I - Não é exigível a presença de defensor na prestação de termo de identidade e residência.
II - Dado o conteúdo do termo de identidade e residência, apenas se trata de obrigar o arguido a identificar-se e a referir a sua residência e a não se ausentar desta por determinado prazo sem o comunicar às autoridades, visando-se assegurar que aquela pessoa, em relação à qual estão a decorrer investigações de ordem criminal, não desapareça sem as autoridades saberem.
Relatório
No Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo de Competência Genérica de Odemira - Juiz 1, foi, em 27 de janeiro de 2024, proferido despacho com o seguinte teor (transcrição):
“Ref.ª CITIUS n.º 2646669, de 03.01.2024/ Contestação datada de 03.01.2024:
O cidadão V foi detido em flagrante delito, por crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL 2/98, de 03.01, a que é aplicável pena de prisão, situação em que a lei processual impõe a constituição como arguido e sujeição a Termo de Identidade e Residência (doravante TIR), nos termos das disposições conjugadas dos artigos 255.º, n.º 1, alínea a), 196.º e 58.º, n.º 1, alínea c), todos do Código de Processo Penal (doravante CPP).
Contudo, resultado dos autos que aquele V é desconhecedor da língua portuguesa, decorre do artigo 64.º, n.º 1, alínea d), do CPP, a obrigatoriedade de assistência por defensor em qualquer ato processual.
Prevendo ainda a lei, no artigo 92.º, n.º 2, do CPP, que, nesses caos, lhe seja ainda nomeado intérprete idóneo.
In casu, nada disto foi feito, já que, em desobediência àquelas prescrições legais, V foi constituído arguido e prestou TIR sem que lhe fosse nomeado, então, defensor e intérprete idóneo.
É certo que dos autos consta constituição de arguido, bem como TIR em romeno, contudo tal não deve ser confundido com a nomeação de intérprete idóneo que é algo distinto.
As consequências da inobservância das prescrições legais estabelecidas para a prática dos atos processuais, estão reguladas nos artigos 118.º a 123.º, do CPP, embora de forma não exaustiva, já que há muitas outras dispersas pela lei processual penal.
A falta de nomeação de intérprete é, em casos como o dos autos, em que a lei a considera obrigatória, cominada no artigo 120.º, n.º 2, alínea c), do CPP, apenas com nulidade dependente de arguição.
E, uma vez que nos atos em causa, que são a constituição de arguido e a prestação de TIR, esteve presente o interessado, que a eles assistiu, resulta do n.º 3 do citado artigo 120.º, do CPP, bem como do artigo 123.º do mesmo diploma, que a arguição da respetiva nulidade de falta de intérprete, devia ter sido feita antes que o ato tivesse terminado.
Pelo que, não tendo o arguido, nos próprios atos, ocorridos em 13.06.2023, invocado a irregularidade cometida e resultante da falta de nomeação de intérprete, e mesmo a conceder- se que poderia socorrer-se do prazo geral de 10 dias definido no artigo 105.º, do CPP, sempre ele se mostraria ultrapassado quando, em 03.01.2024, na contestação, arguiu pela primeira vez a nulidade em causa.
Assim tendo ficado definitivamente sanada, por falta de arguição atempada, a nulidade referente à falta de nomeação de intérprete idóneo.
A situação, contudo, já é bem diferente no que respeita à falta de nomeação de defensor em ato processual em que intervenha desconhecedor da nossa língua, como aconteceu in casu, igualmente nos atos de constituição de arguido e prestação de TIR, pois o artigo 119.º, alínea c), do CPP, comina tal falta com nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do processo.
Dispondo, depois, o artigo 122.º, n.º 1 do mesmo diploma, que as nulidades, não tornam só inválido o ato em que se verificarem, mas também aqueles que dele dependerem e que aquelas puderem afetar. Impondo, inclusive, os n.ºs 2 e 3 do mesmo preceito que o juiz, ao declarar a nulidade, determine quais os atos que passam a considerar-se inválidos e ordene, sempre que necessário e possível, a sua repetição, além de que deve aproveitar todos os atos que puderem ser salvos do efeito daquela.
Pelo que, assente que está a nulidade dos atos de constituição de arguido e prestação de TIR por V, por falta de nomeação de defensor, cumpre agora determinar aqueles outros atos que, por deles dependerem, a cometida nulidade puder afetar.
Não havendo dúvida que, tais atos, são a acusação pública deduzida pelo Ministério Público contra V, bem como a sua notificação à mesma e a remessa a Tribunal dos autos.
Notifique.
Oportunamente dê a competente baixa.”
I - O Ministério Público, vem interpor recurso do despacho proferido a 27 de janeiro de 2024, cujo teor é o seguinte:
“A situação, contudo, já é bem diferente no que respeita à falta de nomeação de defensor em ato processual em que intervenha desconhecedor da nossa língua, como aconteceu in casu, igualmente nos atos de constituição de arguido e prestação de TIR, pois o artigo 119.º, alínea c), do CPP, comina tal falta com nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do processo.
Dispondo, depois, o artigo 122.º, n.º 1 do mesmo diploma, que as nulidades, não tornam só inválido o ato em que se verificarem, mas também aqueles que dele dependerem e que aquelas puderem afetar. Impondo, inclusive, os n.ºs 2 e 3 do mesmo preceito que o juiz, ao declarar a nulidade, determine quais os atos que passam a considerar-se inválidos e ordene, sempre que necessário e possível, a sua repetição, além de que deve aproveitar todos os atos que puderem ser salvos do efeito daquela.
Pelo que, assente que está a nulidade dos atos de constituição de arguido e prestação de TIR por V, por falta de nomeação de defensor, cumpre agora determinar aqueles outros atos que, por deles dependerem, a cometida nulidade puder afetar.
Não havendo dúvida que, tais atos, são a acusação pública deduzida pelo Ministério Público contra V, bem como a sua notificação à mesma e a remessa a Tribunal dos autos.
Pelo exposto, o Tribunal declara a nulidade da constituição de arguido e prestação de TIR por parte de V, bem como da acusação pública e sua notificação, atos que devem ser repetidos, em consequência do que se determina que, após trânsito, seja o processo remetido aos serviços do Ministério Público. “
II - Ao proferir o despacho acima transcrito, sufragou o julgador que a ausência de defensor no ato de constituição como arguido e de prestação de TIR quando o arguido não conhece a língua portuguesa, constitui uma nulidade insanável – artigo 119º, alínea c), do Código Processo Penal, violando de forma expressa os artigos 61º, 92º, 122º, 123º, do Código Processo Penal dos artigos 32º e 219 da Constituição da República Portuguesa,
III - No caso concreto, compulsados os autos o V foi constituído arguido e prestou TIR, estando ambos traduzidos para a sua língua materna. Posteriormente, foi deduzida acusação em processo abreviado (referência 33623420) e nomeado defensor ao arguido (referência 2516019), tendo-se procedido à tradução da acusação (referência 2554099) e notificação do arguido (referência 33655275) e defensora.
IV - O artigo 64º, nº1, alínea d) do Código Processo Penal, que preceitua o seguinte: “ É obrigatória a assistência do defensor…em qualquer ato processual, à exceção da constituição de arguido, sempre que o arguido for cego, surdo, mudo, analfabeto, desconhecedor da língua portuguesa, menor de 21 anos, ou se suscitar a questão da sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída;” e em concretização da Diretiva 2010/64/64/EU o artigo 92º, nº2 do Código Processo Penal que prescreve o seguinte: “Quando houver de intervir no processo pessoa que não conhecer ou não dominar a língua portuguesa, é nomeado, sem encargo para ela, intérprete idóneo, ainda que a entidade que preside ao acto ou qualquer dos participantes processuais conheçam a língua por aquela utilizada.”, tudo em nome do acesso a justiça e conhecimento efetivo dos direitos e deveres que impendem sobre os arguidos.
V - A lei pauta a sua redação pelo acesso às garantias dos direitos fundamentais e de defesa, sendo disso exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo nº921/12.8TAPTM, de 14/10/2014, evidenciando que a lei impõe assistência de defensor em situações que possam afetar qualquer indivíduo em termos pessoais ou processuais, assegurando o que comumente se denomina por “minimum rights”.
VI - A constituição como arguido não impõe a exigência de nomeação de defensor, mesmo no caso em que o arguido seja cego, surdo, mudo, analfabeto, desconhecedor da língua portuguesa, menor de 21 anos, ou se suscite a questão da sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída, sendo apenas exigível quando os arguidos prestam declarações nessa qualidade e independentemente da da autoridade perante qual o fazem.
VII - A lei é clara no sentido de que a constituição de arguido não carece de nomeação de defensor pelo que, não existe qualquer nulidade, muito menos a de constituição de arguido e prestação do respetivo TIR, devendo os atos processuais serem considerados válidos e os autos prosseguirem a tramitação subsequente (neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo nº8/23.8GBABT-A.E1, de 25/05/2023).
VIII - Fazer uma interpretação como a do despacho agora colocado em crise, é fazer uma interpretação sem fundamento legal e violadora dos artigos 61º, 92º, 122º, 123º, do Código Processo Penal dos artigos 32º e 219 da Constituição da República Portuguesa, urgindo o mesmo ser revogado e substituído por um que reponha a legalidade ou seja, não declarar a nulidade da constituição de arguido e prestação de TIR por parte de V, da acusação pública, notificação e remessa do processo para os serviços do Ministério Público.
Termos em que, deve o despacho ser revogado e substituindo por um que considere o ato de constituição de V como arguido válido, tal como a prestação do respetivo TIR válida, fazendo-se dessa forma Justiça.
Delimitação do objeto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal “ad quem” apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º, nº1 e 412º, nºs 1 e 2, ambos do CPP).
São, pois, as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o Tribunal ad quem tem de apreciar.
No caso sub judice o recorrente limita o recurso à questão de saber se a ausência de defensor no ato de constituição como arguido e de prestação de TIR quando o arguido não conhece a língua portuguesa, constitui, ou não, uma nulidade insanável.
Compulsados os autos verifica-se que:
- No dia 13 de junho de 2023, pelas 18h20m, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula (…..) sem que fosse titular de habilitação legal para o efeito, pelo que foi detido em flagrante delito – folhas 3 e 4;
- O arguido no mesmo dia foi constituído arguido e prestou TIR, estando ambos traduzidos para a sua língua materna – folhas 7 e 10;
- O arguido foi libertado no mesmo dia pelas 20h45m;
- Foi deduzida acusação em processo abreviado (referência 33623420 e folhas 30 a 32) e nomeado defensor ao arguido (referência 2516019 e folhas 35);
- Procedeu-se à tradução da acusação (referência 2554099);
- Procedeu-se à notificação da acusação ao arguido (referência 33655275 e folhas 43 a 48) e defensora.
Vejamos
O arguido é um sujeito processual: reconhecem-se-lhe direitos e cabem-lhe também deveres (art. 61º CPP), e com a respetiva constituição tem os direitos, liberdade e garantias que a Constituição lhe prevê e assegura.
Pretende-se com isso a consagração da verdade material, na medida em que este sujeito processual goza da proteção do direito.
Para determinar a quem compete a iniciativa ou o impulso processual, tem que se considerar que tal iniciativa é tarefa estatal e ela é realizada oficiosamente, em certos casos mesmo à margem da vontade e da atuação dos particulares.
Em determinado tipo de crime, o Estado age oficiosamente: não necessita da participação, ou do impulso particular, para que se desencadeie todo o processo de investigação, com vista a determinar quem foram os agentes e a decisão de os submeter ou não a julgamento, competindo o exercício da ação penal ao Ministério Público. E nisto se traduz o princípio da oficialidade, o caráter público da promoção processual, sendo o princípio da legalidade que domina o processo penal português, quer de um ponto de vista legal – arts. 262º, nº 2 e 283º do CPP - quer de um ponto de vista constitucional - art. 219º da CRP, do qual resulta no seu nº 1 “Ao Ministério Público compete (…) exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade
(…)”.
Ora, nos termos do Parecer do Conselho consultivo da PGR de 14.11.1996:
“1ª. A constituição de arguido, prevista no artigo 58º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, traduz- se num acto formal através do qual se assume no processo a qualidade de arguido, com a atribuição dos correspondentes direitos e deveres processuais - artigo 61º do Código de Processo Penal;
(…)
3ª. O juízo sobre a necessidade de prestação de declarações e sobre a decisão de constituição de arguido compete à autoridade que dirige o inquérito, devendo ser consequentemente entendido numa perspectiva processual - concreta.”
“ (…) na substância das coisas, o arguido, tal como o suspeito, é uma pessoa em relação à qual exista, pelo menos, um indício, isto é, uma razão para crer que ela cometeu ou vai cometer um crime ou participou ou vai participar na sua comissão. Num caso, como no outro, existe uma suspeita que deve ser fundada, isto é, motivada, pelo menos, por uma razão”. E conclui, assim, que a distinção entre suspeito e arguido é, pois, “estritamente estatutária e não material. Dito de outro modo, o suspeito é um arguido que ainda não foi reconhecido formalmente como tal e, por conseguinte, o arguido é um suspeito que já foi formalmente reconhecido como tal“ (cfr. Pinto de Albuquerque, in Comentário do CPP, em anotação ao artigo 57.º).
Ora, “o estatuto de arguido – tal como está definido no artigo 61.º do Código hoje vigente – é uma universalidade de direito e de deveres processuais (artigo 60.º), tudo enquadrado numa situação jurídica com contornos específicos. Tal estatuto é enformado por várias manifestações típicas de um único direito, o de defesa e por uma situação processual específica, a decorrente da presunção de inocência (artigo 32.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição” (cfr.José António Barreiros, I Congresso de Processo Penal).
Com efeito, a CRP impõe no já citado art. 32.º, que o processo penal assegure todas as garantias de defesa ao arguido, a quem a lei confere um estatuto de direitos e obrigações enformados pela ideia nuclear de permitir a efetividade da sua defesa no processo em que é chamado a responder.
E decorre do art.º 64.º, n.º 1, al.ª c), do CPP, que é obrigatória a assistência do defensor em qualquer ato, à exceção da constituição de arguido, sempre que o arguido for cego, surdo, mudo, analfabeto, desconhecedor da língua portuguesa, menor de 21 anos, ou se suscitar a questão da sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída.
Sobre a problemática em análise pronunciou-se em termos que se têm como inequivocamente corretos, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Proc. 921/12.8TAPTM, de 14-10-2014, Relator Proença da Costa, acessível in www.dgsi.pt, cuja fundamentação se irá seguir de perto, por a ela aderirmos na sua globalidade “ (…) Na leitura do inciso normativo levada a cabo pelo Prof.º Germano Marques da Silva, aí se tratam de situações em que a defesa pessoal do arguido se presume diminuída em razão das circunstâncias nele referidas e, por isso, maior é a necessidade da assistência técnica.[1]
Importando salientar, como o fazem Simas Santos e Leal Henriques, que se os factores inibitórios não forem absolutamente incapacitantes, permitindo ao arguido a compreensão e o alcance do acto, a nomeação do defensor passa a ser facultativa, restrita aos casos de necessidade ou conveniência.[2]
Depois, importa reter que a obrigatoriedade de defensor em certos actos do processo penal tem sobretudo uma função de garantia, de controlo da legalidade dos actos e de assistência técnica ao arguido para que este possa estar bem informado dos seus direitos e deveres processuais e das consequências jurídicas dos seus actos[3].
Sobre o termo de identidade e residência importa fazer apelo ao que se dispõe no art.º 196.º, nº 1, do Cód. Proc. Pen., onde se refere que a autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal sujeitam a termo de identidade e residência lavrado no processo todo aquele que for constituído arguido, ainda que já tenha sido identificado nos termos do artigo 250.º
Insere-se o termo de identidade e residência no livro IV, titulo II, capítulo I do Cód. Proc. Pen., dedicado às medidas de coacção.
Dizendo-se no seu n.º 2 que, ao prestar termo de identidade e residência, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha, para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 113º.
E no nº 3 que do termo deve constar que ao arguido foi dado conhecimento da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado (alínea b)); assim como de que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada, excepto se ele comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria (alínea c)), e de que o incumprimento destas obrigações legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333º (alínea d)).
Importando reter que o Termo de Identidade e residência é a única medida de coacção que pode ser aplicada pelo M. P.- durante a fase de inquérito, cfr. arts. 194.º, n.º 1 e 268.º, n.º 1, al.ª b), do Cód. Proc. Pen.-, ou por órgãos de polícia criminal- art.º 270.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
Para além de que é obrigatória após a constituição de arguido, não estando condicionada aos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade- cfr. arts. 191.º e 193.º, do Cód. Proc. Pen.
E apresentando-se como único requisito de aplicação da medida a constituição de arguido, a significar que o processo vai prosseguir com um eventual responsável já identificado.[4]
Dadas tais especificidades, entende a Prof.ª Teresa Beleza que o termo de identidade e residência não é talvez uma verdadeira medida de coacção no sentido em que o são as outras, na medida em que ela é sempre tomada independentemente de necessidades especiais daquele processo. Trata-se apenas de obrigar o arguido a identificar-se e a referir a sua residência, ficando obrigado a não se ausentar por determinado prazo dessa residência sem o comunicar às autoridades, portanto trata-se apenas de assegurar que aquela pessoa, em relação à qual estão a decorrer investigações de ordem criminal, não desapareça sem as autoridades saberem (…).
Nem está sujeita às exigências do art.º 204.º, que expressamente a refere como excepção.[5]
O Dr. David Catana questiona se o termo de identidade e residência é uma verdadeira medida de coacção.
Desde logo, por nos termos do art.º 196.º, esta medida ter carácter obrigatório sempre que o processo deva continuar.
Assim se atender aos arts. 196.º, 57.º, 58.º e 59.º, parece que a constituição de arguido implica a aplicação do termo de identidade e residência, pois a constituição de arguido existe porque o processo vai prosseguir e, assim sendo, esta medida tem que ser obrigatoriamente aplicada, o que normalmente acontece no acto imediato à constituição de arguido. Ora, face ao exposto, parece ser esta medida não uma verdadeira medida de coacção, mas antes uma obrigação, um dever, ou sujeição em virtude da própria constituição de arguido.
Para concluir, não ser o termo de identidade e residência uma verdadeira medida de coacção, mas antes uma situação a que o arguido está sujeito em virtude da sua condição no processo[6].
Para a Prof.ª Maria João Antunes, o termo de identidade e residência é uma medida cuja natureza cautelar é duvidosa: por um lado, a sua imposição depende somente da circunstância de ter lugar a constituição de arguido e não de alguma das previstas no art.º 204; por outro, o M.P. e os órgãos de polícia criminal também são competentes para a impor (arts. 196.º e 268.º, n.º 1, al.ª b), do C.P.P.[7]
Para Telma Maria dos Santos Fernandes, o TIR é efectivamente uma medida de coacção como o Código taxativamente o refere, mas não é no seu todo, é sim uma medida de coacção sui generis. Para além de não necessitar dos requisitos que todas as outras medidas de coacção necessitam, o TIR molda-se próximo de uma medida administrativa, o que não implica que deixa de ser considerada como medida de coacção.[8]
Face ao acabado de mencionar, não descortinamos onde se possa vir exigir a presença de defensor na prestação de termo de identidade e residência.
Porquanto, a intervenção do arguido nos autos dispensa o auxilio de defensor, dado o conteúdo do termo de identidade e residência, como bem o refere a Prof.ª Tereza Beleza, trata-se apenas de obrigar o arguido a identificar-se e a referir a sua residência, ficando obrigado a não se ausentar por determinado prazo dessa residência sem o comunicar às autoridades, portanto trata-se apenas de assegurar que aquela pessoa, em relação à qual estão a decorrer investigações de ordem criminal, não desapareça sem as autoridades saberem (…).
O que permite ao arguido a compreensão e o alcance do acto, sem necessidade de assistência de defensor.
O que impõe se conclua pelo não cometimento da falada nulidade insanável do art.º 119.º, n.º 1, al.ª c), do Cód. Proc. Pen, e bem assim de quaisquer nulidades a afectarem a validade das notificações enviadas ao arguido - nomeadamente do teor da acusação e da data designada para a realização da audiência de julgamento -, sendo despicienda a invocação do que se dispõe nos arts. 119.º, al.ª d) e 122.º, do Cód. Proc. Pen.”
Assim, sufragando a argumentação perfilhada no Acórdão supra citado e transcrito, que integralmente acolhemos, julga-se procedente o recurso interposto.
Decisão
Por todo o exposto, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
- conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e, em consequência, revogar o despacho recorrido e determinar a substituição por outro que considere válidos o ato de constituição de V como arguido, tal como a prestação do respetivo TIR, a acusação pública deduzida e a respetiva notificação.
- Sem custas.
Évora, 18 de junho de 2024
Laura Goulart Maurício
Nuno Garcia
Anabela Simões Cardoso