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CRIME DE PERSEGUIÇÃO
Sumário
1– O crime de perseguição, p. e p. pelo art. 154.º-A, do Código Penal, é um crime de execução livre, isto é, que pode ser cometido por qualquer meio, sendo os correspondentes elementos objetivos os seguintes: a ação do agente, consubstanciada na perseguição ou assédio da vítima, por qualquer meio, direto ou indireto; a adequação da ação a provocar naquela medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; e a reiteração da ação. 2– Mostrando-se definitivamente assente a matéria de facto, de onde decorre que a arguida incomodou e assediou o assistente, causando-lhe constrangimentos, receios e inquietação, bem como condicionou a sua liberdade pessoal, com o que o mesmo se sentiu perturbado, nenhum reparo cumpre realizar ao enquadramento jurídico-penal realizado pelo tribunal a quo, falecendo, consequentemente, a alegação relativa ao erro no preenchimento do tipo legal imputado à recorrente. (Sumário da responsabilidade da relatora)
Texto Integral
Em conferência, acordam os Juízes na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I–Relatório 1.–No processo comum singular n.º 610/21.2PECSC do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Criminal de Cascais – Juiz 2, foi proferida sentença a 29.02.2024, que condenou a arguida AA, melhor identificada nos autos, pela prática de um crime de perseguição, previsto e punido pelo artigo 154.º-A, n.º 1 do Código Penal, na pena de 180 dias de multa, à razão diária de €5,00, perfazendo a quantia de €900,00, bem como na pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição, nos termos do artigo 154.º-A, n.º 3, do Código Penal, a fiscalizar pela DGRSP.
2.–Recurso Arguida
Inconformada com aquela decisão e pugnando pela sua absolvição, veia a arguida interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição): 1.–O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito da Douta Sentença proferida nos presentes autos que condenou a Recorrente pela prática de um crime de perseguição, previsto e punido pelo artigo 154º A, n.º 1, do Código Penal. 2.–Do depoimento prestado pelo Assistente em audiência e em confronto com a acusação impunha-se decisão diversa no que à Recorrente se refere. 3.–Na realidade, da discussão da prova e das declarações do Assistente parece evidente que é determinável que a Recorrente não praticou o crime de que vinha acusada. 4.–Os factos que o Tribunal a quo considerou como provados assentaram apenas no depoimento do Assistente, o qual se revelou pouco claro, impreciso e incoerente, extrapolando a realidade dos factos. 5.–A Douta Sentença incorreu em erro de interpretação ao acolher, sem reservas, a tese do Assistente, sem tão pouco fundamentar o motivo por que o fez. 6.–Este caso põe em polos opostos um Assistente que é uma figura pública (...) e temos no polo oposto a Arguida, admiradora e fã (...) que (...) pessoalmente, se encanta, ainda mais, por aquela pessoa e, a partir daí, fruto também da fragilidade física e psíquica em que se encontrava, começou a enviar mensagens, como que relatando a sua vida, como se tivesse ali alguém para ouvir os seus desabafos, sem resposta de volta, mas também sem que tenha recebido algum sinal de que o não devesse fazer. 7.–Tal como o demonstra o teor das várias mensagens enviadas pela Arguida para o Assistente, mensagens que não constavam do processo, que estavam na posse daquele e cuja leitura foi, inexplicavelmente, permitida ao Arguido em plena audiência de discussão e julgamento. 8.–Assim e socorrendo-se da leitura das mensagens que tinha em seu poder, e corroborando o que se disse supra quanto ao teor das mensagens da Arguida, refere o Assistente aos 21 segundos do seu depoimento, depoimento n.º 2024-02-21_15-23-10, lendo a mensagem que lhe foi enviada pela Arguida “…Quando o BB estava a regressar ao ...…agora veja só o azar, eu que o admiro tanto, que o sigo há tanto tempo…”. 9.–Mensagem enviada pela Arguida no dia 17 de Junho de 2018, quando se encontrava no ..., com um dispositivo e ligaduras na cabeça e diversas mazelas físicas, e é nessa altura, que vê, pessoalmente, pela primeira vez, o Assistente (...). 10.–Continuando nas declarações do Assistente, refere o mesmo, aos 37 segundos do seu depoimento, referindo-se ao teor da mensagem que lhe foi enviada pela Arguida e do que depreendeu do seu conteúdo “É logo uma mensagem muito grande que descreve uma situação pessoal delicada de divórcio e a agradecer o facto de durante muito tempo a minha voz ter sido o único factor de acalmia para aquela pessoa porque fazia-a lembrar o pai e situações de conforto”. 11.–Referindo, no seu seguimento, aos 1 minuto e 45 segundos “…partilha de detalhes da vida pessoal…”, continuando a referir-se ao teor das mensagens que lhe eram enviadas pela Arguida. 12.–Voltando a referir aos 2 minutos e 21 segundos do seu depoimento “Isto é acompanhado por mensagens diárias, com partilha de momentos da vida pessoal”. 13.–De referir que durante dez meses o Assistente foi recebendo mensagens deste teor por parte da Arguida, sem nada fazer ou demonstrar no sentido de que as mesmas, de alguma forma, o incomodavam, permitindo que durante aquele período de tempo a Arguida lhe enviasse setenta mensagens desabafando sobre a sua própria vida pessoal e demonstrando a admiração que nutria pelo mesmo. 14.–Bloqueando-a nas redes sociais, apenas, a 19 de Abril de 2019. 15.–Facto que é incompreendido pela Arguida, pois até então, nunca o Assistente tinha manifestado o seu desagrado quanto ao recebimento de tais mensagens, como é referido pelo Assistente no seu depoimento, quando a 30 de Abril de 2019 recebe um e-mail da Arguida no seu e-mail profissional, afirmando o mesmo aos 7 minutos e 4 segundos do seu depoimento “É um e-mail de mágoa e de revolta e incompreensão por ter sido bloqueada nas redes sociais”. 16.–No fundo, a Arguida foi enviando mensagens ao Assistente, contando pormenores da sua vida pessoal, como que desabafando com alguém que ela admira, que não lhe responde, mas tal silêncio é interpretado por ela, não como manifestação de desagrado ou incómodo por parte do Assistente, mas unicamente como decorrência do seu feitio tímido, como afirma o Assistente aos 9 minutos e 28 segundos do seu depoimento, quando refere o que resultou das mensagens da Arguida “Refere que percebeu que sou tímido e por isso é que estou a evitar o contacto directo.” 17.–O comportamento da Arguida, aqui descrito neste processo, de envio de mensagens, de manifestação de admiração por alguém, e até de tentativas de contacto pessoal, que no caso, se resumiram a duas, não será um caso isolado e será mesmo frequente na vida das figuras públicas, como é o caso do Assistente. 18.–Muitas são as pessoas que vivendo na solidão, sem família ou amigos, vêm nas figuras públicas (...) o amigo ou familiar que não têm, e que, na decorrência de tal circunstância, enviam mensagens demonstrando afecto, admiração, contando a sua vida e tentando até ver essa pessoa de perto, como forma de colmatar essa carência afectiva, sem que daí advenha a prática de qualquer crime. 19.–O próprio Assistente acaba por o admitir aos 10 minutos e 45 segundos do seu depoimento, quando descreve a situação em que a Arguida se deslocou às instalações da ... para o ver “(...) sou informado que esteve uma pessoa à minha procura na ..., que passou pela segurança argumentando que tinha uma reunião comigo, chegou à recepção e a recepcionista, que é uma pessoa muito experiente, trabalha há muitos anos na ... e lida muito com algumas situações deste género, percebeu imediatamente que não havia qualquer reunião”. 20.–De ressalvar que não foi feita prova de que foi a Arguida que ali esteve naquele dia e àquela hora à sua procura. 21.–Do seu depoimento se percebe que o Assistente sabe que situações deste tipo acontecem frequentemente, que são diversas as pessoas que procuram manifestar a sua admiração por alguém, nomeadamente, através de tentativas de contacto pessoal. 22.–Afirmar que estamos perante situações de crime de perseguição é extrapolar a realidade dos factos, conferindo-lhe uma dimensão que não existe verdadeiramente. 23.–Afirma o Assistente que toda esta situação lhe causava incómodo e transtorno, o que mal se compreende dado que o mesmo, ainda que bloqueando os e-mails, os ia depois verificar ao lixo do seu computador, referindo aos 15 minutos e 8 segundos do seu depoimento “Para manter o controlo da situação eu continuava a acompanhar o que caía no lixo”, dizendo, ainda, ao tribunal que a 12 de Agosto de 2021 decidiu resgatar os e-mails que estavam no lixo. 24.–De referir que nunca a Arguida encarou a sua actuação como algo que incomodava o Assistente, pois embora nunca tenha recebido qualquer mensagem do Assistente, também nunca o mesmo lhe manifestou qualquer sinal de desagrado e, por isso, ao ter conhecimento de que o Assistente tinha feito uma queixa crime contra si, enviou um e-mail ao Assistente a 25 de Janeiro de 2022, dando-lhe conta disso mesmo e, a partir dessa data, nunca mais lhe enviou qualquer comunicação, desaparecendo, de vez, da sua vida. 25.–O assistente, ao contrário do que afirma no seu depoimento, não demonstrou que tenha sido prejudicado pela actuação da Arguida, não limitou a sua liberdade de se movimentar ou de agir, manteve sempre o telemóvel para onde a Arguida enviava as mensagens referidas, não tendo mudado o que quer que fosse na sua vida, por causa da actuação da Arguida, não alegando ter tomado qualquer atitude decorrente do estado de perturbação em que diz ter-se encontrado, na sequência da atitude da Recorrente, mas tão-só, que tal atitude teve repercussões nefastas no seu dia-a-dia e na sua estabilidade psicológica, não referindo ter tomado qualquer medida, ou ter-se privado do que quer que seja, por força do comportamento da mesma, ou seja, o Assistente, pese embora a insistência das interpelações a que a Arguida o sujeitou, em nada mudou o seu quotidiano. 26.–Errou o Tribunal na interpretação da lei, nomeadamente em relação requisitos do tipo legal do crime de perseguição, sendo que quanto à conduta de perseguição, a Arguida jamais actuou por forma a perseguir ou assediar o Assistente. 27.–Quanto à exigência de prática reiterada, efectivamente durante largos meses a Arguida enviou mensagens ao Assistente, que nunca lhe respondeu, mas de igual forma, durante muito tempo, nunca tentou quebrar o contacto ou sequer parar a conversa, não lhe demonstrou desagrado quanto ao comportamento da mesma, e ao tomar consciência de que tal comportamento não era encardo da mesma forma pelo Assistente, de imediato a Arguida cessou tal comportamento. 28.–De acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 16/10/2018, referente ao Proc. n.º 1709/16.2PBBRR.L1-9, pesquisável em www.dgsi.pt, “Os actos persecutórios não são queridos, nem muito menos consentidos pela vítima, que repudia o contacto com o seu perseguidor. Efetivamente, este é um daqueles casos em que não se pode proteger o bem jurídico contra a vontade do seu titular, assim, se a vítima permite e consente nas investidas do stalker, não podemos sequer falar em perseguição.” 29.–Quanto à adequação a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação da pessoa perseguida, entende-se que o envio de mensagens e e-mails não foi adequado a provocar o medo ou a inquietação que o Assistente diz ter sofrido, pelas razões supra aduzidas. 30.–“O bem jurídico protegido pela incriminação é “a paz jurídica da pessoa perseguida, a ausência absoluta de qualquer forma de medo ou inquietação”. Jörg Kinzig, citado em Código Penal com notas e comentários, Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, ou, segundo Paulo Pinto de Albuquerque, in CCPP, é “a liberdade de decisão e ação de outra pessoa”, que não foram postas em causa pela Arguida, porquanto já se referiu supra. 31.–De igual forma, não se verificou a existência de dolo na actuação da Arguida. 32.–Jamais a Arguida pretendeu ou configurou sequer a hipótese de perseguir o Assistente. 33.–A postura da Arguida, ainda que se possa considerar exagerada, não pode subsumir-se, sem mais, ao tipo de crime por que foi acusada e condenada uma vez que, como se disse, não se verificam nem os elementos objectivos, nem os elementos subjectivos do tipo do crime de perseguição, previsto e punido pelo art.º 154º-A, n.º 1 do Código Penal. 34.–Em face dos elementos de prova que constam dos autos e tendo em conta os factos alegados pelo Assistente, as mensagens que a Arguida lhe dirige não têm essa virtualidade já que, pese embora sejam insistentes e exageradas na sua repetição, não deixam de ser carinhosas e educadas, sobressaindo, das mesmas, a admiração que sente pelo Assistente e o facto de o ter como alguém a quem ela conta pormenores da sua vida diária, não denotando nas mesmas nenhum crescendo de insistência nem de violência. 35.–Desta forma e tendo em conta o exposto, não deveria a Arguida ter sido condenada pelo crime em questão. 36.–O Tribunal a quo ao dar como provados os factos que se encontram supra descritos violou, entre outros, o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do Código Processo Penal. 37.–Não pode condenar-se um Arguido com base em simples presunções, que não são meios de prova, mas simples meios lógicos ou mentais. A condenação do Arguido há-de sempre assentar na certeza dos factos probandos. 38.–Perante a mínima dúvida, o Juiz deve aplicar o princípio do in dubio pro reo. Este princípio estabelece que, na decisão de factos incertos, a dúvida favorece o Arguido. Este é um princípio de prova que vigora em geral, isto é, quando a lei, através de uma presunção, não estabelece o contrário. 39.–Significa isto que, este princípio identifica-se como o da presunção de inocência do Arguido e impõe que o julgador valore sempre em favor deste. 40.–Nenhuma prova foi produzida de modo a permitir ao Tribunal concluir como concluiu. 41.–Na perspectiva da Recorrente o Tribunal a quo não valorou correctamente os factos apresentados em sede de audiência de julgamento, o que levou a uma decisão errada quanto ao julgamento da matéria de facto e de direito, devendo a matéria de facto provada deve ser alterada em conformidade com o supra exposto. 42.–Nos termos do supra alegado e não tendo a Recorrente praticado o crime em que vem condenada, deve ser absolvida. 43.–Pelo exposto, não tendo ponderado como se impunha todas estas condições, violou o Tribunal a quo os artigos 40º n. 1, 70º e 71º, todos do Código Penal.
3.–Resposta do Ministério Público
A Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância apresentou resposta ao recurso interposto pela arguida, no sentido de que a sentença não merece censura, concluindo nos seguintes termos (transcrição): 1.–A recorrente foi condenada pela prática de um crime de perseguição, previsto e punido pelo artigo 154.º-A, n.º 1, do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à razão diária de €5,00 (cinco euros), perfazendo a quantia global de €900,00 (novecentos euros) e na pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição. 2.–A apreciação que o tribunal a quo efetuou quer das declarações do assistente, quer do depoimento da testemunha CC e de toda a prova produzida em julgamento, não nos merece qualquer reparo. 3.–O assistente prestou as suas declarações de forma muito calma e convincente, sendo certo que, apesar da posição que ocupa nos autos – é assistente –, não se vislumbrou no mesmo qualquer propósito de prejudicar a recorrente. Muito pelo contrário, demonstrou, pretender, tão só, esclarecer o tribunal a quo sobre o sucedido. 4.–A testemunha CC, companheira do assistente, à data dos factos, confirmou, de uma forma escorreita e isenta, ter respondido à arguida, através do intercomunicador, no dia em que a mesma se dirigiu à residência de ambos e tocou à campainha, referindo que a arguida não se identificou, tendo permanecido no jardim em frente ao imóvel durante cerca de 40 (quarenta) minutos, documentando tal situação com fotografias, que remeteu ao assistente. 5.–Não existe qualquer impedimento legal a que o tribunal considere como provados factos apenas e tão só com base no depoimento de uma testemunha, ainda que esta seja a vítima do crime. 6.–Analisando, na sua globalidade, a motivação de recurso apresentada pela recorrente, verifica-se que a sua discordância assenta na valoração da prova efetuada pelo tribunal a quo, valoração essa, livremente formada e fundamentada, a qual é a convicção lógica em face da prova produzida e das regras do normal acontecer, pelo que deve ser acolhida a opção do julgador que beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova. 7.–Não se vislumbra qualquer motivo válido para não se valorarem as declarações do assistente, corroboradas, aliás pela prova testemunhal e documental junta aos autos, revestindo estas força probatória suficiente para o tribunal formar a sua convicção, inexistindo, pois, qualquer erro, muito menos notório, na apreciação da prova. 8.–Da análise da sentença recorrida, constata-se que a prova produzida foi de molde a não criar quaisquer dúvidas no Julgador, antes e pelo contrário, a prova produzida em audiência, conduziu o tribunal a quo à certeza de que a recorrente praticou os factos que foram dados assentes, pelo que não se impunha, assim, aplicar o princípio in dubio pro reo. 9.–Não é pelo facto de haver diferentes versões de uma determinada factualidade e de se optar por uma delas como sendo a que melhor a retrata, que se está a violar, sem mais, o princípio in dubio pro reo. 10.–O tribunal a quo proferiu a sentença no pleno convencimento de que os factos ocorreram nos moldes relatados pelo assistente e de que a recorrente foi a sua autora, por força das provas devidamente valoradas e submetidas ao respetivo exame crítico. 11.–Os factos dados como provados na sentença recorrida preenchem todos os elementos do tipo objetivo e do tipo subjetivo do crime de perseguição pelo qual a recorrente veio a ser condenada. 12.–O comportamento da recorrente, evidenciado nos factos provados, é revelador de uma conduta persecutória persistente, remetendo ao assistente, com quem nunca havia privado, no período de 10 (dez) meses, 62 (sessenta e duas) mensagens através da aplicação «Messenger», persistindo no envio de mensagens, mormente, para o endereço de correio eletrónico profissional do assistente, após este a ter bloqueado nas redes sociais, escalando, posteriormente, para o envio de presentes e visitas ao local de trabalho do assistente e à sua residência, onde permaneceu à espera do assistente cerca de 40 (quarenta) minutos. 13.–O tribunal a quo ponderou assertivamente a ilicitude da conduta da recorrente, o facto de ter atuado com dolo direto, entendendo corretamente verificados preenchidos dos elementos objetivo e subjetivo do crime de perseguição, não merecendo a qualificação jurídica qualquer reparo, procedendo à aplicação correta das normas constantes no artigo 154º-A, nº 1, do Código Penal. 14.–Deverá, pois, ser mantida a sentença recorrida.
4.–Resposta do Assistente
O assistente apresentou resposta ao recurso interposto pela arguida, no sentido da manutenção da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição): A.–A Recorrente interpôs recurso da decisão proferida pelo Tribunal a quo em 29.02.2024 que a condenou pela prática de um crime de perseguição, previsto e punido no artigo 154.º-A, n.º 1, do CP, na pena de multa de 180 dias, à razão diária de EUR 5,00, e ainda na pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição, nos termos do artigo 154.º-A, n.º 3 do CP. B.–No seu recurso, a Recorrente não cumpre o ónus que legalmente lhe incumbia no que se refere à impugnação da matéria de facto, nos termos em que este se encontra previsto no artigo 412.º. n.ºs 3 e 4 do CPP. Este incumprimento seria, por si só, suficiente, para que o recurso interposto pela Recorrente fosse liminarmente rejeitado. C.–Mesmo que assim não se entenda – no que não concede –, o recurso da Recorrente carece de fundamento legal, nos termos do disposto no artigo 410.º do CPP, e, também por essa razão, o recurso da Recorrente deverá ser rejeitado. D.–Sem prejuízo do que antecede, ao longo do seu recurso, a Recorrente apresenta uma versão deturpada dos factos, esforça-se por desvalorizar e até ignorar a prova esmagadora produzida nos autos, e por criar uma “narrativa” alternativa que, de alguma forma, justifique o seu comportamento criminoso. A postura da Recorrente é ilustrativa da desconsideração absoluta pela gravidade dos atos que praticou e reforça o caráter acertado e necessário da decisão condenatória proferida pelo Tribunal a quo. E.–A decisão recorrida não violou o princípio da livre apreciação da prova, nem o princípio in dubio pro reo, pelo contrário, a decisão recorrida fez uma análise rigorosa, objetiva e fundamentada da prova produzida nos autos, prova essa que não deixou margem para a menor dúvida de que a Recorrente praticou efetivamente o crime de perseguição que vinha acusada e pelo qual corretamente foi condenada. F.–A decisão objeto de recurso não merece, por isso, qualquer reparo, devendo ser mantida na íntegra. G.–No capítulo do recurso supostamente dedicado à impugnação da matéria de facto, a Recorrente limita-se a reproduzir o elenco dos factos dados como provados na decisão recorrida – com a mesma numeração com que constam da decisão –, omitindo apenas o facto dado como provado sob o número 19, sem que, contudo retire qualquer ilação ou conclusão dessa reprodução do elenco dos factos provados. H.–A Recorrente incumpriu flagrantemente este ónus em que estava incumbida – a Recorrente não faz, nem no texto da motivação, nem nas conclusões do recurso, as especificações ordenadas pelos números 3 e 4, do artigo 412.º do CPP. Não se poderá entender que as referências meramente conclusivas feitas pela Recorrente no capítulo do recurso supostamente dedicado à “Impugnação da Aplicação do Direito aos Factos Provados” são tendentes a cumprir este ónus. I.–Para que o ónus previsto no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP se considere pontualmente cumprido, cabe ao recorrente definir os termos do seu recurso em matéria de facto e delimitar o respetivo objeto, não lhe bastando enunciar a sua pretensão quanto a um determinado resultado final em termos de facto ou de direito – como fez, neste caso a Recorrente – referindo simplesmente, por exemplo, que da prova produzida não resultam provados os factos do tipo legal ou não se provou o crime, pelo que deve ser absolvido. J.–O incumprimento do ónus previsto no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP, pela Recorrente não dá lugar, in casu, ao convite à correção das conclusões, nos termos previstos no n.º 3, do art.º 417.º do CPP, uma vez que a Recorrente não faz, nem no texto da motivação, nem nas conclusões do recurso, as especificações ordenadas pelo referido preceito legal, e o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do referido convite para aperfeiçoamento. K.–Nestes termos e com estes fundamentos, deve o recurso interposto pela Recorrente ser liminarmente rejeitado por incumprimento do ónus previsto no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP. L.–Neste capítulo do seu Recurso, a Recorrente limita-se a manifestar a sua discordância face ao teor da decisão proferida pelo Tribunal a quo, apresentando uma versão dos factos deturpada e frontalmente contrariada pela prova inequívoca produzida nos autos. M.–A simples discordância com o teor da decisão proferida não é fundamento de recurso, tal como decorre de forma expressa do disposto no artigo 410.º do CPP, pelo que, carecendo o recurso interposto pela Recorrente de fundamento legal deverá o mesmo ser rejeitado. N.–Mesmo que assim não se entenda, no que não se concede e apenas por mera cautela se equaciona, sempre terá de se considerar que não assiste razão à Recorrente devendo, por isso, o recurso ser considerado improcedente por não provado e a decisão proferida pelo Tribunal a quo ser mantida na íntegra, impondo-se, desde logo, esclarecer duas questões prévias: O.–Em primeiro lugar, a prova produzida nos autos foi absolutamente esmagadora no sentido de demonstrar de forma inequívoca e isenta de qualquer dúvida que a Recorrente praticou efetivamente um crime de perseguição. P.–Em primeiro lugar, a prova produzida nos autos foi absolutamente esmagadora no sentido de demonstrar de forma inequívoca e isenta de qualquer dúvida que a Recorrente praticou efetivamente um crime de perseguição. No que se refere, em particular, à prova documental remete-se, nesta sede, para os documentos juntos pelo Assistente com os requerimentos apresentados em 27.09.2021 e em 28.10.2021, que consistem, respetivamente, em (i) emails enviados pela Recorrente ao Assistente, entre 30.04.2019 e 10.09.2021, em que esta ficciona uma relação próxima com o Assistente, enviando fotografias e partilhando detalhes íntimos da sua vida pessoal; (ii) emails enviados pelo Assistente para sua entidade patronal, em julho de 2019, para impedir que a Recorrente fosse impedida de entrar nas instalações em desempenha a sua atividade profissional, depois de a Recorrente aí se ter deslocado e de ter ficcionado ter uma reunião com o Assistente; (iii) o único email enviado pelo Assistente à Recorrida, em 02.08.2019, em que exige o fim imediato dos contactos;(iv) imagens do videoporteiro captados no local de residência do Assistente e que demonstram que a Recorrente aí se deslocou em 12.09.2021; e (v) fotografias que demonstram que a Recorrente remeteu para o domicílio profissional do Assistente uma encomenda contendo um bilhete escrito à mão, alusivo ao seu aniversário, e um cinto preto. Q.–À prova documental acrescem ainda as declarações prestadas pelo Assistente que depôs de forma espontânea, isenta, objetiva, coerente, dando exemplos concretos de como o comportamento da Recorrente limitou a sua liberdade pessoal, lhe causou medo e angústia, bem como as declarações da testemunha CC que confirmou as declarações do Assistente e que descreveu também de forma isenta e objetiva o episódio em que a Recorrente se deslocou a casa do Assistente, tendo sido esta quem atendeu a porta à Recorrente. R.–É, pois, evidente que a decisão proferida não enferma de qualquer vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício esse que a Recorrente invoca sem qualquer suporte legal. S.–Em segundo lugar, no que se refere em particular às mensagens de Facebook enviadas pela Recorrente para o Assistente e que a Recorrente alega, no seu recurso que a respetiva “leitura foi, inexplicavelmente, permitida ao Arguido em plena audiência de discussão e julgamento”, importa esclarecer (apesar de um tal esclarecimento ser desnecessário por evidente) que, nos termos conjugados do disposto nos artigos 164.º, 165.º e 340.º do CPP, cabe ao Tribunal o poder de oficiosamente requerer a junção de documentos aos autos no decurso da audiência de julgamento, e foi precisamente isso que ocorreu neste caso. T.–Não se compreende, por isso, que hipotética consequência negativa ou desvalor a Recorrente pretende retirar do facto de o Tribunal a quo ter exercido um poder que legalmente lhe assiste, desde logo, porque a Recorrente não invoca qual seria essa consequência. U.–O recurso interposto pela Recorrente mais não é do que uma tentativa de impedir o trânsito em julgado de uma decisão que não merece qualquer reparo. O recurso interposto pela Recorrente corresponde, em termos rigorosos, a um uso reprovável do processo, que o Assistente não pode se não lamentar. V.–A ideia que a Recorrente tenta fazer passar ao longo de todo o seu recurso é a de que os atos que praticou mais não foram do que simples manifestações de carinho e admiração pelo Assistente, não suscetíveis a causar medo ou angústia ao Assistente, e, além do mais, que este, de alguma forma, permitiu ou aceitou que a Recorrente praticasse esses atos, uma vez que não manifestou qualquer desagrado. W.–Do processo constam elementos abundantes de que o Assistente foi, de facto, vítima do crime de perseguição e a própria Recorrente a eles faz referência no seu recurso: 62 mensagens de Facebook e fotografias; pelo menos 110 emails, muitos deles acompanhados também por fotografias; registos de deslocações ao local de trabalho do Assistente; encomendas enviadas para o local de trabalho do Assistente; registos de deslocação a casa do Assistente, tudo isto durante o período compreendido entre meados de 2018 e início de 2022, e depois de a Recorrente se ter cruzado por mero acaso com o Assistente no parque de estacionamento de um hospital. X.–As mensagens enviadas pela Recorrente assumiam caráter diário e tinham uma natureza altamente intrusiva, já que nelas a Recorrente utilizava expressões como “meu amor”, “adoro-te”, “tinha tantas saudades tuas”, ficcionando um romance com o Assistente, demonstrando uma obsessão que em momento algum foi promovida ou correspondida, antes pelo contrário! Y.–O facto de o Assistente ser uma figura conhecida em nada diminuiu o seu direito à privacidade e o seu direito a ver respeitado o facto de não querer manter qualquer contacto ou qualquer tipo de relação com alguém que não conhece. Z.–É falso que o Assistente nunca tenha dado qualquer sinal à Recorrente de que esta não deveria enviar-lhe mensagens ou emails, é falso que o Assistente nunca tenha manifestado o seu desagrado quanto ao recebimento das mensagens em causa, e é igualmente falso que o Assistente tenha, em algum momento ou de alguma forma, tolerado ou assentido o comportamento persecutório da Recorrente. AA.–O Assistente nunca, em todos os anos da sua já longa carreira, se viu confrontado com uma situação sequer remotamente parecida com a que aqui está em causa e, também por isso, num primeiro momento não soube qual a melhor estratégia a adotar para gerir as tentativas de contacto persistentes da Recorrente. Considerou que o silêncio e o bloqueio nas redes sociais seriam a melhor abordagem, mas está claro que se enganou. Na verdade, o facto de o Assistente ter bloqueado a Recorrente nas redes sociais veio apenas agravar e intensificar os atos de perseguição praticados pela Recorrente. BB.– Ao contrário do que a Recorrente afirma, foi feita prova de que a foi a Recorrente quem deslocou às instalações da ... no dia 09.07.2019 à procura do Assistente (cfr. Doc. n.º 4 junto com o requerimento apresentado pelo Assistente em 27.09.2021). Foi precisamente no seguimento deste episódio e da malograda tentativa da Recorrente de forçar um encontro presencial com o Assistente que este lhe enviou, no dia 02.08.2019, o único email que lhe remeteu ao longo de 4 anos de constante perseguição – e isto já depois de ter bloqueado a Recorrente em todas as redes sociais – e no qual lhe exigiu “o fim imediato dos seus contactos, seja qual for o meio e o contexto” (cfr. email enviado pelo Assistente à Recorrente, em 02.08.2019, junto como Doc. n.º 4 do requerimento apresentado pelo Assistente em 27.09.2021). CC.–Não obstante esta exigência do Assistente, a Recorrente persistiu nos comportamentos de perseguição e, para além dos emails quase diários em que passou a incluir referências aos pais do Assistente e de ameaçadas de deslocação à zona onde habitam (o que posteriormente acabou por efetivamente ocorrer, tal como o Assistente descreveu nas declarações que prestou em audiência de julgamento), acabou por se dirigir ao local de residência do Assistente, no dia 12.09.2021, tendo inclusivamente tocado à campainha. Essa deslocação da Recorrente ao local de residência do Assistente, no dia 12.08.2021, está documentada e consta dos autos como Doc. n.º 5 do requerimento apresentado pelo Assistente em 27.09.2021, tendo sido registada pela testemunha CC (companheira, naquela data, do Assistente), que estava em casa do Assistente no momento em que a Recorrente lá se dirigiu. DD.–Perante a dimensão e gravidade que os atos de perseguição praticados pela Recorrente, o Assistente decidiu, nessa mesma data, apresentar participação criminal que deu origem ao presente processo e, nessa sequência, decidiu recuperar os muitos emails enviados pela Recorrente e que, entretanto, por iniciativa do próprio Assistente eram automaticamente encaminhados para a pasta de “lixo eletrónico”. Foi nessa sequência e depois de ter recuperado os emails mais anteriores enviados pela Recorrente que o Assistente se apercebeu que a não foi em 12.08.2021 a primeira vez que a Recorrente se deslocou ao local de residência do Recorrente. EE.–É evidente que a atuação da Recorrente trouxe inúmeros transtornos à vida do Assistente, como, aliás, o próprio descreveu, quando prestou declarações em sede de audiência de julgamento. A Recorrente invadiu de modo agressivo, persistente e obsessivo a intimidade da vida privada do Assistente, criando desconforto, medo e insegurança que ainda hoje perduram na vida diária do Assistente. FF.–Neste caso, estão evidentemente verificados os elementos objetivos e subjetivos dos quais depende a prática do crime de perseguição. Como se viu, houve de tudo: mensagens insistentes, reiteradas, de conteúdo desadequado enviadas pela Recorrente; manifestação de desagrado por parte do Assistente e comportamentos com objetivo de pôr fim a essas tentativas de contacto indesejadas; tentativas da Recorrente de forçar encontros presenciais com o Assistente, no seu local de trabalho, com recurso a logro de terceiros para permitir que esses encontros acontecessem, bem sabendo que o Assistente não a queria encontrar; deslocações da Recorrente a casa do Assistente, mais uma vez, bem sabendo que este nunca lhe tinha dado a sua morada e não queria encontrara-se com ela; envio de encomendas para o local de trabalho do Assistente com mensagens intrusivas. Tudo isto durante o período de 4 anos! GG.–A prova produzida é, pois, esmagadora e não deixa margem para qualquer dúvida de que a Recorrente praticou um crime de perseguição, previsto e punido no artigo 154.º-A, n.º 1 do CP, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida nos seus exatos termos. HH.–Finalmente, e sem necessidade de grandes elaborações sobre o tema, é evidente que em circunstância alguma a decisão recorrida violou o princípio da livre apreciação da prova e, menos ainda, o princípio in dubio pro reo. Não se vislumbra que dúvida possa existir sobre os critérios utilizados pelo Tribunal a quo para formar a sua convicção e fundar a decisão que tomou. II.–É falso que o Tribunal a quo tenha decidido condenar a Recorrente com base em simples presunções – presunções essas que não se sabe quais seriam, porque a Recorrente tão-pouco as elenca. JJ.–Tão-pouco se vislumbra em que medida o Tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo. Não subsistiu qualquer dúvida quanto ao facto de a Recorrente ter efetivamente praticado os factos em causa, logo, nenhum juízo de ponderação em favor da absolvição da Recorrente haveria a fazer. Em bom rigor, a Recorrente é da opinião que o Tribunal a quo deveria ter tido dúvidas sobre se ela praticou, ou não, os factos em causa, mas, na verdade, o Tribunal não teve qualquer dúvida e tomou uma decisão totalmente fundamenta e que não merece qualquer reparo. KK.–Aqui chegados, dúvidas não restam de que não assiste razão à Recorrente e que o recurso por esta interposto deverá ser julgado improcedente por não provado e, em consequência, a decisão recorrida deverá ser mantida nos seus exatos termos.
5.–Parecer
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público em 1.ª instância, no sentido da improcedência do recurso. 6.–Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante designado CPP), não foi apresentada resposta. 7.–Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir. II–Fundamentação 1.–Objeto do recurso
De acordo com o estatuído no art. 412.º do CPP e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem deve apreciar, sem prejuízo das que sejam conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no art. 410.º n.º 2 CPP.
No caso concreto, conforme as conclusões da respetiva motivação, cumpre apreciar as seguintes questões:
• Impugnação da matéria de facto (erro na apreciação da prova);
• Impugnação da matéria de direito: violação do princípio in dubio pro reo; não preenchimento do tipo legal do crime de perseguição. 2.–Da sentença recorrida 2.1.-O tribunal a quo deu como provada e não provada a seguinte factualidade (transcrição): Factos provados 1.–BB, assistente, é um conhecido …. 2.–Em 27 de junho de 2018, o assistente cruzou-se com a arguida AA no ..., em ..., pessoa que não conhecia, com quem não manteve qualquer conversação e que tinha diversas ligaduras e talas no rosto e na cabeça; 3.–Na data referida em 2., a arguida enviou uma mensagem, via messenger do Facebook, para o assistente na qual fazia a descrição dessa situação, dizendo “Boa tarde BB, Não sei o que o levou hoje ao ... (…). Quando o BB estava a regressar ao parque de estacionamento, se reparou numa “mulher bomba”, era eu! (…)” 4.–Entre 27.06.2018 e 19.04.2019 a arguida enviou ao assistente, via messenger do Facebook, 62 mensagens e fotografias. 5.–Após, o assistente bloquear a arguida nas redes sociais, a arguida obteve, de modo não apurado, o endereço de email do assistente tendo-lhe enviado, entre 30.04.2019 e 10.09.2021, para o endereço ... através do endereço ..., 110 emails, alguns com fotografias da arguida. 6.–Nas mensagens e emails referidos em 3. e 4., alguns deles com caracter diário, a arguida usava, muitas vezes, as expressões “meu amor”, “adoro-te”, “tinha tantas saudades tuas”, “querido”, “o meu menino”, “fofinho”; 7.–O assistente não respondeu a nenhuma das referidas mensagens e emails. 8.–Em meados de julho de 2019, a assistente compareceu junto dos estúdios da estação televisiva “...”, simulando ter uma reunião com o assistente; 9.–Em 02.08.2019, o assistente enviou um único email à arguida no sentido de ela cessar o envio de emails e tentativas de contacto. 10.–A arguida persistiu na sua conduta, remetendo os sucessivos emails referidos em 5., insinuando contactos físicos, ficcionando uma relação amorosa, remetendo-lhe fotografias suas, divagando sobre a sua vida pessoal. 11.–Em 12.08.2021, cerca das 16h00, a arguida deslocou-se à morada pessoal do assistente, sita na ..., tocou à campainha da residência deste, tendo sido atendida, através do intercomunicador, por CC, que lhe perguntou se a podia ajudar em algo, tendo a arguida respondido negativamente. 12.–De seguida, a arguida sentou-se num banco do jardim aí existente, onde permaneceu por cerca de 40 minutos, sempre a olhar para o apartamento do assistente. 13.–Pouco depois, a arguida remeteu mais uma mensagem ao assistente, questionando-se se residia no … do aludido imóvel. 14.–O envio dos emails referidos em 5., do mesmo teor, foi persistindo, com a arguida sempre a pretender/ficcionar um relacionamento amoroso; 15.–Em 25.11.2021, a arguida remeteu uma encomenda postal para o domicílio profissional do assistente, contendo um cinto preto e um bilhete manuscrito alusivo ao aniversário do ofendido, com o seguinte teor: “51 voltas completas ao redor do astro-rei! Não é para todos e muito menos com todo esse charme (e por aqui me fico…)… Muitos parabéns meu querido. Que nunca te falte calor humano, saúde, alegria, amor da família e vontade de continuarmos juntos quer seja pelo ecrã ou… fora dele. Beijos”; 16.–A arguida ficcionou um romance com o assistente, alimentou uma obsessão amorosa nunca estimulada pelo ofendido, persistiu em remeter mensagens frequentes e comparecer nas imediações da ... mesmo após o assistente a ter advertido, por mensagem, para o deixar em paz, dirigiu-se à residência pessoal do assistente, tocou à campainha, ficou à espera cerca de 40 minutos no exterior e remeteu-lhe uma encomenda contendo um bilhete de cariz amoroso, apesar de saber que o assistente não queria ser contactado por ela e não pretendia ter qualquer tipo de relacionamento consigo. 17.–Com a conduta da arguida supra descrita o assistente sentiu-se perturbado. 18.–A arguida incomodou e assediou o assistente, causando-lhe constrangimentos, receios e inquietação, bem como condicionou a sua liberdade pessoal. 19.–A arguida, que atuou de forma livre, deliberada e consciente, conhecia toda a factualidade exposta, tendo agido da forma como quis agir, bem sabendo que a sua conduta era, e é, proibida e punível por lei. 20.–Dos autos não consta que a arguida tenha antecedentes criminais. 21.–A arguida é ... do ensino profissional, auferindo um rendimento líquido mensal de cerca de €1.100,00. 22.–Vive sozinha, em casa própria, pela qual paga uma prestação mensal de crédito à habitação de cerca de €452,00. 23.–Tem uma filha com 19 anos, que estuda fora, contribuindo a arguida com cerca de €350,00 para as despesas da filha. 24.–Tem de habilitações literárias a licenciatura em Engenharia do Ambiente. Factos não provados a.–Que nas circunstâncias referidas em 2. a arguida tenha escrito ao assistente “Olá, eu sou o monstro com quem te cruzaste no ...”. b.–Que a arguida tenha comparecido na ..., à procura do assistente, com regularidade. 2.2.–O tribunal recorrido fundamentou a sua convicção nos seguintes termos (transcrição): A audiência de julgamento decorreu com o registo dos depoimentos e esclarecimentos nela prestados – no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal. Tal circunstância, permitindo uma ulterior reprodução desses meios de prova e um efetivo controle do modo como o Tribunal formou a sua convicção, deve, também nesta fase do processo, revestir-se de utilidade e dispensar o relato detalhado dos depoimentos e esclarecimentos prestados. Posto isto, na formação da sua convicção o Tribunal tomou em consideração os meios de prova disponíveis, atendendo nos dados objetivos fornecidos pelos documentos dos autos e fazendo uma análise das declarações e depoimentos prestados. Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica dos seguintes meios de prova: - Nas declarações da arguida; - Nas declarações do assistente; - No depoimento da testemunha CC; - Nas regras da experiência comum e na própria perceção do Tribunal em sede de audiência de discussão e julgamento, nos termos infra expostos; e - Nos seguintes documentos com interesse para a causa: auto de denúncia de fls. 3/5 de 12.08.2021, emails da arguida para o assistente de fls. 24 a 60, página do linkedin da arguida de fls. 62/64, emails do assistente para a sua entidade patronal de fls. 68 a 69, email do assistente para a arguida de fls. 71, fotogramas da deslocação da arguida a casa do assistente a fls. 73/75, fotogramas da encomenda rececionada pelo assistente a fls. 86/89, CRC de 16.2.2024 e mensagens de Facebook juntas em audiência. * Cumpre especificar em que moldes o Tribunal formou a sua convicção: O facto vertido em 1. é um facto público e notório, nos termos do artigo 412.º do CPC ex vi artigo 4.º do CPP. A arguida optou por prestar declarações, apenas e exclusivamente quanto ao episódio de 12.8.2021, para referir que se deslocou a casa do assistente apenas porque este a convidou, tendo este ligado para o seu telemóvel nessa manhã a combinar o encontro e a facultar-lhe a morada. Ora a versão da arguida não colhe, não só por ter sido contraditada por toda a demais prova produzida nos autos – mormente declarações do assistente e email de fls. 71, cujo teor expressamente contradiz tal versão -, como pelos próprios email da arguida, nomeadamente o email de fls. 34 (datado de 24.7.2021) do qual resulta que a arguida já conhecia a morada do assistente, em expressa contradição com as suas declarações. De igual modo não soube a arguida explicar porque é que não se identificou à pessoa que foi à campainha, nem porque é que não enviou mensagem ao assistente a questionar porque é que este teria falhado o “alegado encontro” – tudo isto, comportamentos normais e expectáveis de alguém que tivesse um encontro efetivamente agendado. Deste modo, o Tribunal valorou, primordialmente, as declarações do assistente, quanto à factualidade vertida nos pontos 2. a 15. e 17 a 18.. dos factos provados, conjugadas ainda com os documentos juntos aos autos, em especial: emails da arguida para o assistente de fls. 24 a 60, emails do assistente para a sua entidade patronal de fls. 68 a 69, email do assistente para a arguida de fls. 71, fotogramas da deslocação da arguida a casa do assistente a fls. 73/75, fotogramas da encomenda rececionada pelo assistente a fls. 86/89, e mensagens de Facebook juntas em audiência. Com efeito, o assistente confirmou todos estes factos, num depoimento espontâneo, credível e objetivo, não se limitando a corroborar toda a factualidade vertida na acusação, nem evidenciando intenção de prejudicar a arguida, explicitando vários excertos das mensagens e emails da arguida que recebeu, denotando uma óbvia perturbação na sua leitura, ao evidenciar que a arguida fazia por mostrar ter conhecimento de vários pormenores não públicos da sua vida e da vida dos seus familiares mais próximos. Igual perturbação foi notória nas declarações do assistente ao relatar o facto da arguida se ter deslocado a casa deste, sendo que nesta parte, as declarações do assistente encontraram igualmente respaldo no depoimento de CC (sua companheira na altura) que atendeu a porta à arguida, tendo documentado tal circunstância em fotografias. O assistente expressamente declarou a factualidade vertida em 17 e 18,dando exemplos concretos do seu constrangimento e da forma pela qual a sua liberdade pessoal foi posta em causa, nomeadamente dando voltas à vizinhança para se certificar de que não via o carro da arguida quando chegava a casa e de como equaciona mudar de casa em virtude da arguida conhecer a sua morada pessoal. Igualmente não tem o tribunal qualquer dúvida sobre a identificação da arguida como autora de tais, mensagens, emails e encomenda, não só porque a mesma se identificava como tal, pelo seu nome, como pelas inúmeras fotografias pessoais suas que enviou ao assistente em tais contactos. Ademais, os factos referentes ao elemento subjetivo (pontos 16., 18. e 19.) resultaram provados com recurso às regras de experiência comum, as quais permitem inferir, mediante os factos objetivos dados como provados, a intenção subjetiva do arguido ao praticar tais factos. Os factos relativos à inexistência de antecedentes criminais (ponto 20.), provaram-se com recurso ao CRC junto aos autos, e bem assim os factos referentes às condições pessoais, familiares e económicas da arguida (pontos 21. a 24.) provaram-se com base nas declarações do mesmo as quais, não levantaram reservas ao Tribunal. No que concerne aos demais factos não provados, o Tribunal baseou a sua convicção na ausência de qualquer prova, na ausência de prova suficiente e bastante, na prova dos factos contrários e nas regras da experiência comum, nos termos supra expostos, sendo certo que nenhuma das testemunhas identificou a viatura ou o seu condutor.
*** 3.–Apreciando a.–Da impugnação da decisão sobre matéria de facto e alegado erro de julgamento
Conforme resulta do art. 428.º, n.º 1, do CPP “as relações conhecem de facto e de direito”.
A decisão sobre a matéria de facto pode ser impugnada por duas vias:
- com fundamento no próprio texto da decisão, por ocorrência dos vícios a que alude o art. 410.º, n.º 2 do CPP (impugnação em sentido estrito, no que se denomina de «revista alargada»);
- ou mediante a impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do CPP (impugnação em sentido lato).
Quanto aos vícios (impugnação em sentido estrito) - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova -, sendo de conhecimento oficioso, devem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência, sem recurso a quaisquer provas documentadas, limitando-se a atuação do tribunal de recurso à sua verificação na sentença/acórdão e, não podendo saná-los, à determinação do reenvio, total ou parcial, do processo para novo julgamento (art. 426.º, n.º 1 do CPP).
Quanto à segunda modalidade (impugnação em sentido lato), impõe-se, conforme resulta da análise do normativo correspondente (n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP), que o recorrente enumere/especifique os pontos de facto que considera incorretamente julgados, bem como que indique as provas que, no seu entendimento, impõem decisão diversa da recorrida, e não apenas a permitam, assim como que especifique, com referência aos suportes técnicos, a prova gravada.
Tal delimitação decorre da circunstância de a reapreciação da matéria de facto não se traduzir num novo julgamento, mas antes num “remédio jurídico”, destinado a colmatar erros de procedimento ou de julgamento.
Se a decisão proferida for uma das soluções plausíveis segundo o princípio da livre apreciação e as regras de experiência, a mesma será inatacável, pelo que importa que o recorrente na indicação das concretas provas torne percetível a razão da divergência quanto aos factos, dando a conhecer a razão pela qual as provas que indica impõem decisão diversa da recorrida.
Analisemos então de que modo a recorrente manifesta a sua discordância relativamente à decisão sobre a matéria de facto.
A recorrente impugna parte da matéria de facto dada provada, sustentando que não deveriam ter sido dados como provados os factos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 17 e 18.
Pretende sindicar a valorização dos meios de prova realizada pelo tribunal a quo, visando a reapreciação da prova produzida, no âmbito do recurso amplo da matéria de facto. Porém, não dá cumprimento ao disposto nos nºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, na medida em que não indica qualquer prova produzida que tenha a virtualidade de impor, claramente, decisão diversa em relação aos factos da sentença recorrida que considera incorretamente julgados.
Com efeito, não invoca a recorrente em seu apoio meios de prova que não tivessem sido considerados pelo tribunal a quo, mas antes questiona a avaliação que o tribunal fez daqueles, concretamente, das declarações do assistente, cujo depoimento reputa de “pouco claro, impreciso e incoerente, extrapolando a realidade dos factos”.
Não obstante, e sendo certo que a prova é analisada conjuntamente, não atende a recorrente à globalidade da prova produzida, ignorando a circunstância de as declarações do assistente, para além de valerem por si só, se mostrarem corroboradas pelo depoimento da testemunha CC e pela prova documental igualmente considerada pelo tribunal a quo nos termos enunciados na respetiva fundamentação: auto de denúncia de fls. 3/5 de 12.08.2021, emails da arguida para o assistente de fls. 24 a 60, página do linkedin da arguida de fls. 62/64, emails do assistente para a sua entidade patronal de fls. 68 a 69, email do assistente para a arguida de fls. 71, fotogramas da deslocação da arguida a casa do assistente a fls. 73/75, fotogramas da encomenda rececionada pelo assistente a fls. 86/89, e mensagens de Facebook juntas em audiência.
Verdadeiramente, aquilo que resulta das conclusões do recurso é a divergência entre a convicção pessoal da recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela que o tribunal fixou sobre os factos, sendo evidente, nos termos salientados pelo Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto em parecer emitido nos autos, que a arguida “limita-se a divergir subjectiva e genericamente na avaliação da prova produzida com recurso a uma argumentação de valoração apoiada em apelos de vida pessoal e não apoiada em elementos de prova concretamente impositiva de sentido contrário à decidida pelo tribunal recorrido.”
Nessa medida, o tribunal de recurso não poderá fazer uma nova apreciação da matéria de facto, ficando apenas limitado ao poder/dever de conhecer oficiosamente qualquer dos vícios indicados no art. 410.º, n.ºs 2 e 3 do CPP.
Decididamente, da análise da peça processual colocada em crise, em confronto com a fundamentação de facto da decisão, que acima se deixou integralmente transcrita, não se vislumbra a ocorrência de qualquer erro, antes sendo notório que as declarações da arguida não convenceram o tribunal a quo (“A arguida optou por prestar declarações, apenas e exclusivamente quanto ao episódio de 12.8.2021, para referir que se deslocou a casa do assistente apenas porque este a convidou, tendo este ligado para o seu telemóvel nessa manhã a combinar o encontro e a facultar-lhe a morada. Ora a versão da arguida não colhe, não só por ter sido contraditada por toda a demais prova produzida nos autos – mormente declarações do assistente e email de fls. 71, cujo teor expressamente contradiz tal versão -, como pelos próprios email da arguida, nomeadamente o email de fls. 34 (datado de 24.7.2021) do qual resulta que a arguida já conhecia a morada do assistente, em expressa contradição com as suas declarações. De igual modo não soube a arguida explicar porque é que não se identificou à pessoa que foi à campainha, nem porque é que não enviou mensagem ao assistente a questionar porque é que este teria falhado o “alegado encontro” – tudo isto, comportamentos normais e expectáveis de alguém que tivesse um encontro efetivamente agendado.”).
Na verdade, e de forma rigorosamente fundamentada, não teve o tribunal a quo qualquer hesitação em valorar, primordialmente, as declarações do assistente, que classificou de espontâneas, credíveis e objetivas, conjugando-as com os demais elementos que deixou enunciados, e registando que o mesmo não evidenciou qualquer intenção de prejudicar a arguida (que também nós não vislumbramos), ao mesmo tempo que destacou a perturbação por si exibida aquando do relato relativo à factualidade de que foi vítima.
Sopesando, nunca o tribunal a quo poderia ter acolhido a tese da arguida, enquanto “mera” admiradora e fã do arguido, porquanto incompatível com a prova produzida, designadamente, com o discurso do ofendido que, pela objetividade e clareza, não suscitou dúvidas ao julgador, “dando exemplos concretos do seu constrangimento e da forma pela qual a sua liberdade pessoal foi posta em causa, nomeadamente dando voltas à vizinhança para se certificar de que não via o carro da arguida quando chegava a casa e de como equaciona mudar de casa em virtude da arguida conhecer a sua morada pessoal”.
Nessa medida, e ao contrário do pretendido pelo recorrente, formou o tribunal recorrido a sua convicção de acordo com a prova produzida, segundo critérios lógicos, objetivos e em obediência às regras da experiência comum, pelo que o resultado do processo probatório levaria, sem qualquer margem para dúvidas, às conclusões obtidas.
Por conseguinte, o juízo probatório positivo alcançado pelo tribunal recorrido quanto à verificação dos factos que a arguida recorrente pretende ver como não provados é logicamente correto, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a sua convicção, tendo estas sido apreciadas segundo as regras da experiência e da livre apreciação, nos termos do disposto no art. 127.º do CPP.
Destarte, não merece qualquer censura, visto que a convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso, quando a mesma violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova) ou então quando afronte, de forma manifesta, as regras de experiência comum ou o princípio in dubio pro reo.
Ora, no que toca a este último pressuposto, que a recorrente igualmente convoca, não se ignora que o dito princípio tem efetiva relevância e aplicação no domínio da apreciação da prova.
Porém, refletindo-se nos contornos da decisão de facto, somente será de aplicar quando o julgador, finda a produção de prova, tenha ficado com uma dúvida não ultrapassável relativamente a factos relevantes, devendo, apenas nesse caso, decidir a favor do arguido.
Assim considerando, a violação do princípio em questão apenas tem lugar quando, num estado de dúvida insanável, o tribunal opte por decidir de forma desfavorável ao arguido.
No caso concreto, não resulta do texto da decisão recorrida que a 1ª instância tenha ficado com qualquer dúvida quanto à ocorrência de qualquer facto relevante, e que nesse estado de dúvida tenha decidido contra a arguida.
Acresce que tendo a recorrente interposto recurso sobre a matéria de facto, e não se tendo verificado, como já se escreveu, qualquer erro de apreciação da mesma por parte do tribunal recorrido, a dúvida apenas subsiste para a arguida, não sendo partilhada nem por nós nem pela 1ª instância.
Nestes termos, também neste particular o recurso improcede, falecendo a pretendida impugnação ou sequer a verificação de qualquer dos vícios indicados no art. 410.º, n.ºs 2 e 3 do CPP, que sempre seriam de conhecimento oficioso. b)–Do não preenchimento dos elementos do tipo legal do crime de perseguição
No pressuposto de que não poderiam ter sido dados como provados os factos constantes na sentença condenatória, conclui a recorrente que não se encontram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do crime de perseguição.
Porém, mostra-se definitivamente fixada a matéria de facto, disciplinando o art. 154.º-A, do Código Penal, nos seguintes termos: “1-Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal. 2- A tentativa é punível. 3- Nos casos previstos no n.º 1, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 3 anos e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição. (…)”.
Em causa está um crime de execução livre, isto é, que pode ser cometido por qualquer meio, sendo os correspondentes elementos objetivos, conforme afirmado na decisão recorrida, os seguintes: a ação do agente, consubstanciada na perseguição ou assédio da vítima, por qualquer meio, direto ou indireto; a adequação da ação a provocar naquela medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; e a reiteração da ação.
Por seu turno, no que respeita ao elemento subjetivo, preenche-se com o dolo, em qualquer das suas modalidades referidas no artigo 14.º do Código Penal, constituído pelo conhecimento dos elementos objetivos do tipo e pela vontade de agir por forma a preenchê-los.
Desta feita, e porque definitivamente se mostra assente a matéria de facto, de onde decorre que a arguida incomodou e assediou o assistente, causando-lhe constrangimentos, receios e inquietação, bem como condicionou a sua liberdade pessoal, com o que o mesmo se sentiu perturbado, nenhum reparo cumpre realizar ao enquadramento jurídico-penal realizado pelo tribunal a quo, falecendo, consequentemente, a alegação relativa ao erro no preenchimento do tipo legal imputado à recorrente.
Inexistindo causas de justificação e de exclusão da culpa, nada há a apontar ao enquadramento jurídico-penal obtido pelo tribunal recorrido, sendo o mesmo de manter.
Improcede, pois, o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
* III–Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso apresentado pela arguida AA, mantendo-se na íntegra a decisão do tribunal a quo.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s.
Notifique.
* Lisboa, 2 de julho de 2024 (texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal) Ester Pacheco dos Santos Ana Cláudia Nogueira Sara Reis Marques