RETIFICAÇÃO DA SENTENÇA
ERRO MATERIAL
REFORMATIO IN PEJUS
ANÁLISE CRÍTICA DA PROVA
OBJETO DO RECURSO
Sumário

I - O despacho que incidir sobre o pedido de rectificação não é susceptível de recurso autónomo, pois a lei prevê uma tramitação específica para essa situação.
II - A proibição da reformatio in pejus não é aplicável a esse pedido de rectificação mas apenas ao recurso.
III - A prova é aferida por critérios sociais de normalidade e probabilidade, nos termos dos quais, não fará sentido imputar, por causa de um furto, danos nas paredes, portas, portões, lâmpadas, etc de um imóvel de onde foram retirados electrodomésticos e a anterior inquilina mantinha uma grave inimizade com o autor seu ex-marido.
IV - Está vedado ao tribunal diminuir a indemnização e discutir sequer se o evento deve ou não ser totalmente indemnizado pela seguradora, se essa parte da decisão transitou em julgado.

Texto Integral

Processo: 475/20.1T8PVZ.P1

 

Sumário:

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1. Do pedido de retificação

Do recurso que incidiu sobre o despacho da primeira instância sobre o pedido de rectificação.

Pretende o apelante, além de ter suscitado a questão da rectificação da sentença, interpor recurso sobre o despacho que apreciou a mesma deferindo-a parcialmente.

Salvo o devido respeito tal não é possível.

Dispõe o art. 614.º do CPC que “1 - Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.

2 - Em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação”.

Desta norma, decorre, pois, que não existe recurso independente sobre o despacho do tribunal a quo, pois, neste caso, o pedido de retificação foi já realizado pelo apelante nas suas alegações iniciais. Sendo que “podem as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam no tocante à retificação”.[1]

         Ou seja, a decisão do incidente será proferida em sede de recurso de onde resulta que nem sequer existe uma decisão final da qual recorrer.

Em segundo, lugar a ser tramitado como recurso é evidente que o mesmo não possui sequer os requisitos da sucumbência para a sua admissibilidade, pois, o despacho rectificou o valor final da sentença para € 11.377,57 em vez de € 13.242,60. Ou seja, menos 1.865,03 euros, valor esse inferior a metade da alçada do tribunal de comarca.

         Nestes termos, não se admitindo o recurso autónomo sobre esse despacho, convolam-se as considerações das partes como meras alegações sobre o pedido de retificação.

         Sem custas face à simplicidade do incidente.


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2. Da tempestividade das alegações.

Face ao exposto a apreciação da questão da tempestividade das contra-alegações sobre esta questão fica completamente prejudicada.

3. Do pedido de rectificação

Veio o apelante requerer que: “a) devidamente auscultada a decisão proferida, assalta à conspeção a verificação de alguns erros materiais/de escrita/cálculo, que cumpre retificar, designadamente:

a) No facto provado 14), onde consta “processo de sinistro n.º ...16/1” deveria constar “processo de sinistro n.º ...60/1”, uma vez que foi requerida e deferida essa retificação na audiência de julgamento de 22-09-2023;

b) No facto provado 21), o somatório apurado em sede pericial relativamente aos montantes relativos a valores de avaliação de reconstituição/substituição /reparação do edifício e equipamentos integrantes deste, em novo, afigura-se superior ao mencionado 7.460,33 € + IVA, devendo tratar-se de erro de cálculo/escrita, pois que o somatório dos montantes constantes da “Tabela 2- Equipamentos/elementos afetos ao edifício” ascendem a 9.269,90 € + IVA, (requerendo-se que seja verificado e retificado o possível lapso apontado, não podendo ser inferior ao já decidido na sentença, em virtude do princípio da proibição da reformatio in pejus).

c) Na página 21 da sentença proferida, designadamente na linha 6 do segundo parágrafo, onde é referido “altivamente” deverá ser retificado para “relativa mente”.

d) Na linha 7 do mesmo parágrafo, onde se refere “até dias meses” deverá retificar-se para “até dois meses”.

XI. Nessa medida, requer-se a V.ª Ex.ª digne verificar da pertinência dos erros de cálculo e de escrita supra identificados, e, consequentemente, ordenar a sua retificação, nos termos do artigo 614.º n.º 1 e n.º 2 do CPC.


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Foi proferido despacho, cujo restante teor se dá por reproduzido, nos termos do qual:

Em razão do que se disse na motivação, resulta efetivamente um erro de calculo, na medida em que se considerou o valor apurado pelos senhores peritos, de € 8.131,13 (sem IVA) deduzido a este valor o valor de €2.137,09 (respeitante a mesa e bancos de granito e á reparação/substituição do móvel da casa de banho), o que dá o valor de € 5.994,04, valor que acrescido de IVA dá € 7.372,67 e não € 7.460,33 como no ponto de fato provado em 21) se fez constar.

Deve retificar-se esse valor constante do ponto de fato provado em 21), ficando a constar o valor de € 7.372,67.

A este valor, acresce então as rubricas do orçamento do Autor, para a instalação das unidades de ar condicionado no valor de €650,00+IVA, de limpeza, desidratação e reparação das tubagens no valor de €650,00+IVA, reparação de fixação de radiadores no valor de € 380,00+IVA, que dá o total de €9.377,57 (iva incluído) em vez de €9.090,33.

Deve retificar-se esse valor total constante do ponto de fato provado em 21), ficando a constar que a soma de todos os valores referidos é € 9.377,57 (IVA incluído)

Em consequência, deve igualmente retificar-se na pagina 29 da sentença (na subsunção dos fatos ao direito), onde é referido o total de €11,242,60 (porque ao valor de €9.090,33 se terá somado novamente e em duplicado o IVA).

E ainda em consequência, retificar-se o valor da condenação da 1ª Ré A...- Companhia de Seguros, S.A. no dispositivo da sentença que é de € 11.377,57 em vez de € 13.242,60.


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         Quando se pronunciou sobre essa rectificação (teor das anteriores alegações de 19.3.24) o apelante/autor pôs em causa apenas os valores e não os aludidos erros de escrita[2], pelo que o objecto da rectificação foi restringido apenas esses valores.

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2. Da rectificação da sentença

Como vimos, o tribunal a quo considerou existir de facto um erro de calculo e corrigiu o teor do facto n 21 da sentença passando a constar “Deve retificar-se esse valor total constante do ponto de fato provado em 21), ficando a constar que a soma de todos os valores referidos é € 9.377,57 (IVA incluído)”.

Pretendia o apelante que essa verba deveria incluir ainda a quantia de IVA.

Ora, conforme resulta do despacho de rectificação esse valor foi já atendido e não consta do relatório de peritagem, pois, este não incluiu parte dessas reparações.

Logo, improcede, para além do que consta desse despacho, o pedido de retificação.

3. Da retificação oficiosa

De seguida o despacho de rectificação foi mais longe do que o pedido e detectou outro lapso de cálculo (duplicação de IVA) determinando que “E ainda em consequência, retificar-se o valor da condenação da 1ª Ré A...- Companhia de Seguros, S.A. no dispositivo da sentença que é de € 11.377,57 em vez de € 13.242,60.”

A retificação foi efectuada antes da subida do recurso e decorreu, aliás, do pedido do autor que, recorde-se pedia a rectificação do montante da condenação.

Logo a mesma é tempestiva.

3.1. Da aplicação do principio reformatio in pejus à rectificação

         Pretendia o apelante que o seu pedido de rectificação estaria limitado por esse princípio.

         Salvo o devido respeito sem razão.

         O Erro material ou lapso é a inexactidão ou omissão verificada em circunstâncias tais que é patente, através dos outros elementos da sentença ou até do processo, a discrepância com os dados verdadeiros e se pode presumir por isso uma divergência entre a vontade real do juiz e o que ficou escrito.

 O pedido de rectificação não é um recurso (como decorre do art. 614º, nº3, do CPC), pode ser determinada oficiosamente ou a pedido de qualquer uma das partes e, por isso, não está limitada por qualquer limite ou salvaguarda, mas apenas pela existência ou não de um erro de escrita ou cálculo evidente.

Acresce que a razão teológica do princípio da reformatio in pejus nunca se aplicaria, pois, esta visa permitir a interposição de recursos sem o risco de uma perda objectiva no ganho parcial da causa já atribuído. Perda essa que, note-se, no caso do recurso está coberta e explicada (como veremos) pelo caso julgado formado.

Pelo contrário, a rectificação dos erros materiais visa apenas a correcção de erros manifestos, patentes e evidentes no teor da decisão.

Pelo exposto, improcede esta questão e por via disso determina-se a retificação da sentença nos exactos termos do determinado pelo despacho de 29.2.24.


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I - Relatório

AA, instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra: A...- Companhia de Seguros, S.A., NIPC ...34, com sede na Rua ..., ... Lisboa, B..., S.A., NIPC ...73, com sede na Avenida ..., ..., ... Lisboa.

Formulou o seguinte pedido: 1. A condenação da Ré A...- Companhia de Seguros, S.A. a pagar ao Autor, uma indemnização no valor de 37.866,78€ (IVA incluído) correspondente aos danos causados no edifício seguro, acrescido dos juros de mora desde a data de recusa da indemnização (03 de Maio de 2017), até efetivo e integral pagamento, que de vencidos à data de entrada da ação somam o valor de 4.644,21 €; 2. A condenação de ambas as Rés, a pagar ao Autor, na proporção da quantia que cada uma das Rés teria de pagar se existisse um único seguro (nos termos do artigo133.º n.º 4 do RJCS), no valor total de 16.125,50 € (correspondente ao valor das reparações em mobiliário integrante do recheio e ao valor do mobiliário furtado e perda de rendas) desde 30 dias após a confirmação da ocorrência do sinistro (18 de Maio de 2017) e até efetivo e integral pagamento, que de vencidos à data de entrada da ação somam o valor de 1.852,00 €. Subsidiariamente, caso não se entenda tratar-se de sinistro ocorrido por furto ou roubo, mas por outro risco contemplado nas apólices, a condenação da Ré e de ambas as Rés, respetivamente, nos mesmos pedidos referidos em 1. e 2. Ainda, subsidiariamente, caso se considere que os danos em causa configuram atos de vandalismo, e conforme alegado pela 1ª Ré sejam causa de exclusão de cobertura da aludida Apólice, condenar a 2.ª Ré a pagar ao Autor o valor peticionado em 2. por tal risco se encontrar devidamente acautelado pela Apólice da mesma.

Alega, para tanto e em síntese que, é legítimo proprietário do imóvel sito na Rua ..., ..., afeto a habitação e de tipologia T4, e celebrou com a 1ª Ré a 22 de Junho de 2016, um contrato de seguro, denominado “Multirriscos Habitação-Popular Habitação Plus”, a que corresponde a Apólice n.º ...58, tendo por objetos seguros, o Edifício desse imóvel com as coberturas que descreve e o conteúdo do imóvel com as coberturas que descreve. E celebrou com a 2ª Ré a 17 de Janeiro de 2017 um contrato de seguro denominado “Multirriscos Habitação”, a que corresponde a Apólice n.º ...15, cujo objeto seguro correspondia ao recheio que compunha a identificada habitação com as coberturas aí identificadas, entre as quais, furto ou roubo e atos de vandalismo, maliciosos ou sabotagem. À data da celebração dos identificados contratos de seguro, o imóvel estava arrendado e a arrendatária procedeu à denuncia desse contrato com efeitos imediatos a 4.04.2017 mediante o envio de carta registada com AR, que fez acompanhar da chave do imóvel. No dia seguinte, quando se deslocou à moradia para a inspecionar tendo em vista o seu arrendamento, deparou-se com um cenário devastador, designadamente com os danos no imóvel que descreve e com a falta de bens móveis incorporados no edifico e a este ligados com caráter de permanência que igualmente descreve por referencia aos compartimentos onde antes se encontravam, tendo procedido à participação crime por furto qualificado, cujo processo correu termos sob o processo n.º 397/17.7GAMAI no Tribunal Judicial da Comarca do Porto- DIAP da Maia- 1.ª Secção, e à participação a ambas as Rés, tendo a 1º Ré expedido ao Autor a 3.05.2017 comunicação de recusa de assunção de responsabilidade porque, na sequencia da visita dos técnicos e do relatório pericial elaborado foi apurado que «o sinistro caracterizava-se pela prática de danos em imóvel e recheio, os quais não estavam abrangidos pela apólice face à inexistência da cobertura de “atos de terrorismo, vandalismo, maliciosos ou de sabotagem”» e «a falta de bens reportados em imóvel e recheio encontrava-se excluído pela cobertura de "furto ou roubo", uma vez que não foram verificados sinais evidentes de arrombamento/estroncamento de portas, janelas, e/ou sistema ou dispositivo de fecho de porta ou janela para o exterior» sendo ainda que «Os bens em falta que se encontravam no exterior não estão garantidos, por se tratar de uma exclusão da mesma cobertura "Os objetos existentes ao ar livre ou em varandas não fechadas".

Citada, a 1º Ré, A...- Companhia de Seguros, S.A., veio apresentar contestação, na qual veio invocar a sua ilegitimidade passiva e requerer, por economia processual, a sua substituição processual pela C... – Companhia de Seguros, S.A., e em nome desta diz aderir ao articulado da contestação aduzido pela 1º Ré, alegando ter o contrato de seguro titulado pela apólice identificada sido transferido para a C... – Companhia de Seguros, S.A., encontrando-se atualmente sobre a gestão desta que passou a ser responsável pela assunção dos danos ocorridos, em virtude de sinistros participados e devidamente enquadrados nas suas garantias e coberturas, isso, por via do Acordo de Transferência de ativos celebrado no dia 21.12.2018 e a quem pertence a obrigação de indemnizar.

Citada a Ré, B..., veio esta alegar que, aquando da participação do sinistro pelo Autor, solicitou a uma entidade externa (D...) que procedesse à avaliação/averiguação do sinistro, não tendo o Autor fornecido a esta entidade todos os elementos que esta lhe solicitou, tendo por isso acabado por não dar andamento à análise do sinistro, pese embora alguns dos elementos constatados, nomeadamente o facto de o imóvel ser objeto de um contrato de arrendamento, que condicionaria, desde logo, a aceitação deste sinistro. Mais alega que, face à cobertura apenas do conteúdo, o pedido de rendas é inadmissível e face à não informação de que o imóvel estava arrendado, que, se traduz num acréscimo de risco que conduziria a um agravamento do prémio em mais 50%, ou não teria sido celebrado, e a indemnização a ser liquidada sofreria redução em metade. Relativamente à indemnização peticionada de €6.750,00, acrescido de IVA (€8.302,50), para o orçamento de reparação de mobiliário e €5.823,00 correspondente ao custo do mobiliário furtado e/ou danificado não contemplado

Por despacho de 11.01.2023 foi proferido sentença a homologar a transação celebrada entre o Autor e a Ré B...- Companhia de Seguros, S.A. pela qual o Autor reduziu o pedido quanto a esta Ré para a quantia de €5.000,00, respeitante apenas aos danos de conteúdo/recheio da casa de habitação do Autor, ora reclamados por este, e a reclamar a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais, passados, presentes e futuros da responsabilidade desta Ré e decorrentes do sinistro dos autos.

Foi saneada e instruída a causa. Após julgamento foi proferida sentença que decidiu “a) Condeno a 1ª Ré A...- Companhia de Seguros, S.A., a pagar ao Autor, uma indemnização no valor de € 13.242,60 correspondente aos danos causados no edifício seguro e perda de rendas, acrescido dos juros de mora desde a data de recusa da indemnização (03 de Maio de 2017), até efetivo e integral pagamento.

Inconformado veio o autor/apelante interpor recurso e requerer a rectificação da sentença, os quais foram admitidos como “apelações (que) têm efeito meramente devolutivo (art.s 644º, 1, al. a), e 647º, 1, CPC)”.


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2.1 Foram apresentadas as seguintes conclusões, que são por integralmente reproduzidas e se resumem nos seguintes termos:

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Da retificação de erros materiais (artigo 614.º do CPC):

X. Devidamente auscultada a decisão proferida, assalta à conspeção a verificação de alguns erros materiais/de escrita/cálculo, que cumpre retificar, designadamente: a) No facto provado 14), onde consta “processo de sinistro n.º ...16/1” deveria constar “processo de sinistro n.º ...60/1”, uma vez que foi requerida e deferida essa retificação na audiência de julgamento de 22-09-2023;

b) No facto provado 21), o somatório apurado em sede pericial relativamente aos montantes relativos a valores de avaliação de reconstituição/substituição /reparação do edifício e equipamentos integrantes deste, em novo, afigura-se superior ao mencionado 7.460,33 € + IVA, devendo tratar-se de erro de cálculo/escrita, pois que o somatório dos montantes constantes da “Tabela 2- Equipamentos/elementos afetos ao edifício” ascendem a 9.269,90 € + IVA, (requerendo-se que seja verificado e retificado o possível lapso apontado, não podendo ser inferior ao já decidido na sentença, em virtude do princípio da proibição da reformatio in pejus).

c) Na página 21 da sentença proferida, designadamente na linha 6 do segundo parágrafo, onde é referido “altivamente” deverá ser retificado para “relativamente”.

d) Na linha 7 do mesmo parágrafo, onde se refere “até dias meses” deverá retificar-se para “até dois meses”.

XI. Nessa medida, requer-se a V.ª Ex.ª digne verificar da pertinência dos erros de cálculo e de escrita supra identificados, e, consequentemente, ordenar a sua retificação, nos termos do artigo 614.º n.º 1 e n.º 2 do CPC.

▪ Da reforma quanto a custas (artigo 616.º do CPC):

XII. Não se afigura possível descortinar qual o critério adotado para a fixação da condenação em custas, pois que, no que concerne à transação celebrada entre o Autor e a Ré B..., ambas as partes prescindiram mutuamente de custas de parte e acordaram que as custas devidas a juízo seriam suportadas em partes iguais, e no que concerne à Ré A...-Companhia de Seguros, S.A., e salvo melhor entendimento, o Recorrente obteve um vencimento correspondente a, pelo menos, cerca de 23,87 %, pelo que, a condenação em custas operada pelo Tribunal a quo deverá, possivelmente, tratar-se de lapso, requerendo-se a reforma, nos termos do artigo 616.º do CPC.

▪ Das nulidades parciais da decisão (artigo 615.º do CPC):

XIII. Devidamente compulsada a decisão proferida a quo, e apesar de em tudo o quanto foi favorável ao Autor nos conformarmos expressamente com ela, verificam-se vícios que poderão ferir a mesma de nulidade parcial.

XIV. Dessarte, não se pronunciou a Mma. Juiz a quo sobre questões que deveria ter conhecido, designadamente:

a) A verificação de danos nas paredes, em virtude de terem sido arrancadas unidades de ar condicionado, radiadores e móveis fixos à parede;

b) Danos relativos ao conteúdo, que integram o petitório do articulado quanto a ambas as Rés, sendo que na transação celebrada com a Ré B... foi expressamente prevista a independência da responsabilidade da Ré A... face à transação celebrada;

c) Os custos de instalação não previstos pelos Exmos. Srs. Peritos no relatório pericial, no que concerne aos equipamentos afetos ao edifício para além dos ares condicionados (às observações e), f), i), j), l), m), n), o), p), q) do relatório pericial).

XV. Os danos indicados em a) encontram-se alegados em sede de petição inicial, e resultam da instrução da causa (reportagens fotográficas e prova testemunhal), da aquisição processual dos factos, e apresentam-se como danos que decorrem na sequência de outros danos produzidos, resultando o seu valor do orçamento da testemunha BB, que foi considerado como “bom e credível”.

XVI. Os danos indicados em b) são considerados provados pela Mma. Juiz a quo na fundamentação da decisão (““Ou seja, e repetindo, em nosso entender, o Autor, logrou não só provar o arrombamento –cfr. fato em 16) como provou todos os danos reclamados e pagos pela 2ª Ré quanto ao recheio (…)”), mas não são incluídos no leque dos factos provados nem contabilizados para efeitos de indemnização.

XVII. Os danos indicados em c) resultam do próprio relatório pericial, como consequência normal dos demais danos produzidos e necessária reparação, devendo ter sido objeto de pronúncia por parte do Tribunal a quo, como sucedeu com as instalações de ares condicionados.

XVIII. Estamos, outrossim, perante nulidade por omissão de pronúncia, ou, pelo menos, perante ambiguidade/contradição suscetível de tornar a decisão parcialmente ininteligível, nos termos do artigo 615.º do CPC, o que desde já se argui.

IX. Observando-se a imposição constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, consigna-se que a sentença recorrida, na sua fundamentação de facto, deveria ter considerado como provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos a aditar à matéria probatória: (…)

XX. Para além disso, deveria ser alterada a redação do seguinte facto, indicado na sentença, devendo passar a ter a seguinte redação: “18) Para reparação/substituição danos de serralharia, foi orçado o valor global de 4.010,00 €, acrescido de IVA, o qual incluía: (…)

XXXI. Com a decisão proferida, a Mma. Juiz a quo transgrediu o disposto nas normas jurídicas constantes dos artigos 607.º n.º 4 e 608.º n.º 2 do CPC, pois que não foram contemplados no segmento decisório, danos que foram alegados e demonstrados, designadamente danos nas paredes, danos no conteúdo/recheio da responsabilidade de ambas as seguradoras, e custos de instalação/mão de obra relativamente a equipamentos afetos ao edifício.

XXXII. Ainda que se considerasse não terem sido isoladamente alegados os factos atinentes a tais danos, os mesmos resultaram da prova carreada com a petição inicial, tratando-se de danos e custos derivados e relacionados com os demais provados, resultando da própria instrução da causa e aquisição processual de factos, nos termos do artigo 5.º n.º 2 a) e b) e 413.º do CPC.

XXXIII. Pelo que ao não decidir pela inclusão de tais danos no elenco dos factos provados, nem judiciado pela sua consideração em sede de indemnização, interpretou e aplicou erradamente/transgrediu o Tribunal a quo as normas jurídicas constantes dos artigos 5.º n.º 2 a) e b) do CPC, 413.º do CPC, 607.º n.º 4 e 608.º n.º 2 do CPC, devendo ter interpretado e aplicado tais normas no sentido de decidir pela verificação e inclusão desses danos no cômputo condenatório e indemnizatório.

XXXIV. Se, por um lado, se arrogou a Mma. Juiz a quo do orçamento da testemunha BB, para apuramento dos valores da instalação dos ares condicionados, reparação de tubagens e fixação de radiadores, haveria, de igual forma, de ter tido em consideração o mesmo orçamento, no qual resultou apurado o valor de 8.500,00 € + IVA, para efeitos de contabilização dos danos nas paredes (pintura de paredes interiores e exteriores), o que não sucedeu.

XXXV. Para além disso, os Exmos. Srs. Peritos não contemplaram, no seu relatório pericial, no que concerne aos valores de equipamentos afetos ao edifício (facto a considerar como facto provado n.º 4), os valores relativos à mão-de-obra e instalação, custos que sempre teriam de ser suportados pelo Autor, tanto é que o mesmo pagou o orçamento adjudicado à testemunha CC.

XXXVI. Deveria a Mma. Juiz a quo, na mesma lógica de apreciação probatória, e para efeitos de fixação de tais custos, ter-se socorrido quer do orçamento da testemunha CC (Doc. 15 da petição inicial), aplicando, por exemplo, ao valor da perícia dos autos, o diferencial por referência aos valores do orçamento da testemunha, quer da perícia realizada pela Ré B..., e ainda dos valores praticados no mercado, permitindo-lhe fixar um montante equitativo relativamente a tais custos, que deveria ter sido contemplado em sede de condenação.

XXXVII. Não o tendo sido, transgrediu a Mma. Juiz a quo o disposto nas normas jurídicas constantes dos artigos 562.º, 563.º, 564.º, 566.º n.º 1, n.º 2 e n.º 3 do CPC, pois que não contemplou devidamente todos os danos sofridos pelo Autor e que deveriam ter sido computados em sede indemnizatória, não colocando o Autor na posição de ressarcimento total dos prejuízos por si sofridos e provados

XXXVIII. Na sentença proferida, a Mma. Juiz a quo desconsiderou os danos afetos ao conteúdo, apesar de ter referido, na fundamentação, que o Autor os provou totalmente, interpretando erroneamente a ratio da transação celebrada entre o Autor e a Ré B..., uma vez que resultou expressamente estipulado que a indemnização recebida não contemplava os danos da responsabilidade da Apelada.

XXXIX. O pedido de condenação em indemnização relativa ao conteúdo, formulado na peça inaugural, encontrava respaldo na norma jurídica do artigo 133.º n.º 4 do RJCS, respondendo cada uma das seguradoras nos limites da sua obrigação e de forma proporcional, não se tratando de responsabilidade solidária ou liberatória.

XL. Com a transação celebrada, o Autor não se considerou indemnizado ou ressarcido de todos os danos relativos ao conteúdo, mas apenas e somente do valor que considerou ser da responsabilidade da Ré B....

XLI. Mesmo que se entendesse que a norma supra referida implicaria o ressarcimento total por apenas uma das seguradoras, os danos apurados nos autos no que concerne à cobertura do conteúdo são superiores ao valor acordado na transação celebrada, e sempre se diz que, em todo o caso, a convenção celebrada entre o Autor e a Ré B..., substituiria a regra supletiva formulada nos termos do artigo 133.º n.º 4 do RJCS.

XLII. O espírito da transação celebrada entre as partes envolvidas, nunca poderia conduzir a uma renúncia do Autor em receber a indemnização resultante da responsabilidade da Ré A..., S.A., sob pena de preterição das normas jurídicas constantes dos artigos 283.º n.º 2, 284.º, 288.º n.º 1 e n.º 2 do CPC, apenas o impedindo de receber em dobro.

XLIII. Outrossim, ao decidir como decidiu, interpretou e aplicou erradamente a Mma. Juiz a quo o disposto nas normas jurídicas constantes dos artigos 133.º n.º 4 do RJCS, e 283.º n.º 2, 284.º, 288.º n.º 1 e n.º 2 do CPC, bem como das supra citadas normas constantes dos artigos 562.º, 53.º e 564.º do Código Civil, devendo ter interpretado e aplicado tais normas no sentido da condenação da Ré A... ao pagamento da quantia relativa a danos no recheio/conteúdo não ressarcidos pela Ré B..., (tendo como valor mínimo o valor apurado no relatório pericial de 01-09-2021 no que concerne ao valor de novo dos equipamentos afetos ao conteúdo (no valor total de 6.195,87 € + IVA), e como valor máximo o valor apurado na perícia da Ré B..., carreada com a contestação como Doc. 4, (correspondendo a 7.100,00 € + IVA), podendo socorrer-se, ainda, do orçamento carreado como Doc. 14 da petição inicial, e dividindo-se proporcionalmente, tendo em consideração o valor de 5000,00 € já liquidado pela B..., não se podendo traduzir em indemnização inferior a 2.620,92 €- valor apurado através da subtração entre o valor da perícia acrescido de iva, e o valor pago pela Ré B...)).

XLIV. Ou, caso assim não se entendesse, e se judiciasse pela impossibilidade de deter minação dos valores em apreço, sempre haveria que recorrer à equidade, nos termos do artigo 566.º n.º 3 do CC.

XLV. Alterando a douta decisão recorrida apenas na parte concretamente impugnada, devendo passar a incluir a matéria de facto supra citada, e, consequentemente, condenando a Apelada A..., S.A., ao pagamento no valor dos danos indicados e não contemplados na decisão da Primeira Instância, farão Vossas Excelências Inteira e Sã Justiça.

XLVI. Caso se perscrute pela deficiência da prova produzida quanto aos concretos pontos de facto indicados e aos respetivos valores indemnizatórios, para proferir a douta decisão e aplicar os efetivos valores de indemnização, requer-se a V.ª Ex.ª digne ordenar a produção de melhor prova apenas quanto à parte invocada e viciada, mantendo-se incólume a restante decisão a quo.


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2.2. A parte contrária contra-alegou, nos termos que se dão por reproduzidos, e se resumem nos seguintes termos:

(…) 1- O presente recurso vem interposto da douta Sentença proferida pondo o Recorrente em crise a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, sufragando uma análise da sentença e posição que, salvo melhor e douto entendimento, não se coaduna com a prova concretamente produzida e, consequentemente, com a interpretação da lei no caso vertente.

2 – Considerando o elenco dos factos provados, decidiu, e bem, o Tribunal a quo ao julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, ao condenar a aqui Recorrida estritamente ao valor da reparação dos danos concretamente apurados e provados, por reporte à conjugação e complementaridade da perícia com os orçamentos de que se socorreu e a que se faz alusão na sentença.

3 - Entende o ora Recorrente, o que não se concede, que andou mal o douto Tribunal recorrido ao ter decidido como decidiu, uma vez que, no seu entender, o Tribunal a quo fez uma incorrecta valoração da prova produzida e uma errada interpretação do disposto na lei.

4- Concluindo, – erradamente, diga-se – que deverá a aqui Recorrida ser condenada ao pagamento ao Recorrente de danos e valores não contemplados na sentença recorrida e na condenação final, dos quais (i) danos nas paredes, (ii) danos relativos ao conteúdo, (iii) danos relativos a custos de instalação/reparação de equipamentos afetos ao edifício.

5 - Vem o Recorrente alegar que não se pronunciou o Tribunal recorrido sobre questões que deveria ter conhecido, nomeadamente, no que concerne (i) à verificação de danos nas paredes, em virtude de terem sido arrancadas unidades de ar condicionado, radiadores e móveis fixos à

parede; (ii) aos danos relativos ao conteúdo; (iii) aos custos de instalação não previstos pelos Exmos. Srs. Peritos no relatório pericial, no que concerne aos equipamentos afetos ao edifício para além dos ares condicionados (às observações e), f), i), j), l), m), n), o), p), q) do relatório pericial).

6 - No tocante aos danos nas paredes entendeu o Tribunal a quo que o referido dano encontra-se devidamente contemplado através do orçamento com o valor total de € 22.976,00, a acrescer o IVA, nos termos do qual, de entre outros valores e trabalhos descriminados, se inclui o da pintura de paredes interiores e exteriores (que inclui material e andaimes) no valor de 8.500,00, conforme facto provado em 19 da sentença recorrida, em concatenação com as declarações de parte do A. e com o depoimento da testemunha BB.

7 - Motivo pelo qual, contrariamente ao exposto pelo Recorrente, entende a aqui Recorrida inexistir qualquer omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo, dado que tal valor foi tido em consideração, quer no respeitante à factualidade provada, quer para determinação da indemnização final, pelo que a pretensão do Recorrente terá manifestamente de improceder.

8 - Quanto aos danos atinentes ao conteúdo temos pois que, decorre da sentença recorrida que “em nosso entender, o Autor, logrou não só provar o arrombamento –cfr. fato em 16) como provou todos os danos reclamados e pagos pela 2ª Ré quanto ao recheio (onde se incluem os moveis da garagem fixos à parede arrancados e furtados e todos os mobiliário danificado cuja reparação foi orçada pelo Autor sob o doc. 14)) e os danos como provados em 16) quanto ao edifício, partes integrantes deste (como portas, portões, estores, etc. e equipamento integrantes, tendo como causa, a maior parte deles, a introdução na referida habitação por arrombamento/estroncamento de fechaduras.”.

9 - Resultou provado que Autor e a Ré B... celebraram uma transação pela qual o Autor reduziu o pedido quanto a esta Ré para a quantia de €5.000,00, respeitante apenas aos danos de conteúdo/recheio da casa de habitação do Autor, ora reclamados por este, e a reclamar a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, passados, presentes e futuros da responsabilidade desta Ré e decorrentes do sinistro dos autos, cfr. facto provado em 29.

10 - Tendo o Tribunal recorrido fundamentado o motivo pelo qual não levou tal matéria à fundamentação de facto, dado a transação celebrada e o pagamento de indemnização do recheio da casa do A., o que se justifica com o intuito do Recorrente não ser ressarcido duplamente e injustificadamente pelos mesmos danos, ressalvando o Tribunal que “pese o acordo de transação não referir a que dizia respeito concretamente do recheio a indemnização”.

11 - Considera a aqui Recorrida que perante a factualidade provada nos autos e em face do supra exposto o Tribunal recorrido não poderia condenar em mais ou ir além do montante indemnizatório que fixou e julgou dentro dos limites que tinha como provados, tal como pretende o aqui Recorrente, razão pela qual, uma vez mais, a pretensão do Recorrente terá de naufragar.

12 - Quanto aos custos de instalação, também não poderá colher a omissão de pronúncia alegada pelo Recorrente por parte do Tribunal, como este pretende fazer crer, uma vez que a decisão contemplou expressamente este dano, quer no elenco dos factos provados, quer na indemnização arbitrada na qual a aqui Recorrida foi condenada.

13 - De acordo com a sentença recorrida que, “Acresce referir que, os Senhores Peritos não mencionaram qualquer custo para a instalação da caldeira, das referidas unidades de ar condicionado, nem para a reparação de tubagens e de fixação de radiadores, que entendemos não poderá deixar de se considerar, pelo que, socorremo-nos dos valores indicados no orçamento apresentado pelo Autor, de 650€+ Iva + 600€+ Iva + 380€+Iva, atendemos ao mesmo como bom e credível”.

14 - E, ainda, “Acresce referir que, porque os Senhores Peritos não mencionaram qualquer custo para a instalação da caldeira, das referidas unidades de ar condicionado, reparação de tubagens e reparação de fixação de radiadores, que entendemos não poderá deixar de se considerar, socorremo-nos dos valores indicados no orçamento apresentado pelo Autor, de 650€+ Iva + 600€+ Iva + 380€+Iva, que perfazem o total com IVA de € 2.066,40, somando o total da indemnização a pagar pela 1ª Ré ao Autor a quantia de € 9.090,33 a que acresce o IVA em vigor, o que dá €11.242,60”. (…)

21 - Mesmo que assim não se entenda, o que não se concede, conforme exposto acima, ainda que tal facto fosse aditado ao elenco dos factos provados, a verdade é que não imporia qualquer decisão diferente daquela que foi tomada pelo Tribunal a quo.

22 - Cumprindo ressaltar que o Tribunal a quo considerou, e bem, os danos e correspondente orçamentação decorrente da perícia colegial junta aos autos, sendo que somente naquilo em que esta se revelou omissa o Tribunal complementou e julgou de acordo com o orçamento apresentado pelo Recorrente, não se afigurando legítimo que este venha pelo presente recurso pugnar pela reclamação e condenação da Recorrida de danos e valores não considerados em sede de prova pericial, sob pena de duplicação de indemnização pelos mesmos danos.

23 - Pelo exposto, entende a aqui Recorrida que a decisão encontra-se em conformidade com toda a prova documental, testemunhal e pericial produzida, sendo que o Tribunal a quo decidiu dentro dos limites que tinha como provados, não padecendo a sentença de qualquer nulidade por omissão, nem de qualquer erro na valoração da prova que leve à sua reapreciação, encontrando-se o direito correctamente aplicado aos factos provados. (…)

25 - Em suma, da prova testemunhal produzida, concatenada, com a documental e pericial junta aos autos jamais poderia impor decisão diversa daquela que foi propugnada pelo tribunal recorrido.


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3. Das nulidades da sentença

Defende o apelante que: “Estamos, outrossim, perante nulidade por omissão de pronúncia, ou, pelo menos, perante ambiguidade/contradição suscetível de tornar a decisão parcialmente ininteligível, nos termos do artigo 615.º do CPC, o que desde já se argui.”.

Pretende, o apelante que sentença não se pronunciou sobre questões que deveria ter conhecido, designadamente parte dos danos alegados (eg. paredes).

Mas parte dos elementos alegadamente omitidos já constam da sentença (ex facto provado nº19), sendo que esta fez uma análise sobre os prejuízos a indemnizar e concluiu fixando esse valor.

Logo, poder-se-á ter cometido um erro de julgamento mas não qualquer nulidade por omissão de pronuncia.

Ora, o art. 615º, do CPC prevê apenas a ocorrência de uma omissão de pronuncia absoluta, que como vimos não ocorreu no caso presente.

Improcede, pois, a nulidade.


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4. Do recurso sobre a matéria de facto

O princípio da livre valoração da prova implica a ausência de critérios legais que predeterminem o valor a atribuir à prova ou hierarquizem o valor probatório dos diversos meios de prova.

Mas isso não significa que a prova seja apreciada pelos parâmetros parciais e subjectivos das partes do processo, nem que esta operação seja um espaço de arbitrariedade do tribunal.

Pelo contrário.

A prova é valorada desde logo de acordo com as regras da experiência as quais encerram em si um juízo de probabilidade da ocorrência dos factos alegados.

Etimologicamente probabilidade significa a possibilidade de obter um resultado incerto perante uma prova.

Portanto, tudo na vida é possível, mas algumas coisas são mais prováveis do que outras.

Ora, in casu, tendo consultado todos os documentos e ouvido todos os depoimentos testemunhais e da parte, torna-se logo evidente que a versão da realidade aduzida pelo apelante não é congruente, muito pouco verosímil (quanto à dimensão dos danos) e, por isso não pode ser provável e/ou convincente.

Isto porque este processo tem especificidades que o tornam especial.

Está em causa saber, fundamentalmente, se existiu um acto de vandalismo ou de furto.

A primeira pergunta é, desde logo, saber quem era o arrendatário que ocupou o locado quando ocorreram esses danos,

E a resposta é dada pelo próprio autor: era a sua ex-esposa com a qual tinha péssimas relações (aduz aliás que esta a terá mandado matar minuto 6 diz “foi condenada por decisão transitada por me mandar matar e passei a ir buscar os meus filhos à gnr”), à qual  entregou o locado no dia 4 de Abril ( o que aliás está provado por cópia simples da sentença referente à atribuição da casa de morada da família no processo).

Acresce que a proximidade da data dessa comunicação de entrega (datada de 3.4.17) face à data em que o autor se descolou ao local (cerca de 4 dias depois) reforça a imputação desses danos ao anterior locatário ou alguém a seu mando ou que se aproveitou da sua omissão.

Ora, se assim é, parece seguro (sem necessidade de qualquer outra prova) para além do depoimento do autor, que a intenção subjacente a esses actos foi a de prejudicar o autor, causar danos na sua habitação e, em termos simples, vandalizar a mesma.

Basta dizer que nessa decisão de divorcio entre o apelante e essa sua ex-mulher e inquilina consta que “Todos os móveis do locado, exceto os encastrados, serão levados pela requerente no momento da entrega do locado.” (confirmado pelo depoimento do mesmo, de forma muito mais parcial “mobiliário aparafusado com bucha química).

Logo, parece natural que essa arrendatária, que afinal é a ex-mulher do autor, poderá ter extrapolado para incluir, por exemplo, os aparelhos de ar condicionado e aquecedores por forma a que fizessem parte dessa cláusula, cuja redação é diferente da referida em audiência pelo autor. A qual conforme refere o tribunal na sua inquirição “mulher que tinha uma maldade intrínseca” e por isso “vou destruir isto tudo”, resposta do autor “não me parece”.

Bem pelo contrário, em termos de regras da experiência parece que quem faz o mais (encomendar um homicídio) faz o menos (vandalizar a casa).

Basta dizer que a maioria dos danos dizem respeito a estragos (automatismos e caixilharia, paredes, etc), e que pelas próprias fotos juntas pelo autor resulta evidente que foram produzidos estragos em moveis (que pelos vistos pertenciam nos termos do acordo à ex-mulher do autor), sem que exista qualquer vontade de os retirar.

Se dúvidas houvesse, na participação criminal junta pelo autor consta que “A persiana elétrica, os vidros dos móveis e a máquina de lavar loiça estavam vandalizados”, e que afinal “tinham sido furtados a placa do fogão (…)”.  (nosso sublinhado).

Note-se que conforme refere a testemunha Sr. DD (serralheiro) estava estragada a porta da entrada, o portão da garagem, os armários estragados, o fogão estava na cave estragado meio partida, e os forno e micro-ondas tinham sido retirados, com os aquecedores e ar condicionado. Logo, desse depoimento resulta que não ocorreu qualquer furto quanto aos objectos que lá ficaram estragados.

É certo que essa mesma testemunha diz que “havia sinais de arrombamento”, mas não explicou, nem ninguém lhe perguntou, se seriam os mesmos relativos aos estragos nos portões nem sequer explicou porque é que o furto ocorreu pelas traseiras quando o canhão da porta principal estava estroncado (ao minuto 10 explica que afinal funcionava, mas “ele” (autor) pediu para ser substituído).

Acresce que certas facturas nem sequer foram emitidas e outras foram emitidas em nome de uma sociedade que não corresponde ao autor.  Depois, alguns dos orçamentos são emitidos a favor do autor mas as respectivas facturas aparecem em nome de outra sociedade. E, por fim, por exemplo o orçamento junto como doc nº 15 diz respeito a obras de serralharia em objectos que ficaram estragados no local e que importam em mais de 3 mil euros com IVA.

Sendo que afinal “tentaram tirar os radiadores mas não conseguiram” (Sr. BB, m. 6).

Ou seja, face aos meios de prova juntos pelo autor sabemos que os móveis podiam ser retirados pelo locatário excepto os encastrados, que alguns desses objectos ficaram lá (fotos), que afinal foram substituídos objectos que funcionavam (canhão porta da frente). Basta dizer que a placa do fogão foi arrancada e ficou no locado, as portas estão danificadas e ficaram no local, etc. Acresce que a ex-locatária tinha uma grave animosidade para com o autor de tal modo que o quis matar.

Depois, existem várias desconformidades nos próprios depoimentos.

Se qualquer cidadão ouvir o depoimento do Sr. Serralheiro, poderá perceber que este além de admitir que afinal o canhão da fechadura foi mudado, mas funcionava, também referiu que os assaltantes entraram pelas traseiras. Logo, qual  a razão pela qual estes danificaram a porta da frente e portão de garagem ?

Depois, se notarmos bem a participação do autor referiu o furto da placa de fogão que afinal foi encontrada estragada no interior da casa.

Em seguida este defende agora a tese de que autorizou a sua ex-mulher a levar a mobília, mas deixar tudo o que estivesse ligado por parafusos. Ora, se lermos a cláusula escrita o seu teor é diverso e mais restrito.

Em terceiro lugar, entre o valor de uma prova pericial e de um mero orçamento, o apelante compreenderá que seja mais objectivo, razoável e seguro, o primeiro. Desde logo, porque, por exemplo, o autor nem sequer conseguiu demonstrar o efectivo pagamento de larga parte desses valores, e estes parecem ser manifestamente excessivos em especial quanto à reparação do sistema de ar condicionado e aquecimento em que o técnico admite” afinal não foi preciso substituir apenas reparar e rectificar”.

Em quarto lugar, a simples natureza dos danos (que constam das fotografias jutas pelos AA), demonstram que a maior parte dos danos foi causado pela utilização e não por qualquer acto de furto. Basta dizer que, em regra, os assaltantes não estragam paredes, não danificam portas que já estão abertas, nem causam manchas de humidade.

Depois, por fim, temos uma série de inconsistências quanto a esses valores por parte do apelante. Este, advogado profissional , diz nunca ter lido qualquer clausulado, ter celebrado dois contratos de seguro sobre o mesmo objecto, e afinal não acreditar que a ex-mulher que o quis matar não foi a responsável pela destruição da sua casa.

Compreenderá, portanto, que é claro, objectivo e congruente concluirmos que a dimensão dos danos peticionados está claramente inflacionada (basta dizer que o próprio autor pede o valor de focos que estão embutidos mas estragados e que nenhum furto explica o estado das paredes, portas e fechaduras).

Todas os restantes meios de prova indicados não põem em causa esta conclusão.

Temos, por isso de concluir que nem todos os danos foram causados por um furto.

Nessa medida o tribunal, oficiosamente irá alterar o teor do facto nº 16, por forma a limitar a autoria e causalidade dos danos no edifício às supra referidas conclusões.

O tribunal aditará ainda o teor relevante da transação.

E, quanto ao restante objecto do recurso sobre a matéria de facto é evidente que as alterações defendidas não estão sustentadas por meios de prova relevantes e objectivos, pois, note-se nenhuma das testemunhas esteve presente na data do furto ou logo depois, e o próprio autor explica, imagina e concretiza (exemplo o fogão terá sido partido ao ser retirado e depois deixado ficar), mas nunca explica como um furto deu origem a tal destruição da sua casa, incluindo objectos que não foram sequer objecto de qualquer apropriação.

Daí a improcedência do recurso sobre a matéria de facto.


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            6. Motivação de facto

1) O aqui Autor é legítimo proprietário do imóvel sito na Rua ..., ..., ... Maia, afeto a habitação e de tipologia T4, inscrito na matriz predial sob o artigo ...89,º descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia, sob o registo n.º ...52.

2) As Rés são companhias de seguros que se dedicam à atividade de Seguros Não Vida.

3) O Autor celebrou com a Ré A...- Companhia de Seguros, S.A. um contrato de seguro do ramo ““Multirriscos Habitação-Popular Habitação Plus”, associado ao empréstimo para aquisição de habitação, titulado pela Apólice n.º ...58, tendo por objetos seguros: o Edifício, imóvel identificado no fato provado em 1), como o capital seguro de €198.794,13; o Conteúdo, com o capital seguro de €23.196,53, contrato que teve inicio a 22.06.2007, renovando-se sucessivamente por períodos de 1 ano, e em vigor na anuidade de 22.06.2016 a 22.06.2017.

4) Nas condições particulares/especiais do aludido contrato, encontravam-se estipuladas, entre outras, as seguintes coberturas do Edifício gerais especiais: “Danos em Muros e Vedações; Danos em Jardins; Danos nas Canalizações; Danos Estéticos; Furto ou Roubo Edifício; Quebra Vidros; Louça Sanitária e Mármores; Danos por Água; Despesas necessárias- minimizar perdas, Perda de rendas; e as seguintes coberturas específicas para o Conteúdo: Quebra vidros em Móveis, Espelhos e Similares, Furto ou Roubo Conteúdo, Danos em bens do Senhorio”.

5) No dia 16.10.2012 o Autor subscreveu a proposta de adesão ao seguro “Multirriscos Habitação-Modalidade Domus Topous C”, cujo objeto seguro correspondia ao recheio que compunha a habitação supra indicada no ponto 1), com a duração de um ano, renovável, contrato de seguro que teve inicio a 17 de Janeiro de 2013, a que corresponde a Apólice n.º ...15, e em vigor na anuidade de 17.01.2017 a 17.01.2018.

6) Nas condições particulares deste aludido contrato, encontravam-se estipuladas, entre outras, as seguintes coberturas: “Furto ou Roubo; Danos em bens do senhorio; Danos por Água; Danos Estéticos; Quebra de Vidros e Pedras de Mármore ou Similares; Atos de Vandalismo, Maliciosos ou Sabotagem”.

7) Na audiência de julgamento de 30.10.2014, realizada no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento entre o Autor e a sua ex-mulher, foi acordado celebrar o contrato de arrendamento do imóvel identificado em 1) dos fatos provados, com início a 1.11.2014 e termo a 31 de Outubro de 2019.

8) No dia 04 de Abril de 2017, o Autor recebeu uma carta registada com aviso de receção, remetida pela arrendatária, a proceder à denúncia imediata do contrato de arrendamento celebrado, acompanhada de uma chave de acesso à porta principal da habitação.

9) Ora, após a receção daquela missiva, pelas 15 horas do dia seguinte, o Autor deslocou-se ao locado da sua propriedade, de forma a aferir do estado de conformidade do imóvel e proceder às diligências necessárias para o voltar a arrendar.

10) Tendo-se deparado com um cenário devastado, com inúmeros danos no imóvel, bem como a falta/ desaparecimento de bens móveis, inclusive bens ligados ao edifício com caráter de permanência, designadamente: i. Na sala de jogos e do rés-do-chão, encontravam-se danificados os móveis ali existentes, e partidos os respetivos vidros; o aparelho interno de ar condicionado bem como o respetivo aparelho exterior da marca DAIKIN, haviam desaparecido; ii. Na garagem, encontrava-se destruído o motor do portão, todos os móveis fixos à parede haviam sido arrancados e levados, e o sistema de aspiração central encontrava-se danificado; iii. Na cozinha, o vidro da porta encontrava-se partido; tinha desaparecido a placa do fogão, o frigorífico tipo “combinado americano”, o forno micro-ondas, a televisão da marca Samsung, e o aparelho interno de ar condicionado da marca DAIKIN; a persiana elétrica, os vidros dos móveis e a máquina de lavar loiça encontravam-se danificados; iv. Na sala do rés-do-chão, os móveis, focos de iluminação e persianas elétricas encontravam-se danificados; tinha desaparecido o aparelho interno de ar condicionado da marca DAIKIN e uma televisão da marca SAMSUNG; v. Na lavandaria, encontrava-se danificado um móvel, e havia desaparecido a caldeira e as máquinas de lavar e secar roupa; vi. No pátio exterior das traseiras, havia desaparecido uma mesa em granito maciço com cerca de 180 cm bem como dois bancos corridos de 180 cm cada, em granito maciço; vii. No pátio exterior da frente, havia sido danificado o portão de entrada bem como a caixa de acesso aos contadores de serviços essenciais; viii. No corredor de entrada, havia sido danificada a caixa ATI, bem como o sistema de alarme; ix. Nas escadas de acesso ao 2.º piso, existiam danos por água no teto e paredes; x. Na suite do 2.º andar, havia desaparecido o aparelho interno de ar condicionado da marca DAIKIN, a porta de acesso à Suite bem como o móvel da casa de banho haviam sido danificados; os dois móveis consola que se encontravam fixos à parede haviam desaparecido; xi. No telhado, havia desaparecido o aparelho exterior de ar condicionado da marca DAIKIN;

11) O Autor procedeu à denúncia dos factos junto das entidades competentes, dando origem ao processo que sob o n.º 397/17.7GAMAI correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto- DIAP da Maia-1.ª Secção, o qual foi arquivado por impossibilidade de notificação da arrendatária, ex-cônjuge do ofendido ao tempo do furto, tendo este inquérito sido reaberto a requerimento do Autor/ora ofendido que indicou a morada desta, e não tendo sido possível notificar-se a mesma nas moradas indicadas e apuradas, foi proferido despacho a manter o arquivamento do inquérito, e novamente determinada a reabertura do inquérito por despacho de 25.11.2019, encontrando-se à data da entrada da ação dos autos, tal inquérito reaberto e pendente de nova tentativa de notificação e inquirição daquela.

12) A 10 de Abril de 2017, o Autor realizou a participação do sinistro a ambas as Rés. 13) Em tais participações, descreveu o sinistro e quais os danos verificados.

14) Após a receção de tais participações pelas Rés, foram abertos dois processos de sinistro: um com o n.º ...16/1, correspondendo á Apólice da A..., e o outro com o n.º ...22, correspondendo à Apólice da B... Seguros.

15) A 03 de Maio de 2017 a 1.ª Ré, expediu uma comunicação ao Autor, com o seguinte teor: «Rececionámos a participação de sinistro que nos remeteu no âmbito da sua apólice acima indicada e que nos mereceu a melhor atenção. Após a visita dos técnicos e a constituição do respetivo relatório pericial, foi apurado que: O sinistro caracteriza-se pela prática de danos em Imóvel e Recheio, os quais não estão abrangidos pela apólice face à inexistência da cobertura de "atos de terrorismo, vandalismo, maliciosos ou de sabotagem". A falta dos bens reportados em Imóvel e Recheio encontra-se excluído pela cobertura de "furto ou roubo", uma vez que não foram verificados sinais evidentes de arrombamento/estroncamento de portas, janelas, e/ou sistema ou dispositivo de fecho de porta ou janela para o exterior. Os bens em falta que se encontravam no exterior não estão garantidos, por se tratar de uma exclusão da mesma cobertura "Os objetos existentes ao ar livre ou em varandas não fechadas". Pelo acima exposto, não nos é permitido regularizar a situação participada, uma vez que não foram verificados os requisitos definidos nas condições gerais e especiais da apólice. Assim, face ao atrás exposto, informamos que iremos proceder ao encerramento do processo de sinistro, sem qualquer pagamento de indemnização, uma vez que os riscos contratados não contemplam a situação verificada.».

16)[3] Com a ocorrência do aludido sinistro, que ocorreu por arrombamento de uma grade e depois de porta de acesso à cave e sala de jogos nas traseiras do imóvel identificado em 1), foram, furtados • Aparelhos internos e externos de ar condicionado da marca DAIKIN, furtados. Por acto de pessoas desconhecidas, em data anterior, verificaram-se os seguintes danos no edifício e partes integrantes deste • Porta de acesso ao exterior na sala de jogos do rés-do-chão, arrombada; • Motor do portão da garagem destruído; • Sistema de Aspiração Central danificado; • Persiana elétrica da cozinha danificada; • Persianas elétricas da sala do rés-do-chão danificadas; • Caldeira da lavandaria furtada; • Portão de entrada e caixa de acesso aos contadores de serviços essenciais, no pátio exterior da frente, danificados; • Caixa ATI e sistema de alarme do corredor de entrada, danificados; • Porta de acesso à suite do 2.º andar, danificada.

 17) Na sequência do sinistro, o Autor solicitou alguns orçamentos de reparação para os danos verificados, conforme reportado às Rés.

18) Para reparação/substituição danos de serralharia, foi orçado o valor global de 4.010,00 €, acrescido de IVA.

19) Para aquisição e instalação das unidades de ar condicionado e unidade de Split da cave e da caldeira, foi orçado o valor global de € 9.668,00, sendo que, acresciam os serviços de instalação das unidades de ar condicionado no valor de €650,00, de limpeza, desidratação e reparação das tubagens no valor de €650,00, reparação de fixação de radiadores no valor de € 380,00, de revisão geral das instalações (que inclui aplicação de vidros e lâmpadas em falta) no valor de 3178,0 e pintura de paredes interiores e exteriores (que inclui material e andaimes) no valor de 8.500,00, no valor total orçado de € 22.976,00, valores a acrescer o IVA.

20) No relatório de peritagem de avaliação dos danos da empresa UON estes danos do edifício são avaliados em €12.500.00 (deduzido o valor respeitante aos danos de água de que o Autor foi ressarcido).

21) O valor de avaliação de reconstituição /substituição /reparação do edifico e equipamentos integrantes deste apurados na peritagem dos autos, somam o total de 7.372,673, a que acresce o IVA, a que, acresce o custo de mão de obra, não considerado pelos peritos para a instalação das unidades de ar condicionado no valor de €650,00, de limpeza, desidratação e reparação das tubagens no valor de €650,00, reparação de fixação de radiadores no valor de € 380,00, somando o total de 9.377,57 (IVA incluído).[4]

22) Desde a data da ocorrência do sinistro, e, pelo menos, durantes os 5 meses subsequentes, o aqui Autor não conseguiu arrendar o locado, na qualidade de senhorio, uma vez que o imóvel não detinha as condições necessárias ao pleno gozo e fruição.

23) Atendendo a que a renda atribuída àquele imóvel corresponderia a 400,00 € por mês, e considerando a impossibilidade de arrendamento pelo período necessário para a reparação e composição do imóvel e recheio, de cinco meses, o Autor teve um prejuízo de 2.000,00 €.

Da contestação da 1º Ré

24) Consta da Clausula 27º das condições gerais do Contato de seguro referido em 3) o seguinte:

“Pluralidade de seguros” 1. Quando um mesmo risco relativamente ao mesmo interesse e por idêntico período esteja seguro por vários Seguradores, o Tomador do Seguro ou Segurado deve informar dessa circunstância o Segurador, logo que tome conhecimento da sua verificação, bem como aquando da participação do sinistro. 2. A omissão fraudulenta da informação referida no número anterior exonera o Segurador da respetiva prestação. 3. Sinistro verificado no âmbito dos contratos referidos no nº 1 é indemnizado por qualquer dos Seguradores, à escolha do Segurado, dentro dos limites da respetiva obrigação.”

25) O Autor, aquando da participação referida em 13) não informou a 1.ª Ré que o recheio da sua habitação se encontrava seguro pelo contrato celebrado com a 2.ª Ré, ora identificado em 5).

26) Entre a 1ª Ré A...- Companhia de Seguros, S.A. e a C... Companhia de Seguros, S.A. foi celebrado “Acordo de Transferência de Ativos” que se traduz em proposta de transferência parcial de carteira de seguros dos Ramos Não Vida, que foi autorizada pela ASF- Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões a 27.08.2019, ficando essa autorização sujeita a comunicação da concretização da operação a esta entidade no prazo de 6 meses.

27) Por aviso de 27.08.2019 da ASF- Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões foi tornado publico essa autorização de transferência parcial da carteira de seguros da 1ª Ré A...- Companhia de Seguros, S.A. para a C... – Companhia de Seguros, S.A..

Da resposta do Autor

28) O Autor, quando celebrou o contrato de seguro com a 1.ª Ré, identificado em 3), esta era a única apólice que detinha, uma vez que o contrato foi celebrado aquando da compra e venda e mutuo com hipoteca do imóvel segurado, não lhe tendo sido informado que, no caso de participação de sinistro deveria informar a existência de outra apólice, ou do teor da clausula 27ª das Condições Gerais.

29) A 11.01.2023 foi proferida sentença a homologar a transação celebrada entre o Autor e a Ré B...- Companhia de Seguros, S.A. pela qual o Autor reduziu o pedido quanto a esta Ré para a quantia de €5.000,00, a titulo de danos patrimoniais decorrentes do sinistro dos autos e respeitante à cobertura de conteúdo/recheio do imóvel do Autor identificado em 1).

30) O teor da 1º clausula dessa transação foi: “O Autor reduz o seu pedido, quanto à Ré Outorgante B...-Companhia de Seguros, S.A. e sem prejuízo da responsabilidade e danos que se venham a apurar relativamente à Ré A...-Companhia de Seguros, S.A., à quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), quantia com a qual se considera integralmente ressarcido de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, passados, presentes e futuros da responsabilidade da Ré Outorgante e decorrentes do sinistro dos autos, nada mais tendo a haver desta última seja a que título for”.


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7. Motivação jurídica

Está em causa o ressarcimento causado por um furto ocorrido na residência do autor, cujo risco se encontrava coberto por uma pluralidade de seguros.

Foi celebrada e homologada com uma das RR seguradoras uma transacção.

E, a segunda, não interpôs qualquer recurso da sentença recorrida.

Logo, agora sim, teremos de considerar aplicável o princípio da proibição da reformatio in pejus consagrado no art. 635.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, nos termos do qual o autor/apelante não pode deixar de receber o valor constante da sentença recorrida, objecto da posterior rectificação.

Isto, porque na parte não impugnada a decisão recorrida formou caso julgado, e isso incluiu, pois, a irrelevância da celebração de uma pluralidade de seguros sobre o mesmo objecto, que o evento ocorrido possa ser qualificado (totalmente) como um furto e que nesses termos esteja incluído nos riscos constantes das condições gerais e especiais da apólice.

E, conforme salienta o Ac do STJ de 3.3.21, n.º 1310/11.7TBALQ.L2.S1 “… o tribunal de recurso não pode olvidar o efeito do caso julgado que porventura já se tenha formado a montante sobre qualquer decisão ou segmento decisório, o qual prevalece sobre o eventual interesse na melhor aplicação do direito”.

Logo, a única questão a debater nesta sede é, assim, a de saber se a indemnização fixada deve ou não ser aumentada.

         Convém relembrar que o pedido efectuado foi: “deverá a 1.ª Ré ser condenada a pagar ao aqui Autor, uma indemnização no valor de 30.786,00 € + IVA (37.866,78€) correspondente aos danos causados no edifício seguro (cujos valores constam dos orçamentos relativos à reparação de bens integrantes do edifício), em virtude de furto, acrescido dos juros de mora desde a data de recusa da indemnização (03 de Maio de 2017), até efetivo e integral pagamento, contando-se vencidos no valor de 4.644,21 €, e ambas as Rés, condenadas a pagar ao Autor, porquanto o Recheio se encontrava seguro por ambas, na proporção da quantia que cada uma teria de pagar se existisse um único seguro (artigo 133.º n.º 4 do RJCS), o valor de 16.125,50 € (correspondente ao valor das reparações em mobiliário integrante do recheio, ao valor do mobiliário furtado e danificado e à perda de rendas) desde 30 dias após a confirmação da ocorrência do sinistro (18 de Maio de 2017) e até efetivo e integral pagamento, contando-se vencidos no valor de 1.852,00 €”.

         Teremos de notar que:

a)  autor foi já ressarcido por transacção da quantia de 5 mil euros;

b) a única factura que juntou na petição que demonstra qualquer liquidação de IVA foi emitida em nome de E..., Lda

c) está demonstrado (facto nº 16) que só parte dos danos pode ser imputável à eclosão de um furto;

d) está demonstrado (acta junta pelo requerente) que, quanto aos móveis: (a anterior locatária poderia) “Todos os móveis do locado, exceto os encastrados, serão levados pela requerente no momento da entrega do locado”.

c) está também demonstrado que os únicos danos são os que constam do facto nº21 (todo o restante são orçamentos) e as considerações relativas às rendas, os quais foram os valores determinados na sentença recorrida, sem qualquer desconto.

Logo, não pode o tribunal aumentar a indemnização nem pode diminuí-la, pelo que improcede o recurso interposto.


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Pretende, por fim, o autor a reforma da decisão quanto a custas dizendo que esta o prejudica.

É consabido que a obrigação de custas é fixada através do principio da causalidade (art. 527º, do CPC).

Essa decisão, note-se fixou as custas em 5% para o autor e 95% para a ré seguradora.

Os pedidos totais do autor foram no valor global de 60.488,49 €, dos quais o autor obteve um ganho de apenas 16.377,57 euros (já com transacção). Ou seja, o autor teve um decaimento objectivo de 73%.

Logo, existe de facto um lapso na decisão de custas mas que foi favorável ao autor/apelante.

Porque: “A regra geral da responsabilidade pelo pagamento das custas assenta, a título principal, no princípio da causalidade e, subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual, sendo aquele indiciado pelo princípio da sucumbência, pelo que deverá pagar as custas a parte vencida, na respectiva proporção”.[5]

Tendo, em conta, que foi pedida a reforma dessa decisão, altera-se a mesma por forma a tributar o efectivo decaimento das partes, fixando-se as mesmas, em 73% para o autor e 27% para a ré seguradora.


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8. Deliberação

Pelo exposto, este tribunal julga a presente apelação não provida e, por via disso confirma a decisão recorrida, nos termos de todo o despacho de rectificação proferido e do supra determinado quanto a custas.


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Custas do recurso integralmente a cargo do autor, pois, decaiu completamente na sua pretensão, tendo aliás interposto, erroneamente duas apelações.

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Porto em 6.6.24

Paulo Duarte Teixeira

Paulo Dias da Silva

António Carneiro


 

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[1] Ac do STJ de 11.5.22, nº 6947/19.3T8LSB.L1.S1 (Leonor Rodrigues).
[2] Termina dizendo nesse requerimento que “alterando-se a decisão revidenda, substituindo-se por outra que judicie pela retificação da sentença para os valores indicados supra, por referência ao somatório dos montantes aferidos em sede pericial, e, consequentemente, condenando a Apelada A..., S.A. no pagamento dos montantes retificados que transcendam o já anteriormente judiciado naquela decisão, ou, pelo menos, caso assim não se entenda, decidindo pela não alteração para montantes inferiores aos resultantes da decisão de 07-11-2023”.
[3] facto alterado oficiosamente.
[4] Teor resultante da rectificação.
[5] Ac do STJ de 10.9.20, nº 1934/16.6T8VCT.G1.S1 (Ilídio Martins).