da CRP.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o despacho recorrido, o qual terá de ser substituído por outro que recuse o regresso da DD a ..., assim se fazendo uma vez mais JUSTIÇA !!!

O progenitor contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
No mesmo sentido respondeu o Ministério Público.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Já neste Tribunal, alterou-se o efeito do recurso para suspensivo, como, aliás, havia sido requerido pela recorrente.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a impugnação da decisão de facto e a decisão sobre o regresso ou permanência da menor.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença recorrida foram considerados os seguintes factos:

Factos provados:
Com relevo para a decisão, estão provados os seguintes factos:
1. DD nasceu a ../../2019 e é filha de AA e de CC – cf. certidão de assento de nascimento junta com a oposição apresentada a 22-04-2024 e com a petição inicial no processo principal;
2. Por sentença proferida a 15-12-2022, pelo Tribunal Judicial de ... – Tribunal de Recurso de Paris, ..., no processo n.º...39, que aqui se dá por reproduzida, em que foram partes os progenitores da menor DD, acima referidos, decidiu-se, além do mais:
a) Dizer que o poder paternal em relação à menor DD é exercido em conjunto pelos pais;
b) Lembrar que o exercício em conjunto do poder paternal implica que os pais têm deveres e direitos iguais em relação ao seu filho e que, ao abrigo do artigo 372º do Código Civil, os mesmos devem:
a. Tomar juntos as decisões importantes relativas à saúde, orientação escolar, educação religiosa e mudança de residência da menor;
b. Manterem-se mutuamente informados para que possam comunicar entre si sobre a organização da vida da menor (escola, desporto, cultura, tratamentos médicos, actividades de lazer, férias …);
c. Permitir que a criança esteja em contacto com o outro progenitor no respeito do ambiente de vida de cada um, permitindo que a criança comunique livremente com o outro progenitor com o qual não reside;
d. Respeitar a imagem e o lugar do outro progenitor na vida da criança, comunicar, consultar-se e cooperar no interesse da menor;
e. Fornecer mutuamente os respetivos endereços e dados de contacto;
c) Fixar a residência habitual da DD em casa da mãe, a Sra. CC;
d) Dizer que, na ausência de acordo entre as partes sobre o direito de visita e de acolhimento de AA, será exercido da seguinte forma:
a. Um fim-de-semana de quinze em quinze dias, semanas ímpares, de Sexta-feira após as aulas até Domingo às 19H00 e metade das férias escolares, a primeira metade nos anos ímpares e a segunda metade nos anos pares, e uma partilha por quinze dias das Férias do Verão, os primeiros quinze dias de julho e de agosto nos anos ímpares e as segundas metades nos anos pares;
b. A partir dos 6 anos de idade, um fim-de-semana todos os quinze dias, semanas ímpares, de Sexta-feira após as aulas até Domingo às 19H00 e de Terça-feira à tarde após as aulas até Quarta-feira às 19H00 nas semanas pares, e metade das férias escolares, a primeira metade nos anos ímpares e a segunda metade nos anos pares;
c. Será da responsabilidade de AA e a suas próprias expensas, ir buscar ou mandar buscar a menor e levá-la ou mandar levá-la a casa de CC;
e) Lembrar que qualquer mudança de residência de um dos progenitores, desde que altere as modalidades de exercício do poder paternal, deve ser objeto de informação prévia e atempada ao outro progenitor e que, em caso de falta de acordo, o progenitor mais diligente recorre ao Juiz de Família que decidirá de acordo com os interesses da menor;
f) Condenar AA a pagar a CC a quantia mensal de cento e cinquenta euros (€ 150,00) para a alimentação e a educação da DD a partir da decisão;
g) Dizer que a contribuição referida será paga de forma adiantada, todos os meses e o mais tardar até ao dia 10, incluindo os períodos de exercício do direito de visita e de acolhimento de férias, em casa do credor, até que a criança atinja a maioridade; 
3. Por sentença proferida a 17-03-2023, por Juíza de Assuntos de Família de ..., ..., no processo n.º...21, que aqui se dá por reproduzida, em que foram partes os progenitores da menor DD, acima referidos, decidiu-se, tendo em conta a sentença de 15-12-2022 do Juiz de Família do Tribunal Judicial de ..., ..., além do mais:
a) Recordar que a autoridade parental referente à menor DD é exercida conjuntamente pela Sra. CC e o Sr. AA;
b) Recordar que, no âmbito desse exercício conjunto da autoridade parental, cabe aos progenitores tomar em conjunto as decisões importantes na vida da criança, relativas à escolaridade, à saúde e às eventuais escolhas religiosas;
c) Autorizar a Sra. CC, na ausência de autorização do Sr. AA, a estabelecer acompanhamento médico por um pedopsiquiatra;
d) Julgar improcedente o pedido do Sr. AA de proibição de saída da criança do território ...;
e) Rejeitar o pedido de inquérito social formulado pelo Sr. AA;
f) Julgar improcedente o pedido de transferência de residência do Sr. AA;
g) Manter a residência da criança fixada no domicílio da mãe, Sra. CC;
h) Julgar improcedente o pedido da Sra. CC de alteração dos direitos de visita e alojamento do pai;
i) Declarar que o pai, Sr. AA, acolherá a criança DD no seu domicílio, sob reserva de melhor acordo, de acordo com os termos e condições estabelecidos na decisão de 15-12-2022 do Juiz de Família do Tribunal Judicial de ....
4. Por sentença proferida a 19-12-2023, por Juíza de Assuntos de Família de ..., ..., no processo n.º...99, que aqui se dá por reproduzida, em que foram partes os progenitores da menor DD, acima referidos, decidiu-se, além do mais:
a) Dizer que o Sr. AA exerce exclusivamente autoridade parental sobre a criança;
b) Recordar que a Sra. CC mantém o direito e o dever de supervisionar a manutenção e a educação da criança, devendo, portanto, ser informada das escolhas importantes relacionadas com a vida da criança;
c) Fixar a residência da criança na casa do Sr. AA;
d) Dizer que a Sra. CC deverá devolver a criança ao Sr. AA no prazo de oito dias a contar da notificação desta decisão, sob pena de multa após este período de € 50,00 por dia de atraso durante dois meses, findo o qual poderá ser estabelecida nova estatuição;
e) Reservar ao foro respetivo o poder de decidir sobre a liquidação da pena;
f) Rejeitar o pedido de constituição de direito de visita e hospedagem em benefício da Sra. CC;
g) Fixa em trezentos euros (€ 300,00) por mês a contribuição que a Sra. CC deverá pagar, durante todo o ano, antecipadamente e antes do dia 5 de cada mês, ao Sr. AA para a manutenção e educação da filha;
h) Condenar a Sra. CC a pagar a referida pensão a partir desta decisão;
5. A menor DD sofre de Perturbação do Espectro do Autismo – Síndrome de Asperger.
6. A menor DD tem a progenitora como a figura cuidadora e afetiva de referência;
7. A menor tem os dois irmãos uterinos mais velhos também como figuras afetivas de referência;
8. Os progenitores viveram juntos até ../../2022, altura em que o progenitor saiu de casa;
9. A progenitora, em outubro de 2022, mudou a sua residência para outro local, situado em ...;
10. Desde ../../2022 e até à presente data, a menor DD passou a residir ininterruptamente com a progenitora e com os irmãos, EE e FF;
11. A progenitora e a DD têm nacionalidade portuguesa;
12. Em setembro de 2015, a progenitora passou a residir em ... para cumprir uma comissão de serviço pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, pelo período de 2 anos, renováveis, até final de agosto de 2023, nos termos do DL nº65-A/2016 de 25 de outubro – cfr. docs. ns. 7 e 8;
13. A progenitora vinha periodicamente a Portugal visitar a família quando residia em ...;
14. A progenitora esteve de baixa médica de 06-04-2023 até 24 04-2023 e de 12-05-2023 até ../../2023 – cfr. doc nº9.
15. Em ../../2023, a progenitora veio com a menor e os dois filhos maiores para Guimarães, Portugal;
16. Na altura referida no ponto anterior, a progenitora comunicou ao progenitor que se deslocava com a menor para Portugal em férias para descansar;
17. Em junho de 2023, a progenitora comunicou ao progenitor que iria ficar a residir em Portugal com a menor;
18. A menor DD, por iniciativa da progenitora, começou a frequência de ensino pré-escolar em Guimarães no Agrupamento de Escolas ..., em ../../2023;
19. A menor DD frequenta, neste Ano Letivo de 2023/2024, estabelecimento de ensino no Agrupamento de Escolas ...;
20. A progenitora trabalhou como docente, de 26 de setembro de 2023 até ../../2024, na Escola ..., em ...;
21. A progenitora, desde ../../2024, trabalha como docente na Escola ..., em ...;
22. A menor DD, quando passou a residir em Guimarães, apresentava agitação permanente, perda de controlo com gritos e histeria constantes, fazia as refeições com as mãos, evidenciava insociabilidade com outras crianças e choro constante;
23. A menor DD, por iniciativa da progenitora, desde que habita em Guimarães, passou a ser seguida em consultas de Pedopsiquiatria, Psicologia, Terapia da Fala e Terapia Ocupacional;
24. A menor DD, desde que reside em Guimarães, encontra-se inscrita em Centro de Saúde, tem atribuídos médico e enfermeiro de família e tem a vacinação obrigatória cumprida;
25. Devido ao acompanhamento referido acima e ao apoio de que beneficia em ambiente escolar e familiar, a menor DD apresenta-se reequilibrada, deixou de evidenciar agitação permanente, perda de controlo com gritos e histeria constantes, de fazer as refeições com as mãos, insociabilidade com outras crianças e choro constante;
26. A menor DD apresenta dificuldades no planeamento motor e ao nível da coordenação motora global;
27. Para desenvolver o planeamento motor e a coordenação motora global, por iniciativa da progenitora, a menor passou a frequentar aulas de dança desde ../../2024;
28. A menor DD consegue expressar-se com facilidade em Português;
29.  A manutenção da situação referida em 25 e o desenvolvimento da menor DD, incluindo o planeamento motor e a coordenação motora global, carece da manutenção de acompanhamento da menor por médico pedopsiquiatra, psicólogo, frequência de terapia da fala e ocupacional e frequência de aulas de dança;
30. Os cuidados da menor DD são assegurados pela progenitora e, quando esta se encontra impedida de tal, pelos seus irmãos mais velhos.

Factos não provados:

Com relevo para a decisão, não se provaram os seguintes factos:
a) A progenitora vinha periodicamente a Portugal com a menor visitar a família quando residia em ...;
b) A separação dos progenitores referida na matéria de facto provada ocorreu por comportamentos de violência doméstica do progenitor à progenitora;
c) A baixa médica da progenitora referida na matéria de facto provada ocorreu devido a danos psicológicos pela mesma sofridos em consequência do relacionamento com o progenitor;
d) O estabelecimento escolar frequentado pela menor DD sinalizou e comunicou às autoridades francesas que a menor estava em perigo em consequência de comportamento do progenitor;
e) A menor BB começou a demonstrar medo, nomeadamente do “lobo”, choro, gritos e inquietude sempre que a progenitora lhe falava sobre o progenitor;
f) A progenitora decidiu vir para Portugal com a menor DD após as diligências das autoridades policiais francesas decorrentes da comunicação referida, conjuntamente com os seus dois filhos maiores, para salvaguardar a menor DD do perigo em que o pai a estava a colocar, uma vez que, no âmbito do respetivo processo, tal perigo não estava a ser afastado;
g) A menor DD, em ../../2023, apresentava desequilíbrio emocional resultante da separação dos pais, de comportamentos de violência doméstica a que assistiu e de transtorno que sofreu na última visita a casa do pai;
h) O progenitor nega que a menor DD padece de Perturbação do Espectro do Autismo – Síndrome de Asperger;
i) A menor DD consegue expressar-se com maior facilidade em Português do que em ....

Como questão prévia, a apelante sustenta a nulidade da decisão proferida pelo Tribunal ... a 19 de dezembro de 2023 por a progenitora não ter sido notificada da mesma no prazo de seis meses a contar da data da sua emissão.
Independentemente do facto de tal processo ter corrido à revelia da ora apelante que, segundo consta do mesmo, nem sequer foi regularmente notificada (presumiu-se a sua notificação), nem ouvida no decurso do mesmo, a verdade é que, a haver alguma das nulidades invocadas, elas teriam que ser suscitadas perante o tribunal que as proferiu e não perante este tribunal. Além do mais, esta questão é suscitada pela primeira vez perante este tribunal superior, o que sempre conduziria a que não pudesse o mesmo pronunciar-se sobre a mesma pois, como é sabido, os tribunais superiores procedem à reponderação das decisões recorridas, não podendo pronunciar-se sobre questões novas.

A questão seguinte suscitada pela apelante prende-se com a impugnação da decisão de facto.
Entende a apelante que o tribunal dá como provado e não provado o mesmo facto, constante do ponto 13 e alínea a).
Ora, a verdade é que, pese embora uma deficiente redação da alínea a) dos factos não provados, não há contradição entre os mesmos.
Está provado que “A progenitora vinha periodicamente a Portugal visitar a família quando residia em ...”. O que não se provou é que se fizesse acompanhar da menor, nessas visitas.

Daí que a alínea a) dos factos não provados deverá passar a ter a seguinte redação:
“Quando a progenitora vinha periodicamente a Portugal visitar a família, trazia a menor consigo”.
Já quanto à alínea i) dos factos não provados, tem razão a apelante.
Está provado que “A menor DD consegue expressar-se com facilidade em Português”, com base no depoimento da sua educadora que todos os dias lida com a menor na escola, em português e que, perguntada expressamente, refere que ela só fala em português e que percebe o ..., mas se lhe fala em ..., responde em português, o que, evidencia a preferência pelo português e o seu maior domínio por parte da menor, o que, aliás, se compagina com as regras da experiência e do normal acontecer, pois a menor sempre viveu com a mãe, portuguesa (mesmo em ..., tendo deixado de viver com o pai quando tinha apenas três anos- nasceu em ../../2019 e em ../../2022 os pais separaram-se e a menor ficou a residir com a mãe, apesar de ter um regime de visitas quinzenal, ao fim de semana, com o pai) e, desde ../../2023, passou a residir em Portugal, sendo os seus familiares e pessoas próximas, todos portugueses e, obviamente, falando em português, tal como na escola e em todos os locais frequentados pela menor. Daí que, considerando o depoimento da sua professora e as regras da normalidade associadas à idade da menor, ao momento em que começou a falar e ao decurso do tempo vivido em Portugal e com portugueses, deverá ser eliminada a línea i) dos factos não provados e alterada a redação do ponto 28 dos factos provados que passará a ser a seguinte:
“A menor DD consegue expressar-se com maior facilidade em Português do que em ...”
           
Ainda no capítulo da impugnação da decisão de facto, pretende a apelante que sejam aditados factos que considera que ficaram provados e que são determinantes para a alteração da decisão que peticiona.

Vejamos.

Os factos cujo aditamento se pretende são os seguintes:
“A progenitora não tem disponibilidade para acompanhar a filha para ...”
“Seja qual for a figura de vinculação, separar a criança da cuidadora terá um impacto brutal, a criança terá de compor o luto e terá uma regressão no seu desenvolvimento”
“Se a criança tiver o mesmo tratamento em ... em termos emocionais não irá resultar da mesma forma que resultou em Portugal”

Relativamente ao primeiro facto, baseia-se a apelante apenas na resposta negativa que deu em audiência, quando foi perguntada acerca da disponibilidade de acompanhar a filha em ....
Salvo o devido respeito, tal não se afigura suficiente para dar tal facto como provado, assente, até, que a apelante já viveu em ..., aí trabalhando no âmbito de uma comissão de serviço pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, Instituto ..., dando aulas de português, ou seja, exercendo atividade própria das suas habilitações. A vontade de regressar é diferente, mas nada se provou quanto à disponibilidade.
Já os restantes factos, são conclusivos e, como tal, não devem constar da matéria de facto.
Não há dúvida, que o que aí vem referido resultou do depoimento das testemunhas ouvidas em julgamento, designadamente, a pedopsiquiatra, a terapeuta da fala e a terapeuta ocupacional que, como técnicas das áreas sobre as quais se pronunciaram, emitiram a sua opinião, no sentido do impacto negativo para a menor da separação, nesta fase, da sua mãe, sua figura cuidadora e afetiva de referência, bem como salientaram como tal poderia trazer uma regressão no desenvolvimento da menor, que todas atestaram como sendo significativo, desde que se encontra em Portugal, por comparação com o estado em que se encontrava na altura em que começaram a lidar com a menor. No mesmo sentido, aliás, vão os depoimentos da educadora e da médica de família.
Contudo, conforme já se salientou, tal matéria é conclusiva, estando os factos que a suportam já insertos na matéria de facto provada – factos n.ºs 5, 6, 7, 10, 15, 18, 19 e 22 a 30.
Nenhum facto, portanto, há que aditar.

A questão verdadeiramente importante que aqui importa dirimir é a de saber se a decisão de regresso da criança a ... proferida pelo tribunal de 1.ª instância se deve manter ou se, pelo contrário, deve ser recusado o seu regresso.
Nos presentes autos, ao abrigo do disposto na Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia em 25/10/1980, ratificada por Portugal através do Decreto do Governo n.º 33/83, de 11/05 e ao abrigo do Regulamento (UE) 2019/1111 do Conselho de 25 de junho de 2019 relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças (Bruxelas II Ter), considerou-se ter existido uma deslocação ilícita de menor para Portugal, promovida pela sua mãe e sem o conhecimento ou autorização do pai.
Em primeiro lugar deve dizer-se que não há dúvida que, neste caso, ocorreu a deslocação ilícita da menor DD, uma vez que foi violado o direito de guarda conferido por decisão judicial proferida em ... que era o país onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação – veja-se o artigo 3.º, alínea a) da Convenção de Haia de 1980, conjugadamente com o artigo 2.º, n.º 11 do Regulamento (UE) 2019/1111, artigo este que define, para efeitos do presente Regulamento, o que deve considerar-se “deslocação ou retenção ilícita”, face à violação do direito de guarda conferido por decisão judicial, bem como com o n.º 9 do mesmo artigo (quanto ao direito de guarda), daí derivando que a guarda é exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode, por força de uma decisão ou atribuição de pleno direito, decidir sobre o local de residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade parental
Esta deslocação ilícita é, aliás, reconhecida pela apelante, pese embora tivesse sido julgado improcedente o pedido do progenitor de proibição de saída da menor do território ..., na sentença que regulou as responsabilidades parentais em 17/03/2023, o que, num primeiro momento, permitiu à progenitora sair com a sua filha de ....
Nem sequer está aqui em causa a última decisão relativa às responsabilidades parentais proferida pelo Tribunal ..., em dezembro de 2023, ou seja, em data posterior à vinda da menor para Portugal, decisão essa proferida sem audição da mãe da menor e que fixou a residência habitual da criança junto do pai.
Isto porque, em decisões anteriores, datadas de dezembro de 2022 e ../../2023, o Tribunal ..., apesar de ter fixado a residência habitual da menor junto da mãe, na casa desta, esclareceu que o poder paternal em relação à menor DD era exercido em conjunto pelos pais, cabendo-lhes direitos e deveres iguais em relação à filha, designadamente, devendo tomar juntos as decisões quanto à mudança de residência da menor, estabelecendo um regime de visitas e lembrando que qualquer mudança de residência de um dos progenitores deve ser objeto de informação prévia e atempada ao outro progenitor e que, em caso de falta de acordo, o progenitor mais diligente deve recorrer ao Juiz de Família que decidirá de acordo com os interesses da menor. Na última destas decisões está expressamente referido que “a autoridade parental referente à menor DD é exercida conjuntamente por ambos os progenitores”.
Não está aqui em causa, também, a questão do mérito relativo à regulação das responsabilidades parentais.
A questão do direito de custódia e da deslocação ilícita estão suficientemente explanadas na sentença recorrida e não estão em causa nos presentes autos, pois todos concordam que existiu de facto uma deslocação ilícita da menor para Portugal, motivo pelo qual nos dispensamos de repetir argumentos a este respeito.
Tanto a Convenção de Haia como o Regulamento (UE) n.º 2019/1111, têm em conta os interesses da criança, visando proteger a mesma no plano internacional dos efeitos prejudiciais resultantes de uma mudança de domicílio ou de uma retenção ilícita, estabelecendo as formas que garantam o regresso mais rápido possível da criança ao Estado da sua residência habitual.
A questão que importa dirimir nos autos é a de saber se, apesar da menor ter sido ilicitamente deslocada, há motivos para recusar o regresso da criança ao país de origem.
Veja-se o Acórdão do STJ de 05/11/2009, processo nº 1735/06.OTMPRT.S1 (Maria dos Prazeres Beleza), in www.dgsi.pt, onde se pode ler: “Estando assente a ilicitude da retenção, os tribunais têm de determinar a entrega imediata da criança, sem que possam discutir a bondade da solução, salvo se ocorrerem as circunstâncias ponderosas que a Convenção da Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25 de Outubro de 1980, aprovada pelo Decreto nº 22/83 de 11 de Maio e o referido Regulamento consideram aptas a fundamentar uma decisão de recusa”.
De acordo com o artigo 12º da Convenção de Haia: “Quando uma criança tenha sido ilicitamente transferida ou retida e tiver decorrido um período de menos de um ano entre a data da deslocação ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respetiva deverá ordenar o regresso imediato da criança”.
Porém refere também este artigo que “A autoridade judicial ou administrativa respetiva, mesmo após a expiração do período de 1 ano referido no parágrafo anterior, deve ordenar também o regresso da criança, salvo se for provado que a criança já se encontra integrada no seu novo ambiente”.
Em primeiro lugar, devemos considerar a problema do decurso do tempo.
Verifica-se que, no caso dos autos, a progenitora veio com a menor e os dois filhos maiores para Portugal, em ../../2023, comunicando ao progenitor que se deslocava em férias e só em junho de 2023 comunicou ao progenitor que iria ficar a residir em Portugal com a menor.
Ora, se é certo que só em junho de 2023, a progenitora comunicou que iria ficar a viver em Portugal com a menor, a verdade é que já cá se encontravam desde março, ou seja, haviam já decorrido três meses fora da residência habitual e sem que o progenitor pudesse exercer o seu direito de visita e exercer, em conjunto com a progenitora, o poder paternal sobre a menor. Daí que não possa ficcionar-se que só a partir de junho é que ocorre a deslocação ilícita, uma vez que já desde ../../2023 que a menor se encontrava a residir em Portugal e, conforme decorre do pedido efetuado pelo progenitor à Autoridade Central ..., “desde ../../2023 que não vê a filha e que não autorizou a deslocação para Portugal”.
Só em 27/03/2024 a DGAJ remete ao Ministério Público o pedido do progenitor a solicitar o regresso da sua filha, resultando dos documentos juntos que tal pedido – Requerimento para o restabelecimento da guarda de menores - foi efetuado em ... no dia 02/02/2024 (cfr. fls 20 a 22 dos autos) e a autoridade central desse país comunicou o mesmo à DGAJ a 01/03/2024 (fls. 42 dos autos).
Como se vê, os prazos estão no limite do ano previsto no artigo 12.º da Convenção de Haia, devendo considerar-se, atendendo ao superior interesse da criança que, como já vimos, está subjacente à convenção e ao Regulamento, que deve atender-se à exceção prevista no 2.º § do artigo 12.º, ou seja, que o regresso da criança não deve ocorrer quando se prove que esta já se encontra integrada no seu novo ambiente.
Quando está em causa o superior interesse da criança, não pode decidir-se de uma forma ou de outra, apenas porque o prazo de um ano foi cumprido por escassos dias ou semanas, até.
Isto porque entendemos que o fim geral visado com esta legislação relativa aos aspetos civis do rapto internacional de crianças não pode sobrepor-se ao interesse da própria criança na situação em concreto que estiver a ser analisada – ver neste sentido o Acórdão do STJ de 15/02/2022, processo n.º 687/16.2T8TMR-H.E1.S1, in www.dgsi.pt.
Veja-se, a este propósito o Acórdão da Relação do Porto de 13/01/2022, processo n.º 1528/20.1T8AVR-A.P1, in www.dgsi.pt: “Nem oferece duvidas que o reconhecimento de que existe uma situação de retenção ilícita de criança, determina o regresso imediato da mesma ao país de origem nos termos da Convenção e conforme o rito processual urgente definido no diploma, não estando em causa qualquer juízo prévio sobre a forma do exercício das responsabilidades parentais. Trata-se da mera reposição do estado anterior ao ato ilícito praticado por um dos progenitores, por outra palavras da reposição da licitude.
Considerando porém, que está envolvida na situação ilicitamente criada, uma criança e que pode haver risco grave para esta, de ficar sujeita a perigo quer de ordem psíquica quer de ordem física, no seu regresso, podendo ainda este constituir uma situação intolerável para a mesma, criou a Convenção a válvula de segurança consagrada no artigo 13º alínea b) e bem assim a prevista no artigo 12º facultando ao progenitor requerido a prova de factos que substanciem esta situação excecional.
Aqui, cabe referir que o TEUDH no acórdão proferido pela 1.ª Secção, no processo Phostira Efthymiou e Ribeiro Fernandes c. Portugal (processo n.º 66775/11), a 5 de Fevereiro de 2015 apud “o Rapto de Crianças no Plano Internacional- Alguns Aspetos, Rui Moura Ramos Revista de Legislação e Jurisprudência ano 144 nº 3992 pg 381-406” decidiu que a Convenção de Haia deve ser aplicada de acordo com os princípios de direito internacional, em particular os relativos à proteção internacional dos direitos do homem; e, no que respeita mais precisamente às obrigações positivas que o artigo 8.º nº 2 da Convenção Europeia.
Este entendimento faz pesar sobre os Estados contratantes em matéria de reunião de um progenitor e dos seus filhos, que eles se devem interpretar à luz da Convenção da Haia mas também da Convenção dos Direitos da Criança de 20 de Novembro de 1989 “
Neste aresto aponta-se como linhas a seguir a definição do justo equilíbrio que deve existir entre os interesses concorrentes dos progenitores, da ordem publica e os interesses da criança, sendo que a prevalência é a do «interesse superior da criança.»
O regime normativo do principio da Convenção determinante do regresso imediato da criança ao país de origem identifica este interesse com restabelecimento imediato do “status quo” anterior à situação ilícita. E é fora de duvida que o seu objeto é conforme o artigo 1º: “ a) Assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente; b) Fazer respeitar de maneira efetiva nos outros Estados Contratantes os direitos de custódia e de visita existentes num Estado Contratante.”
No entanto, a própria Convenção salvaguarda que este retorno não é automático ou mecânico sendo de afastar fundamentação estereotipada.
O superior interesse da criança deve ser ponderado de forma substanciada e à luz das exceções previstas nos artigos 12º e 13º, as quais implicam “o exame da situação familiar no seu conjunto, e de elementos de ordem factual, afetiva, psicológica, material e médica com a preocupação de determinar qual é a melhor solução para a criança no contexto de um pedido de regresso ao país de origem” apud o Rapto de Crianças no Plano Internacional- Alguns Aspetos, Rui Moura Ramos Revista de Legislação e Jurisprudência ano 144 nº 3992 pg 381-406.”
No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do STJ de 13/09/2022, processo n.º 20/22.4T8VVC-A.E1.S1, in www.dgsi.pt: “Tais considerandos encontram, de resto, tradução na previsão do artigo 20.º da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças e estão em perfeita consonância com instrumentos internacionais como a Convenção sobre os Direitos da Criança Adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990, cujo artigo 3.º n.º 1 estipula que “Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.”
Ora, atendo-nos aos factos provados, não há dúvida que a menor se encontra perfeitamente integrada no seu novo ambiente.
De acordo com o relatório subscrito pela educadora da Escola Básica ..., a menor está aí matriculada desde ../../2023, frequentando o Jardim .... Tinha 4 anos acabados de fazer quando começou a frequentar a escola portuguesa, e o relatório evidencia, sem sombra de dúvidas, a evolução e o desenvolvimento da menor, potenciado pelo acompanhamento pelas terapeutas da fala e ocupacionais, por pedopsiquiatra, bem como o apoio da família e a intervenção pedagógica da escola. O Relatório está nos autos e fala por si, parecendo desnecessário estar a transcrevê-lo, apenas se deixando ficar aqui uma frase, que diz muito acerca da conclusão sobre a sua plena integração no novo ambiente (por contraponto, até, aos inúmeros problemas que manifestava aquando da sua chegada a Portugal): “Fala constantemente dos animais que tem em casa e da família próxima, refere-se aos irmãos, à sua mãe e também ao pai, com quem fala através do telemóvel, de forma saudável (…) a família materna é solícita, presente e muito cuidadosa com a criança. Apresenta uma boa relação afetiva com os seus irmãos, seus padrinhos (de 21 e 23 anos), quando a vêm buscar à escola.”
Do que fica dito resulta o nosso entendimento de que deve ser recusado o regresso da menor DD a ..., considerando que a mesma se encontra perfeitamente integrada no seu ambiente em Portugal, vivendo com a mãe, com quem sempre viveu e que é a sua figura cuidadora e afetiva de referência (recorde-se que, após a separação dos pais, a menor, ainda em ..., ficou a viver com a mãe) e com os irmãos, considerando a sua idade, o facto de estar em Portugal desde ../../2023 e, sobretudo que, conjugada toda a prova que foi possível reunir, esta é a solução que melhor acautela o seu superior interesse, nos termos já por nós definidos.
Contudo, e como já vimos, a Convenção de Haia prevê, também, no seu artigo 13.º exceções que devem ser ponderadas, no sentido de não ser ordenado o regresso da criança, delas se destacando a contida na sua alínea b):
 “Sem prejuízo das disposições contidas no Artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o regresso da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se opuser ao seu regresso provar:
b) Que existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável.
Ora, da prova reunida, resulta, sem margem para dúvida, que o regresso da menor a ..., interrompendo toda a evolução positiva a que vinha sendo sujeita, implicará um retrocesso no desenvolvimento emocional e comportamental da menor que, não esqueçamos, sofre de perturbação do espectro do Autismo – Síndrome de Asperger – com as inerentes dificuldades com as interações sociais, relacionando-se a ansiedade neste tipo de doentes com a preocupação com a interrupção de rotinas e rituais.
Isto mesmo considerou o tribunal recorrido na sentença ora em apreciação:
“Está demonstrada nos autos a forte ligação afetiva da menor com a progenitora e mesmo com os irmãos, com quem reside, e que a menor, desde que passou a estar em Guimarães, evidencia uma evolução comportamental francamente positiva, decorrente do acompanhamento médico, psicológico, terapêutico e escolar de que tem beneficiado, tendo passado de uma situação em que apresentava agitação permanente, perda de controlo com gritos e histeria constantes, fazia as refeições com as mãos, evidenciava insociabilidade com outras crianças e choro constante (cf. ponto 22) para uma situação em que se mostra reequilibrada, deixou de evidenciar agitação permanente, perda de controlo com gritos e histeria constantes, de fazer as refeições com as mãos, insociabilidade com outras crianças e choro constante (cf. ponto 25).
Está, igualmente, provado que a manutenção da situação atual e o desenvolvimento da menor DD, incluindo o planeamento motor e a coordenação motora global, carece da manutenção de acompanhamento da menor por médico pedopsiquiatra, psicólogo, frequência de terapia da fala e ocupacional e frequência de aulas de dança (cf. ponto 29).
Considerando o circunstancialismo referido, tem-se como muito provável que a alteração do centro de vida da criança para junto do progenitor, com a inerente privação de contacto com a progenitora, que é a sua figura afetiva de referência, e mudança dos profissionais e das pessoas com quem tem vindo a conviver, importe comprometimento da evolução referida e da sua estabilidade emocional”.
Apesar disso, o tribunal concluiu que “tal probabilidade não integra a situação de risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica ou, de qualquer modo, ficar numa situação intolerável, a que se refere o artigo 13.º, alínea b) da Convenção, não tendo a intensidade bastante, tanto mais que se assume que a menor beneficiará dos cuidados de que tem beneficiado em Guimarães e que se mostram adequados a mitigar fortemente os efeitos nocivos acima mencionados”
Não podemos concordar com esta conclusão.
Para além do facto, assinalado na decisão recorrida, de o ... se ter por um Estado de Direito, dotado de um sistema de promoção e proteção dos interesses dos menores, a conclusão supra referida apenas se suporta em facto que não ficou provado nos autos, qual seja, o de que o pai é pessoa competente na prestação de cuidados de que a menor necessite “não existindo elementos nos autos que comprometam tal juízo”.
É verdade que a progenitora não logrou provar a matéria por si alegada relativa a violência doméstica e danos psicológicos por si sofridos em consequência do relacionamento com o progenitor, nem que a menor tenha sido sinalizada pela escola como estando em perigo em consequência do comportamento do progenitor. O que se sabe é que o tribunal ... teve que intervir para autorizar a mãe, “na ausência de autorização do Sr. AA”, a estabelecer acompanhamento médico por um pedopsiquiatra – facto provado n.º 3, alínea c) – e que o progenitor, tentando fazer prova da sua capacidade para acompanhar os problemas da menor, apenas juntou aos autos uma declaração de um médico de medicina geral, especializado em gerontologia (!) afirmando que a menor poderia ser seguida no seu consultório e um outro documento do mesmo médico, receitando terapia da fala e reeducação, se necessário.
O que pode concluir-se é que o progenitor ou não está ciente da verdadeira condição de saúde de que padece a sua filha, ou não está interessado em ajudá-la a superar tal condição.
Tudo ao contrário do que sempre fez a progenitora.
A alegação do progenitor e a junção dos documentos de consultório médico a que acima fizemos referência, não é suficiente, de forma alguma, para integrar a disposição do artigo 27.º, n.º 3 do Regulamento 2019/1111. Aí se diz: “Se um tribunal ponderar recusar o regresso de uma criança apenas com base no artigo 13.º, primeiro parágrafo, alínea b) da Convenção de Haia de 1980, não pode recusar o regresso da criança se a parte que pretende o regresso da criança der garantias ao tribunal, apresentando meios de prova suficientes, ou se o tribunal tiver de outro qualquer modo essa convicção, de que foram tomadas providências adequadas para garantir a proteção da criança após o seu regresso”. Obviamente que o facto de a ... ser um Estado de Direito com sistema de promoção e proteção dos interesses dos menores, conjugado com os dois documentos juntos pelo progenitor, em como a menor poderá ser seguida num consultório médico e poderá ser agendada terapia da fala, não podem ser considerados meios de prova suficientes de que foram tomadas todas as providências adequadas para garantir a proteção da criança, no sentido de este Tribunal não poder recusar o regresso da criança.
Daí que, ao contrário da conclusão a que chegou o Sr. Juiz que proferiu a decisão recorrida, entendemos que existe um risco grave de a criança, no seu regresso a ..., ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável, o que, conjugado com o facto de se encontrar totalmente integrada no seu novo ambiente em Portugal (artigos 12.º § 2 e 13.º, alínea b) da Convenção), determina que se recuse o regresso da criança a ....
A interpretação restritiva das exceções constantes da Convenção, efetuada na sentença recorrida, representa a negação ou pelo menos a desconsideração da relevância do superior interesse da criança na interpretação da Convenção de Haia de 1980 sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças e na aplicação das normas nela contidas, não podendo nesta sede ser acolhida.
Num caso próximo do destes autos, mas em que nem sequer está em causa um menor com a patologia de que sofre a pequena DD e com os contornos já supra elencados, decidiu o STJ, num Acórdão já atrás citado, datado de 13/09/2022:
“Impor o regresso de uma criança de três anos a ... e entregá-la aos exclusivos cuidados do pai num quadro em que se afigura – inequivocamente face aos factos apurados – que ela mantêm com a mãe e com uma irmã, com ela residentes em Portugal, um relacionamento de proximidade e afetividade mais intenso e propício a um mais salutar desenvolvimento da sua personalidade, seria uma medida claramente mais prejudicial à criança do que a sua permanência em Portugal com a progenitora responsável pela sua deslocação desde o Estado em que ela nasceu e mantinha residência (…) Acompanhando a declaração de voto exarada no acórdão recorrido, não pode deixar de se considerar que a determinação do regresso da criança AA a ... e a sua entrega ao pai criaria para ela um grave risco de vivência de uma situação – para ela certamente difícil de compreender – de injustificada privação por período indefinido e sem alternância, de contacto de proximidade e acompanhamento permanente pela sua progenitora de que sempre tem beneficiado na sua curta existência”
Tudo para concluir que não corresponde ao superior interesse da menor, fazê-la regressar a ..., retirá-la de Portugal, onde tem uma vida emocionalmente estável, junto das pessoas que são (e sempre foram) as suas figuras afetivas de referência, completamente inserida na família, na escola, com os colegas, com os cuidadores e profissionais que a ajudam a tornar-se uma pessoa inserida e emocionalmente estável, com todas as condições para um desenvolvimento sadio, pese embora a patologia de que sofre.
Face a tudo o que fica dito, tem-se por justificada, ao abrigo do artigo 13.º, alínea b) da Convenção de Haia de 1980, a recusa do requerido imediato regresso a ... da menor DD.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte em que determinou o regresso imediato da menor a ..., para junto do progenitor, recusando ordenar tal regresso ao abrigo do disposto no artigo 13.º alínea b) da Convenção de Haia de 1980 sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, devendo ser cancelados todos os procedimentos de operacionalização do regresso que haviam sido determinados, designadamente, junto da Autoridade Central Portuguesa (Direção Geral da Administração da Justiça), da Segurança Social e do Sistema de Informação Schengen.
Custas pelo apelado e pela apelante, na proporção de 2/3 e de 1/3, respetivamente, atento o decaimento.

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Diligências necessárias, designadamente, as constantes do artigo 29.º do Regulamento (UE) 2019/1111 do Conselho, de 25 de junho de 2019.
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Guimarães, 26 de setembro de 2024

Ana Cristina Duarte
António Beça Pereira
Carla Maria da Silva Sousa Oliveira