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EMPREITADA
DEFEITOS DA OBRA
EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
Sumário
I - A nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão refere-se a um vício real, lógico, no raciocínio do julgador, não se confundindo com o erro de subsunção dos factos à norma jurídica ou com o erro na interpretação desta. II - A exceção de não cumprimento do contrato só pode ser exercida pelo dono de obra se este tiver denunciado os defeitos daquela e exigido a sua eliminação junto do empreiteiro e/ou se deduzir reconvenção pedindo a condenação do empreiteiro a suprir os vícios, sob pena de subversão da regulamentação exaustiva estabelecida no contrato de empreitada.
Texto Integral
Proc. 9894/23.0YIPRT.P1
Sumário
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Relatora: Teresa Fonseca
1.ª adjunta: Anabela Morais
2.º adjunto: Miguel Baldaia de Morais
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
“A..., Lda.” apresentou requerimento de injunção contra AA.
Alegou:
- que no exercício da sua atividade foi contactada pelo R. para realizar obras de recuperação de um imóvel, tendo executado o acordado;
- que solicitou ao R. o pagamento em falta, pagamento que este omitiu, pelo que deve ser condenado no pagamento de €6.150,00 referentes à contrapartida em falta, €180,00 a título de juros de mora vencidos e € 250,00 por correlação com à taxa de justiça paga e outras quantias, a que acrescerá a quantia de juros que sobre o capital se vencer às sucessivas taxas legais em vigor até integral pagamento.
O R. deduziu oposição, alegando que a A. abandonou a obra sem a concluir e que os trabalhos que executou apresentam defeitos. Conclui que nada deve à A..
Transmutada a injunção em ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, em resposta a A. veio dizer que a obra foi concluída e que não foi denunciado qualquer defeito.
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Realizou-se audiência de discussão e julgamento, tendo a ação sido julgada totalmente improcedente, com a absolvição do R. do pedido.
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Inconformada, a A. interpôs o presente recurso, que finalizou com as conclusões que em seguida se transcrevem.
1- O tribunal andou mal ao considerar como provados os pontos 8) e 10) e ao dar como não provado o ponto 1) da matéria de facto, sendo impugnados, por não provados e provados, e distante da realidade comum e jurídica na fundamentação de facto e de direito.
2- O ponto 8) dos factos provados deve ser considerado não provado, tendo em conta o depoimento do legal representante da requerente; depoimento do requerido; da testemunha BB; da testemunha CC e ainda conforme resulta da prova documental junta aos autos.
3- O ponto 10) dos factos provados deve ser considerado não provado, com base no depoimento da testemunha CC e a prova documental junta aos autos.
4- O ponto 1) dos factos não provados deve ser dado como provado, tendo em conta o depoimento do legal representante da requerente e o depoimento do requerido.
5- Não obstante a análise do mérito, os fundamentos de facto invocados deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão, sendo uma causa de nulidade de sentença nos termos do artigo 615.º n.º 1 alínea c) do CPC.
6. O requerido não denunciou os defeitos e não exigiu que os mesmo fossem eliminados (como exige a lei nos termos do artigo 1220.º e ss. do CC), não podendo ser aplicável o artigo 428.º do CC.
Termos em que, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., Exmos. Desembargadores, deve ser dado inteiro provimento ao presente recurso, e consequentemente, procedência ao pedido deduzido na ação especial, condenando o requerido a pagar à requerente o valor peticionado, acrescidos de juros moratórios desde o dia 03.10.2022 até integral pagamento.
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A A. contra-alegou, rematando nos moldes seguintes:
1. Sumariamente, a Recorrente recorre da sentença proferida pelo Tribunal a quo, em toda a sua extensão, apelando à condenação do Recorrido, nos precisos termos inicialmente peticionados.
2. Apresenta a sua versão dos factos, fazendo tábua-rasa de toda a prova produzida, não só a documental como a testemunhal e ainda do que foi confessado pela Recorrente, culminando na total indiferença face ao que foi apurado in loco pelo próprio Tribunal, na visita inspetiva que fez à obra e onde decorreu a segunda sessão da Audiência Final, em 24.10.2023.
3. Quanto à matéria de facto provada que a Recorrente quer ver dada como não provada, surgem os factos provados 8 e 10, conquanto que quanto ao facto provado 8, nada refere relativamente à alínea f), dando-se a mesma por confessada e, só por aqui haver-se-á por concluir pelo incumprimento contratual ora em crise.
4. Assim, bem andou o Tribunal a quo, ao dar como provados os factos supramencionados, porquanto prova bastante foi feita e produzida nesse mesmo sentido.
5. Desde logo, as imagens juntas com a Oposição à Injunção, o Doc. 2 junto com Requerimento (não só o Relatório, mas também os elementos fotográficos que o acompanham) apresentado pelo Recorrido aos Autos em 25.05.2023, o próprio orçamento junto com o Requerimento da Recorrente em 19.06.2023 e ainda o Doc. 1 do Requerimento carreado para os Autos pela Recorrente e datado de 23.10.2023 que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais tidos por convenientes.
6. Todavia, não fosse esta prova documental bastante e já por si suficiente, a própria Sentença contém em si imagens extraídas pelo próprio Tribunal na diligência realizada em 24.10.2023 (Audiência Final no local) reveladoras das anomalias/defeitos/incumprimentos.
7. Sem prescindir nem transigir, a verdade é que a Recorrente não contestou nem recorreu dos factos dados como provados 5, 9, 11 e 12 que, por si só, são probatórios e inequívocos não apenas daquilo que foi contratado como do incumprimento contratual protagonizado pela Recorrente.
8. Ademais, cumpre ainda referir e salientar depoimentos realizados em sede de Audiência Final, nomeadamente os das testemunhas, BB, CC, DD, mas também e, principalmente as declarações de parte de EE, legal representante da Recorrente.
9. E assim naufraga a pretensão da Recorrente, atento que aceita o vertido no orçamento e prova bastante sobeja de que o contratado não foi integralmente e/ou corretamente cumprido.
10. Pelo que, desde já se requer, mui respeitosamente a V. Exas dignem proceder em conformidade e dar integralmente por provado os factos 8 e 10 dos factos dados como pelo Tribunal a quo, com as integrais redações, por este último, encerradas.
11. Quanto à matéria de facto não provada que a recorrente quer ver dada como provada, pretende a Recorrente, a final, dar como provado ter instado o Réu extrajudicialmente ao pagamento.
12. Como resulta da prova junta aos Autos em sede de Audiência Final de 20.10.2023, resultou provado que a missiva postal registada que a Recorrente alega ter enviada sob registo RH ...04 ...68 9 PT não foi sequer enviada, e a missiva postal registada enviada sob registo RL ...81 ...53 3 PT foi devolvida.
13. Portanto, bem andou o Tribunal ao decidir como decidiu, dando por não provado o facto 1 dos Factos não provados.
14. Desta feita, deverão os Venerandos Desembargadores manter como não provado o facto 1 mantendo-se a sua redação nos precisos termos que o Tribunal a quo encerrou, o que desde já, mui respeitosamente, se requer.
Isto posto,
15. Como a própria Recorrente afirma, foi celebrado um contrato de empreitada.
16. Trabalhos houve que não foram concluídos, nomeadamente os que resultaram provado nos factos provados 8 e 10 (de que a Recorrente recorreu) mas também os 9, 11 e 12 (estes últimos aceites pelas Recorrente por não contestados nem recorridos).
17. Nos termos do número 2 do artigo 1211º do CC o preço deve ser pago no ato da aceitação da obra, pelo que, não tendo a Recorrente entregue a obra ao Recorrido, o momento só pode ser cristalizado com a citação do Réu para a presente ação.
18. E, nessa decorrência, o Réu (agora Recorrido), alegou e provou a exceção do não cumprimento contratual, nos termos do 428º do CC – quando instado pela Recorrente ao pagamento, o Recorrido denunciou os defeitos.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exas doutamente suprirão, deverá a Apelação ser totalmente improcedente por não provado e a Resposta à mesma consequentemente considerada procedente por provada, mantendo a Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” nos precisos termos aqui peticionados.
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II - Questões a dirimir
a - da nulidade da sentença por os fundamentos estarem em contradição com a decisão;
b - da reapreciação da matéria de facto: dos pontos 8 e 10 dos factos assentes e do ponto 1 dos factos não assentes;
c - se a decisão de improcedência deve ser mantida por se verificar a existência de factos subsumíveis à exceção de incumprimento do contrato.
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III - Fundamentação de facto
A. Factos Provados
1. A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, que se dedica à construção e reparação de edifícios residenciais, indústria de construção civil, empreitadas de obras e compra e venda de imóveis.
2. O Requerido é uma pessoa singular.
3. No dia 6 de novembro de 2021, a Requerente e o Requerido acordaram a execução de uma obra na Rua ..., ..., Marco de Canaveses.
4. Nessa mesma data o Requerido assinou o orçamento n.º 483, onde consta que a obra será realizada no n.º ... da Rua ...,
5. E vêm descritos os seguintes trabalhos a realizar: conforme combinado, acabar todo o interior da casa, pavimentos em tijoleira, r/chão e primeiro andar, este material já existe na obra, bem como todas as louças de casa de banho, a casa tem que ficar totalmente acabada, exceto alumínios, carpintarias, grades interiores, escadaria interior, móveis de cozinha, banca, mostradora, tampo e qualquer eletrodoméstico. Pôr os caleiros exteriores
6. No dia 5.11.2021, com data de vencimento a 5.11.2021, foi emitida a fatura n.º 2022/59 (referente à adjudicação do orçamento n.º 483), no valor de €6.150,00, que foi paga.
7. No dia 29.09.2022, com data de vencimento a 29.09.2022, foi emitida a fatura n.º 2022/66 (referente ao fim dos trabalhos do orçamento n.º 483), no valor de € 6.150,00, que não foi paga.
8. Na obra não foram feitos os seguintes trabalhos:
a) Instalação do ar condicionado;
b) Colocação dos azulejos no pavimento do sótão;
c) Instalação da chaminé da lareira;
d) Instalação do depósito de água quente;
e) Instalação de equipamento e louças na casa de banho;
f) Terminar os rodapés;
g) Terminar a canalização;
i) Terminar a cobertura de refratário da chaminé da lareira;
j) Fazer o acabamento do piso entre a sala e a cozinha;
9. Por outro lado, os interruptores instalados nas paredes encontram-se soltos.
10. A pintura das divisões foi realizada apenas com uma demão não tendo sido feita a devida impermeabilização, apresentando imperfeições ao longo de toda a extensão pintada.
11. A massa das juntas encontra-se em várias tonalidades ao longo do piso e entre as várias divisões do imóvel.
12. Nas paredes interiores, em pedra, foi colocada massa de juntas em tom ocre amarelado.
B. Factos não provados
1. O réu foi instado extrajudicialmente (em 3.10.2022 e 17.11.2022) para pagar o valor de € 6.150,00 da fatura n.º 2022/66, de 29.09.2022.
2. Para fazer o acabamento do piso entre a sala e a cozinha, o Requerido liquidou, a mais, em dinheiro, a quantia pecuniária de €500,00 que entregou em março de 2022 ao Sr. FF (estucador que se encontrava ao serviço da Requerente)
3. A cor da massa de juntas colocada nas paredes interiores, em pedra, não corresponde ao acordado.
4. Na obra não foram instalados os móveis e armários da cozinha.
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IV - Fundamentação jurídica
a - Da nulidade da sentença por contradição entre os factos dados como assentes e o sentido da decisão
Segundo a recorrente, os fundamentos de facto invocados conduzem logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão, pelo que a sentença padece de nulidade nos termos do art.º 615.º/1/c) do C.P.C..
Nos termos do disposto no art.º 615.º/1/c do C.P.C. é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
O vício apontado não se refere a oposição entre os fundamentos e a decisão. A A. insurge-se, isso sim, por um lado, contra a matéria apurada - existirá erro de julgamento de facto correspondente a uma distorção da realidade factual - e, por outro lado, contra o sentido da decisão proferida em 1.ª instância - estará neste caso em causa erro de direito, correspondente à aplicação inadequada da realidade normativa.
Lê-se no ac. do S.T.J, de 3-3-2021 (proc. 3157/17.8T8VFX.L1.S1, Leonor Cruz Rodrigues): há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual - nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma - ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma»).
As imputações efetuadas à sentença não consubstanciam a arguida nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão, antes visando a recorrente pôr em crise o conteúdo do juízo efetuado.
Assim, indefere-se a arguida nulidade.
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b - Da reapreciação da matéria de facto
A recorrente insurge-se contra o teor do ponto 8 dos factos assentes.
Recordemos o seu exato teor:
8. Na obra não foram feitos os seguintes trabalhos:
a) Instalação do ar condicionado;
b) Colocação dos azulejos no pavimento do sótão;
c) Instalação da chaminé da lareira;
d) Instalação do depósito de água quente;
e) Instalação de equipamento e louças na casa de banho;
f) Terminar os rodapés;
g) Terminar a canalização;
i) Terminar a cobertura de refratário da chaminé da lareira;
j) Fazer o acabamento do piso entre a sala e a cozinha;
O facto sob apreciação pressupõe que a realização dos trabalhos elencados havia sido acordada entre as partes.
Neste conspecto, está provado (ponto 5 dos factos assentes) que em 6-11-2021 requerente e requerido acordaram a execução da obra em apreço, tendo o requerido assinado orçamento em que vêm descritos os seguintes trabalhos a realizar: conforme combinado, acabar todo o interior da casa, pavimentos em tijoleira, r/chão e primeiro andar, este material já existe na obra, bem como todas as louças de casa de banho, a casa tem que ficar totalmente acabada, exceto alumínios, carpintarias, grades interiores, escadaria interior, móveis de cozinha, banca, mostradora, tampo e qualquer eletrodoméstico. Pôr os caleiros exteriores.
Relativamente à instalação do ar condicionado (al. a), trata-se de trabalho que não consta do elenco orçamentado. O legal representante da recorrente, EE, referiu ter acedido à colocação por cortesia. Mais tarde declinou o pedido, invocando a proximidade da lareira. O próprio R. referiu que tal serviço estava acordado com uma outra empresa. Não se pode, pois, entender tratar-se de trabalho que não foi realizado, devendo tê-lo sido, pois ao mesmo não correspondia qualquer valor orçamentado.
No que tange à não colocação de azulejos no pavimento do sótão (al. b), o orçamento refere a colocação de tijoleira, cingindo-se ao r/c e ao 1.º andar, sendo, além do mais, do conhecimento geral que não é comum colocar azulejo no chão. Mesmo supondo que possa ter existido um lapso terminológico, a expressão vertida no orçamento pavimentos em tijoleira, r/chão e primeiro andar, este material já existe na obra é de molde a fazer crerque a colocação se cingiria aos dois pisos principais.
É certo que o orçamento menciona que deve ser acabado todo o interior de casa, mas, em seguida, especifica alguns trabalhos a realizar e outros que estão excluídos. Uma vez que se refere apenas a existência de tijoleira e de tijoleira para o rés-do-chão e para o 1.º andar, não é de acolher que devesse ter sido colocado azulejo no chão do sótão, como se tal viesse contemplado no contrato - o próprio relatório junto pelo requerido, elaborado pela empresa “B..., Lda.”, não se refere ao sótão. A alegação do R. - e o seu depoimento - no sentido de que também deveria ter sido colocada tijoleira no sótão não permite firmar a convicção de que existiu omissão por parte da A..
Merece, pois, também acolhimento esta pretensão da apelante no que se refere à matéria de facto.
Quanto à instalação de chaminé da lareira (al. c), ao terminar da cobertura de refratário da chaminé da lareira (al. i) e à instalação do depósito de água quente (al. d), tampouco se trata de tarefas que venham especificadas. Embora não se possa propriamente qualificar estes elementos - a chaminé e o depósito de água quente - como consistindo em eletrodomésticos, a verdade é que não se integram em qualquer um dos itens identificados.
Relativamente ao cilindro, a A. diz ter acedido à colocação, mas nunca o ter podido fazer, por o requerido não ter chegado a adquiri-lo. A testemunha GG aduziu existir um móvel para a colocação do cilindro - móvel feito ou adquirido pelo R. -, mas sem a dimensão adequada para o cilindro com as dimensões que se pretendia que viessem a ter, pelo que tampouco se entende que devam ser considerados trabalhos constantes da empreitada.
No que se refere à instalação de equipamento e louças na casa de banho (al. e), tal não consta especificamente do acordado e numa das imagens/fotografias da sentença vê-se pelo menos parte da louça sanitária colocada.
Quanto à al. g) (terminar a canalização), desconhece-se em que consiste essa finalização, sendo que, como é do conhecimento comum, as canalizações são prévias aos rebocos de paredes. Não tendo, ademais, sido produzida qualquer prova relevante a este respeito, há de ser dada razão à apelante.
No que respeita a terminar os rodapés (al. f), do conjunto da prova produzida o que parece estar em causa é a imperfeição dos remates e no tocante a fazer o acabamento do piso entre a sala e a cozinha (alínea j), uma vez que consta do orçamento que um dos trabalhos a realizar consistia em colocar o pavimento em tijoleira, é lógico que o acabamento deveria ter também lugar.
Do relatório carreado para os autos pelo requerido consta que as juntas têm diferentes cores e que há falta de remate entre a cerâmica e a caixilharia. A apelante considera que, ainda assim, tal matéria deve ser omitida porquanto tal situação se teria ficado a dever ao tempo de espaçamento da obra, ou seja, por esta não ter sido temporalmente corrida, o que seria imputável às ausências do R. no estrangeiro.
A verdade, porém, é que independentemente da origem das imperfeições, estas serão como ora descritas, pelo que se afigura como mais conforme à realidade dos factos fazer constar que as juntas têm diferentes cores e que há falta de remate entre a cerâmica e a caixilharia.
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Suprimem-se, por conseguinte, dos factos assentes as alíneas a), b), c), d), e), g) e i) do ponto 8, que passarão a ser tidos como não provados.
A alínea f) (terminar os rodapés) passará a ter o seguinte teor: os remates dos rodapés estão imperfeitamente rematados.
A alínea j) do ponto 8 dos factos assentes adotará a seguinte redação: as juntas têm diferentes cores e há falta de remate entre a cerâmica e a caixilharia.
Quanto ao ponto 10 (a pintura das divisões foi realizada apenas com uma demão não tendo sido feita a devida impermeabilização, apresentando imperfeições ao longo de toda a extensão pintada), quer da prova testemunhal, quer da prova documental, assinaladamente as fotografias carreadas para os autos, incluindo as transpostas na sentença, é notório que a pintura é imperfeita. Desconhece-se, todavia, quantas demãos foram dadas.
Reconhecendo-se, todavia, sem margem para dúvidas, para empregar linguagem comum, que a casa está mal pintada, o ponto 10 passará a ter a seguinte redação: a pintura das divisões foi generalizadamente efetuada de forma imperfeita.
Quanto ao ponto 1) dos factos não assentes (1. O réu foi instado extrajudicialmente (em 03.10.2022 e 17.11.2022) para pagar o valor de € 6.50,00 da fatura n.º 2022/66, de 29.09.2022), a verdade é que foi junta prova documental do envio de duas cartas para pagamento, uma para a Rua ..., ..., por correio registado com aviso de receção de 3-10-2022 e outra para a R. ..., ..., também por carta registada com aviso de receção, com data de 17-11-2022. Ainda que estas cartas não tenham sido recebidas, do orçamento assinado por ambas as partes, consta como morada do R. “Rua ..., ..., ..., ..., Marco de Canaveses”, uma das moradas para onde, precisamente, as cartas foram enviadas.
Por outro lado, no relatório pedido pelo R. à empresa “B..., Lda.”, junto em 25-05-2023, lê-se, assinaladamente, o seguinte: B..., LDA., com sede em Rua ..., Marco de Canaveses, NIF ...35, com escritório na Rua ..., ... Marco de Canaveses, fez-se representar pelo seu sócio gerente, CC, na deslocação ao imóvel do Sr. AA, sito na Rua ..., ... (...) ... Marco de Canaveses, assinado em 22.05.2023.
Entende-se, assim, de forma a melhor refletir o que consta dos documentos, que o ponto 1) dos factos não assentes deve ser suprimido, passando a constar dos factos assentes a seguinte factualidade:
Ponto 13 - Em 3-10-2022 e em 17-11-2022, a A. enviou ao R. cartas a solicitar o pagamento da quantia de € 6 150,00, a que se refere a fatura n.º 2022/66, de 29.09.2022, sendo a primeira para a morada constante do orçamento subscrito por ambas as partes, Rua ..., ... (...) ... Marco de Canaveses e a segunda para a R. ..., ....
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IV - Fundamentação jurídica
É inequívoco que entre A. e R. foi celebrado um contrato de empreitada, cuja matriz consiste na realização de uma obra (art.º 1207.º do C.C.).
O dono da obra, na situação vertente, o R., encarregou a empreiteira, in casu, a A., de realizar uma obra, concretamente, a finalizar construção já iniciada e em estado que podemos qualificar já de avançado. Assistia ao R. o direito a que lhe fosse entregue uma obra realizada nos moldes convencionados, isto é, a exigir da empreiteira a obtenção do resultado a que este se obrigou.
É incontroverso que se aplicam ao contrato de empreitada as normas gerais relativas ao cumprimento e incumprimento das obrigações que não se revelem incompatíveis com aquele regime.
A A. alicerçou a presente ação na falta de pagamento da segunda tranche do preço, que seria devida com a conclusão da obra.
Contrapôs o R. que o pagamento em falta não seria devido por a obra não se mostrar concluída e apresentar defeitos.
O que foi possível apurar no que concerne aos defeitos foi o seguinte:
- na obra não foram feitos os seguintes trabalhos: terminar os rodapés e as juntas têm diferentes cores e há falta de remate entre a cerâmica e a caixilharia;
- a pintura das divisões foi generalizadamente efetuada de forma imperfeita;
- a massa das juntas encontra-se em várias tonalidades ao longo do piso e entre as várias divisões do imóvel;
- nas paredes interiores, em pedra, foi colocada massa de juntas em tom ocre amarelado.
Ao contrato de empreitada aplicam-se as regras especiais para ele definidas nos arts. 1207.º e seguintes do Código Civil, bem como as normas gerais relativas aos contratos e às obrigações com elas compatíveis (Pedro Martinez, Cumprimento Defeituoso em especial na Compra e Venda e na Empreitada, 2001, pp. 270 e 271).
O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que reduzam ou excluam o seu valor ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (art.º 1208.º do C.C.).
No que se refere ao incumprimento dos contratos, pode o mesmo revestir a modalidade de não cumprimento definitivo, simples mora ou cumprimento defeituoso, responsabilizando o devedor pelos danos causados ao credor (arts. 798.º, 799.º, 801.º e 804.º do C.C.).
O contrato de empreitada é um contrato sinalagmático, pois que, ainda que de natureza e prazos diferentes, as prestações de uma e outra parte estão ligadas pelo nexo sinalagmático próprio dos contratos bilaterais.
Nos termos do disposto no art.º 428.º do C.C., a exceção de não cumprimento do contrato é a faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra não realizar ou não oferecer a realização simultânea da sua contraprestação.
Tratando-se o contrato de empreitada de um contrato sinalagmático, pode ser invocada a exceção de não cumprimento aludida, já que o contraente que cumpre defeituosamente a sua obrigação não tem o direito de exigir a respetiva contraprestação enquanto não corrigir o defeito da sua prestação.
A exceção visa assegurar mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral, e para que se aplique é necessário que as obrigações sejam correspetivas ou correlativas, que uma seja o sinalagma da outra (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e atualizada - reimpressão, Coimbra Editora, 2011, p. 405.).
Por força dos ditames da boa fé, para que a exceção de não cumprimento do contrato possa ser invocada, é necessário que a parte do preço cujo pagamento se recusa seja proporcional à desvalorização provocada pela existência dos defeitos (art.º 762.º/2 do Código Civil). Impõe-se a existência de proporcionalidade entre a infração contratual do credor e a recusa do contraente devedor que alega a exceção.
José João Abrantes (in A Exceção de não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português, Almedina, pp. 105 a 110) sustenta que no caso de incumprimento parcial, o alcance da exceção de não cumprimento do contrato deve ser proporcional à gravidade da inexecução, que só poderá implicar uma recusa parcial por parte do credor; isto é, o credor poderá tão só suspender, parcial e proporcionalmente, a prestação, segundo o princípio da boa fé que deve presidir a toda a temática do cumprimento das obrigações.
O princípio da boa fé opõe-se a que o devedor se aproveite de incumprimento insignificante ou pouco relevante, das dificuldades momentâneas da contraparte, para deixar ele próprio de executar a sua obrigação.
Ocorre, porém, que o R. não invocou ter denunciado os defeitos por si invocados, nem sequer aqueles que efetivamente se demonstraram, nem tal se mostra de alguma forma ilustrado nos autos.
Ora entende-se que para o reconhecimento e efetiva aplicação da exceção de não cumprimento do contrato, necessário seria que o R./apelado tivesse denunciado os defeitos relativamente aos quais se queria prevalecer com uma tal invocação.
Efetivamente, constitui entendimento pacífico que a exceptio non adimpleti contractus só pode ser exercida pelo comprador (ou pelo dono de obra) se este tiver já, junto do vendedor (ou do empreiteiro), denunciado os defeitos da coisa e exigido a sua eliminação (cf., exemplificativamente, o ac. da Relação de Évora de 11-6-2015, proc. 408/05.5TBALR.E1, Cristina Cerdeira, o ac. da Relação de Coimbra de 21-2-2018, proc. 131004/16.4YIPRT.C1, Luís Cravo e o ac. da Relação de Évora de 12-5-2022, proc. 17767/19.5YIPRT.E1, Manuel Bargado).
Escreveu-se no ac. da Relação de Coimbra de 21-10-2003 (proc. n.º 432/03, Jorge Arcanjo) que o regime próprio do contrato de empreitada, face ao cumprimento defeituoso da prestação, não legitima, desde logo, o dono da obra a opor a exceção do não cumprimento, pois se assim fosse, seria inútil a regulamentação exaustiva do contrato de empreitada, designadamente, no que concerne aos meios postos à disposição do dono da obra para reagir às situações de incumprimento. É que perante o incumprimento do contrato, nele se incluindo o cumprimento defeituoso, o dono da obra terá de subordinar-se à ordem estabelecida nos arts.1221, 1222 e 1223 do CC, ou seja, (1) o direito de exigir a eliminação dos defeitos, caso possam ser supridos, (2) o direito a uma nova construção, se os defeitos não puderem ser eliminados, (3) o direito à redução do preço ou, em alternativa, a resolução do contrato, (4) o direito à indemnização, nos termos gerais. Só que, para tanto, o dono da obra deve denunciar, no prazo legal, as situações de incumprimento lato senso, cujo ónus funciona como pressuposto do exercício dos referidos direitos.» Como meio de defesa que é, «[a] exceptio non rite adimpleti contractus apenas pode exercida após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados, que a prestação fosse substituída ou realizada de novo, que o preço fosse reduzido ou que fosse paga uma indemnização pelos danos circa rem».
No caso vertente, nada disto está demonstrado, ou foi sequer invocado pelo R./dono da obra.
Não se ignora a tese segundo a qual a procedência da exceptio implicaria a absolvição (temporária) do pedido, porque a lei não permite a condenação condicional (cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pp. 80 e ss.).
Escreve Miguel Mesquita (Reconvenção e Exceção no Processo Civil, p. 95) que afastada no nosso sistema, como resulta do art.º 673.º, a figura da condenação condicional, o tribunal não deve, uma vez provada a exceptio non adimpleti contractus, condenar o réu a cumprir a prestação se e quando o autor realizar a correspondente contraprestação. Ficando o juiz convencido de que também o autor se encontra em falta, deverá proferir uma sentença absolvendo temporariamente o réu do pedido.
Afirma-se no ac. do S.T.J. de 30-9-2010: se procedente (a exceptio), conduz à absolvição do pedido, mas não definitiva (cf. o artigo 673.º do Código de Processo Civil quanto ao alcance do caso julgado formado), pois não extingue o direito exercido pela parte contrária, sendo, por este motivo, doutrinalmente qualificada como exceção material dilatória, como todos sabemos, mas funcionando como exceção perentória (art.º 493, n.º 2).
No ac. da Relação de Coimbra de 13-9-2011 (proc. 458/07.7TBTND.C1, Teles Pereira), ainda que a propósito de situação diversa, considerou-se juridicamente defensável a condenação quid pro quo ou a condenação num cumprimento simultâneo.
Veja-se, porém, que mesmo que se acolhesse esta tese - que envolve a manifesta probabilidade de a execução de sentença vir a ser objeto de embargos, pondo em causa o esmero das obras que viessem a ser efetuadas, se tal viesse a ocorrer -, tal está vedado na situação vertente. É que o R. não deduziu pedido de condenação da A. a cumprir a sua parte do acordado, encontrando-se os tribunais adstritos ao princípio do pedido (cf. art.º 3.º/1 do C.P.C.).
A doutrina e a jurisprudência têm como aceitável que o dono da obra que que não invocou defeitos e omissões, ainda assim deduza pedido reconvencional contra o empreiteiro, a fim de que este proceda à eliminação dos defeitos e/ou complete trabalhos em falta (cf. João Cura Mariano, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 5.ª ed., 2013, Almedina, pp. 162 e 163 e o ac. da Relação de Guimarães de 24-3-2022, proc. 93648/20.4YIPRT.G1, Cristina Cerdeira).
No caso concreto ocorre, porém, que, pese embora o R. tenha invocado na sua oposição ao requerimento injuntivo a existência de defeitos da obra e de omissões como fundamento da exceção de não cumprimento, nem antes havia denunciado aqueles, nem na ação deduziu o pedido de condenação da A. a proceder à eliminação dos vícios.
Ora crê-se que só nas sobreditas hipóteses poderia a exceção de não cumprimento operar a seu favor. Como já se mencionou, de outra forma, seria despicienda a regulamentação exaustiva do contrato de empreitada, assinaladamente, no que se refere aos meios postos à disposição do dono da obra para reagir às situações de incumprimento.
Em conclusão, não se mostrando provado que tivesse sido feita a denúncia dos defeitos/vícios da obra e o pedido da sua eliminação pelo R. antes da propositura da injunção e não tendo o R. interpelado a A. para, em prazo razoável, eliminar os defeitos da obra e concluir os trabalhos em falta enunciados, não se entrevê que lhe assista fundamento para se eximir à obrigação do pagamento da prestação que lhe é exigida. A exceção invocada não pode operar a seu favor, porque não se tendo o R. socorrido dos mecanismos próprios do contrato de empreitada não pode agora beneficiar da sua inação.
Em conformidade com o que se vem de expor, julga-se improcedente a exceção de não cumprimento do contrato invocada pelo R., pelo que é forçoso que o recurso proceda.
Por assim ser, revoga-se a decisão recorrida, condenando-se o R. a proceder ao pagamento da quantia em falta.
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar a apelação procedente, condenando-se o R. a pagar à A. €6.150, 00 de capital, acrescidos de juros de mora vencidos de €180,00 e de juros entretanto vencidos e vincendos, sobre o referido capital, até pagamento.
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Custas pelo apelado por ter soçobrado integralmente na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 9-9-2024
Teresa Fonseca
Anabela Morais
Miguel Baldaia de Morais