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USUFRUTO
IMÓVEL
REPARAÇÃO
OBRAS
PROPRIEDADE
LEGITIMIDADE
Sumário
(da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC) I – Ainda que a Autora - que peticiona, na qualidade de usufrutuária de um imóvel (moradia), a reparação dos danos causados no mesmo pelas obras levadas a cabo no prédio vizinho pelo Réu e pela Interveniente principal - possa ter ficado surpreendida com a decisão de absolvição destes últimos do pedido, com fundamento na ilegitimidade substantiva daquela, isso não significa que estejamos perante uma decisão surpresa, nos termos do art. 3.º, n.º 3, do CPC, pois não releva a surpresa que possa advir para a parte da improcedência da sua pretensão em situações como a dos autos, em que o contraditório foi observado. II – Perante uma ofensa ilícita aos direitos do proprietário de raiz e do usufrutuário, resulta da conjugação do disposto nos artigos 1475.º e 1480.º do CC, que, em primeira linha, será ao proprietário que assiste legitimidade para defender o bem de tais atos danosos praticados por terceiros. III – No entanto, uma vez que ao usufrutuário compete administrar a coisa como o faria um bom pai de família (cf. art. 1446.º do CC), também lhe assistirá, até para defesa do direito do nu-proprietário, o direito a exigir desses terceiros a reparação dos danos, verificados que estejam os pressupostos da responsabilidade civil, em situações como a dos autos, em que a Autora foi considerada parte legítima e viu indeferido o incidente que deduziu no sentido de fazer intervir o seu filho e nu-proprietário da moradia, o qual foi ouvido como testemunha arrolada pela Autora, sendo evidente, até pelo teor do respetivo depoimento, que acompanha inteiramente a pretensão daquela, a que acresce a circunstância de, face ao tipo de danos causados no imóvel, a sua reparação, peticionada pela Autora a título principal, não importar qualquer possibilidade de inovação, antes correspondendo à reconstituição natural, de harmonia com o disposto no art. 562.º do CC.
Texto Integral
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados
I - RELATÓRIO
A … interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou parcialmente procedente a ação declarativa que, sob a forma de processo comum, intentou contra B ….
Os autos tiveram início com a apresentação de Petição Inicial em que a Autora peticionou que: (1) o Réu fosse condenado a reparar os danos que causou na casa da Autora, (2) a pagar à Autora a quantia de 100,00 € (cem euros) por dia, a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia que medeie entre a citação do Réu e a reparação dos referidos danos, ou, (3) subsidiariamente, que o Réu fosse condenado a pagar à Autora o valor da reparação dos danos verificados na moradia desta causados pelas obras realizadas por aquele, no valor estimado de 10.000,00 € (dez mil euros); mais peticionando (4) a condenação do Réu a pagar à Autora, a título de indemnização pelos danos morais sofridos por esta em consequência das obras realizadas por aquele, a quantia de 6.000,00 € (seis mil euros), bem como (5) os juros de mora calculados sobre as referidas quantias, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Alegou a Autora, para tanto e em síntese, que: é usufrutuária da moradia onde reside, em permanência, sendo o Réu proprietário da moradia contígua; em abril de 2018, o Réu iniciou obras nesta última moradia, causando estragos no imóvel de que a Autora é usufrutuária, cuja reparação estima em 10.000 €, a que acresce o forte stress e a ansiedade sofridos pela Autora, dado o nível de ruído e outros impactos decorrentes da forma como os trabalhos decorreram, danos não patrimoniais para cujo ressarcimento entende ser devida uma indemnização no valor de 6.000 €.
O Réu apresentou Contestação, em que se defendeu: por exceção, invocando a falta de legitimidade da Autora, por ser mera usufrutuária, quanto aos pedidos de condenação na reparação dos danos na moradia ou no pagamento do valor dessa reparação; e a falta de legitimidade do Réu, por as obras em causa, realizadas na sua moradia, terem sido executadas por empreiteiro; mais se defendeu por impugnação, negando a ocorrência de danos causados pelas obras realizadas, pugnando pela improcedência da ação e a sua absolvição do pedido; deduziu ainda reconvenção, peticionando a condenação da Autora por litigância de má fé no pagamento de indemnização no valor de 7.740,00 €.
A Autora replicou, defendendo a improcedência das exceções invocadas pelo Réu e da reconvenção, mais requerendo o chamamento, como assistente da Autora, do nu-proprietário do prédio e filho desta (D …, a notificar na morada da Autora), bem como o chamamento, como assistente do Réu, da empreiteira responsável pelas obras que causaram os danos na habitação da Autora; pronunciou-se ainda no sentido da não verificação da litigância de má fé, requerendo que o Réu fosse condenado como litigante de má fé.
Notificado para o efeito, o Réu exerceu o direito ao contraditório relativamente à questão da litigância de má fé suscitada pela Autora, concluindo que não se verificava; pronunciou-se ainda a respeito dos incidentes de intervenção de terceiros, pugnando no sentido do seu indeferimento (cf. requerimentos de 19-07-2021 e 14-10-2021).
Por despacho de 18-02-2022, foi indeferido o incidente de “intervenção acessória por assistência” deduzido pela Autora - porque se considerou que “só D … poderia, ele próprio, pretender intervir na causa como assistente” e não se vislumbrar qual o interesse jurídico de D … em que a decisão do pleito fosse favorável à Autora, nem qual a relação jurídica da titularidade daquele cuja consistência prática ou económica dependesse da pretensão daquela; foi deferido o incidente de intervenção principal provocada passiva deduzido pela Autora e, consequentemente, a sociedade C …, LDA., foi admitida a intervir nos autos na qualidade de Interveniente principal.
Após ter sido citada, a Interveniente apresentou Contestação, em que se defendeu por exceção - invocando a ilegitimidade processual da Autora para peticionar a reparação de danos ou a compensação monetária para a sua reparação - e, por impugnação, pugnando pela absolvição dos pedidos contra si formulados, requerendo ainda a condenação da Autora como litigante de má fé.
A Autora respondeu, pronunciando-se pela improcedência da exceção invocada pela Interveniente principal, bem como quanto à questão da litigância de má fé, tendo ainda requerido a condenação da Interveniente principal por litigância de má fé.
Notificada para o efeito, a Interveniente principal, pronunciou-se quanto a esta última questão, no sentido da sua absolvição do pedido de condenação como litigante de má fé.
Realizou-se audiência prévia, em que não foi possível obter a conciliação entre as partes.
Em 29-11-2022, foi proferido Despacho saneador, em que foi admitido (a título incidental e não como reconvenção) o pedido de condenação da Autora como litigante de má fé, fixado o valor da causa em 16.000 €, e julgadas improcedentes as exceções dilatórias de ilegitimidade processual invocadas pelo Réu e pela Interveniente principal; foi também proferido despacho de identificação do objeto de litígio e de enunciação dos temas da prova.
Realizou-se a audiência final, com a prestação de depoimento de parte pela Autora e a produção de prova testemunhal, tendo designadamente sido ouvido como testemunha (arrolada pela Autora) D …, filho da Autora e nu-proprietário do imóvel onde esta reside (que, segundo consta na sentença, afirmou, além do mais, ter acompanhado a partir da casa da mãe as obras na casa contígua, bem como a participação que a Autora fez à seguradora, revelando ter conhecimento do relatório de peritagem da seguradora que se encontra junto aos autos, dando conta dos danos na moradia e de como a realização das obras afetou o estado emocional vivenciado pela sua mãe).
Após, foi proferida a Sentença (recorrida), cujo segmento decisório tem o seguinte teor: “Pelo exposto, nos termos das disposições legais supra citadas: 1 - Julgo parcialmente procedente a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum de declaração, instaurada por A … contra B …, e em que é interveniente principal a sociedade C …, Lda e, em consequência: a) Condeno solidariamente o réu e a interveniente principal a pagarem à autora a quantia de € 3 000,00 (três mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais; c) Absolvo o réu e a interveniente principal dos restantes pedidos formulados pela autora; 2 – Julgo totalmente improcedente o pedido incidental de condenação da autora como litigante de má fé deduzido pelo réu e, consequentemente, absolvo a autora de tal pedido incidental; 3 - Julgo totalmente improcedente o pedido incidental de condenação da autora como litigante de má fé deduzido pela interveniente principal e, consequentemente, absolvo a autora de tal pedido incidental; 4 – Julgo totalmente improcedente o pedido incidental de condenação do réu como litigante de má fé deduzido pela autora e, consequentemente, absolvo o réu de tal pedido incidental e 5 - Julgo totalmente improcedente o pedido incidental de condenação da interveniente principal como litigante de má fé deduzido pela autora e, consequentemente, absolvo a interveniente principal de tal pedido incidental. Custas da ação a cargo da autora e do réu e da interveniente principal, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 75% relativamente à primeira e em 25% relativamente ao segundo e à terceira, nos termos do artigo 527º, n.º 1 e 2 e 607º, n.º 6 do Código de Processo Civil. Custas do incidente de litigância de má fé deduzido contra a autora pelo réu a cargo deste, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal, nos termos dos artigos 527º, n.º 1 e 2 e 539º do Código de Processo Civil e 7º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais. Custas do incidente de litigância de má fé deduzido contra a autora pela interveniente principal a cargo desta, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal, nos termos dos artigos 527º, n.º 1 e 2 e 539º do Código de Processo Civil e 7º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais. Custas do incidente de litigância de má fé deduzido contra o réu pela autora a cargo desta, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal, nos termos dos artigos 527º, n.º 1 e 2 e 539º do Código de Processo Civil e 7º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais. Custas do incidente de litigância de má fé deduzido contra a interveniente principal pela autora a cargo desta, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal, nos termos dos artigos 527º, n.º 1 e 2 e 539º do Código de Processo Civil e 7º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais. Registe e notifique.”
É com esta decisão que a Autora não se conforma, na parte em que absolveu a Ré e a Interveniente dos pedidos que identifica, tendo interposto o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões (que reproduzimos, omitindo a passagem que constitui mera citação de parte da fundamentação da sentença): 1.º Vem o presente recurso interposto da Douta sentença notificada às partes por ofício eletrónico de 19/12/2023, na parte em que decidiu absolver o Réu e a Interveniente Principal dos pedidos formulados pela Autora, designadamente, os seguintes pedidos: i) a título principal de condenação do réu a reparar os danos que causou na casa da autora e b) a condenação do réu a pagar à autora a quantia de € 100,00 (cem euros) por dia, a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia que medeie entre a citação do réu e a reparação dos danos referidos em a), ii) a título subsidiário: a) a condenação do réu a pagar à autora o valor da reparação dos danos verificados na moradia desta causados pelas obras realizadas por aquele, no valor estimado de € 10 000,00 (dez mil euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento; 2. Fundamentou o Tribunal a quo aquela parte da sua decisão no facto de ser “(…)”. 3. Com o devido respeito e salvo melhor opinião, mal andou o Tribunal “a quo”, incorrendo em erro de julgamento na subsunção dos factos tidos como provados ao Direito aplicável e, caso assim não se entenda, na violação do contraditório e prolação de decisão surpresa, eivada de nulidade, cfr se deixa arguida. 4. A A. ora recorrente, na qualidade de usufrutuária, não carece de legitimidade material para deduzir os pedidos de reparação do imóvel e/ou de pagamento do valor da mesma reparação. 5. Conforme bem considera a sentença recorrida, o usufruto constitui o direito de gozar temporária mas plenamente uma coisa ou direito alheio sem alterar a sua forma e substância, cfr resulta do disposto no art.º 1439.º do Código Civil; 6. Aquele direito real de gozo inclui a faculdade de uso e fruição pelo usufrutuário, do bem, sem prejuízo de lhe estar vedado o poder de disposição de que apenas goza o proprietário e bem assim o poder de alterar a forma e substância da coisa. 7. Ora, no caso sub judice, a pretensão deduzida pela A. com vista a obter a reposição do imóvel no estado em que se encontrava antes das obras ilegais levadas a cabo pelo R. e chamada, através da sua reparação ou do pagamento da mesma, não constituem o exercício de poder de disposição sobre o imóvel, assim como não consubstanciam a alteração da forma ou substância do imóvel. 8. Os pedidos deduzidos pela A. e aqui em causa, não visam mais do que assegurar a devolução ao imóvel das condições que lhe permitam gozar e fruir do imóvel nos termos em que o fazia antes da atuação ilícita dos RR através da reparação dos danos reconhecidos sob o n.º 42 dos factos provados. 9. A reposição das condições de habitabilidade do imóvel pretendida obter pela A. relativamente ao R. e à interveniente, situam-se ao nível do direito que assiste ao usufrutuário de realizar as benfeitorias necessárias e úteis que lhe aprouver, nos termos do disposto no art.º 1450.º do Código Civil. 10. Assim como as mesmas têm de ter-se como reparações ordinárias do imóvel, indispensáveis para a sua conservação, as quais estão mesmo a cargo do usufrutuário cfr decorre do disposto no art.º 1472.º do Código Civil. 11. O mesmo entendimento impõe o disposto no art.º 1473.º do Código Civil, permitindo ao usufrutuário realizar até reparações extraordinárias. 12. Note-se que, relativamente a atos lesivos por parte de terceiros, o artigo 1475.º impõe apenas que o usufrutuário dê deles conhecimento ao proprietário, nenhum impedimento estabelecendo relativamente à sua (i)legitimidade para reagir contra os referidos atos. 13. A legitimidade material do usufrutuário para obter a reparação de danos no imóvel resulta reconhecida no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04-10-2021, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/ad3e1dae64d2c613802587790046ccf5. 14. Por fim, importa ainda considerar o caráter supletivo de todas as disposições supra citadas, decorrente do disposto no art.º 1445.º. 15. Pelo que se impõe que deva ser julgada improcedente a exceção perentória da ilegitimidade material acolhida pela sentença recorrida. 16. No caso sub judice não cuidou o Tribunal “a quo” de saber as partes, no título constitutivo do usufruto, ou posteriormente acordaram sobre a referida (i)legitimidade. 17. Tão pouco permitiu à A. que pugnasse e demonstrasse a sua legitimidade material. 18. Na verdade, desde a entrada em juízo da petição inicial, em cujo artigo 1.º alegou ser usufrutuária do imóvel em causa e juntou certidão predial comprovativa que atesta aquela sua qualidade, que a instância se manteve estável do lado ativo 19. A ilegitimidade material não foi suscitada pelo R, nem mais tarde pela interveniente. 20. Mas, na sequência da ilegitimidade processual suscitada pela R., e mais tarde pela interveniente, o Tribunal foi várias vezes chamado a pronunciar-se sobre a legitimidade das partes, ativa e passiva. 21. Em qualquer um desses momentos, o Tribunal nunca suscitou a questão da eventual ilegitimidade material da A. relativamente a alguns dos pedidos deduzidos. 22. E, apesar da instância não ter sofrido qualquer alteração do lado ativo, e a A. alegou e provou a sua qualidade de usufrutuária do imóvel desde a petição inicial, pelo que, o Tribunal dispunha já em sede de audiência prévia, de todos os elementos de que dispunha para decidir sobre a legitimidade material da mesma. 24. O Tribunal nunca suscitou a questão de poder verificar-se a referida exceção perentória que podia e devia ter dado às partes oportunidade para se pronunciarem sobre a mesma. 25. Ao invés, conheceu da legitimidade processual da A. e indeferiu a intervenção do proprietário do imóvel, requerida pela A. 26. Ora, existe, presentemente, uma conceção ampla do princípio do contraditório, a qual teve origem em garantia constitucional da República Federal Alemã, tendo a doutrina e jurisprudência começando a ligar ao princípio do contraditório ideias de participação efetiva das partes no desenvolvimento do litígio e de influência na decisão, passando o processo visto como um sistema, dinâmico, de comunicações entre as partes e o Tribunal. 27. Cabe pois ao juiz respeitar e fazer observar o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito conhecer de questões sem dar a oportunidade às partes de, previamente, sobre elas se pronunciarem, sendo proibidas decisões-surpresa. 28. Constitui decisão - surpresa a solução que é dada a uma questão que, embora previsível, não tenha sido configurada pela parte, sem que a mesma tivesse obrigação de a prever. 29. Com o aditamento do nº 3, do art. 3º, do CPC, e a proibição de decisões-surpresa, pretendeu-se uma maior eficácia do sistema, colocando, com maior ênfase e utilidade prática, a contraditoriedade ao serviço da boa administração da justiça, reforçando-se, assim, a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos seus próprios interesses e à justa composição dos litígios. 30. O dever de audição prévia existe quando estão em causa factos ou questões de direito, mesmo que meramente adjetivas, suscetíveis de virem a integrar a base de decisão, conforme acontece na situação presente. 31. Constitui decisão-surpresa a decisão tomada pelo tribunal relativamente à ilegitimidade material ativa, não discutida pelas partes e que esteve na base da decisão de forma proferida. 32. A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico. 33. O supra alegado encontra amplo suporte na Doutrina e na Jurisprudência maioritária, como é o caso do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02/12/2019, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/670d5361d711696c802584e80053c16e?OpenDocument
Terminou a Apelante pugnando pela revogação da sentença recorrida, substituindo-se a mesma por Acórdão que condene os Réus nos termos peticionados pelo Autora, ou, caso assim não se entenda, declare a nulidade da sentença recorrida por constituir decisão surpresa.
Foi apresentada alegação de resposta pelo Réu, em que defendeu que se mantenha a sentença recorrida, concluindo nos seguintes termos: 1. Os RR. foram condenados a pagar indemnização à A. por danos não patrimoniais 2. Os RR foram absolvidos dos restantes pedidos da A. 3. A condenação por danos não patrimoniais não tem qualquer fundamento porque não foi feita qualquer prova dos mesmos, tendo apenas ficado provado que a A. sofreu incómodos com as obras. 4. Não basta ter ficado provado que os RR praticaram um ilícito de mera ordenação social para se concluir pela existência de danos não patrimoniais, pois nada prova que tal infração não atingiu diretamente a A. que não fez qualquer prova de ter ficado afetada pela mesma. 5. A decisão proferida na sentença não é uma decisão surpresa. 6. Até porque a prova subjacente a essa decisão só foi junta aos autos pela A. após a própria audiência de discussão e julgamento. 7. E a ilegitimidade da A. foi logo arguida como exceção pelos RR 8. E sobre essa exceção foi sempre garantido à A. o respetivo contraditório. 9. A decisão sobre ilegitimidade da A. era absoluta e objetivamente previsível. 10. Pelo que bem andou neste aspeto a decisão recorrida.
Não foi apresentada alegação de resposta pela Interveniente principal.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos as seguintes questões a decidir (pela ordem que nos parece mais lógica):
1.ª) Se a sentença, na parte em que absolveu o Réu e a Interveniente dos pedidos, é nula, por constituir uma decisão surpresa;
2.ª) Se, com fundamento em responsabilidade civil, o Réu e a Interveniente estão obrigados a reparar os invocados danos patrimoniais ou, subsidiariamente, a pagar a quantia indemnizatória atinente ao custo dessa reparação;
3.ª) Caso devam proceder à peticionada reparação, se deve ser fixada nesse sentido uma sanção pecuniária compulsória. Factos provados
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1. Encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, da freguesia da Charneca, por Ap. … de 2016/…/…, a aquisição, por doação de E … e de A …E …, a favor de D …, do prédio urbano situado na Rua …, n.º … (lote … A), em Charneca, constituído por moradia composta de rés-do-chão e primeiro andar com logradouro, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo …, da freguesia de Alvalade, e descrito sob o n.º …/…, na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, freguesia da Charneca.
2. Encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, da freguesia da Charneca, por Ap. … de 2016/…/…, o usufruto simultâneo e sucessivo, por reserva em doação de E … e de A …, sobre o prédio referido em 1).
3. Encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, da freguesia da Charneca, por Ap. … de 2020/…/…, a aquisição, por doação de F … e de B …, a favor de G … e H …, do prédio urbano situado na Rua …, n.º …, em Charneca, composto por moradia de rés-do-chão e primeiro andar com logradouro, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo …, da freguesia de Alvalade, e descrito sob o n.º …/…, na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, freguesia da Charneca.
4. A moradia referida em 1) constitui habitação própria e permanente da Autora.
5. O imóvel referido em 3) é contíguo ao imóvel referido em 1).
6. O Réu não reside, nem nunca residiu, no imóvel referido em 3).
7. O Réu realizou obras na moradia referida em 3).
8. As obras realizadas pelo Réu na moradia referida em 3) tiveram o seu início em fevereiro de 2018.
9. O Réu verificou que a estrutura de estabilidade da casa referida em 3) não correspondia ao projeto de estabilidade de 2004 que havia sido anteriormente mandado executar e, como tal, passou a ter que assumir um reforço estrutural com vigas de reforço aparafusadas e edificação de um pilar.
10. As obras referidas em 7) provocaram ruído e trepidação que se faziam sentir com grande intensidade pela Autora em sua casa.
11. A Autora é professora numa escola em Lisboa.
12. A Autora trabalha na escola e em casa, preparando aulas e corrigindo testes em casa.
13. Em virtude do descrito em 10), a Autora não conseguia preparar aulas, nem corrigir testes em casa.
14. A partir de março de 2020, a Autora permaneceu em teletrabalho, em virtude da pandemia.
15. As paredes da casa referida em 1) sofreram rachas.
16. A implantação no terreno da casa referida em 1) oscilou alguns centímetros.
17. O descrito em 15) e 16) ocorreu em consequência das obras realizadas na moradia referida em 3).
18. Desde o início das obras, a Autora logo que começou a sentir o respetivo impacto negativo procurou junto do filho do Réu e dos funcionários da obra estancar a situação.
19. A Autora várias vezes contactou a Polícia Municipal de Lisboa, a Junta de Freguesia e a Câmara Municipal de Lisboa.
20. Na sequência da denúncia feita pela Autora, a Polícia Municipal, no dia 13 de abril de 2018, deslocou-se ao local e verificou que o Réu se encontrava a fazer:
- a substituição das redes técnicas;
- picagem de paredes e substituição do chão;
- demolição de paredes interiores;
- reforço estrutural no piso 0, com colocação de oito vigas metálicas, quatro com cerca de três metros, duas com dois metros e duas com quatro metros;
- reforço estrutural do piso um com colocação de sete vigas metálicas, cinco delas com seis metros e duas delas com três metros.
21. A Polícia Municipal verificou que não tinham sido autorizadas ou sequer efetuada a comunicação prévia das obras em curso.
22. Em consequência do descrito em 21), a Polícia Municipal de Lisboa procedeu à abertura do processo/participação que veio a receber o número PI- …-….
23. Em consequência do descrito em 21), a Polícia Municipal de Lisboa propôs o embargo total da obra, nos termos constantes da "PROPOSTA DE EMBARGO" dirigida ao Vereador do Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa, Arquiteto I …, e datada de 16 de abril de 2018, a qual se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e da qual consta, além do mais, o seguinte: "(...) (...) informo V. Ex.ª que, esta Polícia, realizou uma fiscalização ao imóvel, sito na Rua … n.º …, em Lisboa, ao abrigo do Art. 93.º e n.º 1 do Art.º 95.º, ambos do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 09 de Setembro e pela Lei nº 79/2017, de 18 de agosto, tendo sido constatado que ali estão a ser executadas obras de alteração sem apresentação de comunicação prévia, descritas conforme consta na Informação n.º 19720.18.8.4, de 16-04-2018, da qual se junta cópia e faz parte integrante desta Proposta. Face ao exposto, verifica-se infração ao preceituado na alínea d) do n.º 4 do Art.º 4.º do RJUE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 09 de Setembro e pela Lei nº 79/2017, de 18 de agosto, pelo que ao responsável pela execução das obras, foi elaborada a Participação Interna, cujo Processo vai ser instruído, na Divisão de Contraordenações da C.M.L.. Verificada a plataforma GESTURBE, constatou-se que para o local em causa não consta haver projetos aprovados. Face ao exposto, proponho o seguinte: a) O embargo das obras atualmente em curso, nos termos do Artº 102.º-B, n.º 1, alínea a) do RJUE, com referência à alínea k) do n.º 2 do artigo 35º e n.º 2 do artigo 36º da Lei n.º 75/2013 e à alínea qq) do n.º 3 do ponto C do Despacho n.º 99/P/2017, de 23 de novembro. b) A fixação do prazo de doze meses para a validade do embargo, a contar da data da sua execução, de harmonia com o n.º 1 do Art.º 104.º do RJUE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 09 de Setembro e pela Lei nº 79/2017, de 18 de agosto. c) Que não deverá haver lugar à Audiência dos interessados, nos termos do Art.º 124.º, n.º 1, alínea a) do CPA, atendendo à natureza dos factos acima descritos e à urgente necessidade de impedir a continuação da obra lesiva da legalidade, com vista a evitar que a mesma se consolide na ordem jurídica. (...)".
24. Em 25 de maio de 2018, o Vereador do Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa, o arquiteto I …, proferiu despacho de embargo.
25. No dia 1 de junho de 2018, a obra veio a ser embargada.
26. A casa referida em 3) tem uma piscina.
27. A piscina referida em 26) esteve com água parada durante meses.
28. Em consequência do descrito em 27), ocorreram pragas de insetos no local.
29. Em consequência do descrito em 28), a casa de habitação da Autora foi invadida por uma pragas de térmitas e de formigas de asa oriundos do imóvel referido em 3).
30. Em 21 de maio de 2019, foi realizada, por solicitação da Autora, uma desinfestação da casa referida em 1) por uma empresa da especialidade.
31. Em 23 de abril de 2020, foi realizada, por solicitação da Autora, uma desinfestação da casa referida em 1) por uma empresa da especialidade.
32. Após o embargo da obra, o Réu prosseguiu com a realização de obras na casa referida em 3).
33. A Autora reclamou, junto do filho do Réu e dos funcionários da obra, dos insetos, do barulho, do não respeito pelos horários, pela trepidação e danos que a sua casa estava a sofrer em consequência das referidas obras.
34. A Autora denunciou a situação junto da Polícia Municipal e da Câmara Municipal de Lisboa.
35. Apesar do descrito em 33) e 34), as obras prosseguiram.
36. Em 6 de fevereiro de 2020 foi realizada uma vistoria à casa referida em 1) pelo Gabinete de Peritagens da Seguradora Generali.
37. Aquando do descrito em 36), a Autora referiu que desde abril de 2018 tinha sido verificada a ocorrência de fissuras no exterior e no interior da moradia, em consequência das obras de remodelação/reconstrução que decorriam na moradia contígua.
38. Da vistoria então realizada constatou-se a existência de fissuração em vários locais: fachada principal (pilar, muro e parede), hall de entrada (destacamento de revestimento em madeira da parede e fissuração), escritório contíguo ao hall (fissuração na parede), fachada tardoz (fissuração na parede), cozinha (fissuração em pedras mármore que revestem as paredes), sala (fissuração em paredes), escadas de acesso ao primeiro andar (danos na escada em madeira), suite (fissuração nas paredes), instalação sanitária da suite (fissuração nas paredes), quarto 1 (fissuração nas paredes), sótão (fissuração nas paredes), conforme relatório que se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
39. No referido relatório que se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta, além do mais, o seguinte: "As anomalias avaliadas não permitem enquadrar a ocorrência no âmbito de qualquer das coberturas elencadas na apólice, dado que a mesma não inclui garantias passíveis de indemnizar a fissuração generalizada da moradia, afigurando-se que estes danos poderão ter origem nos trabalhos de remodelação ocorridos na moradia vizinha".
40. A seguradora Generali endereçou a D … uma missiva datada de 30 de março de 2020, que se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, o seguinte: "(...) Apólice n.º … Data do Sinistro: 01/04/2018 Assunto: Conclusão do processo Exmo. Senhor Reportamo-nos à participação de sinistro efectuada por V. Exa., através da qual tivemos conhecimento dos danos existentes na habitação segura. Após cuidada análise de todos os elementos em presença, nomeadamente do relatório de vistoria elaborado pelo gabinete de peritagens interveniente, constatámos que a ocorrência participada não faz accionar nenhuma das garantias da apólice subscrita. Nessa conformidade, os prejuízos verificados em consequência do evento participado, não são passíveis de qualquer indemnização. Ficando ao dispor de V. Exa. para os esclarecimentos que tenha por necessários, apresentamos os nossos melhores cumprimentos. (...)".
41. No dia 14 de julho de 2020, foi realizada pelo engenheiro civil EE … da Câmara Municipal de Lisboa uma vistoria à casa sita na Rua …, n.º …, em Lisboa.
42. O técnico que realizou a vistoria referida em 41) certificou o estado de conservação da referida habitação nos termos constantes do auto de vistoria datado de 14 de julho de 2020 por si elaborado, que se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais, o seguinte: "(...) Aos 14 dias do mês de julho de 2020, compareceu o técnico abaixo-assinado na Rua …, n° …, a fim de certificar o estado de conservação da referida habitação, tendo-se verificado as seguintes deficiências/patologias: - Exteriormente: na fachada principal - ao nível do rés-do-chão, no patamar de acesso à habitação, verifica-se a existência de fendilhação de carácter recente na parede lateral adjacente à parede do edifício contíguo com o nº …, no seguimento da parede de empena direita, na zona próxima do muro lateral que delimita a propriedade e, no pavimento do mesmo patamar, observa-se um mosaico fraturado; revestimento de pedra de alguns degraus da escada de acesso à habitação igualmente com fraturas; na fachada posterior - aparente fenda horizontal na parede de fachada posterior ao nível da verga do vão de acesso à cozinha, que se encontra presentemente colmatada. - Interiormente: no vestíbulo de entrada, no rés-do-chão - rodapé e o lambrim de madeira com desligamento pronunciado relativamente à parede de fachada principal na zona junto à porta de entrada da habitação e, a parede comum com o escritório da frente confinante com a empena direita apresenta o empolamento do revestimento em pequenas zonas junto e imediatamente acima do lambrim de madeira; no escritório da frente, no rés-do-chão, confinante com a empena direita - fissuração ligeira na zona superior da parede de empena direita, adjacente ao edifício contíguo com o nº 19; na cozinha - placa de granito do revestimento pétreo da parede comum com o compartimento do desvão da escada fraturada; na sala do rés-do-chão - fissuração na parede de fachada posterior sobre os dois vãos de janela amplos de sacada, assim como nas padieiras respetivas, verificando-se, nalguns troços das guarnições de madeira dos mesmos vãos, um desligamento relativamente à parede; na escada - solho do patamar do 1° andar e degraus do lanço de escada de acesso ao mesmo com desligamentos e afastamentos relativamente ao rodapé e fendilhação localizada na face lateral do patim ao nível do sotão onde apoia o lanço de escada, verificando-se também, neste patim, o desligamento de um troço do rodapé relativamente à parede; ao nível do rés-do-chão, o segundo degrau do primeiro lanço da escada de acesso ao piso superior encontra-se apodrecido, assim como uma pequena zona da aduela do vão de porta de acesso à cozinha, indiciando o ataque de insetos xilófagos; no closet do quarto nº 2, no 1º andar - fissuração dispersa ligeira na parede de fachada posterior na zona junto ao vão de janela e ligeiro afastamento/desligamento do rodapé do pano de peito do referido vão relativamente à parede; no quarto nº 2 no 1º andar - fissuração nas paredes, sendo mais acentuada e de caracter recente junto aos vãos de porta; no vestíbulo de acesso à escada, no sotão - fissuração dispersa nas paredes, sendo uma das fissuras a 45º. (...)".
43. O descrito em 41) ocorreu na sequência das várias participações feitas pela Autora junto da Câmara Municipal de Lisboa.
44. As deficiências/patologias referidas em 42) ocorreram em consequência das obras realizadas pelo Réu na moradia referida em 3).
45. As deficiências/patologias referidas em 42) não foram reparadas.
46. A reparação das deficiências/patologias referidas em 42) importa a realização de obras, cujo orçamento ronda os 5.795,00 € (cinco mil, setecentos e noventa e cinco euros), acrescido de IVA, conforme o orçamento que se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
47. A Autora viveu sentimentos de impotência e fracasso pois, apesar de todas as suas "démarches", dos pedidos junto do filho do Réu, dos funcionários da obra e dos contactos para a Polícia Municipal de Lisboa, a Junta de Freguesia de Lisboa e a Câmara Municipal de Lisboa, não conseguiu sustar os danos provocados no imóvel referido em 1).
48. A Autora sentiu-se desrespeitada por parte dos intervenientes na obra, desde o filho do Réu, com quem falou mais do que uma vez, passando pelo encarregado da obra, que ignoraram as suas queixas, fazendo prosseguir as obras.
49. A Autora sentiu stress e ansiedade por causa das obras realizadas na moradia referida em 3).
50. A Autora viveu e vive amargura e tristeza por ver a sua casa degradada com as deficiências e patologias causadas pela obra realizada na moradia referida em 3).
51. As obras realizadas no imóvel referido em 3) foram executadas, a pedido do Réu, pela interveniente principal C …, Lda.
52. Ao atuarem conforme o descrito, o Réu e a interveniente principal não agiram com o cuidado que lhes era devido e de que eram capazes.
53. Na sequência das queixas da Autora, o filho do Réu pediu ao empreiteiro para os trabalhadores da obra não fazerem barulho na obra antes das 09,00 horas, nem depois das 17,00 horas.
54. Na sequência das queixas da Autora, o filho do Réu tentou por mais de uma vez levar o encarregado da obra, funcionário da interveniente principal, à casa referida em 1) para aí verificarem os danos de que a Autora se queixava.
55. O Réu endereçou à Autora uma missiva datada de 25 de janeiro de 2021, que se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, o seguinte: "(...) Assunto: Interpelação para verificação de danos na sua habitação Exma. Senhora: Em face do processo que instaurou onde alega danos na sua habitação provocados pelas obras executadas na casa com o nº 19 e sobretudo atendendo ao pedido formulado no processo nº …/… que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, no Juízo Local Cível de Lisboa - Juiz …, da minha condenação em sanção pecuniária compulsória no valor de 100 € por dia desde a data em que fui já citado até à reparação dos danos invocados, é urgente o levantamento dos danos invocados bem como a sua eventual reparação. Neste seguimento venho notificar V. Exa para que no próximo dia 04 de fevereiro de 2021 pelas 09:00 Horas permita o acesso à sua habitação a um Engenheiro Civil e dois técnicos especializados afim de fazerem um rigoroso levantamento dos danos invocados e para que possamos conhecer dos mesmos e programar a respetiva reparação. A visita será feita com todas as condições de segurança necessárias atendendo à Pandemia Covid-19, nomeadamente os profissionais em causa farão a desinfeção das suas mãos à entrada e usarão máscara certificada, bem como não entrarão em contacto com nenhum dos pertences da casa. Após a realização de tal visita técnica, estaremos na posse do conhecimento sobre os danos que invoca e darei conhecimento a V. Exa da posição que irei tomar. Certo da atenção e da urgência que o assunto lhe merece, agradeço a sua disponibilidade. (...)".
56. A Autora endereçou ao Réu uma missiva datada de 1 de fevereiro de 2021, que se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, o seguinte: "(...) ASSUNTO - Interpelação para verificação de danos na sua habitação Exmo. Senhor, Os meus sinceros cumprimentos. Acuso a receção da sua carta de 25/01/2021, que muito agradeço. Antes de mais, quero transmitir-lhe a minha absoluta disponibilidade para a verificação que propõe. No entanto, considerando os tempos de pandemia que atravessamos e os elevados riscos de contágio e bem assim que o meu filho, que gostaria que acompanhasse a visita, se encontra ausente no estrangeiro, só regressando a Portugal a 15 de Fevereiro, sugeria que a mesma só ocorresse após o dia 15 de fevereiro e, preferencialmente, após o terminus do confinamento obrigatório em vigor. Tudo indica que, durante esta semana e conforme proposta de lei já presentada na Assembleia da República nesse sentido, virão os prazos judiciais e não judiciais a suspender-se. Por esse motivo, não ocorrerá o vencimento da sanção pecuniária peticionada na ação judicial pendente, durante o período durante o qual vier a durar aquela suspensão, não acarretando o adiamento da "vistoria", prejuízo para V. Ex.ª. Assim, na expectativa do bom acolhimento por V. Ex.ª, do adiamento que proponho, pelos motivos invocados, aguardo a sua prezada resposta e reitero os meus melhores cumprimentos (...)".
57. O Réu endereçou à Autora uma missiva datada de 2 de fevereiro de 2021, que se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, o seguinte: "(...) Assunto: Resposta à vossa missiva datada de 01.02.2021 Exma. Senhora: Em face do conteúdo da sua missiva, supra identificada, e não podendo deixar de concordar com o que me comunica, venho pela presente colocar-me à sua inteira disposição para novo agendamento. Independentemente da suspensão de prazos judiciais concretizada pela Lei n' 4-B/2021 de 1 de fevereiro tenho interesse na resolução do conflito e, assim, necessidade de procurar formas de o resolver o que, naturalmente leva tempo. Como o novo agendamento fica dependente tanto do final do confinamento decretado, como da disponibilidade de V. Exa e do seu filho, fico a aguardar que me indique a data a partir da qual poderemos voltar a agendar a visita. Para maior facilidade de contacto deixo o meu endereço de e-mail: …- ….pt (...)".
58. Apesar do descrito em 57), a Autora não agendou com o Réu qualquer visita ao imóvel referido em 1).
59. Consta de relatório técnico de "Reabilitação de Moradia", datado de 24 de fevereiro de 2021, que se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, além do mais, o seguinte: "(...) LOCAL: Rua …, n.º … - Lisboa REQUERENTE: B … 1. INTRODUÇÃO 1.1 Identificação do técnico responsável pelo presente relatório L …, Engenheira Técnica Civil desde 1988 inscrita na ordem dos Engenheiros Técnicos com o n.º …. 1.2. Origem/necessidade do relatório O presente relatório resulta da necessidade de avaliar a amplitude da intervenção efetuada na reabilitação da moradia sita na Rua …, N.º … - Lisboa, na sequência de um pedido de indemnização por Ação judicial intentada pelo proprietário do lote contiguo (N.º …). 2. ELEMENTOS BASE PARA A ELABORAÇÃO DO RELATÓRIO · Projeto de 2004 · Projeto das alterações recentes submetido em Junho 2018 · Relatório sobre a obra executada · Observação direta/vistoria à obra · Petição inicial do proprietário do lote 17 · Relatório da seguradora relativo ao lote 17 · Auto de Vistoria Câmara Municipal 3. PARECER TÉCNICO Perante os dados recolhidos e a observação realizada concluí que: 1. A moradia em causa foi remodelada pelo anterior proprietário, M … de acordo com o processo municipal n.º …/EDI/… com alvará de obras de alteração N.º …/EO/…. A remodelação teve por base um projeto de 2004 que previa a demolição de algumas paredes interiores e que levou à necessidade de um projeto de estabilidade para reforço da estrutura existente. 2. Com o início dos trabalhos de reabilitação da moradia levada a cabo pelo atual proprietário, B …, constatou-se que o projeto de estabilidade anterior não havia sido executado e a estrutura não fora reforçada tal como a demolição de paredes feita assim o exigia. 3. Perante tal facto decidiu o atual proprietário fazer agora as correções necessárias para garantir a estabilidade de toda a estrutura da moradia de acordo com projeto de estabilidade datado de Junho de 2018. 4. O reforço estrutural foi executado em perfil metálico, nas vigas e pilar de betão armado. 5. Os trabalhos necessários à execução desta obra não se afiguram capazes de causar dano à moradia contigua pois são ações de construção e reforço de estrutura e não de demolição ou substituição. 6. Os trabalhos preparatórios, como a picagem das superfícies a reforçar, são executados no interior da moradia sem recurso a qualquer maquinaria pesada pois que não se afiguram necessárias escavações ou movimentação de terras para a sua efetivação. 7. Admite-se, contudo, que possam provocar alguma vibração que se transmita a paredes coladas ou partilhadas pela moradia adjacente evidenciando assim alguma fragilidade já existente. 8. É de salientar que a moradia com o N.º … sofreu obras de ampliação já após 2004 e sobre a estrutura de uma antiga garagem segundo informação recolhida junto do anterior proprietário do N.º …, M …. 9. Os relatórios de visita ao N.º … elaborados pela seguradora e pela Câmara Municipal enumeram uma série de anomalias no exterior e no interior da habitação como fissuras, rachas e desligamentos/afastamentos não compatíveis com a intervenção realizada no N.º …. 4. CONCLUSÕES Da análise de toda a documentação facultada e ainda da verificação "in loco" conclui-se que os danos enumerados quer na petição inicial quer nos relatórios da seguradora e da Câmara municipal não poderão resultar apenas da intervenção realizada no N.º …. Da descrição constante nos relatórios assim como do registo fotográfico que anexam pode concluir-se serem situações comuns que ocorrem muitas vezes nas construções ao longo dos anos e resultantes do ajustamento dos terrenos após a edificação e que podem ter causas diversas. Admite-se, no entanto que a vibração provocada pela intervenção no N.º … possa, nas paredes contiguas ou partilhadas pelas duas moradias, ter evidenciado ou feito surgir pequenas fissuras nessas paredes. As restantes situações descritas nos referidos relatórios de afastamentos e fissurações em paredes por toda a restante habitação nada podem ter a ver com o tipo de intervenção realizada no n.º 19. Como se pode constatar da leitura do auto de vistoria da câmara Municipal que descreve exaustivamente todos os danos verificados apenas refere como "aparentemente recentes" os que se localizam em paredes adjacentes às duas moradias como se transcreve: "Exteriormente: na fachada principal - ao nível do rés-do chão, no patamar de acesso à habitação, verifica-se a existência de fendilhação de carácter recente na parede lateral adjacente à parede do edifício contiguo." O mesmo relatório refere: "aparente fenda na parede de fachada posterior ao nível da verga do vão de acesso à cozinha, que se encontra presentemente colmatada" o que faz querer que tais fendas são antigas e algumas já objeto de tratamento anterior. (...)".
60. Após as queixas efetuadas pela Autora ao filho do Réu durante a realização das obras, foram agendadas duas visitas à moradia referida em 1), as quais foram adiadas pela Autora.
61. A moradia referida em 1) tem vegetação no jardim.
62. Existem diversas piscinas na área circundante à moradia referida em 1). Da decisão surpresa
Na sentença considerou-se que a Autora, pela sua qualidade de usufrutuária, carecia de legitimidade material para exigir o direito à reparação ou ao valor da reparação dos danos causados no imóvel, improcedendo a sua pretensão a esse respeito e também o pedido de condenação do Réu/Interveniente principal numa sanção pecuniária compulsória, acrescentando-se, relativamente à sanção pecuniária compulsória prevista no art. 829.º-A do CC, que nunca seria devida, por estar exclusivamente reservada à mora nas obrigações de prestação de facto não fungíveis, constituindo a realização de obras precisamente uma típica prestação de coisa fungível.
A Autora veio alegar que a sentença, na parte absolutória, deve ser declarada nula, por constituir uma decisão surpresa.
O Réu pronunciou-se em sentido contrário.
Será, ante o que foi decidido e a respetiva fundamentação (adiante reproduzida, na parte que importa) de qualificar a sentença como decisão surpresa?
Vejamos.
É inquestionável que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem – cf. art. 3.º, n.º 3, do CPC. Este comando é, aliás, uma decorrência do princípio mais abrangente da tutela jurisdicional efetiva contido no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa e do direito a um processo equitativo consagrado no art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Tem sido entendido que a inobservância desse princípio pode gerar nulidade processual, nos termos do art. 195.º, n.º 1, do CPC (“quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”), a qual, quando coberta por decisão judicial, poderá implicar a própria nulidade dessa decisão, a arguir no respetivo recurso. Com efeito, o meio próprio para reagir contra as nulidades processuais cobertas por uma decisão judicial (despacho) que ordenou, autorizou ou sancionou (ainda que só de modo implícito) o respetivo ato ou omissão é o recurso desse despacho, como já explicava Manuel de Andrade, referindo a “doutrina tradicional, condensada na máxima: dos despachos recorre-se; contra as nulidades reclama-se” (in “Noções elementares de Processo Civil”, Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 183).
No presente processo, em ambas as Contestações, foi invocada a exceção de falta de legitimidade (processual) da Autora, dada a sua qualidade de mera usufrutuária, exceção que foi julgada improcedente no despacho saneador.
No entanto, como facilmente se alcança pelo teor dos articulados e do despacho de identificação do objeto do litígio, sempre haveria de ser conhecida a questão (de fundo ou de mérito) de saber se à Autora assistia o direito à reparação dos danos causados na sua casa de habitação, por razões que se prendem, além do mais, com a circunstância de ser mera usufrutuária, o que se reconduz a um problema de (i)legitimidade substantiva ou material para as pretensões que, a título principal e subsidiário, formulou a esse respeito.
A Autora teve ampla oportunidade para exercer o contraditório quanto a essa questão crucial de direito. Ainda que possa ter ficado surpreendida com a decisão, isso não significa que estejamos perante uma decisão surpresa, nos termos do art. 3.º, n.º 3, do CPC, pois não releva a surpresa que possa advir para a parte da improcedência da sua pretensão em situações como a dos autos, em que o contraditório foi observado.
A circunstância de ter improcedido a exceção dilatória de ilegitimidade processual não era motivo para a Autora confiar que lhe seria reconhecida a legitimidade substantiva. Ademais, ainda que a questão da ilegitimidade processual pudesse ter sido decidida noutro sentido, sendo julgada procedente tal exceção, daí não se segue, contrariamente ao que a Apelante parece entender, que poderia ter ficado sanada pela via do incidente de intervenção de terceiros deduzido – a ilegitimidade singular é insanável.
Tão pouco estava o Tribunal a quo obrigado a conhecer parcialmente do mérito da causa no saneador – cf. art. 595.º, n.ºs 1 e 4, do CPC.
Assim, sem necessidade de mais considerações, conclui-se que não se verifica a nulidade invocada. Do direito à reparação do imóvel e à sanção pecuniária compulsória
Na sentença recorrida, o Tribunal a quo teceu algumas considerações genéricas sobre os pressupostos da responsabilidade civil, fazendo menção aos artigos 483.º, 487.º, 1346.º, 1347.º do CC, bem como a alguma doutrina e jurisprudência, referindo designadamente que “O proprietário de um imóvel tem direito a que os defeitos de que a sua casa ficou a padecer em consequência das obras levadas a cabo no prédio vizinho sejam reparados à custa do proprietário desse prédio, sendo que tais obras constituem ainda o infrator na obrigação de indemnizar o proprietário do prédio vizinho, nos termos do artigo 1347º, n.º 3 do Código Civil (neste sentido, Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08/11/2016, processo n.º 428/10.8TBCDN.C1, in www.dgsi.pt)”, e mais adiante que: «Estamos no domínio da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos prevista no artigo 483º do Código Civil, que estabelece que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. São pressupostos essenciais da obrigação de indemnizar fundada em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Estes pressupostos são factos constitutivos do direito do autor e, por isso, nos termos do artigo 342º, n.º 1 do Código Civil, sobre este impende o ónus de os alegar e provar. No caso sub judice, dos autos resulta provada a conduta ilícita do réu e da interveniente principal, violadora de normas de direito administrativo e de direito urbanístico (que motivaram inclusivamente o embargo das obras) e de direitos subjetivos absolutos – os direitos de uso e fruição plena da coisa e os direitos de personalidade, como os direitos à saúde e ao bem-estar, ao sossego e à tranquilidade no interior da habitação – da autora, sendo certo que não se verificam, in casu, os pressupostos de quaisquer causas de justificação da ilicitude civil, previstas pelos artigos 336º, 337º ou 339º do Código Civil, considerando-se que tal atuação extravasa a tolerância inerente às relações de vizinhança e reputando-se prevalecentes os direitos de personalidade da autora, face aos direitos de natureza económica, da livre iniciativa económica e da propriedade privada, fazendo apelo ao instituto da colisão de direitos previsto no artigo 335º do Código Civil. Resulta ainda provada nos autos a ligação psicológica do réu e da interveniente principal com a produção dos factos e o grau de censurabilidade da sua conduta, bem como o nexo de causalidade entre a sua conduta e os danos sofridos pela autora. Nesta conformidade, considerando-se verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, o réu e a interveniente principal constituíram-se na obrigação de indemnizar os danos decorrentes da sua conduta, nos termos dos artigos 483º e 497º do Código Civil (neste sentido, Acordão do Supremo Tribunal Justiça de 23/05/2019, processo n.° 8057/13.8TBBRG.G1.S1, in www.dgsi.pt). Em matéria de indemnização, vigora no nosso direito o princípio da reconstituição natural, consagrado no artigo 562º do Código Civil, segundo o qual a obrigação de indemnizar deve visar reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, havendo lugar à indemnização em dinheiro, se aquela reconstituição não for possível, conforme resulta do artigo 56º do Código Civil. A indemnização abrange não só a reparação dos danos patrimoniais - os danos emergentes (os prejuízos causados nos bens ou direitos existentes na esfera jurídica do lesado à data da lesão), os lucros cessantes (os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão) e os danos futuros, desde que previsíveis (artigos 563° e 564° do Código Civil) - como também os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (artigo 496° do Código Civil).»
Na sentença é ainda referido, no que ora importa, o seguinte: “(…) está provado que o réu efetuou obras no seu imóvel que ocasionaram ruído e trepidações no prédio contíguo de que a autora é usufrutuária e que constitui a sua casa de morada de família, sendo que, em consequência de tais obras, este prédio veio a sofrer deteriorações e modificações traduzidas em fissuras e rachas nas paredes e danos noutras componentes do edifício. As obras realizadas no imóvel pelo réu, independentemente da sua natureza lícita e legítima, provocaram um desequilíbrio injusto e indevido na esfera patrimonial do nu proprietário, alterando o equilíbrio harmónico e equitativo que deve subsistir e ser preservado nas relações de vizinhança, pelo que deveria o réu suportar na sua esfera patrimonial os efeitos nocivos e prejudiciais que a sua ação ocasionou na relação de vizinhança. Mas, sendo a autora mera usufrutuária e não proprietária do imóvel, terá a mesma direito à reparação dos danos causados no referido imóvel? Pensamos que não. O usufruto é o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância, tal como resulta do artigo 1439º do Código Civil. Trata-se de um direito real de gozo, que inclui a faculdade de uso e fruição da coisa, nos termos do artigo 1446º do Código Civil, mas não o poder de disposição. Ou seja, o usufrutuário não pode alterar a forma e substância da coisa, sob pena de estar a exercer sobre ela o poder de disposição de que apenas goza o proprietário. Nestes termos, é o dono da raiz ou nua propriedade de um prédio urbano, e não o usufrutuário, que é o titular do direito à reparação dos danos causados na forma e substância do imóvel (neste sentido, Acordão do Tribunal da Relação do Porto de 05/12/2005, processo n.º 0553456, in dgsi.pt). Face ao exposto, é de concluir que a autora, na qualidade de usufrutuária, carece de legitimidade material para exigir o direito à reparação ou ao valor da reparação dos danos causados no imóvel, motivo por que improcede, nesta parte, a pretensão por esta deduzida nos autos.”
A Apelante discorda, argumentando, em síntese, que: não carece de legitimidade material para deduzir os pedidos de reparação do imóvel e/ou de pagamento do valor da mesma reparação; o usufruto constitui o direito de gozar temporária mas plenamente uma coisa ou direito alheio sem alterar a sua forma e substância, nos termos do art. 1439.º do CC; tal pretensão deduzida pela Autora não constitui o exercício de poder de disposição sobre o imóvel, assim como não consubstancia a alteração da forma ou substância do imóvel, antes visa assegurar a devolução ao imóvel das condições que lhe permitam gozar e fruir do imóvel nos termos em que o fazia antes da atuação ilícita do Réu e da Interveniente; a reposição das condições de habitabilidade do imóvel pretendida está ao nível do direito que assiste ao usufrutuário de realizar as benfeitorias necessárias e úteis que lhe aprouver, nos termos do disposto no art. 1450.º do CC, ou do dever de realizar reparações ordinárias do imóvel, indispensáveis para a sua conservação, nos termos do art. 1472.º do CC, e reparações extraordinárias, ao abrigo do disposto no art. 1473.º do CC; tanto mais que relativamente a atos lesivos por parte de terceiros, o art. 1475.º do CC impõe apenas que o usufrutuário dê deles conhecimento ao proprietário, nenhum impedimento estabelecendo relativamente à sua (i)legitimidade para reagir contra os referidos atos; a legitimidade material do usufrutuário para obter a reparação de danos no imóvel resulta reconhecida no acórdão da Relação do Porto de 04-10-2021.
O Réu, por sua vez, pugna pelo acerto da sentença a este respeito.
Vejamos.
Como resulta do disposto no art. 1439.º do CC, o usufruto é um direito real menor que consiste no direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância.
Nas palavras de Carvalho Fernandes, in “Lições de Direitos Reais”, 6.ª edição, Quid Juris, págs. 403-404, “O carácter pleno do gozo da coisa, ou direito, significa que o usufrutuário pode, no seu uso e fruição, tirar partido de todas as suas utilidades, sem outra limitação que não seja a de preservar a sua forma ou substância (…) analisada de outro ângulo, esta característica do usufruto significa que não há limitação das faculdades de gozo e fruição pelo fim. Assim, se se excluir o direito de dispor da coisa [(1) Note-se, contudo, que o usufrutuário pode dispor do seu direito, qua tale (…)], o conteúdo do usufruto aproxima-se significativamente do direito de propriedade. Em qualquer caso, o usufruto não representa nem um desmembramento da propriedade, nem uma propriedade temporária. A plenitude de gozo não implica a plenitude do aproveitamento das utilidades da coisa, como é próprio da propriedade. Por outro lado, o usufruto não é um direito exclusivo, pois pressupõe sempre a existência de outro direito – a propriedade de raiz. Deste modo, o usufruto tem de ser visto como um tipo a se, autónomo, e constitui um direito real de gozo menor. O conteúdo do usufruto (…) não se esgota nas faculdades de uso e fruição, embora estas constituam a sua marca própria e específica. Em qualquer caso, a afectação das utilidades de um bem à satisfação das necessidades de certa pessoa é feita em função dela e não de qualquer outra coisa.”
Merecem especial atenção alguns preceitos do regime do usufruto, em ordem a compreendermos o conteúdo desse direito, procurando responder à questão crucial que nos ocupa, a de saber se, sendo apenas usufrutuária, a Autora tem direito a exigir de terceiros a reparação do prédio.
Assim, preceitua o art. 1446.º do CC, sob a epígrafe “Uso, fruição e administração da coisa ou do direito”, que “(O) usufrutuário pode usar, fruir e administrar a coisa ou o direito como faria um bom pai de família, respeitando o seu destino económico.”
O art. 1472.º, n.º 1, do CC estabelece que estão a cargo do usufrutuário tanto as reparações ordinárias indispensáveis para a conservação da coisa como as despesas de administração. Quanto às reparações extraordinárias, dispõe o art. 1473.º, n.º 1, do CC que só incumbe ao usufrutuário avisar em tempo o nu-proprietário, para que este, querendo, as mande fazer; se, porém, elas se tiverem tornado necessárias por má administração do usufrutuário, é aplicável o disposto no artigo anterior. Nos termos do n.º 2 do art. 1473.º, se o nu-proprietário, depois de avisado, não fizer as reparações extraordinárias, e estas forem de utilidade real, pode o usufrutuário fazê-las a expensas suas e exigir a importância despendida, ou o pagamento do valor que tiverem no fim do usufruto, se este valor for inferior ao custo.
Quanto a atos lesivos da parte de terceiros, estabelece o art. 1475.º do CC que “(O) usufrutuário é obrigado a avisar o proprietário de qualquer facto de terceiro, de que tenha notícia, sempre que ele possa lesar os direitos do proprietário; se o não fizer, responde pelos danos que este venha a sofrer.”
Ainda nas palavras de Carvalho Fernandes, obra citada, págs. 417-418, “(…) o encargo do usufrutuário relativo às reparações ordinárias assume a natureza de uma obrigação propter rem (…) Para além das obrigações analisadas, outras há mis especificamente dirigidas à protecção do interesse do proprietário. Desde logo, se qualquer terceiro praticar actos susceptíveis de pôr em causa ou lesar os direitos do proprietário, o usufrutuário, se deles tiver conhecimento, é obrigado a avisá-lo, sob pena de responder pelos danos por aquele sofridos, por não ter podido reagir atempadamente contra a violação.”
A respeito do citado art. 1475.º do CC, lembramos os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”,Vol. III, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 530: “A obrigação de denúncia dos actos lesivos da propriedade, perpetrados por terceiro, caberia já no dever de usar e fruir a coisa como a faria um bom pai de família, que vem consagrado no artigo 1446.º embora o usufrutuário seja livre de exercer ou não os poderes que decorrem do uso, fruição e administração da coisa, no que concerne à zona dos seus interesses, já o mesmo não sucede na parte em que estão em causa os interesses do proprietário. Nesse domínio, o usufrutuário é já obrigado a agir. (…) Dada a importância da matéria, para eliminar dúvidas que pudessem suscitar-se, a lei civil portuguesa fez do dever de denúncia dos actos lesivos de terceiro objecto de uma disposição legal autónoma. Entre os actos de terceiro abrangidos por este dever figuram naturalmente os de furto, roubo, deterioração, destruição ou apropriação da coisa. O aviso da prática ou perpetração de qualquer destes actos não exime o usufrutuário, como Pugliese (ob. e loc. cits.) justamente observa, do dever de tomar outras providências (como sejam o chamamento da polícia, a acção directa, etc.) que as circunstâncias imponham para defesa do direito do proprietário, de acordo com o tal modelo de diligência para que aponta o artigo 1446.º”.
Ainda com interesse para o caso dos autos, importa ter presente o disposto no art. 1480.º, n.º 1, do CC: “1. Se a coisa ou direito usufruído se perder, deteriorar ou diminuir de valor, e o proprietário tiver direito a ser indemnizado, o usufruto passa a incidir sobre a indemnização.”
A respeito deste preceito importa ter presente a explicação dada por Pires de Lima e Antunes Varela, na obra citada, págs. 538-539: “A disposição abrange dois grupos paralelos de casos: o primeiro é o dos casos em que a perda, diminuição de valor ou deterioração da coisa ou do direito procede de facto gerador de responsabilidade – ou porque se trata de facto ilícito culposo imputável a terceiro ou porque o dano recaia na esfera dos riscos a cargo de outrem. Trata-se de hipótese omissa na legislação anterior (…) De harmonia com os princípios gerais válidos em matéria de responsabilidade civil, o responsável teria que indemnizar os dois prejuízos (…) pagaria uma indemnização ao proprietário, outra ao usufrutuário, que assim receberia, em propriedade plena, determinada soma de dinheiro – a capitalização dos rendimentos e outros proventos que a coisa lhe proporcionaria, se não tivesse sido destruída ou deteriorada. O usufruto, se a coisa tivesse perecido ou se tivesse deteriorado a ponto de ficar comprometida a sua finalidade económica, extinguir-se-ia, segundo os cânones clássicos da doutrina romanista. Foi outra, porém, completamente diferente, a solução que, por inspiração do artigo 1017.º do Código Civil italiano, este artigo 1480.º consagrou. Em lugar de duas indemnizações distintas, e em certo sentido complementares, o responsável é obrigado a uma só indemnização global e sobre esse montante – que representa o valor integral da coisa ou da parte da coisa destruída – passa a incidir o usufruto. (…) Note-se que a doutrina da sub-rogação real da indemnização única vale, não apenas para a hipótese de perda (total ou parcial) da coisa usufruída, mas também para os casos de mera deterioração ou diminuição de valor. (…) Nestes casos, pode bem suceder que o usufruto se desdobre quanto ao seu objecto, continuando a incidir ainda sobre a coisa primitiva, afectada no seu valor, por um lado, e recaindo de novo, por outro lado, sobre o montante da indemnização. Essa é a solução que, cabendo na letra («O usufruto passa a incidir sobre a indemnização» e não «o usufruto passa a incidir apenas sobre a indemnização»), melhor corresponde ao espírito da lei. Escusado se torna acentuar, por fim, que o n.º 1 assenta no pressuposto de que a indemnização devida por terceiro é a indemnização por equivalente. Se houver reconstituição natural ou reintegração específica, é evidente que o usufruto continuará sobre a coisa restaurada ou reparada.”
A jurisprudência sobre a questão que nos ocupa é escassa, sendo que a invocada pela Apelante, o acórdão da Relação do Porto de 04-10-2021, proferido no proc. n.º 1910/20.4T8PNF.P1, disponível em www.dgsi.pt, tem pouco interesse para o caso, dada a especificidade da situação aí apreciada (em ação intentada contra companhia de seguros, sendo a causa de pedir o cumprimento do contrato de seguro “tipo multiriscos e do ramo Indústria Segura”) como se pode ver pelo respetivo sumário, com o seguinte teor: “I - Ao apuramento da legitimidade processual - pressuposto processual que se reporta à relação de interesse das partes com o objeto da ação e que, a verificar-se, conduz à absolvição da instância - releva, apenas, a consideração do concreto pedido e da respetiva causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a última e do mérito da causa. A legitimidade processual afere-se pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial, e é nestes termos que tem de ser apreciada. II - A legitimidade substancial ou substantiva respeita à efetividade da relação material. Prende-se com o concreto pedido e a causa de pedir que o fundamenta e, por isso, com o mérito da causa, sendo requisito da procedência do pedido. A verificação da ilegitimidade substantiva leva à absolvição do pedido. III - Apesar de a Autora ser dotada de legitimidade ativa, pressuposto processual já considerado, pacificamente, verificado, em termos tabelares, no despacho saneador, bem decidida se mostra a questão diversa, da falta de legitimidade substantiva, dada a manifesta falta do direito que pretende fazer valer e a manifesta inviabilidade das pretensões, por resultar dos autos se não ter gerado o dano na sua esfera jurídica, mas na de terceiro, proprietário do imóvel objeto do incêndio, nada podendo obter para si relativamente a reparação/indemnização relativa a imóvel alheio.”
Já o acórdão citado na sentença recorrida, o acórdão da Relação do Porto de 05-12-2005, proferido no proc. n.º 0553456, disponível em www.dgsi.pt, tem algum interesse, afirmando-se no respetivo sumário que: “I - Os donos da raiz ou nua propriedade de um prédio urbano, e não os usufrutuários, são os titulares do direito a serem indemnizados pelos danos causados na forma e substância do imóvel, por quem o ocupou. II - Já se fossem lesados os direitos de uso e fruição da coisa, que são inerentes ao direito de usufruto, seriam os usufrutuários os titulares do direito de indemnização em caso de lesão de tais direitos.” Tratava-se de ação em que era peticionada pelos titulares do direito de usufruto de um prédio urbano a condenação do aí réu no pagamento da quantia de 70.000.000$00, acrescida de juros, pelos danos causados durante a sua ocupação, tendo a Relação do Porto considerado, em síntese, que como vinha pedida uma indemnização apenas por danos causados no prédio, estava em causa o direito do nu-proprietário, pelo que, tratando-se de danos provocados apenas na esfera jurídica do nu-proprietário, era este o titular da respetiva indemnização, sendo acertada a decisão de improcedência da ação.
Na mesma linha de pensamento, veja-se o acórdão da Relação de Coimbra de 19-01-2010, proferido no proc. n.º 980/09.0TBPBL.C1, disponível em www.dgsi.pt, conforme resulta da seguinte passagem do respetivo sumário: “III – Sempre que é lesada a forma ou substância do bem, sem atingir os poderes de que goza o usufrutuário, como está em causa apenas o direito do proprietário, só ele tem direito de demandar e ser indemnizado pelos danos causados. IV – Se, porém, a acção de terceiro atingir simultaneamente os direitos do proprietário e do usufrutuário, da conjugação do disposto nos artºs 1475º e 1480º do C. Civ., resulta que em primeira linha será ao proprietário que competirá legitimidade para defender o bem de qualquer acto que possa prejudicar o seu exercício.” Nesse processo discutia-se, além do mais, a ilegitimidade ativa do nu-proprietário num procedimento cautelar em que estava em causa uma servidão de passagem.
Ora, esta jurisprudência merece a nossa concordância.
No entanto, é bom não esquecer que a Autora, na presente ação, foi considerada parte legítima e viu indeferido o incidente que deduziu no sentido de fazer intervir o seu filho e nu-proprietário da moradia (sem que o Tribunal a quo tenha considerada a possibilidade de convolação do incidente de intervenção de terceiros deduzido para um outro - cf. artigos 6.º e 547.º do CPC), o qual foi ouvido como testemunha arrolada pela Autora, sendo evidente, pela descrição do seu depoimento constante da sentença, que acompanha inteiramente a pretensão daquela.
Por outro lado, é fora de dúvida, dado o tipo de danos causados no imóvel, descritos no ponto 42 do elenco dos factos provados, que a sua reparação, peticionada pela Autora a título principal, não importará qualquer possibilidade de inovação.
Na verdade, a Autora só a título subsidiário peticionou a condenação do Réu (que, logo na Contestação, confessou ser dono da casa em que decorreram as obras que deram causa aos danos patrimoniais invocados) no pagamento de indemnização. Efetivamente, o pedido principal foi o de condenação do Réu a reparar os danos causados na casa de que a Autora é usufrutuária, o que significa que pretendia - e continua a pretender -, a via da reconstituição natural, de harmonia com o disposto no art. 562.º do CC, nos termos do qual “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”
Como acima referido, se houver reconstituição natural ou reintegração específica, é evidente que o usufruto continuará sobre a coisa restaurada ou reparada, não se podendo considerar aplicável o disposto no art. 1480.º do CC, ou seja, não ocorre uma sub-rogação real da indemnização que é devida ao nu-proprietário, antes será caso para continuação do usufruto sobre a coisa reparada.
Por isso, e tendo em atenção que ao usufrutuário compete administrar a coisa como o faria um bom pai de família (cf. art. 1446.º do CC), parece-nos inevitável concluir que também lhe assistirá, até para defesa do direito do nu-proprietário, em situações como a dos autos, o direito a exigir dos autores de atos danosos da coisa a respetiva reparação, verificados que estejam os pressupostos da responsabilidade civil.
No caso em apreço, já foi reconhecido que tais pressupostos se verificavam, conforme resulta fundamentação de direito da sentença (sem que os Apelados tenham requerido, a esse propósito, a ampliação do âmbito do recurso), sendo certo que o dever de reparação incide sobre os danos descritos no ponto 42 do elenco dos factos provados, fundando-se ainda, em nosso entender, no disposto no art. 493.º, n.º 2, do CC, sendo o Réu e a Interveniente solidariamente responsáveis (cf. art. 497.º do CC).
Quanto à sanção pecuniária compulsória, embora a Apelante tenha impugnado o decidido na sentença, a verdade é que apenas o fez por considerar que devia proceder o pedido de reparação, não tendo suscitado nenhum erro de julgamento quanto à restante fundamentação constante da sentença, que assim subsiste intocada.
Deste modo, procedem em parte as conclusões da alegação de recurso, impondo-se revogar a sentença recorrida na parte em que absolveu o Réu e a Interveniente do pedido atinente à reparação da moradia de que a Autora é usufrutuária, ficando prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário.
Quanto à ação, ficaram vencidos a Autora, bem como o Réu e a Interveniente principal sendo responsáveis, estes últimos em partes iguais, pelo pagamento das custas processuais, na proporção do decaimento, que se considera adequado fixar em 20% para a Autora e 80% para aqueles outros; já quanto às custas do recurso são da responsabilidade do Réu e da Interveniente principal, uma vez que ficaram vencidos (artigos 527.º a 529.º, ambos do CPC).
***
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida quanto ao ponto 1 - c) do segmento decisório, que se substitui, passando a ter o seguinte teor:
b) Condena-se o Réu e a Interveniente principal, solidariamente, na reparação dos danos descritos no ponto 42 do elenco dos factos provados causados no prédio de que a Autora é usufrutuária;
c) Absolve-se o Réu e a Interveniente principal do pedido de condenação a pagar à Autora a quantia de 100,00 € (cem euros) por dia, a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia que medeie entre a citação do Réu e a reparação dos referidos danos.
Mais se decide condenar a Autora, bem como o Réu e a Interveniente principal, estes últimos em partes iguais, no pagamento das custas da ação, na proporção do decaimento (que se fixa em 20% e 80%, respetivamente), e condenar o Réu e a Interveniente principal, em partes iguais, no pagamento das custas do recurso.
D.N.
Lisboa, 04-07-2024
Laurinda Gemas
Arlindo Crua
Pedro Martins