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CONTRATO DE GESTÃO DE CARTEIRA
APREENSÃO DE BENS
CONTA BANCÁRIA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Sumário
SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC) I – Na vigência do contrato de gestão de carteira celebrado, em 10-07-2018, entre o Autor e a Ré, instituição bancária, não obstante as obrigações assumidas pela mesma, nos termos legal e contratualmente previstos, não lhe podia ser exigido pelo Autor que procedesse à liquidação de todas as aplicações financeiras de que era titular enquanto se mantivesse a medida, determinada nos termos conjugados dos artigos 178.º, 181.º e 268.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, no âmbito de processo em que ele era arguido, de “apreensão dos saldos das contas bancárias” na instituição ora demandada, “bem como (de) todos os seguros e todas as aplicações financeiras e bancárias, tituladas ou em que seja interveniente, a qualquer título (…), congelando assim todos os movimentos das mesmas”. II – Em face do vínculo de indisponibilidade sobre os saldos das contas bancárias, os seguros e todas as aplicações financeiras e bancárias de que o Autor era titular, cuja apreensão ou congelamento havia sido judicialmente ordenada, inexiste fundamento legal para sustentar a construção jurídica da admissibilidade de “movimentação” “dentro do universo patrimonial do cliente e não para fora dele”. III – Assim, ao retardar o cumprimento da sua obrigação contratual de liquidação de ativos nos termos requeridos pelo Autor, mais precisamente das aplicações financeiras (associadas às identificadas contas bancárias) que integravam a carteira do Autor, perante a solicitação feita por este seu cliente, a Ré não incorreu em responsabilidade contratual, pois tal atuação, no contexto dos factos dados como provados, não pode ser considerada ilícita.
Texto Integral
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados
I - RELATÓRIO
A …, S.A. interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou procedente a ação declarativa que, sob a forma de processo comum, foi contra si intentada por B ….
Os autos tiveram início em 03-11-2021, com a apresentação de Petição Inicial, em que o Autor peticionou que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 668.123,81 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação.
Para tanto e em síntese, o Autor alegou que:
- Na sequência da sua mudança de residência do Brasil para Portugal, o Autor transferiu todo o seu património em valor mobiliário para a Ré, ao abrigo de um “contrato de gestão de carteiras por conta de outrem particular USD”, celebrado entre as partes em julho de 2018, nos termos do qual a Ré ficou habilitada a gerir a carteira de ativos do Autor com vista à respetiva valorização;
- Tal património do Autor incluía um prémio em dinheiro relacionado com a atividade profissional a que este se havia dedicado no país de origem;
- Uma sociedade do Grupo empresarial para o qual o Autor tinha trabalhado apresentou uma participação criminal contra ele junto das autoridades portuguesas e outra no Brasil, participações essas que, mais tarde, vieram a ser seguidas da apresentação, nos respetivos processos-crime, de um acordo extrajudicial alcançado entre a Denunciante e o ora Autor;
- Nessa sequência, em 14-11-2018, o Ministério Público determinou a suspensão temporária de execução de quaisquer operações a débito sobre todos os ativos depositados ou que viessem a ser creditados no A …, SA, bem como seguros e outras aplicações financeiras tituladas (ou em que fossem intervenientes a qualquer título) pelo Autor, sua mulher e filhas, ao abrigo do art. 48.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, ordenando a respetiva comunicação à aqui Ré e dando início ao processo de inquérito n.º …/…;
- Esta medida de suspensão bancária foi validada por Despacho do Juiz de Instrução, vigorando essa primeira medida de 14-11-2018 a 14-02-2019, tendo depois sido sucessivamente prorrogada, através de sucessivas promoções e despachos, até 14-01-2020, altura em que o Ministério Público decidiu não promover mais a extensão da medida porquanto tais valores estavam, ademais, acautelados pelo processo brasileiro;
- A Ré, notificada de um pedido de informações por parte do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, respondeu, em 07-11-2019, informando que os saldos das contas indicadas e as aplicações financeiras que lhe estão associadas, também estavam apreendidos à ordem do proc. n.º …/… do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (“extraída dos autos de Inquérito n.º …/… de Lisboa DCIAP Secção Única”;
- Tratava-se do processo aberto em Portugal, em cumprimento da carta rogatória expedida pelas autoridades da Justiça do Brasil, a partir da Decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na sequência do pedido da mesma Denunciante;
- Em 12-12-2019, deu entrada no proc. n.º …/…, o acordo extrajudicial assinado pelo ora Autor e pela Denunciante em que se requeria o levantamento da suspensão das operações bancárias com referência às contas do Autor junto da Ré, única forma que possibilitaria a transferência para a aí Denunciante do valor parcial do prémio laboral a restituir pelo ora Autor, bem como o arquivamento dos autos, após a transferência;
- Para poder liquidar o valor acordado, o Autor enviou um email a 11-11-2019, a insistir junto da Ré para que lhe fossem transmitidos os prazos de liquidação das aplicações financeiras, email ao qual a Ré não respondeu;
- Em 14-11-2019, o Autor insistiu junto do seu gerente de conta, para que fosse transmitida informação sobre as aplicações financeiras, tendo a Ré respondido que aguardava “orientações sobre procedimentos e prazos”;
- Sem qualquer resposta concreta, em 19-11-2019, o Autor solicitou novamente pela informação pendente, especificamente pedindo que a Ré, pelo menos, confirmasse se existia alguma aplicação financeira com prazo de resgate superior a 30 dias, adiantando ainda que estava na iminência de assinar o acordo extrajudicial, ao que a Ré, em 28-11-2019, se limitou a responder ao Autor que não tinha qualquer nova informação sobre o processo;
- Por despacho de 14-01-2020, o Ministério Público decidiu não promover nova prorrogação da medida de suspensão em causa, precisamente porque havia dado entrada nos autos e na Justiça no Brasil o acordo extrajudicial assinado entre o ora Autor e a Denunciante do processo-crime e porque tais quantias já estavam visadas pela medida decretada pelas autoridades brasileiras;
- Assim, a partir do dia 15-01-2020, a Ré não tinha qualquer fundamento legal ou judicial para impedir o Autor de movimentar as suas contas bancárias, tanto mais que, concomitantemente, também teve conhecimento da decisão de revogação do bloqueio determinado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, pelo que a medida judicial decretada no âmbito da carta rogatória também deixou de ter efeito;
- No dia 15-01-2020, o Autor apresentou junto do proc. n.º …/… um Requerimento em que juntou o referido Despacho do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (que determinava a revogação do bloqueio dos valores e investimentos existentes nas contas bancárias do Autor junto da Ré);
- Não tendo o Ministério Público promovido a prorrogação da medida de suspensão de operações bancárias, não houve lugar a decisão do Senhor Juiz de Instrução Criminal, cessando tal medida os seus efeitos no dia 14-01-2020;
- O Autor, em contacto telefónico com o seu gerente de conta, deu ordem de resgate à Ré de todas as aplicações financeiras, mas a Ré nada fez, nem nada informou o Autor;
- Quando o Autor comunicou à Ré a decisão das autoridades brasileiras de revogação do bloqueio das contas, esta respondeu, em 17-01-2020, que só após uma notificação do Tribunal poderia “avançar com qualquer procedimento”, não prestando informações sobre as aplicações financeiras, nomeadamente aos respetivos prazos de liquidação e o pedido telefónico de resgate;
- Perante esta situação, o Autor receoso de ter prejuízos patrimoniais por não estar a liquidar as aplicações financeiras nos prazos e tempos devidos, segundo as melhores condições financeiras, ordenou formalmente à Ré, no dia 21-01-2020, a liquidação de todas as aplicações financeiras existentes, através de um e-mail em que o assunto era “Solicitação de resgate”;
- No dia 22-01-2020, a Ré respondeu que ainda não tinha recebido qualquer nova notificação do Tribunal, sendo a última “ainda de 2019”, e que só poderia “comercialmente atuar sobre os ativos financeiros após receber instruções por essa via”;
- Essa posição da Ré estava errada, já que o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa nunca notificou a Ré da inibição de “comercialmente atuar sobre os ativos financeiros” constantes das contas do Autor, conforme resulta de todas as Promoções do Ministério Público, de todos os Despachos do Tribunal de Instrução Criminal e de toda as Comunicações realizadas pelo Tribunal à Ré, no que se refere ao proc. n.º …/…, e como resulta também das decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, objeto de posterior carta rogatória, que deu origem ao referido proc. n.º …/… e à apreensão dos saldos das contas bancárias;
- Com efeito, o objeto destas medidas, nomeadamente a de suspensão de operações bancárias, incidiu sempre e só sobre movimentos a débito, os únicos que podiam colocar em causa o bloqueio dos valores constantes das contas do Autor, no sentido de resultar diminuído o património que estava a ser investigado com referência a um suposto crime de branqueamento de capitais;
- A Ré, ao abster-se de liquidar as aplicações financeiras do Autor, extravasou, por vontade própria e sem que tal resultasse de qualquer obrigação legal ou que tivesse sido comunicada por autoridade judicial, das medidas que haviam sido decretadas pelo Tribunal, atuando em violação dos deveres contratuais que assumiu perante o Autor;
- Sabendo a Ré que a medida abrangia a possibilidade de realização de depósitos nas contas do Autor, sabia também que o incremento dos saldos das contas por liquidação de aplicações financeiras não estava vedado, sendo que a liquidação das aplicações financeiras, tal como foi solicitada pelo Autor, apenas configurava uma situação de incremento de saldo;
- Sendo uma operação a crédito e não a débito, nunca poderia ter sido legitimamente recusada pela Ré, tanto assim que, para as aplicações financeiras que estavam acessíveis através da aplicação eletrônica do Banco, o próprio Autor conseguiu proceder aos resgates das mesmas, os quais foram creditados nas contas que estavam bloqueadas, apenas não conseguindo o Autor, por razões de segurança do sistema, liquidar o total das suas aplicações financeiras, face ao montante em causa, pelo que sempre dependia da Ré para o fazer;
- Se a Ré tivesse alguma dúvida sobre a viabilidade legal do resgate das aplicações financeiras solicitado em janeiro de 2020, só tinha que ter exposto esta mesma dúvida junto dos processos;
- A partir do dia 15-01-2020, a Ré deixou de ter legitimidade para suspender as operações bancárias do Autor, sendo a decisão da Ré de não liquidar as aplicações financeiras, nos termos requeridos pelo Autor, infundada e violadora dos deveres contratuais assumidos, tendo esse incumprimento originado avultados danos patrimoniais;
- A Ré, ao mesmo tempo que incumpria a execução da liquidação das aplicações financeiras, adotou para com o Autor uma conduta de incumprimento também a nível da falta das informações bancárias solicitadas e que se prendiam diretamente com a gestão do seu património, passando a limitar o acesso do Autor no acompanhamento do desempenho dos seus ativos financeiros, eliminando no extrato do mês de abril a parte referente aos fundos de investimento;
- Perante isso, o Autor enviou um e-mail para a Ré, pedindo esclarecimentos, e-mail este que nunca teve resposta, motivo pelo qual o Autor se viu forçado a insistir, no dia 12-05-2020, ao que o seu gestor de conta respondeu com um simples “Logo que seja possível eu responder aviso”;
- Ora, a Ré esteve sempre obrigada perante o Autor a facultar informações sobre as suas contas e património colocado junto do Banco, nunca tendo qualquer medida judicial colocado alguma restrição nesta matéria.
- O Autor, no dia 19-05- 2020, contactou de novo a Ré, através de e-mail, voltando, no dia 25-05-2020, em resposta a um e-mail da Ré, a afirmar o incumprimento das obrigações que o Banco tinha, nomeadamente a nível da falta e imprecisão nas informações facultadas;
- No dia 28-05-2020, passados 5 meses do pedido de liquidação das aplicações financeiras, recebeu este a confirmação da Ré que tal ordem havia sido executada, sendo também enviados os extratos completos que o Autor vinha reclamando;
- O Autor insistiu em que fosse realizada uma reunião, para que fossem prestados esclarecimentos, nomeadamente no que se prendia com o não cumprimento pela Ré da ordem de resgate das aplicações financeiras de 21-01-2020, mais adiantando o prejuízo que havia apurado nessa sequência;
- No dia 15-06-2020, ainda não se encontravam integralmente liquidadas as aplicações financeiras, com isso se inviabilizando, além do mais, o pagamento estabelecido em sede do acordo extrajudicial já referido, o que motivou o Autor a enviar um novo e-mail para a Ré;
- O pedido de resgate de todas as aplicações financeiras foi formalmente solicitado pelo Autor junto da Ré em 21-01-2020, sendo que nos extratos bancários imediatamente anteriores, ou seja, que compreendem o mês de dezembro de 2019, é possível aferir que no dia 31 deste mês o Autor tinha um total de 9.745.650,88 €, fruto dos montantes relativos a cada uma das cinco contas a que estavam associadas aplicações financeiras várias;
- Por sua vez, os extratos bancários imediatamente posteriores à data da ordem de liquidação das aplicações financeiras, ou seja, de 31-01-2020, demonstram que o saldo global destas mesmas cinco contas que o Autor tinha junto da Ré era de 9.845.091,25 €;
- A Ré não proporciona aos seus clientes informação sobre os concretos saldos bancários que existem num determinado dia, tal como foi confirmado pela Ré junto do Autor, pelo que, com base na informação disponível e recorrendo a um método de apuramento de saldo diário através da proporção do valor mensal face aos dias do mês, é possível concluir que no dia 21-01-2020 o saldo global das contas era do valor de 9.813.013,71 €;
- Como é facto público e notório, o início de 2020 foi o início da propagação do vírus SARS-CoV-2, responsável pela doença Covid-19, tendo a partir daí os mercados sofrido fortes quedas e a economia literalmente quase estagnado, fruto das medidas sanitárias impostas à generalidade da população mundial, o que instalou uma forte crise financeira, com depreciação dos ativos de investimento;
- Assim, por não terem sido atempadamente liquidadas em dezembro de 2020, logo após a assinatura do Acordo Extrajudicial, e formalmente solicitadas na data de 21 de janeiro de 2020, tal como foi pelo Autor ordenado e ilegitimamente incumprido pela Ré, as aplicações financeiras em causa desvalorizaram significativamente, tanto assim é que, quando foi liquidado o saldo bancário do Autor, para a realização da transferência objeto do acordo extrajudicial já mencionado, este tinha o valor de 9.144.889,90 €, valor este que resulta da conversão em euros do valor de 10.282.895,72 dólares, por sua vez resultante da soma dos valores constantes das Swifts;
- Ora, se o saldo estimado a 21 de janeiro de 2020 era de 9.813.013,71 € e se o valor que veio a ser apurado nas contas do Autor na sequência do incumprimento da liquidação a tempo das suas aplicações financeiras era de 9.144.889,90 €, tal significa que o Autor sofreu um prejuízo de 668.123,81 €, valor este que lhe tem que ser ressarcido, já que resulta de uma atuação violadora das obrigações contratuais a que a Ré se vinculou perante o Autor.
A Ré apresentou Contestação, em que se defendeu por impugnação motivada, de facto e de direito e por exceção perentória [embora sem observar o ónus de especificação previsto no art. 572.º, al. c), do CPC], alegando, em síntese, que:
- A Ré nunca foi notificada de qualquer ordem de cessação da medida decretada no âmbito do processo referido pelo Autor;
- A Ré não podia, sob pena de incorrer na prática do crime de desobediência, ter executado a ordem de resgate das aplicações do Autor, pelo menos a efetuada em 21-01-2020, porquanto, não obstante tivesse então cessado aquela medida de suspensão, subsistia outra medida, determinada, por despacho judicial de 17-10-2019, proferido no âmbito do proc. n.º …/… do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa e notificado em 18-10-2019, relativa à apreensão dos saldos das contas bancárias do Autor no A …, SA, bem como de todos os seguros e todas as aplicações financeiras e bancárias, com o congelamento de todos os ativos do Autor no Banco, medida essa que só cessou em maio de 2020, conforme despacho do mesmo Tribunal notificado à Ré em 08-05-2020;
- A Ré prontamente procedeu ao resgate das aplicações do Autor e à disponibilização do respetivo produto ao mesmo, tudo como o próprio Autor bem sabe.
Pugnou pela improcedência total da ação e ainda pela condenação do Autor como litigante de má-fé.
O Autor apresentou articulado, em que exerceu o contraditório relativamente a este último pedido.
Realizou-se audiência prévia, em que foi proferido, despacho saneador e despacho de identificação do objeto do litígio e seleção dos temas da prova.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento.
Em 09-02-2024 foi proferida a Sentença (recorrida), cujo segmento decisório tem o seguinte teor: “Pelo exposto e ao abrigo das disposições legais supra citadas, o Tribunal julga a presente acção procedente e, em consequência, condena o Réu a pagar ao Autor a quantia de € 668.760,81 (seiscentos e sessenta e oito mil, setecentos e sessenta euros e oitenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal supletiva, desde a citação até integral pagamento. Julgo improcedente o pedido de condenação do Autor como litigante de má-fé. Custas pelo Réu. Nos termos e para os efeitos do artigo 6º, n.º 7 do R.C.P., dispensa-se o pagamento do valor ainda devido a título de taxa de justiça. Registe e notifique.”
É com esta decisão que a Ré não se conforma, tendo interposto o presente recurso de apelação, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões (que, apesar da sua manifesta prolixidade, se transcrevem, omitindo os destaques e algumas passagens manifestamente desnecessárias para a compreensão do objeto do recurso; sublinhado nosso): A) (…) – vd. pontos 1 e 32 dos Factos Provados. (…) – vd. ponto 3 dos Factos Provados. (…) – vd. ponto 33 dos Factos Provados. (…) – vd. ponto 34 dos Factos Provados. (…) – vd. pontos 35 e 36 dos Factos Provados. H) Sucede que (facto que é in casu absolutamente essencial, e que o A., de forma dolosa, procurou esconder e/ou desvalorizar na p.i.) existiu um outro processo judicial no qual foram determinadas medidas restritivas mais amplas quanto aos ativos do A. no A …, SA, a saber: o processo nº …/…, do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa/ Juiz 7 - vd. ponto 27 dos Factos Provados. I) Com efeito, por despacho do Senhor Juiz de Instrução Criminal datado de 17.10.2019, proferido em tal processo nº …/…, notificado ao A …, SA, a 18.10.2019, foi determinado o seguinte: “(…)” – vd. ponto 27 dos Factos Provados. J) Como fundamento para a dita medida de apreensão e congelamento de todos os ativos do ora A. No A …, SA. foi escrito no referido despacho o seguinte: “(…)” – vd. ponto 28 dos Factos Provados. K) Face ao referido despacho judicial de 17.10.2019, proferido no processo nº …/…, ficaram, pois, apreendidos e congelados todos os saldos das contas bancárias do A. no A …, SA, bem como todos os seguros e todas as aplicações financeiras e bancárias, tituladas ou em que fosse interveniente, a qualquer título, o A. L) Ou seja, por força da citada ordem judicial, ficaram “congelados” (ou seja, impedidos) todos os movimentos (seja de que tipo fossem) nas ditas contas bancárias, seguros e aplicações financeiras. M) Ora, tal ordem judicial de apreensão e congelamento de todos os ativos do A. no A …, SA, (proferida, reitera-se, no processo nº …/…), apenas foi levantada por despacho judicial de 06.05.2020, notificado ao A …, SA, em 08.05.2020 – vd. ponto 29 dos Factos Provados. N) Despacho esse que assentou em promoção do Ministério Público (M.P.), com o seguinte teor: “(…)” – vd. ponto 30 dos Factos Provados. O) Ou seja, reitera-se (porque tal ponto é absolutamente essencial, para a decisão destes autos, sendo que o A., bem significativamente, o procurou esconder na sua p.i., comportamento que, ao que parece, terá influenciado o decidido pelo Tribunal a quo) existiram, relativamente aos ativos do A. no A …, SA, duas decisões judiciais distintas de cariz restritivo, proferidas em dois processos também distintos, a saber: - UMA PRIMEIRA, pela qual foi determinada a suspensão temporária de operações a débito, proferida, no âmbito do processo nº …/…, do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa/ Juiz 2, e que vigorou de 13.11.3018 até 15.01.2020, e - UMA SEGUNDA, de cariz mais amplo, pela qual foi determinado o congelamento de todos os movimentos, proferida no âmbito do processo nº …/…, do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa/ Juiz 7, e que vigorou de 17.10.2019 até 08.05.2020. Ora, como refere o Professor Germano Marques da Silva, em parecer elaborado relativo ao assunto em causa nestes autos, cuja junção aos mesmos se requereu, nos termos do artº 651º, nº 2, do CPC: “Importa deixar claro que é diverso o fundamento e alcance jurídico dos dois despachos acima identificados. O primeiro (al. a), a suspensão de movimentos das contas bancárias, foi proferido ao abrigo dos artigos 48º e 49º da Lei n.º 83/2017, de 18/08 (Medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo) e o segundo, a medida de apreensão e congelamento, no Proc. …/…, foi proferido ao abrigo do disposto nos artigos 178º, 181º e 268º do Código de Processo Penal, tendo por fundamento a indiciação da prática de factos suscetíveis de integrar a prática do crime de burla qualificada e de branqueamento de capitais” – vd. pag. 5 do parecer. Posto isto, P) A ação em apreço assenta no pretenso incumprimento pelo A …, SA. de ordens de resgate, que lhe foram transmitidas pelo A. em 21.01.2020, das aplicações que este detinha no Banco (aplicações essas integradas nos ditos ativos apreendidos e congelados). Q) Alegando, para o efeito, o A. na p.i. que, em tal data (21.01.2020), já não existia nenhuma decisão judicial suspensiva da realização de movimentos nas suas contas no A …, SA. R) Pelo que, diz o A., o A …, SA. estava contratualmente obrigado a dar cumprimento às ditas ordens de resgate das aplicações do A., datadas, como se referiu, de 21.01.2020. (…) U) Ora, de forma que (salvo o devido respeito, que é muitíssimo) se tem por assaz surpreendente, o Tribunal a quo entendeu dar acolhimento à descrita tese do A. V) Tendo, pois, decidido que, ao não acatar as ordens de resgate que o A. lhe transmitiu em 21.01.2020, o A …, SA. incorreu em incumprimento contratual. W) E, de forma não menos surpreendente, a sentença recorrida considerou ainda como provados (aliás, como se verá, incorrendo em contradição com a matéria que, ela própria, deu como assente) todos os danos invocados pelo A. X) Pelo que, por via disso, a sentença ora impugnada condenou o A …, SA. a pagar ao A. a quantia por este cobiçada (€ 668.123,31, mais juros de mora, contados desde a citação). Y) Ora, no entender do A …, SA. e como se procurará demonstrar infra, ao decidir da forma como o fez, a sentença recorrida incorreu em flagrante violação da lei. Z) Não podendo ainda deixar de se notar que, para além de ilegal, a sentença recorrida é profundamente iníqua. Mas vejamos melhor: AA) (…) – vd. pontos 27 a 29 dos Factos Provados. (…) DD) Ou seja, por força da dita ordem judicial, ficaram “congelados” (ou seja, impedidos) todos os movimentos (seja de que tipo fossem) nas ditas contas bancárias, seguros e aplicações financeiras. EE) Nota-se, aliás, sem conceder, que se pretendesse apenas impedir os movimentos a débito, o Juiz teria, necessariamente, feito constar essa indicação no citado despacho. FF) Como, bem diversamente, sucedeu com o outro despacho, acima indicado, proferido no processo nº …/…, do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa/ Juiz 2, que, especificamente, determinou (apenas) a suspensão temporária de operações a débito. GG) Ora, não foi isso que foi feito no citado despacho proferido no processo nº …/…, do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa/ Juiz 7. HH) De facto, neste despacho o juiz não se cingiu à proibição dos movimentos a débito (nem, aliás, referiu qualquer determinação específica quanto a tal tipo de movimentos). II) Tendo, diversamente, optado por ordenar o congelamento de todos os movimentos nos ativos do A. no A …, SA. JJ) O que, obviamente, teve como objetivo impedir todos os movimentos, seja de que tipo fossem, nos ativos em causa (e, ao contrário do que pretende a sentença, não somente os movimentos a débito). KK) O A …, SA. deu, obvia e necessariamente, cumprimento à descrita ordem judicial, a qual, ao impedir todo o tipo de movimentos, impedia, como é óbvio, também os resgates. LL) Mas veja-se o entendimento do Professor Germano Marques da Silva, expresso no parecer acima citado, quanto à natureza da medida de apreensão e congelamento aqui em causa: “…a apreensão prevista no artigo 178º do Código de Processo Penal «não é apenas um meio de obtenção e conservação de provas, mas também de segurança de bens para garantir a execução» … De referir a propósito que «a apreensão não significa, necessariamente, que o objeto sobre o qual incide tenha de ser removido, podendo, se nada o impedir, por exemplo, uma determinada quantia apreendida, ficar à ordem do processo e continuar depositada na instituição de crédito». É o que resulta do artigo 178º, nº 2, do Código de Processo Penal ao dispor que o objeto da apreensão é junto ao processo ou confiado à guarda de um depositário. O depositário só pode movimentar o objeto do depósito mediante decisão do “depositante”, melhor, do juiz do processo, conforme resulta dos nºs 7 e 8 do artigo 178º do Código de Processo Penal. … O Código de Processo Penal não define expressa ou diretamente o conteúdo da medida processual de apreensão, mas o seu teor resulta de modo indireto dos nºs 7 e 8 do artigo 178º … Resulta destes normativos que a partir da apreensão qualquer “modificação” do seu objeto depende sempre e exclusivamente de decisão judicial. … A medida de congelamento de valores está prevista no artigo 412º, nº 1, alínea c) do Código de Valores Mobiliários - «Apreensão e congelamento de valores, independentemente do local ou instituição em que os mesmos se encontrem» e a sua definição consta expressamente do artigo 1º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas … que dispõe: «l) Os termos "congelamento" ou "apreensão" designam a proibição provisória de transferir, converter, dispor de ou movimentar bens ou o facto de assumir provisoriamente a guarda ou fiscalização de bens por decisão de um tribunal ou de uma autoridade competente». … O próprio despacho que determinou a apreensão é muito claro no seu âmbito, quer quanto ao objeto da apreensão, quer quanto aos seus efeitos, quanto à modificabilidade pelo depositário quer pelo titular do objeto apreendido, ao determinar que são objeto da apreensão os «saldos da conta bancária, do A …, SA, bem como todos os seguros e todas as aplicações financeiras e bancárias, tituladas ou em que seja interveniente, a qualquer título», LMM (objeto) e quanto aos efeitos «congelando assim todos os movimentos das mesmas» (efeitos). Ao determinar o congelamento de todos os movimentos das referidas contas, fica claro que só por ordem do juiz as referidas contas podiam ser movimentadas” – vd. pags. 5 a 8 do parecer. MM) (…) – vd. ponto 29 dos Factos Provados. NN) (…) – vd. ponto 31 dos Factos Provados. OO) (…) – vd. ponto 26 dos Factos Provados, e doc. 56, junto com a p.i. Aqui chegados, PP) Como resulta cristalino do relatado, entre 17.10.2019 e 08.05.2020, por força de ordem judicial emitida no referido processo nº …/…, estiveram apreendidos e congelados todos os ativos do A. no A …, SA. QQ) Pelo que, obviamente, o A …, SA, não podia executar a ordem de resgate das aplicações do A., pelo mesmo apresentada em 21.01.2020. RR) Ou seja, ao não executar os pedidos de resgate em causa, o A …, SA. não incorreu em qualquer tipo de incumprimento contratual. SS) Veja-se, a propósito do tema agora em causa, novamente a opinião do Professor Germano Marques da Silva, constante do citado parecer: “Com a medida processual da apreensão altera-se o título pelo qual o Banco é depositário dos bens apreendidos que constituíam os ativos das contas. Até à apreensão o Banco respondia nos termos contratuais perante o titular das contas bancárias em causa, mas a partir da apreensão judiciária dos ativos dessas contas, confiados ao depositário A …, SA, nos termos do disposto no artigo 178º, nº 2, o Banco passou a ser depositário desses ativos à ordem do tribunal pelo que responde pelos seus deveres de depositário perante o tribunal, agora na veste de depositante, e não perante o titular das contas”. … O congelamento das contas de que era titular LMM significou que o Banco não podia movimentar nem os saldos, nem os seguros, nem as aplicações financeiras e bancárias no âmbito das contas em causa por sua iniciativa ou por ordem do titular das referidas contas, mas tão só por ordem do juiz, nos termos do disposto nos nºs 7 e 8 do artigo 178º do Código de Processo Penal. Só a partir da notificação ao Banco do despacho de 08.05.2020, que levantou a apreensão, o titular das contas, LMM, recuperou a sua capacidade para o exercício dos seus direitos relativos àquelas contas, podendo desde então, e só desde então, movimentá-las nos termos contratuais com o Banco. O Despacho de 18.10.2019, proferido no Proc. …/…, ao determinar a apreensão e congelamento de todos os movimentos das referidas contas, impediu o depositário, o A …, SA, de executar quaisquer ordens do titular das contas, nomeadamente a ordem de resgate das aplicações que foi dada por LMM ao A …, SA. em 21.01.2020. … Por isso que, em 21.01.2020 e até 08.05.2020 as contas em causa mantinham-se apreendidas e congeladas não podendo o A …, SA. movimentá-las senão por ordem do juiz do processo, conforme o disposto nos nºs 7 e 8 do artigo 178º. … Por isso que, se o A …, SA. tivesse cumprido a ordem que lhe foi dada pelo titular das contas, LMM, sem autorização do juiz do processo, teria praticado um facto ilícito, incorrendo eventualmente na prática de ilícitos criminais e civis. … A violação dos deveres de depositário impostas ao Banco pelo Despacho de 18.10.2019 podia eventualmente implicar responsabilidade criminal pelo crime de descaminho, p.p. pelo artigo 355º do Código Penal. O cumprimento da ordem de resgate dada pelo titular das contas, LMM, implicaria alteração do objeto da apreensão das aplicações financeiras que tinham sido expressamente aprendidas e congeladas pelo Despacho judicial, modificando o conteúdo do objeto da apreensão o que, como se disse já, só poderia ser modificado por decisão do juiz, nos termos do disposto no nº 7 do artigo 178º do Código de Processo Penal. Esta modificação do objeto da apreensão constituiria violação do bem jurídico tutelado pelo artigo 355º do Código Penal, ou seja, a autonomia intencional do Estado, aqui concretizada através da ideia de inviolabilidade do objeto da apreensão que ficou sob custódia pública. … Diversamente, no que respeita a eventual responsabilidade civil. Se o A …, SA. tivesse cumprido a ordem de LMM de 20.01.2020 poderia vir a ser responsabilizado civilmente caso se viesse a verificar que o resgate das aplicações tinha implicado desvalorização dos ativos apreendidos ((art. 129º do CP e 483 ss do CCivil), lesando o Estado ou o terceiro beneficiário desses ativos, conforme os ativos viessem a reverter para o Estado (arts 110º do CP e 7º da Lei nº 52002) ou para o ofendido pelo crime pressuposto da apreensão (110º, nº 6, do CP). … Não podendo o A …, SA. movimentar as contas senão por determinação do juiz do processo evidentemente que não incorreu em incumprimento contratual ao não executar os pedidos de resgate apresentados pelo titular das contas em 21.01.2020. – vd. pags. 9 a 14 do parecer. TT) Ao entender diversamente - tendo considerado que, no descrito cenário, que se tem por absolutamente claro no sentido de que o A …, SA. estava impedido de cumprir os pedidos de resgate, o Banco, por o não fazer, incorreu em incumprimento contratual - julga-se que a sentença recorrida violou frontalmente a lei, designadamente os artºs 205º, nº 2, da CRP, 178º e 181º do CPP, e 798º do CC, o que impõe a sua revogação. UU) Como se notou, entende-se que a argumentação acima explanada relativamente à natureza e âmbito do despacho de congelamento, é, por si só, inteiramente suficiente para ditar a procedência do presente recurso, e a consequente revogação da sentença recorrida. VV) Não obstante, a bem da verdade, sem conceder, e por muito extrema cautela de patrocínio, importa contrariar a tese da sentença pela qual a mesma parece procurar imputar ao A …, SA. um comportamento traduzido em “obstaculizar qualquer tentativa de contacto do Autor, pelo menos para obtenção de informações sobre os produtos financeiros em carteira”. WW) Para esse efeito, o A …, SA. impugna a decisão do Tribunal a quo quanto à matéria de facto, nos seguintes termos: XX) Como se referiu, a sentença parece procurar imputar ao A …, SA. um comportamento traduzido em “obstaculizar qualquer tentativa de contacto do Autor, pelo menos para obtenção de informações sobre os produtos financeiros em carteira”. YY) Para o efeito, a sentença funda-se nos pontos 7, 8, 15 e 16, que, no entender do A …, SA, foram incorretamente dados como provados. ZZ) Do mesmo modo, foi incorretamente dada como provada a matéria constante do ponto 13 dos Factos Provados. Mas vejamos: AAA) O ponto 7 dos Factos Provados tem o seguinte teor: “(…)”; ao qual o Réu nunca respondeu. BBB) Ora, ao contrário do pretendido pela sentença impugnada, julga-se que a prova produzida nos autos impunha a conclusão de que não só o A …, SA. deu resposta ao A., como o mesmo conhecia perfeitamente as condições relativas às suas aplicações financeiras. CCC) Veja-se, a propósito o depoimento de C …, gerente de conta do A., produzido na sessão da audiência de julgamento realizada em 30.10.2023, de 00:09:00 a 11:00:00, e de 00:21:00 a 00:23.00, supra reproduzido. DDD) Acresce que, está provado nos autos que “(…)” – vd. ponto 38 dos Factos Provados. EEE) Pelo que, face ao descrito depoimento de C …, e ao ponto 38 dos Factos Provados, impõe-se alterar o ponto 7 dos Factos Provados, de forma a que sejam do mesmo retiradas as palavras “ao qual o Réu nunca respondeu”, sendo as mesmas substituídas por um novo Facto Provado, com o seguinte teor: “o Autor, mediante o acesso aos extratos consolidados e integrais referentes aos seus ativos, e aos contratos que celebrou com o Réu, tinha conhecimento das condições de tais ativos, designadamente dos seus prazos de resgate”. FFF) Por seu turno, o ponto 8 dos Factos Provados tem o seguinte teor: “(…)”. GGG) Pelos motivos indicados supra, impõe-se alterar o ponto 8 dos Factos Provados, de forma a que do mesmo sejam retiradas as palavras “sem resposta concreta”. HHH) Por outro lado, o ponto 13 dos Factos Provados tem o seguinte teor: “(…)” – vd. ponto 39 dos Factos Provados. III) Mediante a alegação em causa (erigida em facto provado) o A. pretende, obviamente, demonstrar que não existiu congelamento total, pois foram-lhe permitidos alguns resgates. JJJ) Ora, a esse propósito importa atentar nos depoimentos prestados pelas testemunhas C …, prestado na sessão de julgamento realizada em 30.10.2023, de 00:53:00 a 00:55:00, e Nuno Godinho, prestado na sessão de julgamento realizada em 30.10.2023, de 00:01:00 a 00:04:00, supra transcritos. KKK) Ou seja, resulta dos descritos depoimentos que o A. só efetuou resgates parciais num seguro financeiro, por intermédio do serviço de banca eletrónica do A …, SA. (NetBanco), e que os mesmos ocorreram em dezembro de 2019 (e não em novembro de 2019, como erradamente refere o ponto 13 dos Factos Provados). LLL) Impõe-se, assim, alterar a redação do ponto 13 dos Factos Provados, de forma a que a mesma passe a ter a seguinte redação: “Em dezembro de 2019, o Autor conseguiu, aproveitando uma falha do canal digital NetBanco, efetuar resgates parciais num seguro financeiro”. MMM) Por outro lado, relativamente aos pontos 15, 16 e 18 dos Factos Provados, importa notar o seguinte: NNN) Relativamente ao ponto 15, que a sentença incorreu em notório erro material, que importa corrigir. OOO) Com efeito, o e-mail do A. aí citado não é de 05.02.2020 (como erradamente refere a sentença), mas sim de 02.05.2020 – vd. doc. 38, junto com a p.i., e artºs 134º e 135º de tal articulado. PPP) Impõe-se, assim, alterar a redação do ponto 15 dos Factos Provados, de forma a que da mesma passe a constar a data de 02.05.2020, em lugar de 05.02.2020. QQQ) Por outro lado, no que tange aos pontos 16 e 18 dos Factos Provados, importa notar que, ao contrário do que refere o ponto 16 (e indicia o ponto 18), o A …, SA. deu resposta cabal ao e-mail do A. de 02.05.2020. RRR) Impõe-se, assim, alterar a redação dos pontos 16 e 18 dos Factos Provados, de forma a que os mesmos passem a constituir um único facto, com a seguinte redação: “O A …, SA. deu resposta ao e-mail do A. de 02.05.2020, o que fez em 12.05.2020, e depois, por e-mails de 25.05.2020 e de 28.05.2020”. SSS) Por outro lado, e novamente sem conceder, nota-se ainda que, também quanto aos pretensos danos sofridos pelo A., a sentença ora impugnada decidiu de forma infundada e ilegal. TTT) Com efeito, não foi feita prova nos autos que o A. tenha sofrido prejuízos no valor que a sentença entendeu condenar o A …, SA. (€ 668.123,31). UUU) Aliás, não foi mesmo feita prova que o A. tenha sofrido qualquer prejuízo! VVV) Assim, resultou provado nos autos que “(…)” – vd. ponto 25 dos Factos Provados WWW) Ou seja, a própria sentença entendeu dar como provado que o valor da desvalorização dos ativos do A. no A …, SA. não foi apurado. XXX) Pelo que, ao depois condenar o A …, SA. a esse título, a pagar ao A. € 668.123,31 a sentença incorreu em nulidade, nos termos do artº 615º, nº 1, al. c), do CPC. YYY) Foi, com efeito, proferida decisão em oposição com os fundamentos de facto definidos pela própria sentença. ZZZ) Sem conceder, ainda se aduz que o A. não fez qualquer prova (designadamente documental ou testemunhal) do valor dos seus ativos no A …, SA. no dia da apresentação das ordens de resgate (21.01.2020). AAAA) Por fim, julga-se ainda necessária - face às características específicas do presente caso -uma nota final quanto ao cariz, que se tem por absolutamente iníquo, do decidido pela sentença recorrida. BBBB) Assim, como o próprio A. reconhece, o mesmo, em data necessariamente anterior a janeiro de 2020, obrigou-se a devolver a totalidade dos fundos que detinha no A …, SA. à PMV International Inc.– vd. ponto 9 dos Factos Provados, e doc. 30 junto com a p.i. CCCC) O que fez no âmbito de um acordo que terá celebrado para se conseguir eximir do processo criminal que contra si corria no Brasil. DDDD) Tendo para o efeito, o A. devolvido à dita PMV International Inc., no mínimo, € USD 10.282.561,04 (correspondentes a € 9.144.889,90) - vd. ponto 26 dos Factos Provados, e doc. 58 junto com a p.i. EEEE) Impõe-se, pois, concluir que o dinheiro que o A. detinha no A …, SA. só formalmente pertencia ao A. FFFF) Com efeito, ninguém devolve tão avultada quantia se não souber que a mesma lhe não pertence. GGGG) Ora, é com base na quantia que teve que devolver que o A. pretende que o A …, SA. lhe pague o valor peticionado nesta ação (mais de seiscentos e sessenta mil euros)!. HHHH) Ou seja, o A. pretende que o A …, SA. lhe pague “rendimentos” de dinheiro que não era seu, mas sim da PMV International Inc. IIII) No cenário descrito, julga-se que (para além de ilegal, como se viu) a decisão condenatória do A …, SA. proferida pela sentença recorrida é profundamente iníqua. JJJJ) Pois, na prática, permite ao A. beneficiar de uma avultadíssima quantia que o mesmo já havia acordado em devolver (o que, obviamente, fez por saber que a mesma não lhe pertencia, mas, antes, pertencia à PMV International Inc.). KKKK) Ou seja, a sentença, ao condenar, no descrito cenário, o Banco a indemnizar o A., acabou por redundar num prémio absolutamente indevido para o A. LLLL) Merecendo a sentença, também por isso, a mais completa censura.
Terminou a Apelante requerendo que o recurso seja julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida, mais devendo o Autor ser condenado, como litigante de má fé, “no pagamento de uma multa de montante adequado à necessária punição da sua gravíssima conduta, assim como no pagamento de uma indemnização ao A …, SA. pelas despesas que este teve com a presente acção, que não serão inferiores a € 7.500,00.”
Foi apresentada alegação de resposta, em que o Autor-Apelado defendeu o acerto da sentença recorrida, concluindo nos seguintes termos: 1.ª Para além de não ter cumprido o ónus de formular conclusões (artigo 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), antes reproduzindo integralmente o anteriormente vertido no corpo das alegações, bem como o dever de indicar a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso interposto (artigo 637.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), o Recorrente, ao ter omitido, nas suas Conclusões, os Capítulos V, VII e IX, acabou por restringir o objeto do seu Recurso, impedindo o Tribunal ad quem de conhecer destas matérias (só às mesmas respondendo o Recorrido por mera cautela e dever de patrocínio). 2.ª O que o Recorrente continua a pôr em realçados e sublinhados nas Alegações de Recurso não são as suas obrigações contratuais (ainda que no lógico sentido de rebatê-las), mas sim tudo o que se prende com o facto de o Recorrido ter sido investigado em sede penal, não obstante os processos-crimes terem sido arquivados. 3.ª Crê-se resultar evidente que o faz para desviar o foco da presente ação / recurso, de forma a retirar força e centralidade à relação civil, contratual, que existia entre o Recorrido e o seu Banco, aqui Recorrente. 4.ª Acresce a isto o facto de o Recorrente continuar, agora em sede de Recurso, a afirmar que o Recorrido escondeu dos autos a medida de apreensão do Processo n.º …/…, chegando mesmo ao cúmulo de afirmar que o Recorrido criou intencionalmente esse logro e que foi por isso que a Sentença a quo decidiu como decidiu. 5.ª No entanto, foi o Recorrido que primeiramente trouxe ao conhecimento do presente processo, logo na sua Petição Inicial, que existiam dois processos-crime em que haviam sido decretadas medidas de Inquérito, estabelecendo duas ordens de razão (a temporal e a material) para que o A …, SA, não pudesse ignorar a liquidação das aplicações que se encontravam a vencer. 6.ª Por outro lado, não restam dúvidas de que a Sentença recorrida decide com base nas “duas ordens de bloqueio das contas bancárias ali domiciliadas”. 7.ª Quanto à impugnação da matéria de facto (que se impõe previamente à discussão jurídica da causa, não obstante a ordem conferida pelo Recorrente nas Alegações), e não obstante a mesma ser inócua à discussão jurídica da causa, sempre se conclui que os factos provados 7, 8, 13, 15, 16 e 18 se encontram correta e fundamentadamente julgados. 8.ª O que resulta da prova dos autos (na qual se fundamentou a Sentença recorrida) é que o Recorrente deixou sem resposta (facto provado 7) ou sem resposta concreta (facto provado 8) os pedidos de informação apresentados pelo Recorrido via e-mail e Whatsapp, nomeadamente acerca de vencimento das aplicações financeiras (o que não se confunde com o acesso pelo Recorrido aos extratos consolidados através do Net Banco, que também resultou provado no facto 38). 9.ª Quanto ao que já consta do facto provado 13, deverá manter-se, incluindo a parte final que o Recorrente, compreensivelmente, pretendeu obliterar e que de forma expressa faz constar da factualidade provada que os resgates realizados pelo próprio Recorrido via Net Banco foram “transmitidos ao Réu”. 10.ª Se o A …, SA, não estava a operar um contrato de gestão de carteiras (não obstante a cobrança da comissão de gestão), mas apenas se encontrava recostado nas vestes de um mero depositário perante o Tribunal, então, como pôde não comunicar a estas autoridades, que perante uma “falha do canal digital NetBanco”, o Recorrido levou a cabo “um mero, e muito pontual, aproveitamento [pelo A.] de uma falha informática”, no montante de 380.000,00 €? 11.ª Talvez tenha sido porque entendeu – o que se compreende – que os resgates “apenas” tinham passado para as contas à ordem, não interferindo nos saldos das contas apreendidas. 12.ª Igualmente não existiu resposta cabal do Recorrente às comunicações do Recorrido retratadas nos factos provados 16 e 18. 13.ª Quanto às datas, apesar de inócuas, é certo que os quatro resgates dos seguros / aplicações financeiros foram realizados no dia 10 de dezembro de 2019 (facto provado 13), tal como o e-mail do facto provado 15 é de maio, tratando-se de evidentes lapsos. 14.ª Nenhuma da factualidade provada impugnada assume relevância definitiva para a resposta às questões que constituem objeto do Recurso. Dito de outra forma: ainda que procedesse integralmente tal impugnação de facto, tal não faria a menor diferença para o que o Recorrente coloca a decisão ao Tribunal ad quem. 15.ª Tal explica, aliás, por que só depois de expor os (dois) Capítulos com os temas jurídicos trazidos a Recurso é que o Recorrente impugna a matéria de facto. Ao que acresce o facto de o Recorrente abrir um Capítulo em que, não impugnando a matéria de facto, não deixa de suscitar esclarecimentos à mesma. 16.ª E isto ao mesmo tempo que não transpõe tais alegações para as suas Conclusões, impedindo o Tribunal ad quem de conhecer esta parte do Recurso, mas não dispensando o Recorrido – pelo dever de patrocínio que lhe incumbe –, de responder. 17.ª Aliás, recorde-se que esta matéria de facto, alegada na Petição Inicial, nunca foi expressamente impugnada em sede de Contestação, pelo menos não nos termos agora abordados, não tendo sido produzida qualquer prova no sentido de rebatê-la, o que também justifica a fundamentação da Sentença recorrida quanto a tais factos, a qual leva necessariamente à manutenção da factualidade provada nos pontos 2, 4, 5, 6, 9, 10, 11, 12 e 17. 18.ª No campo da argumentação jurídica, as Alegações do Recorrente partem de dois pressupostos, que se contestam de forma veemente, por não terem respaldo legal. 19.ª O primeiro pressuposto é o de que existe em Portugal a figura da medida de “apreensão e congelamento” e que tal corresponde ao que consagra o Código de Processo Penal, no artigo 178.º. 20.ª A apreensão, tal como se encontra detidamente explicado no Parecer Jurídico que se protesta juntar nas presentes Contra-alegações, é tanto um meio processual que serve a prova do crime em investigação (sendo um meio de obtenção da prova), como a execução da decisão judicial que venha a declarar os objetos apreendidos perdidos a favor do Estado (sendo, assim, também uma garantia processual da perda de bens). 21.ª Continuando a seguir o Parecer Jurídico em referência, ao contrário do que se encontra nas Alegações, a menção ao congelamento de todos os movimentos das contas não tem qualquer conteúdo útil, já que a apreensão é já uma forma de congelamento no direito processual penal português. 22.ª O “congelamento” é, na verdade, um conceito amplo que se usa no plano internacional e que no ordenamento jurídico português abarca tanto o arresto do artigo 228.º do Código de Processo Penal, como o arresto para perda alargada do artigo 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, como a apreensão do artigo 178.º do Código de Processo Penal e ainda a própria suspensão de operações bancárias da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto. 23.ª Neste sentido, e ao contrário do que tenta fazer crer o Recorrente, também houve “congelamento” dos ativos do Recorrido junto do A …, SA, quando foi determinada judicialmente, em 15 de novembro de 2018, a suspensão de operações bancárias (ainda que no despacho se referissem movimentos a débito). 24.ª Ficando sem qualquer sentido a alegação do Recorrente de que a ordem de resgate do Recorrido não levantaria qualquer questão ao Santander – sendo executada, sem hesitações – se apenas estivesse em causa o despacho de suspensão de operações bancárias, ordenado com base na Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto. 25.ª Da mesma forma, não sendo, assim, o congelamento um meio processual distinto da apreensão, não se pode retirar quaisquer consequências jurídicas à frase usada no despacho que ordenou a apreensão (“congelando assim todos os movimentos das mesmas”), tal como pretende o Recorrente. 26.ª No despacho que ordenou a apreensão, o juiz de instrução transmitiu tão-só o vínculo que daí em diante passaria existir entre o titular e os bens apreendidos e que, segundo doutrina, é um “vínculo de indisponibilidade sobre a coisa com vista a garantir a exequibilidade da sua eventual perda”. 27.ª Ou seja, o alcance máximo daquele despacho era a impossibilidade de as contas do Recorrido serem por si movimentadas e em prejuízo da exequibilidade da perda que viesse a ser determinada. 28.ª Daí que não tenha sustentação legal o que defende o Recorrente, no sentido de que, a partir do dia 17 de outubro de 2019, não mais podia o Santander movimentar, por sua iniciativa ou a pedido do Recorrido, os saldos, os seguros e todas as aplicações financeiras e bancárias em causa. 29.ª Como afirma a Sentença recorrida, o que se retira do despacho que ordena a apreensão é que “o património mobiliário ali existente, quer sob a forma de mero depósito, quer no âmbito de aplicações e outros produtos financeiros permanecesse[ia] nessas contas, não podendo ser movimentado para fora delas” (cfr. pág. 17). 30.ª Quando o artigo 178.º, n.º 7, do Código de Processo Penal dispõe que os titulares de produtos ou vantagens podem requerer ao juiz a modificação ou a revogação da medida, dispõe apenas para os casos em que a apreensão é autorizada, ordenada ou validada pelo Ministério Público, a autoridade judiciária que é, em regra, competente para a prática do ato, segundo o disposto no n.º 3 do mesmo artigo. 31.ª Pretendendo-se conferir um controlo judicial, pelo juiz das liberdades, a decisões do Ministério Público que se prendam com direitos constitucionalmente consagrados, como é o direito de propriedade. 32.ª O que não foi o caso e tem explicação no artigo 181.º do Código de Processo Penal, que impõe que a ordem de apreensão em estabelecimento bancária seja da competência do juiz de instrução, já que em causa está o segredo bancário, pelo que não procede igualmente a afirmação do Recorrente de que sempre teria que ser um juiz a decidir do resgate pedido pelo Recorrido. 33.ª No entanto, o que sempre releva é o facto de o pedido de resgate do Recorrido não se subsumir à modificação ou revogação da apreensão, previstas no artigo 178.º, n.º 7, do Código de Processo penal, pelo que nunca estaria em causa a norma jurídica mobilizada pelo Recorrente para fundamentar a ausência de responsabilidade civil por não ter procedido ao referido resgate. 34.ª Na verdade, conforme faz constar a Ex.ma Senhora Prof. Doutora Maria João Antunes, no Parecer que se protesta juntar, quando se modifica a apreensão o que está em causa é a “atenuação do vínculo de indisponibilidade sobre a coisa”, ou seja, “é uma forma de execução da medida por uma menos gravosa”, citando-se JOÃO CONDE CORREIA. 35.ª Ora, a ordem de resgate das aplicações pelo Recorrido “em nada modificaria o vínculo de indisponibilidade sobre o que foi apreendido. Manter-se-ia nos seus exatos termos, na medida em que a movimentação ocorreria dentro do universo patrimonial do cliente e não para fora dele”. 36.ª Naturalmente não se questionando o cumprimento que o Banco tinha que dar aos despachos judiciários – e o Autor, agora Recorrido, nunca o fez –, tal não implica concluir, nem de perto, nem de longe, que a relação contratual Banco / Cliente, simples e imediatamente, deixou de existir. 37.ª Tanto assim foi que o Recorrente não deixou de cobrar a comissão de gestão (cfr. depoimento de C …, Ficheiro áudio n.º Diligencia_25754-21.7T8LSB_2023-10-30_10-04-33; minutos 00:30:29.6 a 00:31:33.0). 38.ª O facto provado 12 é demonstrativo de que o Recorrente sabia que, perante as medidas judiciais, o que havia a acautelar era a garantia do património do Recorrido: dirigindo-se ao DCIAP, ainda que em momento temporal em que vigorava apenas a medida de suspensão de operações bancárias, não expressa qualquer preocupação pela execução de “movimentos a débito e a crédito nas contas dos clientes”, na medida em que não existiam “movimentações fora do universo patrimonial do cliente no Banco”. 39.ª Tem ainda toda a razão a Sentença recorrida, sendo a respetiva fundamentação insuscetível de impugnação jurídica, quando afirma que tais questões – as da execução do contrato – não importavam ao processo-crime, que apenas queria, naturalmente, a garantia daquele património mobiliário. 40.ª Ao Recorrente impunha-se, perante as próprias autoridades judiciárias e já não só perante o Recorrido, atuar diligentemente pela não depreciação do património apreendido. 41.ª Era precisamente em cumprimento do artigo 178.º do Processo Penal, que, perante os vencimentos das aplicações, devia ter praticado os atos de gestão necessários à não diminuição do património apreendido. E isto até independentemente de qualquer pedido concreto do Recorrido. 42.ª Tanto mais que, como já foi aludido supra, o Recorrente tinha um canal de comunicação aberto com as autoridades judiciárias, o que resulta tanto do facto provado 12 (ao tempo da suspensão de operações bancárias), como do depoimento da colaboradora do Recorrente, que trabalhava na Divisão de Resposta a Entidades Oficiais e que o assumiu, com toda a naturalidade (cfr. Ficheiro áudio n.º Diligencia_25754-21.7T8LSB_2023-10-30_14-31-59; minutos 00:13:26.0 a 00:14:06.4). 43.ª Partindo-se da própria figura de depositário do Tribunal que o Recorrente traz ao Recurso, tem que atentar-se no artigo 185.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e concluir-se que o Recorrido violou as suas obrigações, também legais, ao nada fazer, apesar de ostensivamente se orgulhar desse facto. 44.ª Não diligenciando sequer pelo cálculo em ordem a concluir se o não resgate iria determinar perdas, nem aproveitando o referido canal de comunicação com as autoridades para esclarecer o que se aprouvesse. 45.ª Em clara violação, ainda, do artigo 760.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal. 46.ª O que nunca poderia ter feito foi, afinal, a única coisa que fez, ou seja, nada. Ignorando o aqui Recorrido e não zelando pela gestão do património apreendido perante a entidade que ordenou a apreensão, património aquele que tinha ativos que impunham decisões para a sua não depreciação ou até para o seu “incremento patrimonial”, de que fala JOÃO CONDE CORREIA. 47.ª Quanto à violação dos deveres de informação, atente-se, desde logo, nos factos provados 7, 8, 11, 15, 16, 17 e 18, os quais o Recorrente não conseguiu impugnar com referência à prova dos autos e produzida em Julgamento, tendo apenas tecido considerações próprias e em negação da realidade processual. 48.ª Mas, também, no depoimento da testemunha C …, (Ficheiro áudio n.° Diligencia_25754-21.7T8LSB_2023-10-30_10-04-33, dos minutos 00:05:14.5 a 00:06:55.1 e dos minutos 00:20:06.9 a 00:21:04.0), que admitiu que as instruções do Banco foram as de cessar as comunicações com o Recorrido e só porque este insistiu com o Banco é que soltaram, “pontualmente”, algumas mensagens (o que é diferente de respostas...), mesmo assim não se dando resposta quanto aos prazos de vencimento das aplicações. 49.ª Relevando esclarecer que, ao contrário do que o Recorrente pretende fazer crer neste processo, esta cessação de vínculo contratual com o Recorrido foi assumida logo com a medida de suspensão de operações bancárias e não com a apreensão das contas bancárias. 50.ª O contrato de gestão de carteiras celebrado entre Recorrente e Recorrido ditava, porém, conduta contratual diferente ao Recorrente, nomeadamente se se atentar nas Cláusulas 5.ª, n.º 1, alínea g), e 12.ª, n.º 1. 51.ª Não procedendo, pois, a tese do Recorrente de que o despacho de apreensão se sobrepôs integralmente à relação contratual com o aqui Recorrido, ao ponto de atingir estes deveres de informação, que acabou por incumprir integralmente. 52.ª Para além de considerar a Sentença recorrida ilegal, o Recorrente defende ainda que a mesma é “iníqua”, não obstante iniciar um capítulo do qual não retira qualquer consequência jurídica. 53.ª O facto de o Recorrente arrogar-se no direito de questionar os termos, os valores, o tempo e o modo do acordo extrajudicial celebrado entre o Recorrido e a sua anterior entidade patronal, tal é apenas e tão-só mais um sinal evidente de que o Recorrente o que pretende é que se olhe em todas as direções, menos para o centro da sua atuação contratual. 54.ª Ainda, porém, que tivesse em teoria razão o Recorrente haveria de todo o modo de improceder a argumentação levada a cabo, por assentar em errado cálculo, já que a perda aqui reclamada sempre cabe no diferencial entre o depositado, imputado o que foi gasto antes da apreensão, e o transferido em sede de acordo extrajudicial. 55.ª Quanto aos danos, e face à factualidade provada, nomeadamente os factos provados 9 e 22 a 25, não se alcança como poderia o Tribunal a quo ter chegado a conclusão diferente. 56.ª A diferença de saldos entre 31 de janeiro de 2020 (€ 9.845.091,259), quando se pediu o resgaste, e junho de 2021 (€ 9.144.889,90 €), quando o dinheiro foi disponibilizado ao Recorrido, resulta da depreciação que sofreram aqueles ativos financeiros, em virtude da pandemia do Covid-19, que levou a que os mercados sofressem fortes quedas, provocando uma crise financeira, com depreciação dos ativos de investimento por todo o mundo. 57.ª Em consequência, as aplicações financeiras do Recorrido desvalorizaram significativamente, o que resulta da factualidade provada 24 e 25. 58.ª Tal diferença, de € 668.123,81 é, pois, o valor que o Recorrente deve indemnizar ao Recorrido, ressalvando-se que a própria Sentença recorrida salvaguardou a possível margem de erro que possa existir ao cêntimo, sendo sempre certo que o diferencial em questão é o que melhor materializa os produtos financeiros em que o Recorrido havia investido e sobre os quais vigorava o contrato de gestão de carteiras. 59.ª Ou seja, é a Sentença recorrida a afirmar que o cálculo do montante indemnizatório foi realizado à luz do critério de equidade imposto, “em última instância, pela lei (artigo 566º, n.º 3 do Código Civil)”, não podendo proceder a nulidade invocada pelo Recorrente relativamente ao facto provado 25, ainda que fora e posteriormente à impugnação de facto. 60.ª Finalmente, o Recorrente alega (embora não faça constar das Conclusões) que o Recorrido “alterou intencionalmente a verdade dos factos e omitiu, descaradamente, factos essenciais”, ao omitir da Petição Inicial a ordem de apreensão de contas, proferida no Processo n.º …/…, com isso levando a Sentença a um engano. 61.ª No entanto, foi o Recorrido que trouxe aos presentes autos, logo na configuração da sua demanda, a existência do Processo n.º …/…, chegando mesmo a transcrever despachos judiciais que expressamente o referem, os quais juntou aos autos. 62.ª Resulta, de resto, da Sentença recorrida que esteve sempre presente a existência dos dois processos-crime. 63.ª No mais, o pedido de litigância de má-fé formulado não se fundamenta em qualquer disposição legal, incumprindo-se, para além de tudo o mais, os pressupostos processuais de que depende a sua procedência processual, o que se releva ainda no facto o Recorrente não fazer alusão a concretas despesas incorridas (como invoca), nem ter produzido qualquer prova nesse sentido. 64.ª O moveu e move o Recorrido nestes autos é apenas e só a responsabilidade civil que o Recorrente tem para consigo, a qual se encontra alegada, fundamentada e comprovada, sendo agora objeto da Sentença condenatória do Tribunal a quo, a qual deve, por todos os motivos expostos, ser mantida, não podendo tal pedido de litigância de má-fé proceder.
O Apelado juntou o parecer que havia protestado juntar.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos as seguintes questões a decidir (seguindo a ordem indicada pela Apelante, que se nos afigura adequado respeitar, tendo em atenção o princípio da limitação dos atos):
1.ª) Se, ante os factos dados como provados na sentença, a Ré não incorreu em responsabilidade civil contratual, uma vez que estava impedida de cumprir a ordem de resgate das aplicações financeiras dada pelo Autor enquanto se manteve a medida de apreensão decretada por despacho judicial de 17-10-2019, proferido no âmbito do proc. n.º …/…;
2.ª) Se deve ser modificada a decisão da matéria de facto no tocante aos pontos 7, 8, 13, 15, 16 e 18;
3.ª) Se a sentença é nula, termos do art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, por a decisão de condenar o Réu a pagar ao Autor a quantia de 668.123,31 € estar em oposição com os fundamentos de facto definidos pela própria sentença, uma vez que se deu como provado que o valor da desvalorização dos ativos do Autor não foi apurado;
4.ª) Se, ante os factos que ficaram provados, o Réu não está obrigado a indemnizar o Autor, uma vez que este não demonstrou ter sofrido qualquer prejuízo, nem fez prova do valor dos seus ativos no dia da apresentação das ordens de resgate;
5.ª) Se, como o Autor se tinha obrigado a devolver à PMV International Inc. a totalidade dos fundos que detinha no Banco Réu de modo a se eximir do processo criminal que corria termos no Brasil, a indemnização peticionada redunda num prémio indevido para o Autor.
Dos factos
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos (acrescentámos o que consta entre parenteses retos, para melhor compreensão, retificando, em 13 e 15, lapsos materiais, conforme plenamente provado – cf. art. 662.º, n.º 1, do CPC; mantivemos a ordem dos factos, consentânea com as alegações de facto constantes dos articulados, para melhor compreensão das conclusões da alegação de recurso, muito embora essa ordem não seja a mais adequada do ponto de vista lógico e cronológico):
1. Em meados de 2018, o Autor, cidadão brasileiro, veio viver com a sua família para Portugal.
2. Aquando dessa mudança, o Autor transferiu todo o património do Brasil, traduzido em poupanças e ativos financeiros, para Portugal, nomeadamente para o Réu.
3. Para esse efeito, foi celebrado, em 10 de Julho de 2018, entre Autor e Réu, entre outros, um “contrato de gestão de carteiras por conta de outrem particular USD”, nos termos do qual o Réu ficou encarregado de «gerir, por conta do primeiro, a carteira de activos identificada na cláusula anterior, tendo em vista a valorização da mesma, mandatando o SANTANDER TOTTA, no âmbito dos poderes e instruções definidos no presente, para a prática de todos os actos necessários à prossecução dos aludidos fins (...)» - cf. doc. 23 com a p.i. [estando aí previsto, além do mais, na cláusula 6.ª, n.º 2, que “O Cliente tem a faculdade de, mediante pré-aviso de 10 dias dado por escrito ao SANTANDER TOTTA, com total respeito pelas normas de liquidação e compensação das operações efectuadas, bem como a eventual maturidade deferida de alguns títulos, caso em que a liquidação não é imediata, e relativamente à carteira de activos sob gestão, atendendo designadamente aos prazos aplicáveis (…) solicitar levantamentos em numerário e/ou títulos, desde que o valor global da carteira não fique inferior ao montante mínimo referido em 6º/1 a) (…)” (750.000 Dólares Americanos) e na cláusula 16.ª, n.º 2, que “No âmbito da denúncia do contrato por iniciativa do Cliente, poderá este solicitar o encerramento da carteira de activos mediante o levantamento de títulos ou liquidação em meios líquidos, tendo presente as regras definidas na clª 6ª nº 2”.].
4. Porém, logo no final desse ano, a movimentação das contas passou a estar impedida face à medida de suspensão de operações bancárias decretada no âmbito do processo-crime n.º …/…, bem como em processo homólogo das justiças do Brasil.
5. Em 19-11-2018, o Autor enviou uma carta ao Réu a solicitar, com carácter de urgência, informações quanto ao bloqueio da movimentação das contas, tendo este respondido nos seguintes termos, conforme doc. 25 junto com a p.i., que ora se dá por reproduzido: «vimos por este meio transmitir que o bloqueio das contas n.º …, …, …, … e …, decorre destas contas terem sido objeto de suspensão dos movimentos a débito, recaindo sobre o A …, SA, a obrigação legal de obstar à movimentação das referidas contas a débito, decorrente do cumprimento dos deveres legais que não pode deixar de observar, não sendo possível, nos termos da legislação aplicável, prestar qualquer outro esclarecimento sobre a matéria».
6. Ao longo do ano de 2019, as contas do Autor permaneceram bloqueadas, tendo sido autorizados pelo Ministério Público alguns pagamentos pontuais.
7. Em novembro de 2019, o Autor dirigiu ao Réu email com o seguinte teor, além do mais que ora se dá por reproduzido, cf. doc. 26 com a p.i.: «Caro C …, Espero que estejas bem. Preciso que me envie o prazo de resgate de todas as minhas aplicações financeiras. (...)»; ao qual o Réu nunca respondeu.
8. O Autor dirigiu idênticas interpelações via “Whatsapp”, plataforma através da qual anteriormente mantinha comunicação com o seu gestor de conta C …, sem resposta concreta.
9. O Autor dirigiu ao Réu um email datado de 21-01-2020, com o seguinte teor, além do mais que ora se dá por reproduzido, cf. doc. 30 com a p.i.: «Caro C …, Como é já do seu conhecimento, já recebi autorização das autoridades para a liberação das minhas contas no Santander Totta. Tal liberação decorre de acordo extrajudicial celebrado com a minha ex-empregadora, a qual foi primariamente responsável pelo bloqueio de tais contas, ao por em causa um bónus de mais de US$13 milhões que recebi em 2017. Por força desse acordo, aceitei restituir à minha ex-empregadora o montante de US$10.361.000,00, cuja transferência deve ser feita assim que o banco receber oficialmente a ordem de liberação pelas autoridades competentes, o que deve acontecer nos próximos dias. Desta forma, solicito que inicie imediatamente a liquidação de todas as minhas aplicações, buscando sempre maximizar os resultados. Lembro que a atual ordem de bloqueio não impede que sejam feitos resgates para as contas-correntes. Por último, reforço que jamais pratiquei qualquer ilícito (...)»
10. O Réu respondeu por email de 22-01-2020, com o seguinte teor, além do mais que ora se dá por reproduzido, cf. doc. 31 com a p.i.: «(...) Fomos informados que até este momento não recebemos qualquer nova notificação (Ofício do Tribunal); A última notificação recebida pelo B.Santander data ainda de 2019. Só podemos comercialmente atuar sobre os ativos financeiros após receber instruções por essa via, e informarei quando acontecer. Nota: caso já detenha, com o apoio do seu Advogado, algum documento emitido em 2020 se desejar poderá facultar uma cópia por e-mail. (...)»
11. O Autor dirigiu ao Réu um email, datado de 03-02-2020, com o seguinte teor, além do mais que ora se dá por reproduzido, cf. doc. 32 com a p.i.: «(...) Realmente não tenho como controlar quando o banco irá receber a comunicação das autoridades que autorizou o desbloqueio das contas, entretanto, a minha solicitação feita abaixo foi no sentido se proceder ao resgate dos meus investimentos. Procedimento o qual o banco não está impedido pela ordem de bloqueio em vigor. Isto tanto é verdade que eu mesmo fiz alguns resgates através do aplicativo do banco na internet em dezembro passado. Meu receio era exatamente que os meus ativos se desvalorizassem antes de ser possível ser feito o pagamento. Sinto que fui prejudicado por não ter sido atendido e precisaremos falar sobre isso no momento que achares oportuno (...)»
12. [Em 15-11-2018] O Réu havia remetido uma comunicação ao processo-crime referido em 4., expondo o seguinte, cf. doc. 34 junto com a pi: «(...) Antes da determinação da suspensão dos movimentos a débito nas contas estavam em curso operações de compra de títulos no âmbito daquele contrato e que estão por liquidar por débito da conta …, no valor de 47.349.56 €, Est Etf Amundi, e 110.257.69 € Est AcISHARESBARCL. Os títulos vão ser depositados na carteira de títulos do cliente. Isto é, embora se realizem movimentos a débito e a crédito nas contas dos clientes, não existe movimentações fora do universo patrimonial do cliente no Banco. Deste modo face a esta circunstância o Banco procederá à liquidação dos títulos (...)», tendo recebido resposta do Ministério Público no sentido de que nada obstaria a tal operação (doc. 35 com a p.i.).
13. Em novembro de 2019 [trata-se de lapso material, deverá ler-se dezembro de 2019 – facto plenamente provado por documento e confissão – cf. artigos 73.º e 74.º da PI e docs. 33 e 37 e art. 97.º da Contestação], o Autor conseguiu efetuar alguns resgates das suas aplicações na aplicação online do Banco, conforme transmitiu ao Réu.
14. Por despacho de 14-01-2020 proferido pelo Ministério Público no âmbito do processo aludido em 4. [n.º …/…], notificado ao Mandatário do Autor por ofício do DCIAP de 15-01-2020, foi consignado o seguinte, cf. doc. 21 com a p.i.: «Quanto à suspensão das operações bancárias cujo prazo tem o seu terminus [considerando ainda que as quantias, ora suspensas mostram-se já apreendidas à ordem da CR remetida pelas autoridades brasileiras, em concreto pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO – FORO CENTRAL CRIMINAL BARRA FUNDA, uma Carta Rogatória, por referência ao processo que ali corre os seus termos no Grupo Especial de Repressão aos Delitos Económicos do Ministério Público do Estado de São Paulo, com Procedimento Investigatório Criminal (…), onde se investiga e apura a responsabilidade penal do arguido pelos factos destes autos e em que igualmente são denunciantes os mesmos destes autos] Desta feita não se vislumbra qualquer pertinência na prorrogação da suspensão da operação bancária subjacente nestes autos, uma vez que, tais valores mostram-se já acautelados naquela CR (...), pelo que não irei determinar a sua prorrogação.»
15. O Autor enviou ao Réu um email datado de 05-02-2020 [trata-se de lapso material, pelo que se deverá ler 02-05-2020, isto é, 2 de maio de 2020 – facto plenamente provado por documento e por acordo das partes – cf. art. 124.º da PI e doc. 38], com o seguinte teor, além do mais que ora se dá por reproduzido, cf. doc. 38 com a p.i.: «Caro C … (...) estou a acompanhar o desempenho das minhas aplicações e notei no extrato deste mês que a parte dos fundos de investimento simplesmente “sumiu” do extrato. Veja que elas constavam no extrato de março mas não aparecem em abril. Podes esclarecer, por favor? (...)».
16. O Réu não respondeu ao email, tendo apenas o gestor do Autor informado, via “whatsapp”, que «logo que seja possível eu responder aviso».
17. O Autor dirigiu email ao Réu, datado de 19-05-2020, com o seguinte teor, além do mais que ora se dá por reproduzido, cf. doc. 40 com a p.i.: «Caro C …, Gostaria de manifestar a minha mais profunda indignação sobre a forma que estou sendo tratado pelo A …, SA. Além de não terem cumprido a ordem de resgate das minhas aplicações enviada em Dezembro de 2019, me causando um prejuízo que pode superar €1 milhão, recusa esta sem qualquer respaldo jurídico (...), o banco agora se recusa a me dar acesso aos meus extractos e enviar as informações sobre as minhas contas e investimentos. Hoje estou completamente no escuro pois grande parte dos meus investimentos e contas não aparecem na aplicação de internet. Por isso, vou pela última vez solicitar amigavelmente estes documentos. Se o C …, não pode atender-me, por favor encaminhe para quem possa (...)».
18. O Autor voltou a insistir pelo envio dos elementos anteriormente solicitados em 25-05-2020, nos termos que constam do email cuja cópia constitui doc. 41 com a p.i.
19. Em 28-05-2020, o Réu enviou um email ao Autor, com o seguinte teor, cf. doc. 42 com a p.i.: «Caro B …, boa tarde, Conforme solicitado, junto enviamos todos os extractos das suas contas à data de 30 de Abril de 2020, incluindo agora os relativos às contas de encerramento, que não haviam sido remetidos. Mais informamos que, neste momento, todos os activos foram liquidados, à exceção dos seguros financeiros, os quais entretanto já foram solicitados à Seguradora, mas ainda não disponibilizados. Assim, por hora, apenas será possível dar seguimento parcial à S/ordem de instrução irrevogável. (...)»
20. Após troca de outra correspondência, o Autor enviou ao Réu um email datado de 15-06-2020, com o seguinte teor, além do mais que ora se dá por reproduzido, cf. doc. 44 com a p.i.: «Prezado C …, Volto a indaga-los sobre os resgates e transferência do valor remanescente em minhas contas. Como sabe, existe uma procuração irrevogável com instruções precisas e claras da minha parte e que não está a ser cumprida. A cada dia que passa estou a ter prejuízos financeiros decorrentes directamente da conduta do Banco, sendo que o atraso injustificado na execução de uma instrução expressa e clara da minha parte causará igualmente prejuízos sérios. Desta forma, informo se os valores não forem transferidos até à próxima quarta-feira, dia 17/06 irei reportar esta situação às autoridades competentes (...)».
21. No Brasil, o Autor trabalhou como alto quadro executivo de um dos maiores grupos empresariais daquele país.
22. Em 31 de Dezembro de 2019, o Autor tinha um total de 9.745.650,88 €, no âmbito das suas cinco contas no Réu, a que estavam associadas aplicações financeiras várias: conta n.º …; conta n.º …; conta n.º …; conta n.º …, e conta n.º ….
23. Em 31 de Janeiro de 2020 (após pedido de resgate de todas as aplicações financeiras), o saldo global dessas mesmas cinco contas era de 9.845.091,25 €.
24. Devido à eclosão da pandemia pela doença Covid-19, os mercados sofreram fortes quedas, o que provocou uma crise financeira, com depreciação dos ativos de investimento por todo o mundo.
25. Em consequência, as aplicações financeiras do Autor desvalorizaram significativamente, embora em montante não concretamente apurado.
26. Quando foi liquidado o saldo bancário do Autor, para realização da transferência objeto do acordo extrajudicial mencionada no doc. 30 com a p.i. (cf. ponto 9. dos presentes factos provados), este tinha o valor de 9.144.889,90 €, resultante da conversão em euros de $10.282.985,72, por sua vez resultante da soma dos valores constantes das mensagens SWIFT constantes do doc. 58 com a p.i., cujo teor ora se dá por reproduzido.
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27. Por despacho judicial de 17-10-2019, proferido no proc. n.º …/…, do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, Juiz 7, notificado ao Réu em 18-10-2019, foi determinado o seguinte: «(...) ao abrigo do disposto nos artºs 178º, 181º e 268º al. c) todos do CPP, determino aapreensão dos saldos das contas bancárias, do A …, SA, bem como todos os seguros e todas as aplicações financeiras e bancárias, tituladas ou em que seja interveniente, a qualquer título, B …, congelando assim todos os movimentos das mesmas: - Conta do A …, SA, nº 0003.11479843024; - Conta do A …, SA, nº 0003.11485790024; - Conta do A …, SA nº 0003.46936233020; - Conta do A …, SA, nº 0003.471178020, e - Conta do A …, SA, nº 0003.47194493020”. – cf. doc. 1 junto com a contestação, cujo teor ora se dá por reproduzido.
28. Do mesmo despacho, como fundamento para a medida aí decretada, consta o seguinte: «(...) Indicia-se fortemente nos autos a prática de factos suscetíveis de integrar a prática do crime de burla qualificada e de branqueamento de capitais. Tendo em conta os elementos que constam dos autos (...) indicia-se fortemente que as quantias monetárias e quaisquer outros valores depositados nas contas bancárias indicadas a fls. 201, bem como todas os seguros e aplicações financeiras, existentes no A …, SA, que sejam titulados por B … ou em que o mesmo seja interveniente, tem proveniência ilícita, constituindo produto dos ilícitos em investigação nos presentes autos (...)».
29. Tal ordem judicial de apreensão e congelamento de todos os ativos do Autor no Réu apenas foi levantada por despacho judicial datado de 06-05-2020, notificado ao Banco por ofício de 08-05-2020.
30. Essa ordem de levantamento foi emitida na sequência de promoção do Ministério Público da qual consta, além do mais, o seguinte, conforme doc. 2 junto com a contestação: «(...) veem agora as autoridades brasileiras ... invocar que por acordo celebrado entre os intervenientes processuais nos autos que decorrem junto daquelas autoridades brasileiras, B … concordou em restituir a quantia objeto da ação penal, e que se encontram apreendidas por via destes autos, pelo que solicitam o desbloqueio e subsequente levantamento das apreensões das referidas contas bancárias, seguros e aplicações bancárias e financeiras, a fim de as mesmas poderem ser restituídas conforme acordado à entidade lesada (...)».
31. O Réu procedeu ao resgate das aplicações do Autor e à disponibilização do respetivo produto ao mesmo em maio de 2020, tendo o resgate de algumas aplicações ocorrido apenas durante o mês de junho de 2020.
*
32. O Autor abriu conta bancária no Réu em 29-05-2018, para a qual foi transferida a quantia de US$13.650.868,00, mediante ordens da sociedade “ D … Ltd.”
33. Em 06-11-2018, o Réu recebeu uma comunicação do escritório de advogados Covington Burlington LLP, em representação da sociedade PMV International Inc., a informar que o Autor havia desviado fraudulentamente da referida empresa a quantia de USD 13.037.500,00, e que esta quantia tinha sido transferida para o A …, SA.
34. Em cumprimento do dever de comunicação imposto pela Lei n.º 83/2017, de 08-08, o Réu comunicou essa transferência ao DCIAP e à Polícia Judiciária, na sequência do que aquele DCIAP, por ofício de 13-11-2018, determinou, nos termos do artigo 48.º, n.º 1 da mesma Lei, «(...) a suspensão temporária de execução de quaisquer operações a débito sobre todos os ativos depositados ou que venham a ser creditados no A …, SA, bem como seguros e outras aplicações financeiras tituladas ou em que sejam intervenientes, a qualquer título, B …, E … e F … (...)» - cf. docs. 1 e 2 juntos com a p.i..
35. Tal iniciativa do DCIAP foi confirmada por despacho judicial de 15-11-2018, que considerou indiciada a factualidade referida pelo DCIAP, tendo a ordem de suspensão sido determinada até 14-02-2019, no âmbito do processo aludido em 4. [n.º …/…], que correu termos no mesmo Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, Juiz 2 – cf. doc. n.º 3 com a p.i..
36. A ordem de suspensão proferida no âmbito do processo aludido em 4. foi sucessivamente prorrogada por despachos judiciais, assentes em promoções do Ministério Público, até à última, que vigorou até 15-01-2020.
37. Porém, o Réu não foi notificado do despacho do Ministério Público aludido em 14., nem de qualquer ordem de cessação da medida de apreensão no âmbito desse processo.
38. O Autor sempre teve acesso integral, e a todo o tempo, aos extratos consolidados e integrais referentes aos seus ativos no A …, SA. através da plataforma eletrónica (“NetBanco”) do Réu.
39. O Autor só logrou efetuar resgates parciais num seguro financeiro, subscrito junto da A …, S.A., que estava congelado, em dezembro de 2019, devido a um lapso operacional do sistema informático do Réu.
Na sentença foi considerado não provado que:
a) Em 2 de maio de 2020, a Ré passou a limitar o acesso ao Autor no acompanhamento do desempenho dos seus ativos financeiros, eliminando no extrato do mês de abril a parte referente aos fundos de investimento (art. 123º da p.i.).
Do incumprimento do contrato gerador da responsabilidade civil contratual
Na fundamentação de direito da sentença recorrida teceram-se, no tocante ao apuramento da responsabilidade contratual do Réu, as seguintes considerações (inserimos as notas de rodapé entre parenteses retos; sublinhado nosso): Constitui objecto do presente litígio determinar a responsabilidade contratual do Réu quanto aos factos apurados. Estamos, claramente, no domínio da responsabilidade contratual da instituição bancária ora demandada, dado que entre esta e o Autor existiu uma relação jurídica traduzida num contrato de depósito bancário (materializado em várias contas) – artigo 1185º do Código Civil – mais concretamente, um depósito irregular, por ter como objecto coisa fungível – artigo 1205º - e, também, num outro contrato, tipificado pelas próprias partes, que criou direitos e obrigações recíprocas para ambas, nos termos do respectivo clausulado. Quanto ao contrato de depósito bancário, é sabido que se trata de um contrato de depósito irregular, através do qual o depositante (proprietário) de recursos monetários transfere para uma instituição bancária, ou dentro dela, a propriedade dos valores depositados para que esta, podendo usá-los e dispor deles, lhos restitua quando para tal lhe for solicitado ou exigido, como aconteceu na situação dos autos. Por via da remissão do art. 1206º do Código Civil para o seu art. 1144º, o dinheiro torna-se propriedade do Banco que se constitui, ante o depositante, na obrigação de restituição em género. Quanto ao contrato de “gestão de carteiras por conta de outrem particular USD” – doc. 23 com a petição inicial –, compulsado o seu clausulado, verifica-se que o mesmo consistiu num mandato, através do qual o Autor encarregou o Banco de «gerir, por conta do primeiro, a carteira de activos identificada na cláusula anterior, tendo em vista a valorização da mesma», assim habilitando o Réu, «no âmbito dos poderes e instruções definidos no presente, para a prática de todos os actos necessários à prossecução dos aludidos fins» - cláusula 2ª do Contrato. Relativamente a ambos, posto que estamos no domínio da responsabilidade contratual, vigora a presunção de culpa estabelecida no artigo 799º do Código Civil, segundo a qual «Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua». Os actos através dos quais o Banco exerceria o mandato são aqueles que constam descritos na cláusula 3ª e, para o mesmo, enquanto “entidade gestora”, emergiam as concretas obrigações consignadas na cláusula 5ª. Destas, para além dos deveres gerais, através dos quais o Banco se obrigou a «agir de boa-fé e com a diligência de um gestor criterioso, tendo em vista exclusivamente os interesses do Cliente (...), para o bom cumprimento do presente contrato (...)» (n.º 1) e «(...) a rentabilização dos bens confiados (...)» (n.º 2), vinculou-se, também: «e) A comunicar ao Cliente os pormenores dos negócios concluídos que ele lhe solicitar (...); f) A enviar mensalmente, ao Cliente, um extracto de movimentos, com informação sobre todos os activos integrantes da carteira, incluindo liquidez e respectiva valorização, evolução do valor da carteira, no período e nos últimos 12 meses, montante total das comissões e outros custos suportados durante o período e respectiva natureza, dividendos, juros e outras remunerações recebidas, transferências a débito ou a crédito, de numerário ou de valores mobiliários, para a carteira sob gestão; (...)» Importa, então, retornando ao cerne da questão, saber se o Banco Réu agiu ou não culposamente, prova (negativa) que estava a seu cargo, nos termos desta presunção legal, sendo a culpa apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil, de harmonia com o n.º 2 do citado preceito. Recorde-se que «A culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo» [1 Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, 1º vol., 6ª edição, pág.536]. No caso concreto, cumpre apurar, afinal, se o Réu estava, ou não, obrigado a cumprir as instruções do Autor, que lhe foram por este dirigidas ao abrigo da relação contratual existente, após recepção de duas ordens de bloqueio das contas bancárias ali domiciliadas. Daí, aliás, a circunstância de, no caso sub judice, a prova testemunhal ter assumido menor relevância do que o habitual. Sabe-se que tais ordens foram emitidas por autoridade judiciária em Portugal, por referência a factos ocorridos no Brasil e a fundos dali provenientes (directa ou indirectamente). Tratou-se de actos de apreensão, realizados pela autoridade judiciária competente, e/ou de medidas de garantia patrimonial, como o arresto preventivo, promovido pelo Ministério Público e validado pelo juiz de instrução. Num caso, como noutro, ocorre o bloqueio de instrumentos, produtos ou vantagens putativamente relacionados com a prática de um facto ilícito típico ou susceptíveis de servir como prova (artigo 178º do C.P.P.) ou, ainda, como garantia de prestação de caução; no âmbito da criminalidade económico-financeira, o arresto preventivo, a lei tem desenvolvido um regime especial em matéria de recolha de prova e de perda de bens a favor do Estado, no qual se inclui o arresto de bens do arguido, no valor correspondente ao apurado como constituindo vantagem da actividade criminosa. É sabido que, no âmbito de uma relação contratual bancária, estão envolvidos específicos deveres de conduta, bem descritos pelo Prof. Almeno de Sá [2 “Direito Bancário”, Coimbra, 2009, pág. 19 e seguintes], que aproveitamos para citar, dado o acerto e adequação ao caso da sua lição: «Em primeiro lugar, o seu conteúdo essencial projecta-se num dever de prestação de serviços, com toda a densificação de sentido inerente a esta tradicional categoria jurídica. Como se compreenderá, a afirmação deste dever será, em muitos casos, determinante para a correcta resolução de certo tipo de litígios, frequentes na prática. Saliente-se, de modo particular, que faz parte do referido dever, na leitura aqui sustentada, a obrigação de a entidade bancária colocar à disposição do cliente a respectiva estrutura organizativo-funcional, em ordem à execução de tarefas de tipo variado, ligadas, de um modo ou de outro, à actividade bancário-financeira. Em segundo lugar, este contrato faz nascer, para a instituição bancária, em razão da sua profissionalidade e competência específica, uma obrigação de acautelamento de interesses do cliente, no que respeita a todos os assuntos de carácter bancário-financeiro. Esta obrigação implica, não uma pura atitude passiva, mas antes uma actividade de continuada promoção e vigilância dos interesses do cliente, no particular domínio considerado. Em terceiro lugar, desta compreensão contratualista resulta que também a relação de confiança inerente a toda a vinculação bancária é colocada num plano contratual, e não meramente legal, com todas as implicações dogmático-práticas que daí necessariamente resultam. Finalmente, pode dizer-se que é com base nesta global dimensão contratual que se “mede” e se conforma o dever geral do banco de executar as diversas operações solicitadas pelo cliente ao longo do tempo, e mesmo os singulares negócios bancários acordados, os quais, a serem isoladamente considerados, poderiam eventualmente ter um “tratamento” jurídico menos favorável aos interesses deste último». Compulsada a factualidade constante dos autos, cremos que foi, precisamente, o que falhou no cumprimento pelo Réu, supostamente da forma mais escrupulosa possível, dos seus deveres emergentes do contrato – deveres e contrato, estes, que se mantiveram e subsistiram sempre, ao longo de todo o período em que vigoraram aquelas medidas processuais penais de bloqueio das contas bancárias do Autor. Na verdade, tais medidas visavam, apenas e só, um fundamental objectivo: que o património mobiliário ali existente, quer sob a forma de mero depósito, quer no âmbito de aplicações ou outros produtos financeiros, permanecesse nessas contas, não podendo ser movimentado para fora delas. Porém, o que pudesse acontecer dentro dessas contas – nomeadamente, aos investimentos financeiros corporizados através das contas, mais propriamente, eventuais pedidos de resgate de aplicações financeiras – é algo com que a autoridade judiciária não lidou, nem quis, lidar. Só assim, aliás, se pode interpretar a singeleza das ordens de bloqueio recepcionadas pelo Banco: seja de bloqueio na movimentação das contas (a débito, necessariamente, já não a crédito), seja de apreensão dos saldos dessas mesmas contas, bem como seguros e todas as aplicações financeiras e bancárias. Pois que, como o próprio Banco reconheceu nas suas comunicações com a autoridade judiciária – ponto 12. dos factos provados – podendo, embora, realizar-se movimentos a débito e a crédito das contas do cliente, ora Autor, importaria, apenas, impedir a ocorrência de movimentações fora do universo patrimonial do cliente no Banco. E, se assim é para os pedidos de resgate, feitos pelo Autor e desatendidos pelo Réu, por maioria de razão à mesma conclusão se há-de chegar quanto aos meros pedidos de informação que o Autor também dirigiu, sempre nos termos previstos no contrato, a que o Réu não respondeu, escudando-se na pendência das ordens judiciárias (pontos 5., 7., 15. e 17. dos factos provados). Pese embora a obrigação do Réu de dar estrito e rigoroso cumprimento às ordens provenientes da autoridade judiciária, a relação contratual deste com o Autor subsistiu, não existindo motivo justificativo para não assegurar o cumprimento das obrigações dali emergentes, dentro dos limites derivados daquele circunstancialismo. E foi isso que o Réu pareceu olvidar, ao fazer tábua rasa daquele mesmo contrato, quase como que um excesso de zelo, ao ponto de obstaculizar qualquer tentativa de contacto do Autor, pelo menos para obtenção de informações sobre os produtos financeiros em carteira. Independentemente das circunstâncias que contextualizam a existência dos inquéritos-crime, o Banco estava vinculado ao contrato; assim se demonstrando o incumprimento contratual imputado ao Réu, a este incumbiria provar que tal incumprimento não proveio de culpa sua, o que não aconteceu. Está, portanto, definida a obrigação contratual do Réu e em que medida o não cumprimento de tal obrigação acarreta a sua responsabilidade civil. Cumprindo, então, apurar e definir o conteúdo da obrigação de indemnizar, nos termos previstos pelo artigo 562º do Código Civil, de acordo com o princípio da reconstituição natural e na medida em que se verifique o nexo causal entre o dano invocado e o incumprimento contratual que conferiu o direito à indemnização. Assim, provou-se, em primeiro lugar, que, no decurso do primeiro trimestre de 2020 (na sequência da eclosão da pandemia de covid-19 e da obrigação geral de confinamento da população), os mercados financeiros sofreram fortes quedas (pontos 24. e 25. dos factos provados) e que, no final de Janeiro desse mesmo ano – imediatamente após o pedido do Autor de liquidação das aplicações, em 22 desse mês –, o saldo global das contas bancárias tituladas pelo Autor no Réu era de € 9.845.091,25 (ponto 23.), sendo, que, no dia em que o Autor formalizou o pedido de resgate (21.01.2020 – ponto 9. dos factos provados), tal valor calcular-se-ia em € 9.813.013,71. Provou-se, em segundo lugar, que, após cumprimento, pelo Banco, das ordens de liquidação, em Maio-Junho de 2020, o saldo disponível do Autor, que foi na íntegra movimentado para fora do Réu – titulado nas mensagens SWIFT emitidas para o efeito (ponto 26. dos factos provados) –, era, no equivalente em dólares à cotação do dia, € 9.144.889,90. Ora, ainda que se admita alguma margem de erro no apuramento, ao euro e ao cêntimo, destas quantias assim calculadas pelo Autor, o certo é que são aquelas que plausivelmente quantificam os valores em questão, como melhor expressão possível da materialização dos produtos financeiros em que o Autor havia investido os fundos depositados à guarda do Réu e sobre os quais vigorava o contrato de gestão de carteiras. Pelo que, mesmo havendo de calcular o montante indemnizatório à luz de um critério de equidade imposto, em última instância, pela lei (artigo 566º, n.º 3 do Código Civil), o valor assim peticionado – a diferença entre o saldo à data em que foi solicitado o resgate e aquele disponível aquando do cumprimento cabal dessa ordem pelo Réu – afigura-se razoável e adequado ao cômputo do dano invocado pelo Autor e fundado na responsabilidade contratual do Réu. Sobre esta quantia, assim apurada – € 668.123,81 – acresce a liquidação de juros de mora, considerando a data em que o Réufoi formalmente interpelado para tal cumprimento (que, no caso, deve corresponder à citação, como peticionado), nos termos dos artigos 805º e 806º do Código Civil, os quais se vencem à taxa legal aplicável aos créditos civis (Portaria n.º 291/2003, de 08.04).
O Apelante discorda deste entendimento, sustentando, em síntese, que: não incorreu em incumprimento contratual ao não ter executado o pedido de resgate efetuado pelo Autor, por email 21-01-2020, pois as aplicações financeiras em causa estavam apreendidas, conforme determinado no despacho judicial de 17-10-2019 (proferido no proc. n.º …/…), do qual resultava estarem impedidos todos os movimentos, seja de que tipo fossem, nos ativos em causa (e, ao contrário do que pretende a sentença, não somente os movimentos a débito); impunha-se dar cumprimento à descrita ordem judicial, a qual, ao impedir todo o tipo de movimentos, impedia, como é óbvio, também os resgates, situação que se manteve até que essa ordem judicial de apreensão e congelamento de todos os ativos do Autor foi levantada por despacho judicial de 06-05-2020, notificado à Ré em 08-05-2020.
O Apelado, por sua vez, pugna pelo acerto da sentença recorrida, argumentando, em síntese, que: nenhuma das duas ordens de bloqueio (das contas bancárias) consideradas na sentença, incluindo a do despacho de 17-10-2019, tem o alcance material que o Apelante lhe atribui, já que a menção ao congelamento de todos os movimentos das contas não tem qualquer conteúdo útil, sendo o “congelamento” (dos ativos) um conceito amplo que se usa no plano internacional e que no ordenamento jurídico português abarca o arresto do art. 228.º do CPP, o arresto para perda alargada do art. 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11-01, a apreensão do art. 178.º do CPP e ainda a suspensão de operações bancárias da Lei n.º 83/2017, de 18-08; o alcance máximo daquele despacho era a impossibilidade de as contas do Autor serem por si movimentadas e em prejuízo da exequibilidade da perda que viesse a ser determinada, não sendo necessário nenhum despacho judicial a autorizar o resgate solicitado; tanto mais que foram efetuados e não comunicados à autoridades pela Ré os resgates feitos pelo Autor através da aplicação eletrónica do Banco; não diligenciou sequer a Ré para apurar se o não resgate iria determinar perdas, nem comunicou com as autoridades para esclarecer o que lhe aprouvesse.
Vejamos.
Como é sabido, os pressupostos da responsabilidade civil contratual são, além da existência de uma relação jurídica contratual, o facto ilícito – que corresponde à violação de um dever de fonte contratual –, a culpa (que se presume – cf. art. 799.º do CC), o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
No caso sub judice, é evidente que o facto ilícito cuja prática vem imputada à Ré como tendo causado ao Autor o dano patrimonial que a Ré foi condenada a indemnizar se circunscreve, apenas e só, à mora no cumprimento da obrigação de proceder ao resgate/liquidação das aplicações financeiras do Autor solicitado por email de 21-01-2020. Efetivamente, quanto à violação do dever de informação (mormente por falta de resposta a emails), parece-nos evidente que a mesma não foi invocada na Petição Inicial como causa adequada do dano cujo ressarcimento foi peticionado, tão pouco tendo sido reconhecida na sentença como tal, o que, aliás, bem se compreende, precisamente porque não havia sequer sido alegada pelo Autor, na configuração da causa de pedir, a ocorrência de quaisquer danos concretos que pudessem ter sido causados pela inobservância desse dever acessório.
Portanto, o que importa apreciar é se, no âmbito do Contrato de gestão de carteira celebrado entre as partes em 10-07-2018 (cf. ponto 3), foi ilicitamente incumprida (incumprimento em sentido amplo, que inclui a mora) pela Ré a prestação devida, considerando que houve um atraso ou retardamento na execução da referida ordem de resgate das aplicações financeiras.
De referir, fazendo um breve enquadramento jurídico deste tipo de contrato, que se encontra previsto no art. 335.º do Código dos Valores Mobiliários (aprovado pelo DL n.º 486/99, de 13-11), nos seguintes termos: “1 - Pelo contrato de gestão de uma carteira individualizada de instrumentos financeiros, o intermediário financeiro obriga-se: a) A realizar todos os atos tendentes à valorização da carteira; b) A exercer os direitos inerentes aos instrumentos financeiros que integram a carteira. 2 - O disposto no presente título aplica-se à gestão de instrumentos financeiros, ainda que a carteira integre bens de outra natureza.”
O contrato em apreço foi celebrado ao abrigo do Decreto-Lei n.º 163/94, de 04-06-1994 (que regulamentava a atividade das sociedades gestoras de património), aí se prevendo designadamente que a gestão de carteiras é exercida com base em mandato escrito, celebrado entre as sociedades gestoras e os respetivos clientes (cf. art. 1.º, n.º 3), devendo todos os fundos e demais valores mobiliários pertencentes aos clientes das sociedades gestoras ser depositados em conta bancária (cf. art. 5.º). Este diploma foi, entretanto, revogado pelo Decreto-Lei n.º 109-H/2021, de 10 de dezembro, que, além do mais, aprova o regime das empresas de investimento e procede à transposição de diversas diretivas relativas ao seu funcionamento.
Na jurisprudência, a respeito deste contrato, destacamos o acórdão do STJ de 25-10-2018, proferido no proc. n.º 2089/11.8TVLSB.L1, disponível em www.dgsi.pt, com referências de doutrina, citando-se, pelo seu interesse, o respetivo sumário: “I. O contrato de gestão de carteiras é o contrato celebrado entre um intermediário financeiro e um investidor, nos termos do qual aquele obriga-se, por conta e no interesse deste, a administrar um conjunto de instrumentos financeiros, em ordem a obter a maior rentabilização possível. II. O intermediário financeiro vinculado à administração de um património alheio fica adstrito a uma obrigação de meios e não de fins ou resultado, sendo o cliente titular da carteira quem corre o risco da respetiva desvalorização. III. O contrato de gestão de carteiras tem que revestir a forma escrita e não obstante poder ser celebrado com base em cláusulas contratuais gerais, atenta a natureza jurídica do negócio em causa, situado no cerne da atividade de intermediação financeira, não pode o mesmo deixar de ser moldado em função do regime estabelecido no Código de Valores Mobiliários, na versão em vigor à data da celebração do negócio. IV. Contrato de gestão discricionária de carteira é o contrato em que o intermediário financeiro goza de liberdade de decisão, podendo realizar todas as operações que considere convenientes, sem aviso prévio nem consulta ao titular da carteira. V. No direito português a celebração de contratos de gestão de carteiras totalmente discricionária depende de ser assegurada uma rentabilidade mínima ao titular da carteira, dado que, no caso contrário, mesmo que seja estabelecida uma gestão discricionária, o cliente pode dar ordens vinculativas ao gestor sobre as operações a realizar. VI. Tendo os investidores optado por uma carteira com perfil de risco elevado, não é de admitir que eles não estivessem conscientes do risco associado ao investimento em causa. VII. A responsabilidade civil do intermediário financeiro, designadamente no âmbito do contrato de gestão de carteiras, pressupõe, para além da sua culpa presumida, a prova, por parte do lesado, da ilicitude resultante do incumprimento dos deveres legais ou contratuais bem como do nexo de causalidade adequada entre esse incumprimento e o dano sofrido pelo investidor. VIII. Não se verifica esse nexo de causalidade se a desvalorização dos instrumentos financeiros que integravam a carteira de investimentos se ficou a dever a variações anormais e excecionais dos mercados financeiros, que o intermediário não podia prever.”
Importa, pois, que nos debrucemos sobre a questão de saber se, ao retardar o cumprimento da sua obrigação contratual de atempada liquidação de ativos, mais precisamente das aplicações financeiras (associadas às identificadas contas bancárias) que integravam a carteira do Autor, seu cliente, perante a solicitação feita por este, mediante email datado de 21-01-2020 (cf. ponto 9), a Ré-Apelante não incorreu em responsabilidade contratual, por tal atuação, no contexto dos factos dados como provados na sentença, não poder ser considerada ilícita.
Na sentença recorrida considerou-se que a Ré foi notificada de “duas ordens de bloqueio das contas bancárias ali domiciliadas” emitidas por autoridade judiciária em Portugal, por referência a factos ocorridos no Brasil e a fundos dali provenientes (direta ou indiretamente), acrescentando-se que aquelas medidas processuais penais “visavam, apenas e só, um fundamental objectivo: que o património mobiliário ali existente, quer sob a forma de mero depósito, quer no âmbito de aplicações ou outros produtos financeiros, permanecesse nessas contas, não podendo ser movimentado para fora delas. Porém, o que pudesse acontecer dentro dessas contas – nomeadamente, aos investimentos financeiros corporizados através das contas, mais propriamente, eventuais pedidos de resgate de aplicações financeiras – é algo com que a autoridade judiciária não lidou, nem quis, lidar. Só assim, aliás, se pode interpretar a singeleza das ordens de bloqueio recepcionadas pelo Banco: seja de bloqueio na movimentação das contas (a débito, necessariamente, já não a crédito), seja de apreensão dos saldos dessas mesmas contas, bem como seguros e todas as aplicações financeiras e bancárias. Pois que, como o próprio Banco reconheceu nas suas comunicações com a autoridade judiciária – ponto 12. dos factos provados – podendo, embora, realizar-se movimentos a débito e a crédito das contas do cliente, ora Autor, importaria, apenas, impedir a ocorrência de movimentações fora do universo patrimonial do cliente no Banco.”
Em primeiro lugar diremos que não se nos afigura possível extrair do facto vertido em 12 a referida conclusão. Efetivamente, trata-se de comunicação dirigida ao processo referido em 4., em novembro de 2018, pela qual a Ré quis justificar por que motivo iria proceder à liquidação dos valores mencionados, com a consequente realização de movimentos a débito: é que se tratava de efetuar o pagamento relativo a operações de compra de títulos que estavam em curso antes da determinação da suspensão dos movimentos a débito; precisou então a Ré que, em contrapartida, os títulos comprados iriam ser depositados na carteira de título do cliente. Retirar daí a conclusão de que, afinal, era possível continuar a execução deste tipo de operações, é absolutamente inaceitável, pois, se assim fosse, nem se compreenderia o cuidado da Ré em remeter uma tal comunicação ao processo crime referido em 4., salientando que as operações estavam em curso antes de ter sido determinada aquela suspensão temporária (referida em 34). Aliás, tão pouco se compreenderia a resposta dada pelo Ministério Público, pois, logicamente, se o entendimento devesse ser o sufragado na sentença, haveria então o Ministério Público de ter respondido que, apesar da medida, nada obstava à realização de novas operações de compra ou venda de títulos.
Também não vale argumentar, em prol da solução que foi dada ao caso na 1.ª instância, que o Autor logrou efetuar resgates parciais, em dezembro de 2019, pois ficou provado que isso se deveu a um lapso operacional do sistema informático do Réu (cf. ponto 39); ou que a Ré deveria ter averiguado se o não resgate iria determinar perdas, bem como solicitado ao Ministério Público ou ao Juiz de instrução esclarecimentos sobre a possibilidade de satisfazer o referido pedido de resgate; com efeito, o que interessa é saber se, perante o teor do despacho judicial de 17-10-2019, a Ré estava impedida de executar o resgate solicitado, pois, nesse caso, não teria cabimento que fosse indagar se era oportuna (economicamente vantajosa) a liquidação das aplicações financeiras, sendo certo que não lhe era exigível que procurasse esclarecer dúvidas que, pelos vistos, nunca teve.
Não é pelo facto de a Ré ter, avisadamente, efetuado a comunicação referida em 12, que se pode extrapolar que deveria também ter comunicado o pedido de resgaste e buscado esclarecimento a esse respeito. O que não se compreende é por que motivo o Autor, sendo arguido nos dois referidos processos penais, com o inerente estatuto processual, estando tão convicto de que a liquidação de aplicações financeiras não estava abrangida pelas medidas decretadas, não cuidou de requerer ao Ministério Público e/ou ao competente Juiz de instrução que tomasse(m) posição a esse propósito, tanto mais que, no caso de não ver reconhecida, na sede própria, o âmbito material dessas medidas, lhe assistiria legitimidade para reagir processualmente (incluindo mediante o recurso das decisões judiciais).
Aqui chegados, importa apreciar se assiste razão à Ré quando defende que o pedido de resgate (feito pelo Autor em 21-01-2020) não podia ter sido logo satisfeito, face à medida de apreensão decretada por despacho judicial de 17-10-2019 e enquanto tal ordem judicial de apreensão e congelamento de todos os ativos do Autor em apreço não foi levantada, o que apenas veio a suceder por despacho judicial datado de 06-05-2020, notificado ao Banco por ofício de 08-05-2020 (cf. ponto 29).
Atentemos, pois, nos argumentos esgrimidos pelas partes, desenvolvidos nos pareceres jurídicos que juntaram, a começar pelo parecer jurídico elaborado pelo Professor Germano Marques da Silva (apresentado pela Apelante), cujas conclusões têm o seguinte teor: “A) O despacho do Senhor Juiz de Instrução Criminal, datado de 17.10.2019, proferido no processo nº …/…, notificado ao A …, SA. a 18.10.2019, pelo qual foi determinada a apreensão dos ativos do Autor e o congelamento de todos os movimentos das suas contas no A …, SA, e que vigorou entre 18.10.2019 e 08.05.2020, impediu todos os movimentos, fossem de que tipo fossem: a débito, a crédito ou modificação da natureza dos ativos existentes nas contas bancárias em causa. B) Em consequência da apreensão dos ativos e congelamento de todas as contas, o A …, SA, não podia durante o período em que durou a apreensão e congelamento — entre 18.10.2018 e 08.05.2020 — executar quaisquer ordens que lhe fossem dadas pelo Autor sobre as referidas contas, nomeadamente a ordem dada em 21.01.2020 de resgate das aplicações financeiras. A execução das ordens do Autor, durante período em que os ativos estavam apreendidos e os movimentos das contas congelados, poderia fazer incorrer os responsáveis do Banco que autorizassem a execução das ordens do Autor no crime de descaminho, p,p, pelo artigo 355º do Código Penal, e o Banco em responsabilidade civil pelos eventuais danos que pudessem ocorrer para o ofendido ou para o Estado em resultado de desvalorização dos ativos corporizados nas aplicações financeiras.(art. 483º ss do Código Civil), cuja apreensão visou garantir esses direitos do ofendido e do Estado emergentes da prática dos crimes de burla e branqueamento indiciados no processo. C) As contas em causa ficaram indisponíveis para o Autor pelo Despacho judicial de 17.10.2019, proferido no processo nº …/…, que congelou todos os movimentos pelo que o cumprimento pelo Banco de quaisquer ordens do Autor constituiria violação do Despacho (art. 205º, nº 2, da CRP). O Banco estava impedido de executar quaisquer movimentos nas contas por ordem do Autor, donde que o cumprimento das ordens que por ele lhe foram dadas, nomeadamente a ordem dada em 21.01.2020 de resgate das aplicações financeiras, constituiria facto ilícito, constituindo violação da decisão judicial de congelamento e, por isso, não constituiu incumprimento contratual. D) São diversos os teores dos Despachos proferidos no Processo nº …/…, do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa/ Juiz 2, em 13.11. 2018, e no processo nº …/…, do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa/ Juiz 7, em 17.10,2019. Naquele foi determinado apenas a suspensão das operações a débito («a suspensão temporária de execução de quaisquer operações a débito sobre todos os ativos depositados ou que venham a ser creditados no A … SA) enquanto neste, no proferido no …/…, são apreendidos os saldos das contas e congelados todos os movimentos das mesmas («determino a apreensão dos saldos das contas bancárias (...), congelando assim todos os movimentos das mesmas»). O Despacho proferido no Proc. Nº …/… tem uma finalidade mais ampla, mais extensa, do que o proferido no Processo n° …/…. Naquele foi determinada a apreensão dos saldos das contas, sem distinção de saldos a débito ou a crédito, e o congelamento de todos os movimentos das mesmas contas, enquanto neste apenas foi determinada a suspensão das operações a débito. Resulta claro que no Despacho no Proc. …/… a decisão judicial foi no sentido de impedir quaisquer movimentos das contas em causa e não é lícito fazer uma interpretação restritiva do seu teor. A douta sentença proferida no Proc. Processo 25754/21.78LBLSB, do Juízo Central Cível de Lisboa — Juiz 20, parece não ter atentado suficientemente no teor do Despacho proferido no Proc. …/…, nomeadamente no determinado congelamento de todos os movimentos das contas, fazendo uma interpretação restritiva do seu alcance, mas sem razão. Com efeito, não se alcança como tendo sido determinado judicialmente o congelamento de todas as contas se concluiu que, não obstante, o titular dessas contas podia continuar a movimentá-las, ainda que limitadamente, nem como se ultrapassou a norma dos nºs 7 e 8 do artigo 178º do Código de Processo Penal, que reserva ao juiz a competência para a «modificação ou revogação da medida». Também não parece minimamente razoável restringir o fundamento do Despacho como foi restringido na sentença ao concluir que «tais medidas visavam, apenas e só, uni fundamento objectivo: que o património mobiliário ali existente, quer sob a forma de mero depósito, quer no âmbito de aplicações ou outros produtos financeiros, permanecesse nessas contas, não podendo ser movimentado para fora delas». Além de a interpretação se afastar claramente da letra do Despacho, se fosse possível ao titular da conta movimentá-la, ordenando quaisquer modificações na natureza dos ativos congelados, sem autorização do juiz, ficaria em perigo a finalidade da apreensão, no caso a restituição dos valores à entidade lesada ou a sua perda a favor do Estado como consequência da prática do crime, porquanto a modificação da natureza dos ativos poderia eventualmente causar a sua desvalorização. Não é, pois, razoável entender que o Despacho proferido no Proc. …/…, em que expressamente se determina o congelamento de todo os movimentos das contas visasse «apenas e só» que o património mobiliário existente nas contas, não pudesse ser movimentado para fora delas. Deve presumir-se que o juiz que proferiu o Despacho em causa «consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (art.9º, nº 3, do Código Civil). Finalmente, não se alcança também como é que o Banco estando obrigado a respeitar o Despacho proferido no Proc. …/…, sob pena de cometer um facto ilícito, que determinava a indisponibilidade pelo Autor das suas contas no A …, SA. por terem sido congelados todos os movimentos dessas contas continuava vinculado ao contrato. devendo cumprir as ordens do Autor em violação do que lhe fora determinado por decisão judicial.”
Por sua vez, em abono da sua posição, o Autor-Apelado juntou um parecer jurídico da autoria da Professora Maria João Antunes, cujas conclusões são as seguintes: «1. O direito processual penal português não prevê o “congelamento” enquanto meio processual distinto da “apreensão”: a) Juridicamente não é possível retirar quaisquer consequências do inciso “congelando assim todos os movimentos das mesmas”; b) A decisão judicial de 17 de outubro de 2019 decretou a apreensão e não a apreensão e o congelamento de bens; c) O A…, SA, não estava, por isso, impedido, por decisão judicial, de dar execução às ordens de resgate das aplicações financeiras dadas por B …; d) Com efeito, o A …, SA, não estava impedido de realizar movimentos dentro do universo patrimonial do cliente B …. 2. A execução da ordem de resgate das aplicações financeiras que foi dada ao Banco por B … não dependia de decisão judicial, por força do disposto no artigo 178.º, n.ºs 7 e 8, do CPP: a) A modificação ou revogação da apreensão pode ser requerida ao juiz de instrução apenas quando a medida tenha sido decretada pelo Ministério Público; b) O n.º 7 do artigo 178.º não é sequer aplicável no caso, uma vez que a apreensão foi decretada por decisão do juiz de instrução; c) De todo o modo, a execução das ordens de resgate em causa não configuraria nunca uma modificação da apreensão.»
Analisados ambos os pareceres, parece-nos importante salientar que a medida de apreensão em apreço – referida nos pontos 27 e 28 e que apenas foi levantada por despacho judicial datado de 06-05-2020, notificado ao Banco por ofício de 08-05-2020 (cf. ponto 29) – não foi (diversamente do que sucedeu com a medida de “suspensão temporária” referida no ponto 4 dos factos provados) determinada pelo Ministério Público ao abrigo do art. 48.º da Lei n.º 83/2017, de 18-08 (diploma que, além do mais, estabelece medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo). Estabelece esse artigo que: “1 - Nos quatro dias úteis seguintes à remessa da informação a que se refere o n.º 4 do artigo anterior, o DCIAP pode determinar a suspensão temporária da execução das operações relativamente às quais foi ou deva ser exercido o dever de abstenção, notificando para o efeito a entidade obrigada. 2 - Fora dos casos previstos no número anterior, a suspensão temporária pode ainda ser decretada nas seguintes situações: a) Quando as entidades obrigadas não tenham dado cumprimento ao dever de comunicação de operações suspeitas previsto no artigo 43.º ou às obrigações de abstenção ou de informação previstas no artigo anterior, sendo os mesmos devidos; b) Com base em outras informações que sejam do conhecimento próprio do DCIAP, no âmbito das competências que exerça em matéria de prevenção das atividades criminosas de que provenham fundos ou outros bens, do branqueamento de capitais ou do financiamento do terrorismo; c) Sob proposta da Unidade de Informação Financeira com base na análise de comunicações de operações suspeitas preexistentes. 3 - A decisão de suspensão temporária: a) Pode abranger operações presentes ou futuras, incluindo as relativas à mesma conta ou a outras contas ou relações de negócio identificadas a partir de comunicação de operação suspeita ou de outra informação adicional que seja do conhecimento próprio do DCIAP, independentemente da titularidade daquelas contas ou relações de negócio; b) Deve identificar os elementos que são objeto da medida, especificando as pessoas e entidades abrangidas e, consoante os casos, os seguintes elementos: i) O tipo de operações ou de transações ocasionais; ii) As contas ou as outras relações de negócio; iii) As faculdades específicas e os canais de distribuição.”
Para melhor compreensão desta figura (suspensão temporária), veja-se ainda o que dispõe o art. 49.º da referida Lei n.º 83/2017, sob a epígrafe “Confirmação da suspensão”: “1 - A decisão de suspensão temporária prevista no artigo anterior caduca se não for judicialmente confirmada, em sede de inquérito criminal, no prazo de dois dias úteis após a sua prolação. 2 - Compete ao juiz de instrução confirmar a suspensão temporária decretada por período não superior a três meses, renovável dentro do prazo do inquérito, bem como especificar os elementos previstos na alínea b) do n.º 3 do artigo anterior. 3 - Por solicitação do Ministério Público, a notificação das pessoas e entidades abrangidas, na decisão fundamentada do juiz de instrução que, pela primeira vez, confirme a suspensão temporária, pode ser diferida por um prazo máximo de 30 dias, caso entenda que tal notificação é suscetível de comprometer o resultado de diligências de investigação, a desenvolver no imediato. 4 - O disposto no número anterior não prejudica o direito de as pessoas e as entidades abrangidas pela decisão de, a todo o tempo e após serem notificadas da mesma ou das suas renovações, suscitarem a revisão e a alteração da medida, sendo as referidas notificações efetuadas para a morada da pessoa ou entidade indicada pela entidade obrigada, se outra não houver. 5 - Na vigência da medida de suspensão, as pessoas e entidades por ela abrangidas podem, através de requerimento fundamentado, solicitar autorização para realizarem uma operação pontual compreendida no âmbito da medida aplicada, a qual é decidida pelo juiz de instrução, ouvido o Ministério Público, e ponderados os interesses em causa. 6 - A solicitação do Ministério Público, o juiz de instrução pode determinar o congelamento dos fundos, valores ou bens objeto da medida de suspensão aplicada, caso se mostre indiciado que os mesmos são provenientes ou estão relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo e se verifique o perigo de serem dispersos na economia legítima. 7 - Em tudo o que não se encontre especificamente previsto no presente artigo, é subsidiariamente aplicável o disposto na legislação processual penal.” A medida ora em apreço foi determinada pelo juiz de instrução, nos termos conjugados dos artigos 178.º, 181.º e 268.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal.
De referir que os dois primeiros artigos estão inseridos no Capítulo III intitulado “Das apreensões” do Título com o título “Dos meios de obtenção da prova”, dispondo o art. 178.º, nos seus n.ºs 1 a 8, sob a epígrafe “Objeto de pressupostos da apreensão”, que: “1 - São apreendidos os instrumentos, produtos ou vantagens relacionados com a prática de um facto ilícito típico, e bem assim todos os animais, as coisas e os objetos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros suscetíveis de servir a prova. 2 - Os instrumentos, produtos ou vantagens e demais objetos apreendidos nos termos do número anterior são juntos ao processo, quando possível, e, quando não, confiados à guarda do funcionário de justiça adstrito ao processo ou de um depositário, de tudo se fazendo menção no auto, devendo os animais apreendidos ser confiados à guarda de depositários idóneos para a função com a possibilidade de serem ordenadas as diligências de prestação de cuidados, como a alimentação e demais deveres previstos no Código Civil. 3 - As apreensões são autorizadas, ordenadas ou validadas por despacho da autoridade judiciária. 4 - Os órgãos de polícia criminal podem efectuar apreensões no decurso de revistas ou de buscas ou quando haja urgência ou perigo na demora, nos termos previstos na alínea c) do n.º 2 do artigo 249.º 5 - Os órgãos de polícia criminal podem ainda efetuar apreensões quando haja fundado receio de desaparecimento, destruição, danificação, inutilização, ocultação ou transferência de animais, instrumentos, produtos ou vantagens ou outros objetos ou coisas provenientes da prática de um facto ilícito típico suscetíveis de serem declarados perdidos a favor do Estado. 6 - As apreensões efectuadas por órgão de polícia criminal são sujeitas a validação pela autoridade judiciária, no prazo máximo de setenta e duas horas. 7 - Os titulares de instrumentos, produtos ou vantagens ou outros objetos ou coisas ou animais apreendidos podem requerer ao juiz a modificação ou a revogação da medida. 8 - O requerimento a que se refere o número anterior é autuado por apenso, notificando-se o Ministério Público para, em 10 dias, deduzir oposição. (…)”
Por sua vez, o art. 181.º diz respeito à apreensão em estabelecimento bancário, estabelecendo que: “1 - O juiz procede à apreensão em bancos ou outras instituições de crédito de documentos, títulos, valores, quantias e quaisquer outros objectos, mesmo que em cofres individuais, quando tiver fundadas razões para crer que eles estão relacionados com um crime e se revelarão de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, mesmo que não pertençam ao arguido ou não estejam depositados em seu nome. 2 - O juiz pode examinar a correspondência e qualquer documentação bancárias para descoberta dos objectos a apreender nos termos do número anterior. 3 - O exame é feito pessoalmente pelo juiz, coadjuvado, quando necessário, por órgãos de polícia criminal e por técnicos qualificados, ficando ligados por dever de segredo relativamente a tudo aquilo de que tiverem tomado conhecimento e não tiver interesse para a prova.”
Quanto ao art. 268.º do CPP, com a epígrafe “Actos a praticar pelo juiz de instrução”, relevam os seus n.ºs 1 e 2, cujo teor é o seguinte: “1 - Durante o inquérito compete exclusivamente ao juiz de instrução: (…) c) Proceder a buscas e apreensões em escritório de advogado, consultório médico ou estabelecimento bancário, nos termos do n.º 5 do artigo 177.º, do n.º 1 do artigo 180.º e do artigo 181.º; (…) 2 - O juiz pratica os actos referidos no número anterior a requerimento do Ministério Público, da autoridade de polícia criminal em caso de urgência ou de perigo na demora, do arguido ou do assistente.”
De salientar que, não obstante a inserção sistemática dos citados artigos 178.º e 181.º do CPP, a doutrina e a jurisprudência vêm reconhecendo que a apreensão de bens no decurso do inquérito pode servir finalidades muito diversas, para além da conservação da prova, referindo também a figura da apreensão para garantia de não dissipação dos bens, da apreensão para garantia de ulterior confisco, da apreensão para prevenir criação de perigo para a segurança ou mesmo para garantia da preservação da ordem pública. Neste sentido, a título exemplificativo, veja-se o acórdão da Relação de Coimbra de 27-09-2023, proferido no proc. n.º 261/21.1T9ACB-D.C1, disponível em www.dgsi.pt.
Aliás, o parecer jurídico junto pelo Apelado elucida precisamente que “apesar da inserção sistemática do artigo 178.º do CPP num Título que tem como objeto os meios de obtenção da prova (Título III do Livro III – Da prova), a apreensão é também uma garantia processual da perda de bens, nomeadamente da perda de produtos e de vantagens relacionados com a prática de um facto ilícito típico. Se, por um lado, o n.º 1 do artigo 178.º dispõe, de forma expressa, que são apreendidos os produtos ou vantagens relacionados com a prática de um facto ilícito típico, por outro, vai no mesmo sentido o regime geral da apreensão, nomeadamente o que se dispõe nos artigos 178.º, n.º 9, 185.º, 186.º, n.º s 1, 2 e 5, e 268.º, alínea e), do CPP. A apreensão é um meio processual que serve quer a prova do crime em investigação – é um meio de obtenção da prova – quer a execução da decisão judicial que venha a declarar os objetos apreendidos perdidos a favor do Estado – é uma garantia processual da perda de bens. Esta natureza dupla é salientada pela generalidade da doutrina.”
Ainda sobre a figura da apreensão em apreço, destacamos a explicação que é dada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 387/2019, de 26-06-2019, proferido no proc. n.º 383/18, disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/, em que se decidiu não julgar inconstitucional a norma que defere ao Ministério Público a competência para autorizar, ordenar ou validar a apreensão de objetos que constituam o lucro, o preço ou a recompensa do crime, constante do art. 178.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, referindo-se designadamente que: “A apreensão prevista na norma objeto do presente processo é uma figura próxima das do arresto preventivo (artigo 228.º do CPP) ou do arresto dos bens do arguido para confisco alargado (artigo 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro). Para Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, Vol. II, pp.169 e 170), não obstante as diferenças, há uma continuidade dogmática nestes institutos: todos eles têm uma natureza cautelar e afetam a livre disposição dos bens do visado, com vista a permitir a execução das decisões judiciais, tendentes a apagar as vantagens do crime ou a reparar os seus efeitos sobre as vítimas. Apesar disso, no entendimento de João Conde Correia (Da Proibição do Confisco à Perda Alargada, INCM, pp. 162 e 163), a diferença entre as referidas figuras reside, desde logo, no facto de os pressupostos para aplicação do arresto serem mais apertados, exigindo a demonstração do fundado receio da perda da garantia patrimonial. Para este autor, «se é compreensível que as exigências da investigação ou do confisco clássico facilitem os requisitos da apreensão, já não se admite que outras necessidades da questão patrimonial, embora cada vez mais prementes, justifiquem o mesmo tratamento generoso. Depois, porque, enquanto a apreensão se dirige, essencialmente, contra os instrumenta, producta ou vantagens do crime (na posse do arguido ou de terceiro), o arresto pode abranger todo o património do arguido (ainda que formalmente não esteja na sua posse ou que nada tenha a ver com o crime investigado), sendo, em princípio, muito mais agressivo para os direitos individuais». Também no que diz respeito ao sujeito processual competente para a implementação destes mecanismos há diferenças substanciais: as medidas de garantia patrimonial carecem de despacho judicial prévio (artigos 227.º, n.º 1, 228.º, n.º 1 e 268.º, n.º 1, alínea b), do CPP) ao passo que a apreensão pode ser decretada pelo Ministério Público e, até, pelos próprios órgãos de polícia criminal (artigo 178.º, n.º 3, 4 e 5 do CPP). Naquelas exige-se que o juiz aprecie previamente a bondade da restrição; nesta, o juiz só intervém numa fase posterior, a pedido do interessado (neste sentido, vide João Conde Correia, Apreensão ou arresto preventivos dos proveitos do crime, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 25, jan-dez 2015, p. 540). Assim, pode concluir-se que a apreensão prevista na norma objeto do presente processo não se confunde com o arresto preventivo (artigo 228.º do CPP) ou com o arresto dos bens do arguido para confisco alargado (artigo 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro), nem nos seus requisitos, nem nos seus objetivos, nem sequer no seu âmbito.”
Este acórdão conta com uma Declaração de voto do Professor Manuel Costa Andrade, aí afirmando, além do mais, o seguinte: “1. Já noutra sede tive oportunidade de questionar a solvabilidade constitucional da norma sub judicio neste processo. Fi-lo concretamente em estudo que publiquei em coautoria com Maria João Antunes, (Costa Andrade/Maria João Antunes, Da Apreensão enquanto Garantia Processual da Perda das Vantagens do Crime, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 146, n.º 4005, julho-agosto 2017, pp. 360). Uma publicação em que pudemos dar conta de reservas insuperáveis a nosso ver sobre a solvabilidade constitucional da regra emanada do artigo 178.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, no segmento em que confere ao Ministério Público a competência para autorizar, ordenar ou validar a apreensão de objetos que constituam o lucro, o preço ou a recompensa do crime. Revisitada a questão no contexto dos presentes autos, as minhas reservas não só se mantêm como veem, creio, subir de tom a sua pertinência e plausibilidade. Mais: à vista dos dados normativos hoje vigentes e disponíveis, as minhas reservas comunicam-se mesmo à questão da própria legitimidade da apreensão na referenciada veste de garantia processual da perda das vantagens do crime no desenho que recebe da norma em exame. Isto atentas sobretudo as alterações legislativas introduzidas pela Lei n.º 30/2017, de 30 de maio, nas medidas de garantia patrimonial previstas nos artigos 227.º e 228.º do Código de Processo Penal.”
Ainda na jurisprudência, para melhor compreensão desta figura, destacamos o acórdão da Relação de Évora de 11-10-2022, proferido no proc. n.º 209/18.0JAFAR-J.E1, disponível em www.dgsi.pt, que versa sobre um caso em que, nos autos de inquérito, no âmbito da realização de busca domiciliária devidamente autorizada efetuada à residência do arguido recorrente, havia sido apreendida a quantia de 62.000,00 € em numerário aí encontrada, tendo essa apreensão sido objeto de validação pelo Ministério Público, noa termos previstos no art. 178.º, n.º 6 do CPP, vindo depois o arguido, já após ter sido apresentado a primeiro interrogatório judicial e indiciado como autor da prática de um crime de corrupção ativa e sujeito à aplicação de medidas de coação, requerer ao juiz, ao abrigo do disposto no art. 178.º, n.º 7, do CPP, a revogação da referida medida de apreensão da quantia de 62.000,00 €, tendo o juiz indeferido o solicitado levantamento da apreensão, decisão mantida pelo acórdão, em cujo sumário se refere que: “I - A medida de apreensão poderá ter por objeto todos os instrumentos e/ou produtos do crime e que, obviamente, se revelam essenciais para a sua demonstração, sendo que o que verdadeiramente se visa alcançar com a apreensão não é a obtenção de provas, mas antes, em rigor, a sua segurança. II - O que importa apreciar nos termos do artigo 178º do CPP, é se a medida de apreensão atinge o “património contaminado” – o que serviu ou estava destinado a servir a prática de um crime ou estava, por qualquer forma, relacionado com o mesmo – e não o “património lícito” do arguido. III - As apreensões realizadas a coberto do regime processual estabelecido no artigo 178º do CPP consubstanciam uma ferramenta essencial para obviar aos riscos de ocultação e dissipação do património ilícito – quer o resultante de práticas ilícitas (vantagem), quer o que visa servir práticas ilícitas (instrumento) – aumentando a sua importância à medida que, no mundo atual, aumenta a globalização, esta última viabilizadora de uma cada vez mais rápida movimentação dos ativos.”
Para encerrar estas considerações sobre a figura em apreço, veja-se, por último, o acórdão da Relação de Guimarães de 25-05-2020, proferido no proc. n.º 413/14.0IDBRG-BC.G1, disponível em www.dgsi.pt, a respeito do âmbito temporal da medida de apreensão, constando do respetivo sumário que: “I) O tempo decorrido desde a efectivação da apreensão não pode constituir fundamento para se concluir pela desnecessidade da sua manutenção. Embora sujeito ao princípio da precaridade (cessa logo que for desnecessário manter a apreensão para efeitos de prova ou de confisco - art.186º,nº1, do C.P.P.), o mecanismo processual da apreensão não está – entre nós – sujeito a nenhum prazo máximo: não existe um limite temporal (equivalente, por exemplo, aos prazos máximos de duração do inquérito ou da prisão preventiva) findo o qual tenham de ser restituídos os objectos apreendidos (a não ser, claro, os prazos de prescrição do procedimento criminal). II) O Tribunal Constitucional, no âmbito do acórdão nº294/2008, de 29 de maio, salientou este aspecto, ao referir que «A apreensão de bens ou valores que constituam o produto do crime não está relacionada (…) com quaisquer vicissitudes processuais, mas unicamente com os próprios fins do processo penal, e é justificada à luz do interesse da realização da justiça, nas suas componentes de interesse na descoberta da verdade e de interesse na execução das consequências legais do ilícito penal». Por outro lado, se o que está em causa é a questão de prova - enquanto pressuposto do jus puniendi do Estado - também dificilmente se compreenderia a existência de quaisquer limites temporais. III) Inexistindo tais limites temporais, encontrando-se a investigação criminal em curso, envolvendo a mesma crimes complexos, alguns deles de catálogo, mencionados no artigo 1º da Lei5/2002, de 11/1, a demandar diligências que à luz das regras da normalidade da vida se admitem morosas, não vemos pois como concluir, como fez a decisão recorrida, que a manutenção da apreensão, em face do mencionado decurso do prazo, seja desproporcionada e desadequada, antes se apresentando como a única susceptível de permitir ainda alcançar a realização da justiça.”
Neste acórdão, a Relação de Guimarães, julgou procedente o recurso interposto pelo Ministério Público do despacho que, deferindo o requerimento apresentado pela interveniente, tinha determinado o levantamento da apreensão de dois veículos e a sua consequente entrega à interveniente; lembrou-se também o disposto no art. 110.º, n.º 1, als. a) e b), do mesmo diploma, nos termos do qual são declarados perdidos a favor do Estado “a) Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objectos que tiverem sido produzidos pela sua prática” e “b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indirectamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem”, bem como o previsto no art. 186.º, n.º 1, do CPP, nos termos do qual “Logo que se tornar desnecessário manter a apreensão para efeito de prova, os objectos apreendidos são restituídos a quem de direito”; acrescentou-se que “(A)inda que seja ao Ministério Público que incumbe a decisão sobre a necessidade ou desnecessidade de manter a apreensão para efeitos de prova e, consequentemente decidir sobre a entrega dos objectos e bens apreendidos, quem se sentir lesado no seu direito de propriedade pela apreensão ordenada, pode requerer ao juiz de instrução a modificação ou revogação da medida, conforme estipula a norma protectora constante do n.º 7 do citado artigo 178º, de acordo com o qual, os titulares de instrumentos, produtos ou vantagens ou outros objectos apreendidos podem requerer ao juiz a modificação ou a revogação da medida.”
Tendo tudo isto presente, tendemos a concordar com o referido no parecer junto pelo Apelado, na parte em que vê na previsão dos n.ºs 7 e 8 do art. 178.º do CPP um mecanismo incidental para os titulares de instrumentos, produtos ou vantagens ou outros objetos ou coisas ou animais que tenham sido apreendidos por ato do Ministério Público virem solicitar a intervenção judicial, requerendo ao juiz a modificação ou a revogação da medida de apreensão, o que, à partida, não teria cabimento quanto à medida em apreço, pois havia sido determinada precisamente pelo juiz de instrução. Compreende-se esse regime, já que a impugnação de decisões judiciais se fará, em regra, por via do recurso.
No entanto, não significa isto, a nosso ver, que, nas situações em que o arguido não pretenda ou não possa já questionar, por via de recurso, o acerto de decisão judicial que tenha determinado uma apreensão em estabelecimento bancário, mas antes carrear para os autos (inquérito) novos elementos que, na sua perspetiva, justifiquem a modificação da medida (ou do seu objeto) ou o levantamento da apreensão, não possa dirigir ao juiz de instrução um requerimento nesse sentido.
Sendo certo - e é isso que importa sublinhar pelo seu relevo para o caso sub judice - que, enquanto não for decretado, por decisão judicial, o levantamento da apreensão determinada pelo juiz de instrução (nos termos conjugados dos artigos 178.º, 181.º e 268.º do CPP, como aqui aconteceu – cf. ponto 27), a mesma subsistirá (contrariamente ao que, como já vimos, acontece no caso de se tratar de despacho do juiz de instrução de confirmação da “suspensão temporária decretada por período não superior a três meses” a que se referem os artigos 48.º e 49.º da referida Lei n.º 83/2017).
Daí que acabe por ser irrelevante estarmos a discutir se (i) a modificação ou revogação da apreensão ao abrigo do disposto no art. 178.º, n.º 7, do CPP apenas pode ser requerida ao juiz de instrução quando a medida tenha sido decretada pelo Ministério Público, e (ii) não ser aquele normativo aplicável no processo em que foi decretada, por decisão do juiz de instrução, a medida de apreensão em apreço.
Efetivamente, não podemos perder de vista que, conforme resulta dos pontos 27 e 29 do elenco dos factos provados, foi, proferido pelo juiz de instrução, em 17-10-2019, o despacho que determinou a “apreensãodos saldos das contas bancárias, do A …, SA, bem como (de) todos os seguros e todas as aplicações financeirase bancárias, tituladas ou em que seja interveniente, a qualquer título, B …, congelando assim todos os movimentos das mesmas”, e que essa apreensão apenas foi levantada por despacho judicial de 06-05-2020, notificado ao Banco por ofício de 08-05-2020, importando esclarecer qual o âmbito material dessa medida, em ordem a decidir se a mesma constituía (ou não) causa de justificação para a recusa (temporária) da Ré em cumprir o pedido de resgate feito por email de 21-01-2020 (somente diligenciando no sentido de o satisfazer após aquela notificação - o que, na sentença, foi considerado um incumprimento contratual, causa adequada do dano patrimonial para cujo ressarcimento a Ré foi condenada a pagar a quantia peticionada).
Parece-nos oportuno lembrar que, na sua Petição Inicial, o Autor não fez menção ao despacho datado de 17-10-2019, proferido no proc. n.º …/…, que determinou a medida de apreensão em apreço. Nas singelas referências que fez a esse processo, alegou designadamente - para sustentar a sua posição, segundo a qual, a partir do dia 15-01-2020 a Ré não tinha qualquer fundamento legal ou judicial para impedir o Autor de movimentar as suas contas bancárias -, que a Ré também tivera conhecimento da decisão de revogação do bloqueio determinado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no processo em que havia sido expedida a carta rogatória que dera origem ao proc. n.º …/…, pelo que a medida judicial de apreensão decretada no âmbito da carta rogatória também deixara de ter efeito. Porém, os factos provados não consentem essa conclusão, muito pelo contrário, até porque, como o próprio Autor também reconheceu, um dos fundamentos para a promoção do Ministério Público notificada ao Autor em 15-01-2020, no âmbito do proc. n.º …/…, era precisamente o facto de as quantias objeto da suspensão temporária aí decretada se mostrarem apreendidas à ordem da Carta Rogatória remetida pelas autoridades brasileiras, estando assim acauteladas naquela Carta Rogatória (cf. ponto 14).
Como vimos, na perspetiva do Tribunal a quo, a apreensão ora em apreço (determinada no proc. n.º …/…) não impedia o resgate das aplicações financeiras de que o Autor era titular, pois o único objetivo da medida era que “o património mobiliário ali existente, quer sob a forma de mero depósito, quer no âmbito de aplicações ou outros produtos financeiros, permanecesse nessas contas, não podendo ser movimentado para fora delas”.
É essa a tese do Autor-Apelado, que juntou, com a sua alegação de resposta, um parecer jurídico nesse sentido, aí se referindo a esse respeito, no que ora importa, que «1. O direito processual penal português não prevê o “congelamento” enquanto meio processual distinto da “apreensão”: a) Juridicamente não é possível retirar quaisquer consequências do inciso “congelando assim todos os movimentos das mesmas”; b) A decisão judicial de 17 de outubro de 2019 decretou a apreensão e não a apreensão e o congelamento de bens; c) O A …, SA, não estava, por isso, impedido, por decisão judicial, de dar execução às ordens de resgate das aplicações financeiras dadas por B …; d) Com efeito, o A …, SA, não estava impedido de realizar movimentos dentro do universo patrimonial do cliente B …. 2. A execução da ordem de resgate das aplicações financeiras que foi dada ao Banco por B … não dependia de decisão judicial, por força do disposto no artigo 178.º, n.ºs 7 e 8, do CPP: (…)”
Ora, não havendo que sindicar o acerto da decisão judicial de 17-10-2019, mas sim a razoabilidade da interpretação que a Ré vem fazendo da mesma, cumpre-nos agora interpretar o referido despacho judicial, averiguando se o seu sentido será, conforme defende o Autor e entendeu o Tribunal a quo, mais contido ou limitado do que parece resultar da sua literalidade, considerando a razão de ser das normas legais então aplicadas (no decretamento da medida de apreensão).
Desde logo, parece-nos irrelevante afirmar que a decisão judicial de 17-10-2019 decretou a apreensão e não a apreensão e o congelamento de bens. Na verdade, é fora de dúvida que foi expressamente determinada a apreensão de todos os ativos do Autor no estabelecimento bancário da Ré nos termos do art. 181.º do CPP, com o congelamento dos movimentos das contas identificadas, às quais estavam associadas as ditas aplicações financeiras.
No parecer junto pela Apelada entende-se que a menção ao congelamento de todos os movimentos das contas não tem qualquer conteúdo útil, pela simples razão de se dever entender que a apreensão é, ao fim e ao cabo, uma forma de congelamento no direito processual penal português, no sentido de que “congelamento” é um conceito que se usa no plano internacional, enquanto conceito “amplo e fluido, que ao nível interno se desdobra em várias medidas, desde a suspensão da execução de operações suspeitas de branqueamento de capitais (arts. 47.º a 49.º MCBCFT), ao arresto preventivo (art. 228.º do CPP) e à apreensão (art. 178.º do CPP). Refere-se que a sinonímia entre congelamento e apreensão se tornou manifesta com a publicação recente da Diretiva (UE) 2024/1260 do Parlamento Europeu e do Conselho de 24 de abril de 2024, relativa à recuperação e perda de bens - ao abandonar o termo “congelamento”, substituindo-o por “apreensão”, dando exatamente a mesma definição ao conceito (“a proibição temporária de transferir, destruir, converter, alienar ou movimentar um bem ou de exercer temporariamente a guarda ou o controlo do mesmo”) -, e já com o Regulamento (UE) 2018/1805 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de novembro de 2018, relativo ao reconhecimento mútuo das decisões de apreensão e de perda - atenta a definição de apreensão como “uma decisão emitida ou validada por uma autoridade de emissão para impedir a destruição, transformação, retirada, transferência ou afetação de bens tendo em vista a perda”, e o uso, indistinto, das expressões “decisão de perda” e “decisão de congelamento” (cf. artigo 3.º e Anexo I).
Porém, ao afirmar a irrelevância jurídica da expressão “congelando assim todos os movimentos das mesmas”, não deixa de se reconhecer, no referido parecer, que foi determinada a apreensão ou o congelamento de todos os ativos do Autor, incluindo saldos de contas bancárias, seguros e outras aplicações financeiras.
Ora, se assim é, e se a apreensão ou o congelamento – expressões com o mesmo significado – implica uma proibição temporária de transferir, destruir, converter, alienar ou movimentar um bem, no caso tais aplicações financeiras –, não se alcança como se pode, do mesmo passo, concluir que o Autor podia então dispor de todas as suas aplicações financeiras, ordenando à Ré que procedesse à respetiva liquidação, nada impedindo que a Ré procedesse nessa conformidade, dando execução à aludida ordem de resgate de tais ativos financeiros apreendidos.
É que, sendo realizada essa liquidação, a mesma não deixaria, como nos parece óbvio, de envolver a alienação das aplicações financeiras em causa para fora do “universo patrimonial” do cliente, ainda que, evidentemente, com uma contrapartida monetária, sendo o produto da “venda” depositado nas contas bancárias a que estavam associadas.
Defender que o resgate das aplicações financeiras apreendidas podia ser realizado, pois em nada modificaria o vínculo de indisponibilidade sobre o que foi apreendido, equivale, se bem vemos, a considerar, por exemplo, que a apreensão de um veículo automóvel não obstaria a que fosse livremente vendido pelo arguido, seu proprietário ou pelo mandatário deste, contanto depositasse o produto da venda numa conta bancária cujo saldo estava também apreendido, sendo certo que as coisas não se podem passar assim quanto a um veículo automóvel, como resulta claro, desde logo, do art. 185.º, n.º 4, do CPP (nos termos do qual “Quando a coisa a que se refere o n.º 1 for um veículo automóvel, uma embarcação ou uma aeronave, no prazo máximo de 30 dias após a apreensão, a autoridade judiciária profere despacho determinando a sua remessa ao Gabinete de Administração de Bens para efeitos de administração em conformidade com o disposto na Lei n.º 45/2011, de 24 de junho, nomeadamente nos seus artigos 14.º e 20.º-A, comunicando àquele gabinete informação sobre o valor probatório do veículo e sobre a probabilidade da sua perda a favor do Estado”).
Com a liquidação das aplicações financeiras quebrava-se o vínculo de indisponibilidade, ficando em risco as finalidades da apreensão decretada. Basta ver que se a Ré tivesse, de imediato, procedido conforme solicitado, depositando o produto da alienação das aplicações financeiras (que não sabemos quais eram, mas admitimos fossem, por exemplo, atinentes a fundos de investimento) e o referido processo penal tivesse seguido os seus ulteriores trâmites, com a condenação, a final, do ora Autor pela prática dos crimes de burla qualificada e de branqueamento de capitais, seguramente já não seria possível, se fosse caso disso, declarar tais aplicações perdidas a favor do Estado.
E não se diga que, nesse caso, seria declarado perdido a favor do Estado o dinheiro depositado nas contas bancárias obtido com o resgate de tais aplicações, pois, na verdade, não só o próprio Autor se referiu à liquidação das suas aplicações como sendo instrumental da transferência do montante de US$10.361.000,00 que se propunha fazer, como a apreensão que foi decretada incidiu, não apenas sobre o saldo das contas bancárias, mas também sobre as aplicações propriamente ditas, pelo que a execução das ordens de resgate em causa implicaria, na realidade, uma modificação do conteúdo do objeto da apreensão, já que deixaria de integrar tais aplicações financeiras (resgatadas).
Tão pouco vale, em nosso entender, o argumento, igualmente invocado no parecer junto pelo Apelado, de que “o mais provável é que o titular das contas dê ordens ao Banco que evitem a desvalorização patrimonial, na expetativa de que os ativos apreendidos lhe venham a ser posteriormente restituídos”. No caso, não vemos motivo algum para presumir que o titular das contas tivesse essa capacidade de análise e conhecimento do mercado, muito menos que ele ou a Ré pudessem prever em janeiro de 2020 a pandemia de Covid-19 e que, em consequência, as aplicações financeiras iriam desvalorizar significativamente, como veio a acontecer (cf. pontos 24 e 25); percebe-se que a real intenção do Autor não foi a de evitar a desvalorização patrimonial, mas sim a de obter fundos monetários (no montante de US$10.361.000,00) para restituir à Denunciante / entidade lesada, sua anterior entidade patronal, no âmbito de um acordo extrajudicial, de modo a evitar o julgamento no processo que corria termos no Brasil. Note-se que manteve essa sua intenção mesmo numa altura em que, como também se provou, existia uma crise financeira devido à pandemia de Covid-19, com depreciação dos ativos de investimento por todo o mundo, não havendo, pois, motivo para entender que agiu motivado pelo propósito de evitar a desvalorização patrimonial dos seus ativos.
Aliás, no contexto fáctico apurado, até nos parece desadequado que o Autor pudesse ter continuado a beneficiar com as ordens de resgate que lhe aprouvesse dar, relativamente a produtos financeiros que estavam apreendidos e eram então tidos como estando relacionados com a prática de crimes.
Assim, em nosso entender, ao aludir ao congelamento dos movimentos, o juiz de instrução pretendeu precisamente salientar o “vínculo de indisponibilidade sobre a coisa com vista a garantir a exequibilidade da sua eventual perda”, nas palavras de CONDE CORREIA, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, comentário ao artigo 178.º, § 10, citado no parecer da Professora Maria João Antunes.
Não podemos, pois, acompanhar a posição do Tribunal a quo, ainda que secundada por esta ilustre Professora, de que para o Banco apenas havia o impedimento de movimentos para fora do universo patrimonial do seu cliente, e que isso decorre, com clareza, quer da circunstância de não se poder retirar qualquer ilação do ponto de vista jurídico da utilização do termo “congelando” no despacho de 17-10-2019, quer do próprio regime geral da apreensão. Na verdade, o que com clareza decorre do teor do referido despacho, incluindo da utilização do termo “congelando assim”, e do regime da apreensão é que havia sido decretada a apreensão dos saldos das contas bancárias, seguros e aplicações financeiras e bancárias associadas, com o inerente impedimento ou congelamento dos movimentos relativos a tais contas.
Tão pouco releva para o caso argumentar, como faz o Autor e se refere no aludido parecer, que “quem apreende deve ter o dever jurídico de bem administrar”, sendo exemplo disso o disposto no 185.º do CPP (atinente à apreensão de coisas sem valor, perecíveis, perigosas ou deterioráveis) e no art. 10.º, n.º 1, da Lei n.º 45/2011, de 24 de junho (que cria, na dependência da Polícia Judiciária, o Gabinete de Recuperação de Activos). Na verdade, é indiscutível que estes preceitos não são aplicáveis ao caso e que não foi a Ré quem apreendeu os ativos, sendo certo que, não obstante tivesse a obrigação de acautelar os interesses do Autor, seu cliente (conforme resulta do contratualmente estipulado e do disposto no art. 335.º, n.º 1, al. a), do Código dos Valores Mobiliários), não podia fazê-lo com desrespeito pela referida ordem judicial (cf. art. 205.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).
Antes se impunha que aguardasse, antes de proceder à execução da ordem de resgate ou liquidação das aplicações financeiras em causa, pela notificação de decisão judicial que determinasse o levantamento total (ou parcial) da apreensão que havia sido decretada pelo despacho judicial de 17-10-2019, proferido no proc. n.º …/… do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa (sendo despiciendo tomar posição sobre se para isso era ou não aplicável o disposto no art. 178.º, n.º 7, do CPP).
Em face do indiscutível vínculo de indisponibilidade sobre os saldos das contas bancárias, os seguros e todas as aplicações financeiras e bancárias de que o Autor era titular (ou interveniente), não descortinamos nenhum fundamento legal para sustentar a construção jurídica da admissibilidade de “movimentação” “dentro do universo patrimonial do cliente e não para fora dele”. Antes nos parece mais consistente (salvo quanto ao aspeto acima ressalvado – embora indiferente para o caso) a posição sufragada no parecer jurídico junto pelo Apelante, onde se refere designadamente que: “O próprio despacho que determinou a apreensão é muito claro no seu âmbito, quer quanto ao objeto da apreensão, quer quanto aos seus efeitos, quanto à modificabilidade pelo depositário quer pelo titular do objeto apreendido, ao determinar que são objeto da apreensão os «saldos da conta bancária, do A …, SA, bem como todos os seguros e todas as aplicações financeiras e bancárias, tituladas ou em que seja interveniente, a qualquer título», LA/111/1 (objeto) e quanto aos efeitos «congelando assim todos os movimentos das mesmas» (efeitos). Ao determinar o congelamento de todos os movimentos das referidas contas, fica claro que só por ordem do juiz as referidas contas podiam ser movimentadas. Não faria sentido, aliás, que apreendida uma conta bancária e congelados todos os seus ativos (os saldos das contas e «todos os seguros e todas as aplicações financeiras e bancárias») em ordem à realização dos fins do processo, o titular da conta pudesse, na pendência da apreensão e congelamento, movimentar essa conta, ordenando quaisquer modificações na natureza dos ativos congelados. Se tal fosse possível ficaria em perigo a finalidade da apreensão, no caso a restituição dos valores à entidade lesada ou a sua perda a favor do Estado como consequência da prática do crime, porquanto a modificação da natureza dos ativos poderia eventualmente causar a sua desvalorização. Nem se diga que a indisponibilidade por parte do titular da conta também lhe poderia acarretar prejuízos, restringindo ilegitimamente o seu direito de propriedade, porque a lei prevê que o interessado requeira ao Juiz a modificação do vínculo de indisponibilidade, seja no seu âmbito objetivo, seja no seu modus. A lei acautela o interesse do titular dos valores apreendidos ao permitir que o juiz possa autorizar os efeitos da apreensão, ponderando os interesses em eventual conflito: os do titular dos valores apreendidos e os fins do processo, no caso a execução das consequências legais do ilícito penal indiciado nos autos. A alteração do modus da apreensão e congelamento não cabe mais nem ao titular dos bens objeto da medida processual de apreensão nem ao depositário, mas tão só ao juiz do processo em que a medida foi ordenada. (…) Só a partir da notificação ao Banco do despacho de 08.05.2020, que levantou a apreensão, o titular das contas, LMM, recuperou a sua capacidade para o exercício dos seus direitos relativos àquelas contas, podendo desde então, e só desde então, movimentá-las nos termos contratuais com o Banco. (…) se o A …, SA tivesse cumprido a ordem que lhe foi dada pelo titular das contas, LMM, sem autorização do juiz do processo, teria praticado um facto ilícito, incorrendo eventualmente na prática de ilícitos criminais e civis. O artigo 205º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa dispõe que «as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades». (…) A violação dos deveres de depositário impostas ao Banco pelo Despacho de 18.10.2019 podia eventualmente implicar responsabilidade criminal pelo crime de descaminho, p.p. pelo artigo 355° do Código Penal. Não se justificando mais aprofundada análise do artigo 355º do Código Penal, porquanto não se cuida de apurar responsabilidades, mas apenas da possibilidade de imputação desse crime aos responsáveis do A …, SA, caso cumprissem a ordem de resgate das aplicações que foi dada por LMM ao A …, SA, em 21.01.2020, importa apenas referir, para melhor compreensão da eventual responsabilidade criminal que o que está em causa no artigo 355º não é a propriedade do objeto, mas tão só o poder público constituindo o crime o desrespeito do comando da autoridade, sendo que esse desrespeito e que constitui o fano, independentemente de causar ou não algum prejuízo ao Estado. Diversamente, no que respeita a eventual responsabilidade civil. Se o A …, SA. tivesse cumprido a ordem de LMM de 20.01.2020 poderia vir a ser responsabilizado civilmente caso se viesse a verificar que o resgate das aplicações tinha implicado desvalorização dos ativos apreendidos ((art. 129º do CP e 483 ss do CCivil), lesando o Estado ou o terceiro beneficiário desses ativos, conforme os ativos viessem a reverter para o Estado (arts 110º do CP e 7º da Lei nº 52002) ou para o ofendido pelo crime pressuposto da apreensão (110º, nº 6, do CP). (…) insiste-se, a apreensão coloca os bens apreendidos sob tutela do Estado para cumprir as finalidades que a medida processual visa realizar. Trata-se de uma proteção do bem apreendido em função do seu destino, destino e integridade jurídicos definidos pelo tribunal para a realização de um fim processual: conservar os bens para eventual devolução ao ofendido (nº 6 do art. 110º do CP) ou perda a favor do Estado ((arts 110º do CP e 7º da Lei nº 52002). A apreensão visou acautelar estes interesses e não os do titular das contas em que os ativos se encontravam, donde o congelamento desses ativos até decisão em contrário do juiz do processo. (…) Enquanto os ativos das contas se encontrassem apreendidas e congeladas à ordem do juiz do processo o seu titular estava inibido de dar sobre elas quaisquer ordens pelo que as relações do A …, SA, com o seu cliente estavam também congeladas e o Banco este não tinha quaisquer deveres de obediência a ordem que lhe fossem dadas por LMM, donde que não cumprindo essa ordem não incorreu em incumprimento dos deveres contratuais. Se LMM pretendesse alguma modificação dos ativos congelados deveria requere-lo ao juiz que se decidisse a modificação determiná-la-ia ao Banco depositário. (…) se fosse possível ao titular da conta movimentá-la, ordenando quaisquer modificações na natureza dos ativos congelados, sem autorização do juiz, ficaria em perigo a finalidade da apreensão, no caso a restituição dos valores à entidade lesada ou a sua perda a favor do Estado como consequência da prática do crime, porquanto a modificação da natureza dos ativos poderia eventualmente causar a sua desvalorização.”
Por todas estas razões, não aceitamos que o Autor, então arguido no proc. n.º …/…, pudesse, a partir de 15-01-2020, dispor (livremente) das suas aplicações financeiras, contanto não movimentasse depois o dinheiro do respetivo resgate.
Aliás, se o Autor estava tão convencido do contrário, nem se percebe por que motivo não requereu ao competente juiz de instrução que logo se pronunciasse a esse respeito, antes quis discutir essa questão apenas no foro cível, já depois do levantamento da medida de apreensão.
Tudo ponderado, consideramos que o retardamento da prestação devida pela Ré, na sequência da solicitação feita pelo Autor no seu email de 21-01-2020, não consubstancia um facto ilícito, antes se mostra justificado pela obediência devida ao despacho judicial 17-10-2019, proferido no proc. n.º …/…, do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, notificado à Ré em 18-10-2019. Isso mesmo foi, aliás, prontamente respondido pela Ré por email de 22-01-2020, em que referiu designadamente o seguinte “até este momento não recebemos qualquer nova notificação (Ofício do Tribunal); A última notificação recebida pelo A …, SA, data ainda de 2019. Só podemos comercialmente atuar sobre os ativos financeiros após receber instruções por essa via, e informarei quando acontecer. Nota: caso já detenha, com o apoio do seu Advogado, algum documento emitido em 2020 se desejar poderá facultar uma cópia por e-mail. (...)” (Cf. ponto 10).
Após tal medida de apreensão / congelamento de todos os ativos do Autor ter sido levantada por despacho judicial datado de 06-05-2020, notificado ao Banco por ofício de 08-05-2020 (cf. ponto 29), a Ré procedeu ao resgate das aplicações do Autor e à disponibilização do respetivo produto ao mesmo, em maio de 2020, tendo o resgate de algumas aplicações ocorrido apenas durante o mês de junho de 2020 (cf. ponto 31), não sendo juridicamente relevante, no caso, que a execução integral daquele resgate tenha demorado alguns dias a ficar concluída pois o Autor não estribou nesse facto a sua pretensão indemnizatória (tanto assim que nem alegou qual o saldo global das suas contas à data daquela notificação).
Em conclusão, não acompanhamos a interpretação que o Tribunal recorrido fez do aludido despacho, ora propugnada pelo Apelado e no parecer jurídico que juntou, segundo a qual a Ré não estava impedida - pela decisão judicial proferida no proc. n.º …/… - de dar execução às ordens de resgate das aplicações financeiras (associadas às referidas contas bancárias) dadas pelo Autor (a primeira em 21-01-2020), pois não estava impedido de realizar movimentos dentro do universo patrimonial do cliente.
Pelo contrário, entendemos que a Ré estava (temporariamente) impedida de cumprir a prestação contratual que seria devida, nos termos solicitados pelo Autor, já que este não tinha a disponibilidade sobre as suas aplicações financeiras, uma vez que estavam apreendidas, conforme determinado por decisão judicial à qual a Ré não podia deixar de obedecer, sob pena de incorrer na prática de facto ilícito.
Posto isto, resta concluir que fica prejudicado o conhecimento das demais questões, sem prejuízo de uma nota final a respeito da litigância de má fé.
Da litigância de má fé
Na sentença recorrida foi apreciada a questão da litigância de má fé do Autor, tendo sido decidido que não se verifica, o que se fundamentou nos seguintes termos: “Considerando que os autos merecerão uma decisão de procedência do pedido, torna-se evidente a conclusão de que ao Autor foi reconhecido fundamento substantivo para o direito por si invocado; pelo que, nessa medida, não pode a sua conduta processual ser apreciada à luz do instituto da litigância de má-fé, por manifesta falta de verificação de qualquer dos pressupostos consagrados no artigo 542º, n.º 2 do C.P.C.”.
A Ré-Apelante, nas conclusões da sua alegação de recurso, não questionou o assim decidido, limitando-se a pugnar a final pela revogação da decisão recorrida e pela condenação do Autor como litigante de má fé, pelo que subsiste intocada essa parte da decisão recorrida.
A existência de litigância de má fé no âmbito do recurso é matéria de conhecimento oficioso, mas não se nos afigura que a atuação do Autor-Apelado, nesta sede, seja de reconduzir à previsão do art. 542.º do CPC, pelo que não será condenado nos termos requeridos pela Ré.
Vencido o Autor-Apelado, é responsável pelo pagamento das custas processuais em ambas as instâncias (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
Face ao valor da causa e do presente recurso, considerando o objeto do litígio e do recurso, tendo as partes Apelante exposto de forma clara a sua posição em peças de dimensão média, não suscitando questões de complexidade assinalável, mostra-se adequado determinar, ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 7, do RCP, a dispensa do pagamento de metade do valor remanescente da taxa de justiça.
***
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, decidindo-se, em substituição, julgar improcedente a ação intentada pelo Autor B … contra a Ré A …, S.A.., absolvendo-a do pedido.
Mais se decide condenar o Autor-Apelado no pagamento das custas da ação e recurso, dispensando-o do pagamento de metade do valor remanescente da taxa de justiça.
D.N.