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CRÉDITO BANCÁRIO
DEVER DE INFORMAR
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
AVAL
RENÚNCIA À SOLIDARIEDADE
Sumário
I- A amplitude e exigência quanto aos deveres de informação das entidades bancárias respeitantes a cláusulas gerais de contratos de crédito, aberturas de conta, prestação de garantias, fianças, avales, e outros do género, tem uma geometria variável em função do grau de conhecimentos das pessoas com quem estão a contratar. II- Sendo o autor administrador de uma sociedade comercial e presidente do conselho de administração de outra, que é uma SGPS, que há mais de 20 anos celebra contratos com entidade bancárias, tem necessariamente um conhecimento de nível muito elevado sobre aquele género de contratos e sobre as respetivas cláusulas gerais, pelo que o facto de as ter assinado, sem ter levantado qualquer questão, e, quanto à garantia prestada, na sequência de um processo negocial longo, faz presumir, em termos de regra da experiência comum, que estava bem ciente do conteúdo dessas cláusulas gerais. III- O aval prestado numa livrança é uma obrigação autónoma, quer do respetivo avalizado, quer dos restantes avalistas, pelo que a renúncia levada a efeito pelo banco credor, no âmbito de um PER, quanto a um dos coavalistas, não afeta a garantia prestada pelos demais. IV- Tal renúncia também não afeta os direitos do avalista que pagou o montante titulado pela livrança para com a subscritora, nem para com os outros coavalistas.
Texto Integral
Acordam os Juízes que compõem este Coletivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Autores recorrentes: LM, e FM.
Ré recorrida: BANCO …, S.A..
Os autores instauraram ação de condenação sob a forma comum de declaração contra a ré formulando o seguinte pedido: ser a ré condenada a pagar solidariamente aos autores a quantia de €150.419,82, desde a data do débito, 19.12.2021 e juros moratórios, que, à data da instauração da ação, se liquidaram no montante de €9.577,42, e vincendos, que reclamam, à taxa legal, até efetivo e integral embolso; a fixação de uma sanção pecuniária compulsória mensal, de valor adequado, em ordem a assegurar o respeito pela douta decisão a proferir nestes autos, no âmbito do pedido formulado, até ao trânsito em julgado da decisão.
Para fundamentar o pedido alegaram que o autor é cliente da ré de longa data, do Private Baking Norte, com várias contas e aplicações financeiras. Após ter sido efetuada uma ordem de transferência de fundos do autor para uma outra conta, no montante de €500.996,84, sem qualquer avisou e autorização dos autores, a ré, em 19.12.2019, debitou da conta dos autores o valor de €150.419,82, tendo efetuado a transferência de €349.527,08. Os autores foram apurar o porquê do sucedido e constataram que o mencionado débito decorreu de uma garantia on first demand naquele montante, consubstanciada numa livrança avalizada pelo autor que fazia parte duma proposta de garantia bancária a favor da sociedade SDP que tinha sido apresentada ao autor pela sociedade JCE SARL, que emitiu a livrança, para ser avalizada pela sociedade JDC – SGPS SA, por deter o capital social daquela e pelo 1ª autor deter a administração e ser o Presidente do Conselho de Administração, respetivamente, de cada uma das sociedades, fator essencial para ter aceite o aval, porque controlava a garantia patrimonial relativamente à responsabilidade pelo eventual contrato de empreitada que aqueloutra sociedade tinha contratado com a beneficiária da garantia. Os autores vieram a apurar que a sociedade emitente da garantia foi alvo de um processo judicial de recuperação e a sociedade avalista apresentou um processo especial de revitalização, no qual foi assinado um acordo extrajudicial de recuperação composto com três instituições bancárias, entre as quais a ré, acordo homologado por sentença, e no qual o autor não teve intervenção. Nesse acordo, os bancos que homologaram o acordo renunciaram aos avales e preenchimento, entre os quais o prestado pelo autor, vindo, mais tarde, a ré a preencher abusivamente a livrança e comunicou ao autor o acionamento da garantia à qual estava subjacente a livrança, violando uma ordem de transferência formalizada pela autora, titular da conta de destino e, ou não assim se entendendo, atuando com abuso de direito, na vertente venire contra factum proprium, pois está-se no domínio das relações imediatas, sendo legítimo a invocação de preenchimento abusivo, por apelo à relação causal.
Regularmente citada, a ré contestou. confirmando que emitiu a garantia bancária on first demand a favor da SDP, como garantia da boa execução do contrato de empreitada outorgado com a JDC SARL, que o banco tem que honrar, salvo em caso de fraude manifesto, abuso evidente por parte do beneficiário; o autor assumiu-se perante a ré como avalista dessa garantia, tendo avalizado uma livrança em branco subscrita pela JCE, vinculando-se às condições gerais, nas quais deu autorização à ré de reter quaisquer fundos provenientes de saldo de conta ou valores detidos pelo ordenador do banco, independentemente da verificação da compensação legal, mais autorizando a preencher a livrança, tendo em conta o valor da garantia comissões, juros, impostos e outros encargos.
A SDP accionou a garantia junto da ré, interpelando-a para pagar a quantia de €150.419,82, e esta informou a ordenante JDC de tal acionamento e, verificados os requisitos do acionamento, pagou, a 17.12.2019, à beneficiária tal montante. Em consequência, preencheu a livrança entregue pela ordenante e avalizada pelo autor e, apôs na data do vencimento, a data de 18.12.2019 e, nessa mesma data, informou a ordenante e o autor que havia honrado a garantia e para lhe pagarem, de imediato, a quantia de €150.419,82, anexando, à carta, cópia da livrança devidamente preenchida, que, nesse dia, foi enviada por mail para o autor e para os contactos da ordenante entre os quais o filho daquele. Recebeu, nesse mesmo dia, mail de resposta da ordenante, assinada pelo filho do autor, pondo em causa o pagamento efetuado da garantia on first demand.
A 19.12.2019 debitou a quantia que tinha pago à beneficiaria na conta do autor, tal como tinha sido acordado nas condições gerais da garantia bancária e deu conhecimento aquele, por carta de 19.12.
Quanto ao mais invocado, refere que nunca prescindiu do aval do autor, mas apenas da empresa que requereu o PER, sendo o acordo homologado no processo de revitalização claro nesse sentido; a compensação efetuada, foi ao abrigo das condições gerais do contrato de garantia bancária e, bem assim, ao abrigo do contrato de depósito. Não se verifica a figura do abuso de direito, pois atuou ao abrigo das condições gerais acordadas com o autor e ao abrigo do seu cumprimento, quer no contrato de garantia, quer no contrato de depósito.
Impugna a demais matéria, desde logo, porque o pedido de abertura de nova conta em nome da filha do autor e a transferência dos ativos foi contemporânea do acionamento da garantia, pois a 9.12.2019, já depois do acionamento, o filho do autor estava a solicitar informações ao banco sobre alterações na titularidade na nova conta a abrir, o que demonstra o conhecimento do acionamento de tal garantia e o objetivo de retirar o efeito prático ao aval prestado pelo autor, com prejuízo para a ré. Acresce que o pedido de resgaste de diversas aplicações não é automático e já foi apresentado depois do acionamento da garantia a 10.12.2019.
Foi realizada a audiência prévia na qual foi proferido despacho saneador tabelar que julgou tabelarmente verificados os pressupostos processuais.
Enunciaram-se o objeto do litígio e os temas da prova.
Realizou-se a audiência final tendo sido proferida sentença cujo trecho decisório é o seguinte: “Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, julga-se improcedente, por não provada a presente acção intentada pelos Aas LM e FM e, em consequência, absolve-se o R Banco… SA dos pedidos contra si formulados”.
*
Inconformados com o decidido apelaram os autores, tendo apresentado alegações e as seguintes conclusões:
1.
Recorre-se da douta sentença com a referência 427567247, que decidindo de facto e de direito, julgou a acção improcedente por não provada e absolveu o Réu, Banco dos pedidos formulados, sendo objecto do recurso a revogação parcial da decisão de facto e também de direito.
2.
Quanto à revogação da decisão de facto, impugna-se e pretende ver-se revogados os pontos 18 e 30 do elenco dos factos provados.
3.
No que tange ao item 18 do elenco da factualidade considerada provada na sentença, onde se consigna que “Aquando da prestação do aval na livrança em branco subscrita pela JCE SARL, o A. teve conhecimento e assinou as Condições Gerais relativas à emissão da garantia bancária – cfr. doc. fls. 26 a 29 v cujo teor se dá integralmente por reproduzido.”, trata-se das cláusulas incluídas na Proposta de Emissão de Garantia Bancária/Aval, datada de 22.12.2017, que constitui o documento 1 junto com a Contestação e integra fls.26 a 29 dos autos, que assumem foros de Condições Gerais, na economia do disposto do artigo 1º do D. L. nº 446/85, de 25 de outubro, estando subordinadas ao regime legal de tal diploma.
4.
Alegaram os Autores que jamais foi comunicado ao Autor LPM e obviamente à Autora FM, de forma adequada e integral, o teor de tais cláusulas gerais, não tendo aquele sido informado de forma adequada e efetiva, de molde a ter o conhecimento completo e efetivo do teor das mesmas e dos seus aspectos mais relevantes, não tendo sido prestadas ao mesmo quaisquer informações ou esclarecimentos acerca de tais cláusulas e ainda que as mesmas se mostram redigidas em letra reduzidíssima e praticamente impercetível.
5.
Sendo que o artigo 8º do D.L. n.º 446/85, de 25 de Outubro (RJCCG), na sua alínea a) comina com a exclusão dos contratos singulares as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º do mesmo diploma, na sua alínea b) aquelas que tenham sido comunicadas com violação do dever de informação previsto no artigo 6º, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efetivo e na alínea c) as cláusulas que pelo contexto em que surjam ou pela sua apresentação gráfica passem despercebidas a um contraente normal, colocado na posição de contraente real, requisitos que as clausulas contratuais em evidência inequivocamente preenchem, pelo que devem considerar-se excluídas do contrato singular em apreço, sendo nulas, como tal devendo ser declaradas.
6.
Pelo que não poderão dar corpo à alegação do Réu, que nas mesmas se louva para afirmar a legalidade do preenchimento e accionamento da livrança, ao invés de abusivo, como convictamente defendem os Autores.
7.
Tal questão mereceu foros de autónomo tema de prova, com o seguinte teor: “Da comunicação e explicação ao A. das condições gerais da conta bancária do A. e das condições gerais da garantia bancária contratuais”.
8.
O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais, portanto ao Réu, Banco…, aqui recorrido, por força do disposto no artigo 5º, nº 3 do citado D.L. nº 446/85, de 25 de Outubro.
9.
Da prova testemunhal prestada em audiência e objecto de gravação, constata-se que a testemunha AM, ouvido na única sessão de 26 de Junho de 2023, cujo depoimento se mostra gravado no sistema CItius, com início às 10.32 horas, com a duração total de 50:24 minutos, conforme consta da acta, foi explícito no sentido de referir, a instâncias do signatário, que tal documento chegou às mãos do depoente e de seu pai, aqui Autor, ambos gerentes da subscritora e ordenante JCE, no respectivo domicilio profissional de ambos, por correio, tendo sido assinado por ambos nos respectivos gabinetes separados por uma parede, sem qualquer informação ou comunicação adicional – cfr. depoimento em apreço na passagem entre o minuto 15:47 a 17:25 da gravação - o que permite concluir não ter ocorrido qualquer comunicação, de forma adequada e efetiva, de molde a permitir o conhecimento completo e efetivo do teor de tais cláusulas contratuais gerais e dos seus aspectos mais relevantes.
10.
Também a testemunha arrolada pelo Réu, Banco.., CF, ouvido na mesma sessão, cujo depoimento se mostra gravado no sistema Citius, com início às 12.27 horas, com a duração total de 48:00 minutos, conforme consta da acta, única inquirida a tal matéria além da referida no antecedente. – cfr. depoimento na passagem entre o minuto 15.47 e 17.25 da gravação. - nada referiu de concreto em relação à comunicação adequada e efectiva de tais cláusulas contratuais gerais, apenas afirmando que as negociações para a emissão da garantia terão sido longas, iniciando-se com o depoente e tendo sido concluídas em Lisboa, onde o 1º A, LPM se terá deslocado, concluindo que este teria conhecimento das consequências da garantia a prestar por via de aval, dada a sua experiência de 20 anos de gerência e de negociação de contratos comerciais e de outras duas garantias anteriores, que tinham como acessório do crédito livranças por si avalisadas , também pelo facto de estar assessorado por pessoa experiente, o director comercial da JDC, Dr. JF, não emergindo de tal depoimento uma palavra, para além do alegado teor conclusivo acima evidenciado sobre as consequências da prestação do aval, acerca da concreta comunicação adequada e efectiva das cláusulas, coisa diversa da versada no depoimento.
11.
O que legitima a impugnação da decisão de facto na parte em que se refere ter o Autor LPM conhecimento (que a lei impõe real e efectivo) das condições gerais em questão, a impor revogação do decidido, com a expurgação de tal expressão do item 18 da factualidade assente, por ausência de prova por parte do Réu Banco, a quem competia tal ónus.
12.
No que respeita ao item 30 do elenco da factualidade assente na sentença com o seguinte teor: “Dada a relação de confiança entre o 1 A e o R, por ser cliente de longa data nos termos descritos, nomeadamente do Private Bank, com contrato de gestão de carteiras por conta de outrem, e sendo titular de várias contas e aplicações financeiras pessoais, e por ser empresário e Presidente do Conselho de Administração da JDC SGPS SA que detinha a JCE, o 1 A. tinha conhecimento do teor das cláusulas insertas no pacto de preenchimento da livrança e ainda no contrato de abertura de conta descritas em 19 e 19-1 e 32, ambos por si subscritos”.
13.
Trata-se de formulação de teor eminentemente conclusivo, enquadrável na proibição de inclusão na decisão de facto de juízos conclusivos que impliquem e apreciem determinados acontecimentos à luz de uma norma jurídica, caso em que tal juízo de facto conclusivo contém em si a resposta a uma questão de direito, que in casu contende com a questão do conhecimento efectivo e adequado das condições gerais do pacto de preenchimento da livrança e ainda do contrato de abertura de conta, com enquadramento legal nos preceitos referidos na conclusão 5 antecedente, a impor a expurgação de tal item da acta da matéria factual assente na sentença.
14.
Na renovação de tanto quanto se mostra concluído de 4 a 8 antecedentes, que consta do requerimento dos Autores com a referência 43309006, acerca da ausência de comunicação adequada e efectiva, falta de prestação de informações e figuração das mesmas, conclui-se carecerem de qualquer força ou valor probatório para sustentar a alegação do Réu que nas mesmas se pretende louvar, com evidência para a invocada compensação.
15.
Ademais, a única testemunha ouvida a tal propósito, MP, na única sessão da Audiência de Julgamento, que teve lugar em 26.06.2023 e cujo depoimento se mostra gravado no sistema CItius, com início às 11:26 horas, com a duração de 48.00 minutos, afirmou ser gestora de conta do Autor LPM desde 2009 e quando confrontada pelo Ilustre Mandatário do Recorrido, com o documento 13 junto com a contestação que integra fls. 82 a 87 dos autos, que lhe perguntou se teria explicado ao Autor LPM as condições gerais da conta, nomeadamente no que concerne à faculdade de compensação, afirmou que não o fez porque achou que não faria sentido, afirmando, de forma conclusiva, que o mesmo tinha conhecimento das mesmas, porque tinha mais do que uma conta e que as condições gerais não mereciam qualquer explicação. – cfr. depoimento na passagem entre os minutos 49.24 e 51.43 da gravação.
16.
O que legitima e fundamenta a impugnação da decisão, que na revogação do decidido, importa a expurgação da matéria de tal item 30 do elenco da factualidade assente, por ausência de prova por parte do Réu Banco, a quem tal ónus competia.
17.
Por quanto se alinhou no contexto e concluiu nas antecedentes, o clausulado geral do contrato de abertura de conta existente entre o A, LPM e o Réu constante do documento 13 junto com a contestação que constitui fls. 82 a 87 dos autos, tem que ser considerado declarado excluído do contrato singular em apreço, com a decorrente impossibilidade e exclusão da compensação convencional, consagrada no artigo 847º do C.C., como forma de extinção das obrigações potestativa, por depender de uma declaração de vontade.
18.
Desde logo, porque depende da validade do crédito principal e uma reciprocidade creditícia, sendo que o alegado crédito do Réu sobre o 1º A. LPM, louvado na relação subjacente à livrança subscrita em branco, onde este apôs a sua assinatura no lugar destinado ao avalista tem de se considerar extinto por renúncia ao preenchimento por parte do Réu, como adiante se concluirá.
19.
Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 848º do C.C. a compensação torna-se efectiva mediante a declaração de uma das partes à outra, o que não ocorreu, até porque não se provou que as cartas juntas aos autos a fls. 88, como documento 14 da contestação tenham sido recepcionadas pelos seus destinatários, maxime o aqui 1º Réu LPM, antes figurando, na pesquisa de objectos dos CTT como objectos não encontrados, como se documentou e comprova por simples consulta ao site www.ctt.pt
20.
Igualmente se diverge, pelos motivos apontados no contexto e nestas conclusões, que por economia aqui se dão por integrados, do consagrado na douta decisão em crise quanto à nulidade e exclusão das clausulas contratuais gerais da proposta do contrato de garantia em que o Réu, BST, louva o preenchimento da livrança colateral à emissão de tal garantia, entregue em branco, com a aposição da assinatura do 1º A, LPM no local do avalista
21.
Donde se conclui que o Réu, BST não podia ter efectuado o débito na conta do 1ºA LPM da quantia peticionada nos autos a título de capital, na consideração da nulidade e exclusão, com total esvaziamento de conteúdo do contrato de emissão de garantia bancária.
22.
Ainda e sem prescindir, tendo por referência o PER da avalista da livrança JDC SGPS, SA, a que se reportam os Factos Provados 12,13, 14, 15, 16 e 17 e em que o A, LPM não teve qualquer intervenção, foi celebrado e homologado Acordo Extrajudicial de Recuperação, com intervenção do Réu, em cuja cláusula 15.2 do referido Acordo, com relevância para a presente lide, se consignou o que consta de 16 do elenco da factualidade assente.
23.
Ora, sucede que, no âmbito do sobredito PER da avalista JDCSGPS, no acordo extrajudicial assinado pelas partes, em que não se incluía o aqui Autor e Recorrente, LPM, o Réu, ora Recorrido, prescindiu do aval em relação à dita JDCSGPS e, para além disso, renunciou expressamente ao direito de preencher tal título e de quaisquer outros direitos relacionados.
24.
Tal acordo afecta e extingue, por renúncia, o pacto de preenchimento e o inerente direito de Réu, subjacente à emissão da livrança e consubstancia a extinção de tal garantia colateral à relação subjacente, de que o credor inequívoca e expressamente prescindiu.
25.
Na consideração de que estamos no domínio das relações imediatas não valem em relação a tal título as regras da abstracção, literalidade e autonomia e tendo o avalista intervindo no pacto de preenchimento pode ele opor ao portador as excepções que competiam ao avalizado com evidência para a execpção de preenchimento abusivo fundamentada na renúncia expressa ao direito de preenchimento.
26.
Sem embargo, existe ainda outro e ponderoso motivo que obvia à pretensão do Réu, acolhida na sentença em crise e que resulta do facto de a renúncia em evidência e bem assim ao aval da JDCSGPS, frustrar o direito de regresso do Autor, LPM, sobre os demais obrigados solidários, no âmbito do disposto no artigo 524º do Código Civil, por terem sido desonerados da obrigação por aquele.
27.
Donde é mister concluir que o sobredito acordo extrajudicial homologado no PER em apreço, em que o Autor, LPM não teve intervenção, altera substancialmente as condições de celebração e afecta os indeclináveis direitos deste, patentes no contrato de emissão e pacto de preenchimento, configurando novação objectiva e subjectiva do mesmo, que extingue as obrigações acessórias assumidas para garantia deste, portanto, das garantias de crédito, pessoais ou reais, que foram prestadas para esse efeito, quer pelo devedor originário, quer pelos terceiros garantes, tudo a impor a revogação do decidido.
28.
Sempre sem prescindir, do cotejo da factualidade assente e de quanto se alinhou, sempre se teria que considerar, que se ao Réu, assistisse o direito ao preenchimento da livrança e cobrança do seu alegado crédito ao 1ºA, LPM com prejuízo da 1ªA. FM, o que não se concede, sempre o mesmo teria agido em manifesto abuso de direito, na vertente da conduta contraditória - venire contra factum proprium - posto que aquele, ao subscrever o evidenciado acordo extrajudicial no PER e ao prescindir do aval da JDCSGPS e ainda e essencialmente ao renunciar ao direito de preenchimento da livrança em apreço, sempre legitimaria no Autor, LPM a convicção de que tal garantia acessória jamais seria preenchida e accionada apenas em relação a este e o alegado crédito debitado na sua conta, sempre também em clamoroso excesso dos limites impostos pela boa-fé e pelo fim económico de tal direito.
29.
Isto, também porque já ocorrera ordem de transferência formalizada pela Autora FM, procuradora do Autor LPM e titular da conta do destino, como tal lesada nos seus direitos, o que legitimou e legitima a sua intervenção nestes autos e o pedido de condenação do Réu no pagamento de tal montante e juros a qualquer um dos Autores.
30.
Por assim não entender, deve a douta sentença recorrida ser revogada, por violação e erro de interpretação e aplicação, do disposto dos preceitos nela referidos e sempre dos artigos 5º, 6 e 8º do D.L. nº 446/85, de 25 de Outubro, 334º, 524º e 848º do Código Civil e 10º da LULL.
A ré apresentou contra-alegações, sem conclusões, nas quais pugna pela improcedência do recurso.
***
FUNDAMENTAÇÃO
Colhidos os vistos cumpre decidir.
Objeto do Recurso
O objeto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (art.º 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, as questões a apreciar são as seguintes:
- alteração da matéria de facto;
- invalidade do preenchimento da livrança subscrita pelo autor em virtude de serem inválidas as cláusulas gerais que acompanharam a subscrição;
- inadmissibilidade da compensação;
- renúncia da ré à garantia prestada pelo autor em virtude de ter renunciado, no âmbito do PER, às garantias prestadas pela JDC SGPS;
- alteração do direito de regresso do 1º autor por via daquela renúncia;
- existência de abuso de direito por parte da ré no preenchimento e acionamento da livrança.
***
Na 1ª instância foi considerada provada a seguinte factualidade
1. O Autor LPM, é, de há longa data, cliente do Réu, com implícita titularidade de várias contas e aplicações financeiras, no âmbito de Contrato de Gestão de Carteiras por conta de outrem, do Centro Private Banking Norte, sito na …, que inclui conta d.o. com a designação de super conta ordenado plus. (doravante conta).
2. Em Julho de 2018, LPM sofreu grave acidente pessoal, com queda e trauma, com impacto da coluna cervical, que lhe determinou plegia dos membros superiores e inferiores, cirurgia, no Hospital …, internamento no Centro Hospitalar …, seguidos de internamento no Centro …, encontrando-se desde então e actualmente fisicamente dependente nas actividades da vida diária.
3. Por tal facto, o Autor, que tinha intensa actividade pessoal e profissional, teve que mandatar a Autora FM, sua filha, com adequados poderes, conforme emerge da procuração outorgada em 26 de Fevereiro de 2019 perante a notária Dra. CN.
4. A Autora FM, no exercício dos referidos poderes e instruções de LPM, o filho daquele e Irmão desta, AM encetaram diligências junto deste, através da Gestora da Carteira, Dra. MM, no sentido da abertura de uma nova conta titulada por FM, resgate de aplicações e transferência dos créditos da conta acima indicada para nova conta titulada pela Autora FM. – cfr doc fls. 18 a 20 cujo teor se dá integralmente reproduzido.
5. O pedido de abertura de nova conta e de resgate dos fundos do 1 A foi solicitado, pelo menos, a 9-12-2019.
6. Na sequência das operações de resgate, a conta d.o. titulada pelo Autor, em 18.12.2019, ostentava o saldo credor de € 500.996,84 que tinha como destino a nova conta aberta, titulada por FM. cfr doc fl.s 21 a 25 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
7. O Réu, em 19.12.2019, debitou a sobredita conta titulada pelo A., pelo valor de €150.419,82, com a descrição “ Trf. JCE”, após o que transferiu o valor de €349.527,08, para a nova conta aberta e titulada por FM – cfr doc. fl.s 21 a 25 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
8. Em 20.12.2017, na sequência de solicitação da sociedade de direito francês “JCE, SARL”, (doravante JDC Energie) com sede em …, França, apresentou ao Réu proposta de emissão de garantia bancária a favor da sociedade francesa “SDP”, com sede em …, França, para garantia da boa execução do parque fotovoltaico de …, de acordo com contrato de empreitada assinado entre as sociedades. cfr doc fls. 26 a 27, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
9. Tratava-se de uma garantia bancária do tipo “on first demand”, no montante de €150.419.82, que o Réu emitiu em 29.12.2017. – cfr doc fls. 29 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
10. Concomitantemente com a Proposta de Emissão de Garantia referida em 7, a dita sociedade JDC Energie, emitiu uma livrança em branco, por si subscrita e avalizada pela sociedade JDC - Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A, ( doravante JDC SGPS), com sede na …, detentora da integralidade do capital social daquela e pelo Autor LPM, sendo que ao tempo integrava a gerência daquela e o conselho de administração desta, de que era presidente. – cfr doc fls. 28 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
11. A JFC Energie foi sujeita junto do Tribunal do Comércio de Nanterre, por douta decisão proferida em 13 de Novembro de 2018, a um procedimento de recuperação judicial da JDC Energie (“Redressement Judiciaire”).- cfr doc fls. 31 a 33 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
12. A sociedade avalista, JDC SGPS apresentou-se a um Processo Especial de Revitalização, tendo em 19.03.2019, sido proferido despacho de nomeação de Administrador Judicial provisório da empresa, processo esse que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto. – cfr doc fls. 33 e 34 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
13. Nesse processo foi homologada, por sentença transitada em julgado, Acordo Extrajudicial de Recuperação subscrito por um sindicato bancário, composto por … e que o Réu integrava e com intervenção de outras sociedades detidas pela JDC SGPS e pela Sociedade de capital de risco, CE, S.A., que liderou o processo negocial com a banca e demais credores. – cfr doc fls. 34 a 51v cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
14. Em tal processo veio o Sr. Administrador Judicial Provisório a juntar a lista provisória de créditos, que corridos os ulteriores veio a ser convertida em definitiva e, analisado o acordo extrajudicial, por respeitar a maioria e por se mostrar subscrito e aprovado favoravelmente por credores que representam mais de metade dos credores com direito de voto, sendo que, não contabilizando os créditos subordinados, subscreveram o plano os credores … e o aqui Réu, que representam 40,33%, o mesmo mereceu homologação por sentença de 12.07.2019, já transitada. – cfr doc fls. 49 a 51 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
15. Esse acordo extrajudicial de recuperação, subscrito e assinado pelos credores, Réu incluído, e pela JDC SGPS e dita CE, ocorreu sem intervenção do Autor.
16. Na cláusula 15.1.1 do referido Acordo consta:
Declaração de Renúncia:
Cada um dos Bancos Signatários expressamente renunciar, o que a Revitalizanda expressamente aceite:
(…)
ii: Garantias Bancárias: Obrigações e responsabilidades contingentes da Revitalizanda em caso de acionamento das garantias bancárias emitidas por cada um dos Bancos Signatários por conta da MARPE e identificadas na lista que constitui o Anexo V e fica a fazer parte integrante deste Acordo Extrajudicial de Recuperação.
b) Outros Direitos: A quaisquer outros direitos contra a Revitalizanda em virtude da emissão das Garantas Bancárias ou do incumprimento dos contratos de Financiamento, incluindo ao direito ao preenchimento das livranças MARPE concedido pela Revitalizanda, ao direito a executar a Revitalizanda pelas responsabilidades da MARPE em caso de acionamento das Garantias Bancárias ou a quaisquer outros direitos conexos,
(…)
15.2. Renúncia JdC Energie
15.1.1. Declaração de renúncia.
Cada um dos Bancos Signatários expressamente declara renunciar, o que a Revitalizanda expressamente aceita:
(a) Aval. À declaração de aval escrita pela Revitalizanda na(s) livrança(s) em branco (“Livrança(s) Energie”) subscrita(s) pela JCE, SARL (“JdC Energie”) e entregues a cada um dos Bancos Signatários para garantia das seguintes obrigações e responsabilidades contingentes da Revitalizanda em caso de acionamento das garantias bancárias emitidas por cada um dos Bancos Signatários por conta da JdC Energie e identificadas na lista que constitui o Anexo VI (Garantias Bancárias Energie) (as “Garantias Bancárias Energie”) e fica a fazer parte integrante deste Acordo Extrajudicial de Recuperação.
(b) Outros direitos. A quaisquer outros direitos contra a Revitalizanda em virtude da emissão das Garantias Bancárias Energie, incluindo ao direito ao preenchimento da(s) Livranças(s) Energie concedido pela Revitalizanda, ao direito a executar a Revitalizanda pelas responsabilidades da JdC Energie em caso de acionamento das Garantias Bancárias Energie ou a quaisquer outros direitos conexos.
15.2.2. Obrigação em caso de endosso.
Em caso de endosso ou de outra forma de transmissão das Livrança(s) Energie que estejam em seu poder, cada um dos Bancos obriga-se a informar o(s) beneficiário(s) ou transmissário(s) da renúncia às declarações de aval efetuada pelos Bancos nos termos desta Cláusula0 (Renúncia JdC Energie).
15.2.3. Âmbito
A renúncia dos Bancos Signatários nos termos da cláusula 15.2 (Renuncia Jdc Energie) não prejudica nem poderá ser interpretada como uma renúncia expressa ou tácita a quaisquer direitos de crédito dos Bancos signatários perante a JCE, SARL, nem afeta a validade, eficácia ou objeto de outras garantias que tenham sido prestadas para assegurar o cumprimento das obrigações da JCE, SARL perante os Bancos signatários. – cfr doc fl.s 34 a 48 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
17. No anexo VI ao referido Acordo (Garantias Bancárias Energie) está descrita SDP – BST - €150.419,82 – cfr doc fls. 49 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
18- Aquando da prestação do aval na livrança em branco subscrita pela JCE SARL, o A. teve conhecimento e assinou as Condições Gerais relativas à emissão da garantia bancária –cfr doc fls. 26 a 29 v cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
18.1. Das Condições Gerais, consta
- Ponto 1:
“Fica entendido que o BANCO …, S.A., no caso de ser chamado a efectuar qualquer pagamento por força da garantia bancária a emitir ao abrigo desta proposta, não terá de apreciar a justeza do direito de reclamação do Beneficiário, limitando-se a fazer tal pagamento da minha/nossa inteira responsabilidade, para o que, autorizo/autorizamos, desde já, esse Banco a debitar a minha/nossa conta de depósitos à ordem acima indicada pelas respectivas importâncias ou pelo seu contravalor. Para o efeito, renuncio/renunciamos expressamente à invocação perante o Banco de todos e quaisquer meios de defesa que pudesse/pudéssemos invocar no plano do meu/nosso relacionamento com o Beneficiário”.
- Ponto 4:
“Os débitos porventura efectuados a descoberto na minha/nossa referida conta de depósitos à ordem não significam o pagamento a que estou(amos) obrigado(s), das remunerações ou o reembolso das importâncias que esse Banco tenha pago em virtude de ter sido chamado a honrar a garantia bancária, antes constituem a prova do incumprimento daquelas minhas/nossas obrigações. Podendo o Banco reter e utilizar para seu reembolso todos e quaisquer fundos, em Euro ou em outra qualquer moeda, pelo respectivo contravalor, provenientes de saldo de conta ou valores detidos pelo Ordenador junto do Banco independentemente da verificação dos requisitos da compensação legal. O mesmo regime aplica-se em relação aos Garantes, incluindo Avalistas, se ocorrer o preenchimento da livrança dada em garantia”.
- Ponto 12:
“O(s) Proponente(s) e Garante(s), incluindo Avalista(a), declaram assumir desde já todos os reforços e aumentos de valor de que a garantia venha a ser alvo, em função do previsto no seu próprio texto, autorizando expressamente o Banco, em caso de incumprimento das responsabilidades emergentes do presente contrato, a preencher a livrança tendo em conta o saldo da garantia, valor, comissões, juros, impostos e outros encargos que nesse momento vigorarem”.
“TERMO DE AUTORIZAÇÃO E PREENCHIMENTO DE LIVRANÇA”
“O preenchimento da(s) livrança(s), com fixação das datas de emissão e vencimento, montante e local de pagamento, pode ser efectuado pelo BANCO … S.A. no caso de não cumprimento das cláusulas do contrato acima referido.
Para esse efeito, o BANCO … S.A. fica autorizado a completar o seu preenchimento nos termos atrás referidos e pelo valor em dívida com os respectivos encargos e fixar o vencimento que entender”. cfr doc fls. 26 a 27 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
19. Por carta de 08.11.2019, recebida pelo Banco a 15.11.2019, a beneficiária da dita garantia bancária, SDP, acionou a referida garantia – vd. doc. fls. 116 e 117 (tradução do documento de fls. 71, 72) cujo teor se dá por reproduzido).
20. Para o efeito, a SDP interpelou o BST para pagar, ao abrigo da garantia, a importância de €150.419,82 – cfr doc. 116 a 118 (tradução do documento de fls. 117 e 118, cujo teor se dá por reproduzido.
21. Face ao acionamento da garantia, o BST, por cartas de 13.12.2019, informou a ordenante da mesma, JCE SARL, da ocorrência de tal acionamento – vd. docs de fls. 75 v cujo teor se dá por reproduzido.
22. Após ter verificado que o accionamento fora correto, o Banco, face ao cariz “on first demand” da garantia, efetuou, em 17.12.2019, à SDP, o pagamento da quantia em causa (€150.419,82), mediante transferência para o IBAN indicado pela dita Sociedade na carta de acionamento da garantia – vd. doc. que se junta sob o nº 120v a 121v, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
23. Após pagamento, o Banco preencheu a livrança entregue pela ordenante, e avalizada pelo A., o que fez pelo montante que havia pago (€150.419,82), tendo aposto na livrança, como data do seu vencimento, o dia 18.12.2019 – cfr doc fl. 78 cujo teor se dá por reproduzido.
24. Por cartas de 18.12.2019, o Banco informou a ordenante e o ora A. que havia honrado a dita garantia, e para, em consequência, lhe pagarem de imediato, a referida quantia de €150.419,82 tendo o Banco anexado a tal carta cópia da livrança, devidamente preenchida – idem – cfr. doc. fls. 52 c e 53 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
25. E, também no mesmo dia 18.12.2019, o Banco enviou a mesma carta (e a livrança) para os endereços de e-mail dos contactos que tinha da ordenante (que incluíam AM, filho do A.) – cfr documento de fls. 80 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
26. Igualmente a 18.12.2019, o BST recebeu, por e-mail, carta da ordenante, assinada pelo filho do A., AM, pronunciando-se sobre o accionamento da garantia – cfr doc fls. 80v e 81 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
27. Face ao pagamento que efetuou no âmbito da garantia, o Banco, no dia 19.12.2019, debitou a quantia que tinha pago à beneficiária (€ 150.419,82) na conta titulada pelo A. (e avalista) LM no Banco, nos termos constantes no facto 7.
28. Nos termos das condições gerais de abertura de conta no 1.25 das Condições Gerais da conta do A consta: “Quando seja credor do Cliente por dívida vencida, o Banco pode, sem prejuízo das demais faculdades que lhe cabem nos termos da Lei ou do título de onde a dívida emerge, reter e utilizar, para o seu reembolso, todos e quaisquer fundos provenientes de saldos, contas ou valores detidos pelo Cliente no Banco, compensando-se o respectivo montante com débitos de igual valor, e independentemente dos requisitos da compensação legal”.- cfr doc fls. 82 a 87 cujo teor se dá por integralmente por reproduzido.
29. O Banco, antes de 7 de Janeiro de 2020, deu conhecimento do referido débito à 2 A, filha do 1 A., por conversas telefónicas que mantinha diariamente.
30. Dada a relação de confiança entre o 1 A e o R, por ser cliente de longa data nos termos descritos, nomeadamente do Private Bank, com contrato de gestão de carteiras por conta de outrem, e sendo titular de várias contas e aplicações financeiras pessoais, e por ser empresário e Presidente do Conselho de Administração da JDC SGPS SA que detinha JCE, o 1 A. tinha conhecimento do teor das cláusulas insertas no pacto de preenchimento da livrança e ainda no contrato de abertura de conta descritas em 19 e 19-1 e 32, ambos por si subscritos.
31º- Os Aas sabiam que a garantia bancária referida em 22 a 24 ia ser accionada.
*
Foram considerados não provados os seguintes factos:
- Não se provou que sem qualquer aviso instrução ou autorização que o R. tenha procedido à transferência referida em 7 dos factos provados.
- Não se provou do que só viria a ser dado conhecimento à Autora FM, por email da dita gestora de carteira, de 8 de Janeiro de 2020.
- Não se provou que foi essencial na decisão de prestar o aval, porque o Autor por via da sua participação na administração da JDC Energie SA e era Presidente do Conselho de Administração SGPS tinha controlo sobre a garantia patrimonial desta em relação a qualquer responsabilidade eventualmente emergente do incumprimento do contrato ou da execução da garantia.
- Não se provou que as cartas juntas aos autos a fl. 88 como documento 14 da contestação foi recepcionada pelos seus destinatários, respectivamente, o 1 A.
Fundamentação Jurídica
A primeira questão a apreciar é relativa à alteração da matéria de facto pretendida pelos recorrentes. Pretendem que sejam eliminados dos elencos dos factos provados os acima referidos sob os números 18 e 30. Quanto ao facto nº 18, apesar de os recorrentes não o dizerem expressamente, resulta dos termos do litígio que apenas impugnam a parte relativa ao conhecimento por parte do 1º autor das condições gerais aí mencionadas, pois é uma evidência – e tal nem sequer foi questionado – que o 1º autor assinou essas condições gerais. Baseiam a impugnação unicamente no facto de entenderem que, não só não existe prova suficiente para se considerar tal facto como provado, como existe prova no sentido de que não foi dada qualquer informação ao 1º autor acerca de tais cláusulas, nos termos que constam das conclusões 9, 10 e 11.
Quanto ao facto 30, entendem os recorrentes que, por um lado, consubstancia um juízo conclusivo e não uma realidade factual, e, por outro lado, entendem também que não existe prova que sustente esse facto, nos termos que constam das conclusões 13 a 16.
Verifica-se que os recorrentes cumpriram os ónus formais relativos à validade da impugnação da matéria de facto que decorrem do art.º 640º do CPC, pelo que incumbe a este tribunal de recurso apreciar dessa impugnação.
O tribunal a quo fundamentou da seguinte forma a matéria de facto respeitante aos pontos em apreço:
“Já no que se refere ao facto 18 e 18.1, o tribunal valorou o teor do documento de fl.s 66 a 68, na sua objectividade, cujo teor se dá integralmente por reproduzido. … Finalmente e no que concerne aos factos 29, 30 e 31, o tribunal valorou o facto do 1 A. ser cliente do Private com várias contas por si tituladas e aplicações financeiras e ser um homem de negócios com ligações, quer à ordenante da Garantia quer à sociedade avalista, nomeadamente por fazer parte da administração e ser Presidente do Conselho de Administração da JDC SGPS SA e estar dentro a actividade negocial das mesmas e ter negociado com o R outros contratos de crédito, nos quais prestou garantias pessoais, conforme resultou do depoimento quer de AM, filho do A., que confirmou a grande actividade empresarial e profissional do 1 A, antes do acidente; quer de MM, bancária gestora do 1 A., a nível particular desde 2009/2010 (mas já era cliente) e só conheceu a 2 A., em 2019, mas soube do aval prestado pelo 1 A à sua empesa e que o aval foi executado, pelos colegas, embora as questões empresariais não fossem tratadas por si, que apenas está associada às contas particulares; esclareceu, de forma objectiva e imparcial, que foi comentado pelos próprios clientes que o aval prestado pelo 1A estava fora da restruturação da JDC SGPS, facto também comentado pelos colegas do departamento das empresas, preocupação da 2 A e do filho, por terem receio da garantia prestada pelo 1 A, seu pai, ser accionada e daí a vontade conjunta em abrir uma nova conta em que não fosse titular o 1ª e se procedesse à transferência de todos os fundos e aplicações para tal conta nova; a ordem da transferência foi efectuada a 10-12-2019 e a testemunha no próprio dia deu ordem de resgaste, mas os resgastes não são imediatos, tendo sido efectuados entre 18 e 19 de Dezembro, data que coincidiu com o accionamento da garantia que os Aas sabiam que podia suceder. A conta titulada pelo 1 A. foi aberta em data anterior, mas o saldo, em Dezembro de 2019, era residual; esclareceu também que a 2 A. sabia do débito da garantia, o que foi tema de conversa entre as duas ou no próprio dia ou nos dias seguintes; acresce que foi o AM, filho do A. que comentou com a testemunha que a livrança ficou fora do acordo efectuado no âmbito do PER; o 1 A era conhecedor da actividade bancária, quer quanto aos investimentos pessoais, quer quanto às questões empresariais e em conversas com a testemunha, ainda antes do acidente, explicou à testemunha que estavam as negociações a decorrer em Lisboa, no departamento de risco do R., no sentido da emissão de uma garantia bancária para a JCE; referiu também que o património do 1 A era elevado, fazia investimentos e aplicações e a partir de determinada altura esse património serviu de colateral a um financiamento empresarial de cerca de três milhões de euros para a JDC SGPS SA no qual era Presidente, financiamento que foi liquidado pelo 1 A com a amortização do mútuo que tinha pedido, através dos seus investimentos; acrescentou ainda que o 1 A., dada a sua experiência e por ser titular de várias contas bancárias, tem conhecimento perfeito do significado da garantia prestada do aval e sabia que podia ser accionada, caso a ordenante não a honrasse; também esclareceu de forma objectiva que o 1 A sabia das obrigações perante o R., aquando da abertura de conta até porque tinha várias contas por si tituladas (três) com os contatos respectivos todos eles do conhecimento do 1ª e não sentiu necessidade de lhe explicar o que já o A sabia, nomeadamente a questão da compensação, depoimento conjugado com o teor dos documentos de fls. 82 a 86v e 88 e 87 (abertura de conta por parte do 1 A e outro documento de manutenção de conta com a inserção da 2 A na conta do pai, como procuradora); valorou-se também o depoimento da testemunha CF, bancário reformado desde 2021 que trabalhou no R.; referiu conhecer o 1 A como Presidente do Conselho de Administração do Grupo JDC, na altura em que a testemunha era director comercial de unidade de acompanhamento de empresas em situação financeira difícil e conheceu o filho do 1 A , AM; esclareceu saber do aval prestado pelo 1A. na garantia solicitada pelo ordenante JCE a favor duma sociedade francesa; no seu depoimento, esclareceu, de forma objectiva, imparcial, espontânea e conhecedora, o enquadramento da participação do 1 A na JDC e como adquiriu o capital social por recurso a um financiamento prestado pelo R, que tinha como colateral as aplicações financeiras tituladas pelo 1 A.; confirmou a garantia prestada pelo Banco constante de fls. 66 a 68, documento valorado, o seu teor, na sua objectividade; informou que a prestação da garantia foi um processo negocial longo, dada as dificuldades financeiras da JDC e a relutância do Banco; a testemunha iniciou essa negociação, mas como o Banco se mostrou relutante, o 1 A deslocou-se a Lisboa à área de Risco e apresentou a proposta da garantia ser prestada, com o colateral do seu aval que o Banco aceitou; esclareceu que já anteriormente o 1 A tinha prestado avais, noutros financiamentos, que foram aceites pelo R; a testemunha referiu, de forma objectiva e conhecedora, que o A. tinha conhecimento das consequências da garantia que estava a prestar, dada a sua experiência de 20 anos de gerência e de negociação de contratos comerciais e dos avais que já tinha prestado anteriormente, ou seja, o 1 A sabia que poderia vir a pagar o valor da garantia bancária, caso o banco a honrasse e a ordenante não a pagasse, aliás o próprio director comercial da JDC SGPS SA, que o acompanhava, Dr JF tinha conhecimento dessas consequências, não tendo, a testemunha quaisquer dúvidas do conhecimento das consequências dessas garantias quanto ao 1 A; mais referiu que a carta de fl.s 77v foi enviada por correio e por mail, sendo certo que a carta de fl.s 75, remetida a 13 de Dezembro foi recebida, porque obteve resposta, conforme documento de fl.s 80 e 81, todos valorados na sua objectividade, através de carta assinado pelo filho do A. como representante da Ordenante JCE, o que demonstra o seu conhecimento quanto ao acionamento da garantia; o documento de fls. 77v, cujo teor foi valorado objectivamente, é a mesma carta que compõe a missiva enviada ao A., que este recepcionou, e constante de fls. 52, 52v a 53 (a fls. 52v consta a cópia da carta de fls. 77), e tal carta de fls. 77 foi enviado por mail ao filho do 1 A, conforme resulta do teor dos documentos de fl.s 79 e 80, valorados, na sua objectividade e também para o 1 A, conforme resulta do documento de fl.s 79, primeira parte, cujo teor foi valorado na sua objectividade”.
De referir que, não obstante na sentença recorrida se dizer que o facto 18 resultou do documento de fls. 66 a 68, tudo o demais referido supra reporta-se também a esse facto, em especial o depoimento de CF, funcionário da ré e que tinha conhecimento direto das negociações que conduziram à subscrição da livrança e prestação dos avales.
Sustentam os recorrentes que do depoimento de AM resulta que nada foi informado acerca das referidas condições gerais, pois o documento de fls. 66 a 68 chegou pelo correio e foi assinado nos domicílios profissionais, e do depoimento de CF não resulta que existiu algum tipo de informação quanto aquelas cláusulas em concreto, mas apenas considerações gerais.
O que nos apraz dizer desta argumentação dos recorrentes é que a mesma não tem, de todo, qualquer fundamento. Desde logo porque pretendem que a questão da assinatura das condições gerais de emissão da garantia bancária, do termo de autorização e preenchimento da livrança, bem como a subscrição desta e a prestação do aval pelo 1º autor se resumiu à receção pelo correio dos documentos, os quais foram assinados por este, que era uma pessoa completamente alheada desse género de negócios jurídicos, parecendo querer dar a entender que o 1º autor era uma pessoa completamente ingénua e que nada sabia sobre essas questões de prestação de garantias, de fianças, avales e demais negócios do género.
Ora, temos, desde logo, que da prova produzida, em especial do depoimento de CF, cujo conteúdo os recorrentes não colocaram em crise, resulta de forma cristalina que a assinatura dos mencionados documentos foi o culminar de um processo negocial longo, que incluiu a deslocação do 1º autor a Lisboa para obter a anuência do réu à prestação da garantia bancária, oferecendo o seu aval pessoal à mesma, estando ele ciente das consequências de tal negócio jurídico, até porque já tinha uma experiência de mais de 20 anos nesse género de negócios. Depois temos que o 1º autor é um homem de negócios, sendo administrador da ordenante da garantia, a sociedade JCE, SARL, e é presidente do conselho de administração da sociedade avalista, a JDC SGPS SA.. Neste contexto factual e probatório, obviamente que temos de concluir que os deveres de informação da ré foram integralmente cumpridos. A amplitude e exigência destes deveres têm, naturalmente, uma geometria variável em função do destinatário. Quanto mais profissional e conhecedor for a outra parte contratante, a intensidade da informação a prestar, nomeadamente quanto à explicação das cláusulas, é menor. Como se constata de forma evidentíssima, o 1º autor está numa posição em que detém um conhecimento de nível muito elevado sobre os negócios jurídicos que está a celebrar. Nesse âmbito, tendo o 1º autor recebido, na sequência do tal processo negocial, os documentos de fls. 66 a 68 para assinatura, caso tivesse alguma dúvida sobre o teor das cláusulas, impunha-se que questionasse a ré, colocando-lhe as dúvidas, questões ou problemas que se lhe suscitassem. Tenho-os assinado sem qualquer tipo de questionamento, obtendo dessa forma a pretendida garantia “on first demand” a prestar pela ré perante a sociedade Société Les Plaines, e resultando do teor das cláusulas que as mesmas são perfeitamente apreensíveis por uma pessoa com os conhecimentos e a experiência do 1º autor, é de presumir, em termos de regra da experiência comum, que leu e entendeu perfeitamente essas cláusulas.
E, por último, mas que não deixa de ser muito relevante, temos que os autores bem sabiam das consequências do acionamento do aval, nomeadamente no que respeita à possibilidade de o réu dispor dos fundos titulados pelo 1º autor para se fazer pagar do montante pelo qual foi preenchida a livrança. Tal resulta de forma evidente das preocupações dos filhos do autor, as quais conduziram exatamente à ordem de transferência que consta dos factos provados, conforme relatado pela testemunha MM. Por via dessa ordem de transferência pretendiam colocar o dinheiro a salvo, transferindo-o da titularidade do 1º autor para uma conta da titularidade exclusiva da 2ª autora.
Por estas mesmas razões, sustentadas nos depoimentos acima referidos, é igualmente improcedente a impugnação do facto constante do ponto 30. E consideramos a realidade aí descrita como efetivamente factual e não valorativa. Aliás, tal ponto contém vários factos que determinam a conclusão que consta da parte final relativa ao conhecimento por parte do 1º autor das cláusulas insertas no pacto de preenchimento da livrança e no contrato de abertura de conta, ambos por aquele subscritos, conhecimento esse que, para além de ser obviamente um facto, constitui, na realidade, o facto fundamental que se extrai do ponto 30. E esse facto resulta também das regras de experiência comum relativas ao conhecimento que uma pessoa com as características do 1º autor, acima descritas, necessariamente detém na área de negócios que está aqui em causa.
Deste modo improcede, e de forma manifesta, a pretendida impugnação da matéria de facto.
*
Mantendo-se a matéria de facto tal como veio elencada na decisão recorrida, ficam resolvidas as questões relativas ao preenchimento da livrança e à compensação.
Das seguintes cláusulas da garantia subscrita pelo 1º autor resultam os direitos da ré de preencher a livrança nos termos em que o fez e de compensar o montante da mesma com os fundos titulados pelo 1º autor (destacados nossos):
“- Ponto 1: “Fica entendido que o BANCO …, S.A., no caso de ser chamado a efectuar qualquer pagamento por força da garantia bancária a emitir ao abrigo desta proposta, não terá de apreciar a justeza do direito de reclamação do Beneficiário, limitando-se a fazer tal pagamento da minha/nossa inteira responsabilidade, para o que, autorizo/autorizamos, desde já, esse Banco a debitar a minha/nossa conta de depósitos à ordem acima indicada pelas respectivas importâncias ou pelo seu contravalor. Para o efeito, renuncio/renunciamos expressamente à invocação perante o Banco de todos e quaisquer meios de defesa que pudesse/pudéssemos invocar no plano do meu/nosso relacionamento com o Beneficiário”.
- Ponto 4: “Os débitos porventura efectuados a descoberto na minha/nossa referida conta de depósitos à ordem não significam o pagamento a que estou(amos) obrigado(s), das remunerações ou o reembolso das importâncias que esse Banco tenha pago em virtude de ter sido chamado a honrar a garantia bancária, antes constituem a prova do incumprimento daquelas minhas/nossas obrigações. Podendo o Banco reter e utilizar para seu reembolso todos e quaisquer fundos, em Euro ou em outra qualquer moeda, pelo respectivo contravalor, provenientes de saldo de conta ou valores detidos pelo Ordenador junto do Banco independentemente da verificação dos requisitos da compensação legal. O mesmo regime aplica- se em relação aos Garantes, incluindo Avalistas, se ocorrer o preenchimento da livrança dada em garantia”.
- Ponto 12: “O(s) Proponente(s) e Garante(s), incluindo Avalista(a), declaram assumir desde já todos os reforços e aumentos de valor de que a garantia venha a ser alvo, em função do previsto no seu próprio texto, autorizando expressamente o Banco, em caso de incumprimento das responsabilidades emergentes do presente contrato, a preencher a livrança tendo em conta o saldo da garantia, valor, comissões, juros, impostos e outros encargos que nesse momento vigorarem”.
“TERMO DE AUTORIZAÇÃO E PREENCHIMENTO DE LIVRANÇA”
“O preenchimento da(s) livrança(s), com fixação das datas de emissão e vencimento, montante e local de pagamento, pode ser efectuado pelo BANCO … S.A. no caso de não cumprimento das cláusulas do contrato acima referido. Para esse efeito, o BANCO … S.A. fica autorizado a completar o seu preenchimento nos termos atrás referidos e pelo valor em dívida com os respectivos encargos e fixar o vencimento que entender”.
Como se constata, a ré limitou-se a agir nos exatos termos que resultavam do contrato celebrado com o 1º autor que conduziu à subscrição da livrança.
Quanto à renúncia à garantia prestada pelo 1º autor em virtude de a ré ter renunciado às garantias prestadas pela JDC SGPS, SA, no âmbito do PER a que esta foi sujeita, a decisão recorrida decidiu de forma corretíssima tal questão dizendo que:
“Analisemos então o acordo extrajudicial subscrito, e assinado pelos credores, incluindo o R., pela JDC SGPS e dita Core, no qual o A. não teve intervenção. 16. Na cláusula 15.1.1 do referido Acordo consta: Declaração de Renúncia: Cada um dos Bancos Signatários expressamente renunciar, o que a Revitalizanda expressamente aceite: (…) ii: Garantias Bancárias: Obrigações e responsabilidades contingentes da Revitalizanda em caso de acionamento das garantias bancárias emitidas por cada um dos Bancos Signatários por conta da MARPE e identificadas na lista que constitui o Anexo V e fica a fazer parte integrante deste Acordo Extrajudicial de Recuperação. b) Outros Direitos: A quaisquer outros direitos contra a Revitalizanda em virtude da emissão das Garantas Bancárias ou do incumprimento dos contratos de Financiamento, incluindo ao direito ao preenchimento das livranças MARPE concedido pela Revitalizanda, ao direito a executar a Revitalizanda pelas responsabilidades da MARPE em caso de acionamento das Garantias Bancárias ou a quaisquer outros direitos conexos, (…) 15.2. Renúncia JdC Energie 15.1.1. Declaração de renúncia. Cada um dos Bancos Signatários expressamente declara renunciar, o que a Revitalizanda expressamente aceita: (a) Aval. À declaração de aval escrita pela Revitalizanda na(s) livrança(s) em branco (“Livrança(s) Energie”) subscrita(s) pela JCE, SARL (“JdC Energie”) e entregues a cada um dos Bancos Signatários para garantia das seguintes obrigações e responsabilidades contingentes da Revitalizanda em caso de acionamento das garantias bancárias emitidas por cada um dos Bancos Signatários por conta da JdC Energie e identificadas na lista que constitui o Anexo VI (Garantias Bancárias Energie) (as “Garantias Bancárias Energie”) e fica a fazer parte integrante deste Acordo Extrajudicial de Recuperação. (b) Outros direitos. A quaisquer outros direitos contra a Revitalizanda em virtude da emissão das Garantias Bancárias Energie, incluindo ao direito ao preenchimento da(s) Livranças(s) Energie concedido pela Revitalizanda, ao direito a executar a Revitalizanda pelas responsabilidades da JdC Energie em caso de acionamento das Garantias Bancárias Energie ou a quaisquer outros direitos conexos. (sublinhados nossos). 15.2.2. Obrigação em caso de endosso. Em caso de endosso ou de outra forma de transmissão das Livrança(s) Energie que estejam em seu poder, cada um dos Bancos obriga-se a informar o(s) beneficiário(s) ou transmissário(s) da renúncia às declarações de aval efetuada pelos Bancos nos termos desta Cláusula0 (Renúncia JdC Energie). 15.2.3. Âmbito A renúncia dos Bancos Signatários nos termos da cláusula 15.2 (Renúncia Jdc Energie) não prejudica nem poderá ser interpretada como uma renúncia expressa ou tácita a quaisquer direitos de crédito dos Bancos signatários perante a JCE, SARL, nem afeta a validade, eficácia ou objeto de outras garantias que tenham sido prestadas para assegurar o cumprimento das obrigações da JCE, SARL perante os Bancos signatários. (sublinhados nossos). Da análise das cláusulas supra descritas não resulta a renúncia pelo R. ao aval prestado pelo 1 A, como garantia, aliás resulta até o contrário, conforme estipulado no ponto 15.2.1 al. a) , uma vez que a renúncia acordada apenas se circunscreve aos avais prestados pela empresa revitalizante, ou seja, JDC SGPS SA e, em ponto algum, se refere à renúncia ao aval prestado pelo 1 A., que nem sequer é parte do Acordo. Acresce que expressamente foi acordado que a renuncia não prejudica nem poderá ser interpretado como uma renúncia expressa ou tácita a quaisquer outros direitos de crédito dos Bancos signatários perante a JCE SARL , nem afecta a validade, eficácia ou objecto de outras garantias que tenham sido prestadas para assegurar o cumprimento das obrigações das JCE SARL perante os Bancos Signatários, o que significa que o R. podia preencher a livrança e accioná-la junto do 1 A, por não ter renunciado a tal direito. De facto, o R. ao renunciar ao aval prestado pela empresa Revitalizanda JCE SGPS SA deixou de poder preencher a livrança e accionar o aval quanto à mesma (também avalista), mas não quanto ao 1 A que manteve o aval válido e, bem assim, válido o direito a preencher a livrança de acordo com o pacto de preenchimento que também o 1 A assinou e ficou ciente”.
Como se constata, a ré apenas renunciou às garantias prestadas pela JDC SGPS, referindo-se expressamente no acordo firmado no âmbito do PER que tal renúncia não afeta outras garantias que tenham sido prestadas para assegurar o cumprimento das obrigações das JCE SARL perante os Bancos Signatários. Ora, uma dessas garantias é exatamente aquela que foi prestada pelo 1º autor e que conduziu à subscrição da livrança e à prestação do aval por aquele.
Em todo o caso, ainda que tal ressalva não tivesse sido efetuada, o 1º autor continuaria sempre responsável por via do aval que prestou na livrança. O aval é um negócio jurídico cambiário autónomo, que faz nascer uma obrigação materialmente autónoma, dependente da obrigação principal apenas quanto ao aspeto formal (neste sentido FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, volume III, Universidade de Coimbra, 1975, pág. 215). Nos termos do artigo 30º da L.U.L.L., aplicável às livranças “ex vi” o artigo 77º, o aval é o ato pelo qual um terceiro ou um signatário da livrança garante o seu pagamento por parte de um dos seus subscritores. A função do aval “é uma função de garantia, inserida ao lado da obrigação de um certo subscrito cambiário, a cobri-la e caucioná-la. (...) O fim próprio do aval, a sua função específica, é garantir ou caucionar a obrigação de certo obrigado cambiário; a responsabilidade de garantia é primária” (Abel Delgado, Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, 7ª edição, pág. 167). A obrigação do avalista mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma. Deste regime resulta que a obrigação de cada avalista é também autónoma, ou seja, a responsabilidade de cada avalista não depende da responsabilidade dos restantes. Por isso, a renúncia do credor perante um dos avalistas não tem qualquer consequência quanto à responsabilidade dos restantes avalistas, que se mantém intacta.
Relativamente aos dois últimos fundamentos invocados pelos recorrentes, basta atentar na respetiva fundamentação para concluir desde logo pela manifesta improcedência.
Quanto à alteração do direito de regresso do 1º autor por via da renúncia que a ré levou a efeito no PER relativa à garantia que havia sido prestada pela JDC, SGPS, é óbvio que tal renúncia não afeta, de todo, o direito de regresso por via da ação cambiária do avalista contra a subscritora da livrança, a JDC Energie, que foi a entidade avalizada. Nos termos do art.º 30º da LULL (ex vi art.º 77º), se o dador de aval paga a letra, fica sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude da letra. Antes da renúncia tinha esse direito e depois da renúncia o mesmo continuou intacto. A livrança foi preenchida, mas unicamente quanto ao montante e à data de vencimento. Quanto à vinculação da subscritora e de ambos os avalistas, a mesma resultou desde logo das assinaturas que foram apostas na livrança, que apenas estava em branco quanto aqueles elementos.
Tal direito de regresso sempre existiria, em todo o caso, por via da relação subjacente ao negócio cambiário de aval e que é o contrato de fiança. Nos termos do art.º 644º do CCivil, o fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram por ele satisfeitos.
Assim, o que consta das conclusões 26 e 27 é manifestamente improcedente. Os recorrentes falam da frustração do direito de regresso do 1º autor sobre “demais obrigados solidários, no âmbito do disposto no artigo 524º do Código Civil”, quando o direito de regresso que, prima facie, desde a celebração do contrato que conduziu ao aval, assistiu ao 1º autor é sobre a subscritora da livrança, a JDC Energie. E esse direito de regresso mantém-se intacto.
Mesmo que se admita a existência do direito de regresso entre os co-avalistas [na senda do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2012[1], que uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: “Sem embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, o qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias”] tal direito, que é sobre a JDC, SGPS, também continua a existir exatamente porque o acordo no âmbito do PER não foi celebrado pelo 1º autor. E, como se constata, para além da JDC Energie e a JDC, SGPS, não existem outros obrigados cambiários que respondam perante o 1º autor.
Quanto ao abuso de direito invocado na conclusão 28 há apenas que dizer que, tendo a ré atuado dentro dos estritos limites das cláusulas do contrato celebrado com o 1º autor, nos termos acima expostos, e não tendo a renúncia levada a efeito no âmbito do PER qualquer eficácia quanto à responsabilidade daquele perante a ré, é manifestamente improcedente o invocado abuso de direito (exatamente porque a ré agiu dentro do âmbito dos direitos que lhe assistiam e não existe qualquer conduta suscetível de ser considerada contraditória).
O recurso, deve, pois, ser considerado totalmente improcedente.
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DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes que compõem este coletivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso improcedente, mantendo, nos seus precisos termos, a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes (art.º 527º/1 e 2 do CPC).
TRLx, 04jul2024
Jorge Almeida Esteves
Eduardo Petersen Silva
Nuno Gonçalves
_______________________________________________________ [1] Publicado no DR n.º 137, Série I, de 2012-07-17.