RECURSO
APELAÇÃO AUTÓNOMA
INCIDENTE
NULIDADE
CITAÇÃO
RÉU
Sumário

(da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC)
Não é admissível recurso de apelação autónoma do despacho que indefere o incidente de arguição da nulidade da citação do réu.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados:

A …, (1.º) Réu na ação declarativa que, sob a forma de processo comum, foi intentada por B …, reclama para a conferência da Decisão singular da ora Relatora que não admitiu o recurso de apelação autónoma que aquele interpôs do despacho, proferido em 21-01-2024, em que o Tribunal recorrido indeferiu o Requerimento que o mesmo havia apresentado, em 25-01-2022, no tocante à arguição da nulidade da sua citação (edital).
Nesse Requerimento, o referido Réu veio “arguir a NULIDADE DA CITAÇÃO EDITAL”, requerendo que fosse “declarada a falta de citação, ou a nulidade da citação do R.”.
Em 28-10-2022, foi proferido despacho que julgou sanada a nulidade invocada, com fundamento no facto de o Réu ter tido intervenção nos autos em requerimento datado de 10-12-2021, em que juntou comprovativo de pedido de concessão de apoio judiciário.
Desse despacho foi interposto recurso que veio a ser julgado procedente, por acórdão proferido no apenso B (o Tribunal da Relação considerou que a junção, por parte do citando, do comprovativo do pedido de apoio judiciário junto da Segurança Social, não constitui intervenção relevante para os efeitos previstos no art. 189.º do CPC, não podendo considerar-se que, não tendo o Réu então arguido a nulidade da citação, esta ficou sanada), tendo sido revogado tal despacho e determinado que fosse apreciada a “nulidade, em sentido lato, arguida pelo R. A … em 25.1.2022”.
A esse respeito, o Tribunal a quo, proferiu, 21-01-2024, o despacho com o seguinte teor:
“Da apreciação da invocada nulidade de citação do Réu A …:
Por decorrência do decidido no Acórdão proferido no apenso “B”, cumpre ora decidir a arguida nulidade de citação do Réu A ….
Segundo o artº 188º do CPC:
Artigo 188.º (art.º 195.º CPC 1961)
Quando se verifica a falta de citação
1 - Há falta de citação:
a) Quando o ato tenha sido completamente omitido;
b) Quando tenha havido erro de identidade do citado;
c) Quando se tenha empregado indevidamente a citação edital;
d) Quando se mostre que foi efetuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa coletiva ou sociedade;
e) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.
2 - Quando a carta para citação haja sido enviada para o domicílio convencionado, a prova da falta de conhecimento do ato deve ser acompanhada da prova da mudança de domicílio em data posterior àquela em que o destinatário alegue terem-se extinto as relações emergentes do contrato; a nulidade da citação decretada fica sem efeito se, no final, não se provar o facto extintivo invocado.
No que à arguição em apreço concerne, o A. pronunciou-se dizendo que “Nomeadamente, foi expedida, a 4/12/2020, a respetiva citação em carta registada com aviso de receção, a qual foi devolvida, a 18/12/2020, por não ter sido reclamada pelo seu destinatário.”, mais tendo alegado que no demais todos os trâmites legais do encaminhamento para a citação edital.
Quanto a elementos de prova, o Réu juntou aos autos com o requerimento de arguição da nulidade de citação, os pedidos de retenção de correspondência desde 6.7.2020 até 29.12.2021, a consulta do RE …, reclamação junto dos CTT de 7.5.2021 sobre não estar a receber correspondência, e de ter um processo a decorrer em tribunal devido ao facto de não ter recebido uma carta da Polícia Municipal de Oeiras, ainda, atestado da Junta de Freguesia sobre o facto de estar a residir desde 1.3.2020 e até à data da declaração, 14.12.2021, na morada sita em R. …, nº …, …-C, em Lisboa, e cópia de uma carta de 22.3.2021 da CMO.
O Réu veio ainda a juntar documentos referentes ao por si alegado no artº 28º do requerimento de 25.1.2022 mas que não relevam para o presente incidente e, por seu turno, os CTT vieram informar que já não têm guardados os registos do RE …, não podendo responder ao solicitado.
De referir que o processo a correr termos no tribunal por não ter recebido carta de Polícia Municipal de Oeiras, não é claramente o dos presentes autos, sendo certo ainda que só em 27.12.2021 o Réu vem aos presentes autos pela primeira vez juntar o comprovativo do pedido de apoio judiciário, pelo que em 7.5.2021 ainda não tinha conhecimento dos presentes autos.
Quanto ao envio da carta para citação do Réu A …, a mesma foi enviada, em 4.12.2020, para a morada oficial do mesmo, que foi corroborada por consulta às bases de dados oficiais, vindo a mesma a ser devolvida, por não reclamada, aos presentes autos em 22.12.2020.
Porém, decorre da carta devolvida que a mesma foi retida no EC de Santa Marta, mas já não foi levantada.
O Réu alega que se verificarmos o percurso da primeira carta de citação, Registo RE …PT, verifica-se que em 7 de Dezembro de 2020 foi dirigida ao Apartado para efeitos de notificação, em vez de ser retida pelo sistema de retenção, conforme documento número 2 junto com o seu requerimento de 25.1.2022.
Porém, o documento nº 2 não comprova o alegado pelo Réu.
Com efeito, o doc. Nº 2 não se reporta ao RE …PT, que se refere à carta para citação do Réu, constante da refª citius …, mas sim ao RE …PT.
E, assim sendo, a carta para citação do Réu enviada para a sua morada oficial, e ao abrigo do pedido de retenção na EC de Santa Marta, ficou devidamente retida na mesma, desde 7.12.2020, mas não foi reclamada pelo Réu, conforme carimbo de 18.12.2020, vindo a ser devolvida aos presentes autos em 22.12.2020.
Perante o exposto, e porque no decurso do envio da carta para citação, de 4.12.2020, a mesma veio devolvida aos autos, tendo sido observadas todas as formalidades, e subsequentemente também, dado que foram consultadas as bases de dados oficiais e das mesmas foi corroborada a única morada conhecida ao Réu A … – R. …, nº …, …º andar, em Lisboa - pelo que, no âmbito da certidão negativa do A.E., a citação edital foi correctamente realizada, após corroborada a morada do Réu supra indicada.
Pelo supra exposto, julga-se não verificada a nulidade da citação do Réu A ….
Custas do incidente pelo Réu, que se fixam em 1 UC, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Notifique.”
Notificado, o Réu veio, em 12-02-2024, interpor recurso de apelação, mencionando no respetivo requerimento de interposição do recurso (apenas) que o mesmo deveria subir imediatamente em separado, com efeito suspensivo da decisão recorrida, formulando na sua alegação recursória as seguintes conclusões:
1º. Vem o presente recurso interposto do douto despacho que decidiu indeferir a arguição da falta de citação ou a nulidade da citação, tendo decidido “Pelo supra exposto, julga-se não verificada a nulidade da citação do Réu A ….”
2º. Apenas se tendo debruçado sobre a nulidade e não sobre a falta de citação, tal configura uma situação de omissão de pronúncia, que também se argui para todos os efeitos legais.
3º. O ora recorrente, em 25 de Janeiro de 2022, arguiu a nulidade da citação, a qual veio a ser indeferida pelo Tribunal “ad quo”, o que levou o ora recorrente a interpor recurso, que por decisão Singular do Tribunal da Relação de Lisboa foi revogada.
4º. Em consequência do assim superiormente decidido, foi novamente apreciada a arguição de nulidade pelo Tribunal “ad quo”, o qual veio a decidir em 28/10/2022 a sanação da nulidade, tendo então o recorrente interposto outro recurso, veio o Tribunal da Relação de Lisboa, julgar procedente a apelação, revogando, por consequência, o despacho recorrido.
5º. No cumprimento da decisão superior, veio então a ser proferido o despacho ora recorrido, que indeferiu novamente a arguição da nulidade/falta de citação.
6º. De forma resumida a fundamentação que serviu de base ao indeferimento, arrimou-se no facto do documento 2 ser um documento que não retrata o RE …PT, que se refere à carta para citação do Reu, constante da ref. citius …, mas sim ao RE …PT.
7º. Mas além de ser parte do problema e não o único problema, o que se pretendeu explicar foi que o registo que correspondeu ao RE …PT, consta do mesmo como entregue, não o tendo sido, mas sim no receptáculo postal, sendo as datas as mesmas da expedição da citação, exactamente pelo que se articula a seguir sobre como (não) funcionavam as coisas no tempo do Covid.
8º. Aliás, o mesmo erro de interpretação foi exarado no douto despacho recorrido, quando se lê, “De referir que o processo a correr termos no tribunal por não ter recebido carta de Polícia Municipal de Oeiras, não é claramente o dos presentes autos...”.
9º. Mas o ora recorrente não arguiu nada disso!
O documento junto corresponde a uma declaração de toda a correspondência, estando duas situações evidenciadas porque são as conhecidas – Caso da Polícia Municipal de Oeiras e Carta das Finanças, porque se não sabia da citação não podia ter reclamado da mesma!
10º. O cliente, ora recorrente, reclamou que o pedido de retenção não estava a funcionar! E pelos vistos não estava! Ninguém articulou nada sobre a carta da Polícia Municipal de Oeiras nem sobre o processo em Tribunal nestes autos.
11º. A carta foi remetida para o Apartado, em vez de ser retida pelos CTT, provavelmente porque nesses momentos em que vigorou os regimes do Covid, funcionava dessa forma!
12º. No período da expedição da carta de citação estávamos regidos ao abrigo da Resolução de Conselho de Ministros n.° 88-A/2020, de 14 de Outubro de 20220, que decretou a situação de calamidade, com proibição de circulação entre concelhos, circulação normal de pessoas e de contactos, abrangendo as áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto.
13º. E no dia da expedição da carta pelo Tribunal (7/12/2020), até à data em que os CTT procederam à sua devolução e recebimento pela secretaria do Tribunal “ad quo”, (22/12/2020), regia também o Decreto do Presidente da República nº 61-A/2020, de 4/12, Decreto nº 11/2020, de 6/12, Decreto do Presidente da República nº 66-A/2020, de 17/12 e Decreto nº 11-A/2020, de 21/12, com todas as limitações de liberdade e deslocação e punição das condutas que infringissem essas obrigações.
Mas mais,
14º. O ora recorrente arguiu a nulidade da citação edital e não especificamente a nulidade da carta, arguindo
- que todos os actos de citação ocorreram no período Covid – art.º 4.º e segs do reqto arguição nulidades;
- a citação edital é afixada no dia 4/3/2021 no Tribunal de Oeiras e no dia 11/3/2021 no local, quando todos os actos e prazos estavam suspensos pela Lei n.º 4-B/2021 de 1 de fevereiro, não constando da citação edital qualquer alusão a esta suspensão, pelo que a mesma é nula, quer pela data que é afixada, quer por omissão da menção à suspensão dos prazos em virtude da mencionada Lei n. 4-B/2021, de 1 de Fevereiro;
- O Digníssimo representante do Ministério Público foi citado no dia 30 de Junho de 2021, para contestar a acção e não praticou qualquer acto de procura do R., que permitisse que o mesmo interviesse no processo, quando tinha sido fornecido pelo próprio A. o número de telefone do R.
- A certidão negativa de citação do R. elaborada pelo Digníssimo AE, não menciona qualquer contacto com residentes do 2º andar, mas apenas em discurso indirecto, que o foi por informação de moradores do 3º andar e do número 16. Mas o prédio do número 18, tem 4 andares, rés do chão e três andares e o número 16 tem 4 andares, rés do chão e três andares;
- Não foram praticadas quaisquer diligências pelo Digníssimo Agente de Execução;
- As partes devem poder exercer em condições de igualdade o direito de acesso aos Tribunais. Para tanto, é imprescindível que se verifique, em termos reais, o cumprimento integral do princípio do contraditório, o qual tem consagração constitucional nos artigos 2º e 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa e está reflectido na lei ordinária nos artigos 3º e 4º do Novo Código de Processo Civil, entre outros.
15º. Nenhum destes factos arguidos, que constituem arguições autónomas de nulidade, ou falta de citação, foram conhecidas pelo Tribunal “ad quo”, pelo que estamos perante omissão de pronúncia de todas, que gera a nulidade do despacho ora recorrido.
16º. Num período fortemente controlado pelo estado de Emergência e de Calamidade, considerar normal para efeitos de se apurar toda a normalidade de uma citação, com as especialidades que constam dos autos, é claramente violador do princípio de acesso à Justiça e de poder exercer o seu direito de contestação.
Terminou o Réu, defendendo que o despacho que indeferiu o incidente de falta de citação ou nulidade de citação deve ser revogado e substituído por outro que decida a falta de citação, ou (e) a nulidade da citação.
Em 09-03-2024, o Tribunal de 1.ª instância proferiu despacho de admissão do recurso, nos seguintes termos:
“Req.ref.ª 25021963:
Por estar em tempo (art. 638.º, n.º 1 CPC) ter legitimidade (art. 631.º, n.º 1 CPC) e a decisão ser recorrível em função do valor da causa e da sucumbência (art. 629.º, CPC) e estar instruído com alegações (art. 637.º CPC) admito o recurso interposto do indeferimento do incidente de arguição de nulidade, o qual é de APELAÇÃO (art. 644.º, n.º 1 CPC) com subida imediata e por apenso, com efeito meramente devolutivo (art.647.º, n.º 4 CPC).
Constitua-se o apenso com o requerimento de arguição de nulidade (refª citius 20310725), o despacho que sobre ele recaiu e as alegações de recurso.
Subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
Cuidados do estilo.
Notifique.”
Neste Tribunal da Relação, as partes foram notificadas para se pronunciarem sobre a inadmissibilidade do recurso, conforme despacho de 06-05-2024, mas nada disseram.
Foi então proferida, em 21-05-2024, a Decisão (reclamada) de não tomar conhecimento do recurso.
Na Reclamação para a conferência, pugna o referido Réu pela admissibilidade do recurso, argumentando o seguinte (reproduzimos a alegação feita, omitindo as notas de rodapé):
“A arguição de nulidade de citação é um incidente processual.
I – O incidente processual é a ocorrência extraordinária, acidental, estranha, surgida no desenvolvimento normal da relação jurídica processual, que origine um processado próprio, isto é, com um mínimo de autonomia, ou dito de outro modo, uma intercorrência processual secundária, configurada como episódica e eventual em relação ao processo próprio da ação principal.
O incidente processual, como o definiu o Prof. Alberto dos Reis, aceitando como exata a definição de Mortara, «é uma forma processual secundária que apresenta, em relação ao processo da acção, o carácter de episódio ou acidente».
São incidentes anómalos os que não caibam na tramitação normal do processo.
O incidente de nulidade da citação é um incidente que não é tramitado por apenso em virtude de se inserir nos procedimentos normais do processo principal, o que não significa que para efeitos de recurso não se insira no conceito de incidente processado autonomamente tipificado no art.° 644.º, n.º 1, alínea a) do CPC e não seja ele mesmo um incidente.
“Com efeito, é a arguição de nulidade que origina uma tramitação anómala face ao andamento regular e normal dos autos, pois que, em regra, o processo deve conter a prática dos actos previstos, não admitindo a sua omissão ou a sua repetição injustificada, pelo que a questão suscitada no requerimento de 28 de Junho de 2022 é estranha ao processamento normal do incidente de liquidação, sendo questão não prevista na normal tramitação dos autos, iniciando um processado de cariz anómalo e, como tal, incidental, a justificar, ele sim, tributação específica – cf. neste sentido, acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-07-2019, processo n.º 296/04.9TBPMS-E.C1, do Supremo Tribunal de Justiça de 3-10-2017, processo n.º 473/12.9TVLSB-C.L1.S1.”
A arguição da nulidade da citação é um incidente. E não pode constituir argumento impeditivo dessa qualificação afirmar-se que é incidente para efeitos do Regulamento das Custas Processuais e não para efeitos da legislação processual civil, porquanto os Acórdãos citados, assumem expressamente, que estamos perante uma tramitação anómala, lendo-se:
“Efetivamente, nela, como em qualquer outra acção, não se suscitam, por via de regra, questões de falta de notificação ou falta de citação, as quais é suposto serem, e serem adequadamente, efectivadas.
Se assim não acontece e a sua inexistência ou irregularidade são despoletadas, é obvio que nos encontramos perante uma questão não prevista na normal tramitação dos autos, a qual, assim, neles inicia um processado de jaez anómalo e, decorrentemente, incidental, com afectação dos supra aludidos benefícios.”
Salvo melhor opinião a qual pressupõe qualquer raciocínio que aqui seja tecido, não faz qualquer sentido que um recurso que possui efeito devolutivo, não seja apreciado em plena continuação do processo principal face ao regime do seu efeito, porque tal não colide minimamente com qualquer princípio de celeridade processual. Colide, sim, com o princípio da celeridade processual que se “obrigue! A que um recurso seja apreciado só depois da sentença – isso sim, violador do princípio da celeridade processual!
A tudo isto agrava o facto do Tribunal “ad quo” validar uma citação irregular efectuada em pleno COVID, sem qualquer lógica de Justiça!
A construção processual que interpretada, como subindo imediatamente os recursos inerentes aos incidentes, verificação do valor da causa, intervenção de terceiros, habilitação, liquidação, porquanto seguindo a mesma lógica, estes incidentes, cujos recursos fossem julgados a final, subindo com o recurso que fosse deduzido à decisão final, nunca o tornaria absolutamente inútil, viola os princípios do acesso ao Direito, do próprio Estado de Direito.
Por outras palavras, qual a lógica para tirar de fora o recurso da nulidade da citação? Qual a lógica, quando é admissível recurso com subida imediata do despacho de rejeição de articulado – 644.º, n.º alínea d) e não é do recurso da nulidade da citação? Tal equivale por afirmar que bastaria ao ora recorrente ter deduzido também articulado de contestação que, indeferido por extemporâneo, o recurso sobre si impetrado subiria imediatamente! Com todo o respeito não tem lógica nenhuma!
Interpretar o art.º 644.º, n.º 1 alínea a), do CPC, seguindo a lógica que aqui se verte, excluindo do seu conceito de incidente processado autonomamente o recurso da nulidade da citação que não permite ao ora recorrente contestar sequer a acção, ofendem os preceitos e princípios contidos nos arts. 13º e 20º, todos da Constituição da República Portuguesa.
Considerar não incluído no conceito de absolutamente inútil, o recurso efectivado sobre a nulidade da citação configura também em si, uma ofensa dos princípios e direitos fundamentais contidos nos arts. 13º nºs 1 e 2, 16º e 20º nº1 da C.R.P.
A primeira interpretação viola o princípio da igualdade, porquanto este princípio de tratamento igual àquilo que, essencialmente, for igual, reclamando, por outro lado, a dação de tratamento desigual para o que for dissemelhante, não possui qualquer justificação material para no conceito de incidente processado autonomamente não incluir o incidente da nulidade da citação! É irrazoável e arbitrário que assim seja.
Sendo um dos valores que a administração da justiça deve prosseguir, o da sua celeridade, pois que uma justiça demasiadamente arrastada não pode, verdadeiramente, ser considerada «justa», interpretar que a nulidade de citação só pode ser conhecida a final, viola exactamente esse princípio da celeridade, porque a ser considerada provida faz voltar tudo ao princípio e logo, nunca mais existir decisão final!
Numa linha temporal temos o decurso do processo principal que será presumivelmente de 2 anos, subida do recurso que a ser provido faz voltar tudo ao princípio, que acrescendo ao 1 ano para decidir o recurso, adiciona-lhe mais 2 de novo – já vamos em 5.
Caso o recurso fosse já apreciado, mesmo que o processo principal ficasse á espera da sua decisão, poupar-se-íam 2 a 3 anos, o que transforma toda esta interpretação numa violação “clara” do acesso ao direito e aos Tribunais e à obtenção em tempo útil de uma decisão.
Registe-se que a falta de citação é uma nulidade de conhecimento oficioso.
Se por um lado é considerada com essa importância, porque o que está em causa é a produção de uma defesa justa, equitativa e efectiva, por outro lado retira-lhe essa importância obrigando a que se prolongue o processo até a mesma poder ser reconhecida em sede de recurso! Nessa perspectiva, viola o princípio do acesso aos Tribunais, na vertente da obtenção de uma decisão em tempo útil e de forma justa, violando o art.º 20.º da C.R.P.
Que lógica terá este raciocínio?
Se a arguição da nulidade da citação – fundamental para qualquer Réu poder exercer o sei direito de defesa, e se exemplificativamente, o incidente de intervenção de terceiros que é qualificado como um incidente anómalo e por conseguinte, processado autonomamente, o recurso que possa provir do mesmo tem subida imediata?!, como poderá ter o recurso da nulidade da citação subida diferida?
Ou seja, possui mais tutela um terceiro do que o próprio Réu?!
Mais uma configuração processual que configurará violação do acesso ao direito e aos Tribunais previsto no art.º 20.º da C.R.P.
Vejamos 3 situações no caso concreto, porquanto, tratando-se da vida das pessoas deve ser nessa perspectiva que o Direito deve ser analisado, porque o Direito deve existir para as pessoas e não o contrário.
i. O recorrente foi notificado da instauração de um processo de contra-ordenação, para proceder à limpeza do terreno em crise nos autos, onde é qualificado como proprietário, cfr. Documento número 1 que se junta;
ii. O processo não tem demorado tempo por culpa imputável ao Recorrente, bastando para isso constatar quantos recursos foram interpostos e tiveram provimento e o tempo que daí adveio;
iii. A realização de um processo, cuja legislação até pode mudar no entretanto, sem que o Recorrente se possa defender!
- por violadora do princípio da proporcionalidade, do direito de acesso à justiça e do direito de tutela jurisdicional efetiva (artigos 2º, 13º, 18º, nº 2, e 20º, nºs 1 e 2º da C.R.P.), mesmo de um processo justo e equitativo, decidir-se em concreto que o Recurso da nulidade da citação só suba a final.
Também interpretação violadora do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202 (1) da CRP, do artigo 47 §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFUE”), com respaldo no artigo 2 do Tratado da União Europeia (“TUE”) e do artigo 6 (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“CEDH”)»
Notificada a parte contrária, nada veio dizer.
Apreciando.
Este Tribunal da Relação não está vinculado ao despacho de admissão do recurso proferido pelo Tribunal de 1.ª instância (cf. art. 641.º, n.º 5, do CPC), muito menos pela circunstância de já ter sido admitido e apreciado (no apenso B) o recurso de um outro despacho que se pronunciou sobre aquele requerimento.
Conforme se referiu na Decisão sumária, o recurso visa uma decisão interlocutória que será, quanto muito, passível de impugnação no recurso que possa vir a ser interposto das decisões a que se refere o n.º 1 do art. 644.º, mormente num (eventual) recurso da sentença (cf. n.ºs 3 e 4 do art. 644.º do CPC).
Não se está perante uma decisão da qual caiba apelação autónoma, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 644.º do CPC, mormente de decisão que ponha termo a “incidente processado autonomamente”. Tão pouco se trata de decisão subsumível na previsão de alguma das alíneas do n.º 2 do art. 644.º do CPC.
É certo que a expressão “incidente processado autonomamente” pode suscitar algumas dúvidas, mas a doutrina e a jurisprudência vêm dando os seus contributos para a compreensão do respetivo significado. Assim, como explica Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5.ª edição, Almedina, págs. 204-205: «A apelação autónoma apenas abarca “os incidentes processados autonomamente”, condição que se reporta aos incidentes da instância processados por apenso, como ocorre com a habilitação, mas que é extensiva a outros incidentes tramitados no âmbito da própria ação, desde que sejam dotados de autonomia. Tal ocorre com os incidentes de intervenção de terceiros, com o de liquidação ou com o de verificação do valor da causa, cada um deles a implicar trâmites específicos que não se confundem com os da ação em que estão integrados.
E possível distinguir ainda a decisão que ponha termo ao incidente de outra que não admita (liminarmente) o incidente suscitado, sendo que apenas as decisões de rejeição final ou de admissão final do incidente são abarcadas no n.º 1, al. a). As demais ficam submetidas à regra geral sobre a impugnação de decisões intercalares, nos termos do n.º 3 do art. 644.º.»
O mesmo autor, na obra citada, págs. 216-217, explica ainda que As decisões intercalares que, sendo impugnáveis em abstrato, não admitem recurso de apelação autónoma intercalar, podem (e só podem) ser impugnadas no âmbito do recurso que eventualmente venha a ser interposto do despacho final ou da decisão final do processo (ou da decisão final do procedimento cautelar ou do incidente respetivo), de acordo com o disposto no n.º 3, ou nas condições referidas no n.º 4.
Vejamos alguns exemplos:
- Despacho que defere ou indefere a arguição de nulidade da citação;
- Despacho que indefere a suspensão da instância;
- Decisão que defere ou indefere requerimento de alteração do pedido ou da causa de pedir;
- Despacho saneador que, fora dos casos referidos no n.º 1, al. b), aprecia alguma exceção dilatória (que não a de incompetência absoluta a que se reporta a al. b) do n.º 2), sem que dele resulte a absolvição total ou parcial da instância.
A impugnação da decisão interlocutória pode constituir o único mecanismo capaz de determinar a anulação ou a revogação da decisão final, casos em que a impugnação desta, em vez de se fundar em vícios intrínsecos, pode ser sustentada na impugnação de decisão interlocutória com função instrumental e prejudicial relativamente ao resultado final”.
No mesmo sentido, que também preconizamos, veja-se o acórdão da Relação de Évora de 12-10-2023, proferido no proc. n.º 769/22.1T8LAG.E1, disponível em www.dgsi.pt, conforme resulta da seguinte passagem do respetivo sumário: “I – A impugnação do despacho que indefere a nulidade da citação tem lugar no âmbito do recurso que venha a ser interposto da decisão final e pode constituir o exclusivo fundamente deste.”
Ainda na mesma linha de pensamento, destacamos o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 18-03-2021, proferido no proc. n.º 963/01.9BTLSB-S1, disponível em www.dgsi.pt:
“I – O despacho interlocutório, que indeferiu o pedido de declaração de nulidade da citação do JurisApp, não é imediatamente recorrível;
II – Interposto recurso do despacho interlocutório que indeferiu o pedido de declaração de nulidade da citação do JurisApp com a decisão final, tal recurso manter-se-á útil para o Recorrente, porquanto sendo dado provimento ao seu recurso determinar-se-á a citação do R. EP na pessoa do MP, anulando-se o processado posteriormente à petição inicial, se tal se exigir.”
Aliás, neste acórdão, explica-se por que motivo não se está perante decisão subsumível na previsão da alínea h) do n.º 2 do art. 644.º do CPC, isto é, despacho cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil.
Os argumentos do ora Reclamante são deslocados e não convencem.
Efetivamente, não se discute a natureza incidental da arguição da nulidade da citação ou o conhecimento oficioso da nulidade por falta de citação, mas apenas que não se trata de incidente processado autonomamente para efeitos de admissibilidade da apelação autónoma. Aliás, é por demais evidente que se trata de um incidente que não é processado com autonomia face à tramitação do processo.
Não se descortina nenhuma razão para divergir da interpretação normativa feita na Decisão reclamada, por ser a que se coaduna com a letra dos citados preceitos legais e a sua ratio, não afrontando quaisquer princípios legais ou constitucionais (mormente os invocados pelo Reclamante), tanto mais que o Réu poderá, querendo, exercitar o seu direito de defesa, impugnando as demais decisões recorríveis, incluindo a sentença, se for caso disso, e até a decisão recorrida, contanto o faça, no que a esta última diz respeito, nos termos previstos no art. 644.º, n.º 3, do CPC.
O Reclamante parece enjeitar em absoluto a solução legislativa consagrada neste último preceito legal ou talvez não a compreender. Porém, não cumpre a este Tribunal da Relação questionar a bondade do regime de recursos, cujo funcionamento, no que ora importa, não suscita qualquer dúvida, valendo aqui as considerações feitas no sumário do acórdão da Relação de Lisboa de 07-07-2022, proferido no proc. n.º 14913/21.2T8LSB.L1-7, disponível em www.dgsi.pt:
“1.–O n.º 3 do art. 644.º, ao estatuir que as decisões interlocutórias podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1, põe a apelação daquelas decisões na dependência da apelação destas decisões, pelo que, faltando esta apelação, aquela não é viável.
2.–Havendo motivo para a impugnação da decisão interlocutória, mas sendo inexpugnável, de facto e de direito, a decisão a que alude o n.º 1 do art. 644.º, inexistindo, portanto, razões para pedir a sua revogação ou alteração, é de aceitar a interposição de recurso da decisão final com fundamento na sua potencial anulação, total ou parcial, como consequência da impugnação da interlocutória.
3.–Num tal caso, o interessado deve apelar da decisão final e, nesse recurso, impugnar a decisão interlocutória que pode ditar a sorte daquela, ou seja, o apelante não apontará vícios à decisão final em si mesma, antes afirmando, apenas, que esta não pode subsistir caso proceda o recurso da interlocutória.”
Em conclusão: Não é admissível recurso de apelação autónoma do despacho que indeferiu o incidente de arguição de “nulidade da citação, em sentido lato”, suscitado pelo Réu A …, em 25-01-2022.
Vencido o Reclamante, é responsável pelas custas processuais (cf. artigos 527.º e 529.º do CPC), mas não vai condenado no respetivo pagamento, atento o apoio judiciário de que beneficia (cf. ofício junto aos autos principais em 06-06-2022).

Pelo exposto, acorda-se em indeferir a reclamação ora em apreço, mantendo-se a Decisão singular reclamada de não tomar conhecimento do recurso, por ser legalmente inadmissível a apelação autónoma.
Não se condena o Reclamante no pagamento da taxa de justiça pela qual é responsável uma vez que beneficia de apoio judiciário.
D.N.

Lisboa, 04-07-2024
Laurinda Gemas
António Moreira
Higina Castelo