Não cabe no âmbito das “outras quantias devidas”, no que respeita ao procedimento de injunção geral, o pedido de pagamento de encargos associados à cobrança da dívida, os quais constituem danos decorrentes do incumprimento contratual, não sendo obrigação diretamente emergente do contrato.
Juíza Desembargadora Relatora:
Alexandra Pelayo
Juízes Desembargadores Adjuntos:
Alberto Paiva Taveira
João Diogo Rodrigues
SUMÁRIO:
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Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO:
“A..., S.A.” interpôs a presente ação executiva contra AA com vista ao pagamento da quantia de € 1.263,71 e dando à execução dois requerimentos de injunção no valor de € 330,69 e € 577,96 e nos quais reclama, em cada um, o pagamento da quantia de € 100,00 “a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida”.
No requerimento executivo, faz acrescer aos referidos montantes de € 330,69 e € 577,96 a quantia de € 355,06 que diz respeitar aos juros de mora contabilizados à taxa legal comercial desde a entrada da injunção, dos juros compulsórios e das quantias exigíveis nos termos do art.º 33º nº 4 da Lei n.º 32/2014, de 30 de Maio e art.º 26º. nº. 3 al. c) do Regulamento das Custas Processuais.
Notificada para vir esclarecer indicação que faz dos referidos €908,65 como “Valor Líquido”, devendo ainda esclarecer, dos valores que reclama e diz “dependente de simples cálculo aritmético”(com referência a cada um dos títulos executivos que deu à execução), quais os que respeitam às quantias exigíveis nos termos do art.º 33º n.º 4 da Lei n.º 32/2014 e quais as que reclama ao abrigo do disposto no art.º 26º. nº. 3 al. c) do Regulamento das Custas Processuais., veio dizer o seguinte:
- reclama a quantia de € 908,65, referente à soma dos seguintes montantes: € 149,99 e € 384,03, de capital, € 4,20 e € 17,43 de juros e € 100,00 + € 100,00 de despesas administrativas do título;
- reclama, ao abrigo do art.º 33º n.º 4 da Lei n.º 32/2014, a quantia de € 47,50 + € 47,50 e ao abrigo do art.º 26º nº. 3 al. c) do Regulamento das Custas Processuais, a quantia de € 9,57 + € 9,56.
- a título de juros compulsórios reclama a importância de € 29,45 + € 64,45 e juros da execução, a quantia de € 46,23 + € 101,70.
Foi de seguida proferido despacho liminar, que indeferiu liminar e parcialmente o requerimento executivo, nestes termos:
“Atento o supra exposto, ao abrigo do disposto nos arts. 726º n.º 2 al. a) e 734º do Código de Processo Civil, indefiro liminarmente o requerimento executivo quanto à quantia de € 219,13 prosseguindo os autos para cobrança da quantia das quantias de € 708,65 e € 95,00, sendo a primeira acrescida dos juros moratórios a contar da entrada do requerimento de injunção e dos juros compulsórios a contar da data de aposição da formula executória e calculados sobre o capital de € 687,02.
Custas do decaimento pela exequente.”
Inconformada a Exequente A..., S.A veio interpor o presente recurso de Apelação, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“1. Foi indeferido, liminarmente, o requerimento executivo, pelo Tribunal a quo, por ter considerado por o Tribunal ter entendido que “não podia a exequente ter-se socorrido do procedimento de injunção para se fazer munir de título executivo relativamente às referidas importâncias de €200,00 (€100,00 por cada injunção”).
2. Salvo, porém, o devido respeito, tal decisão carece de oportunidade e de fundamento, uma vez que,
3. O procedimento injuntivo é um meio adequado para peticionar o pagamento da obrigação resultante da aplicação da clausula penal acordada para o incumprimento do período de fidelização, bem como,
4. A injunção é um meio adequado para peticionar ao devedor o pagamento dos referidos custos administrativos relacionados com a diligencia de cobrança da dívida.
5. Outra conclusão seria manifestamente contrária ao “espírito” legislativo associado à criação do DL 269/98, de 1 de Setembro, como decorre, indubitavelmente da leitura do preâmbulo deste diploma legal.
De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão proferida nos presentes autos
- violou o artigo 1º do diploma preambular anexo ao DL 269/98, de 1 de Setembro.
- violou o artigo 590º do CPC
- violou o artigo 726º nº 2 al a) do CPC.”
Não houve resposta ao recurso.
O recurso foi admitido como apelação.
II - OBJETO DO RECURSO:
Sem prejuízo do conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, não podendo este Tribunal de recurso conhecer de matérias nelas não incluídas.
A questão decidenda, delimitada pelas conclusões do recurso é a de saber se a quantia proveniente da penhora em execução movida contra a ora insolvente
III - FUNDAMENTAÇÃO:
Dão-se aqui por reproduzidos os atos processuais mencionados no Relatório.
IV - APLICAÇÃO DO DIREITO:
Está em causa saber se o procedimento de injunção pode constituir título executivo relativamente às despesas administrativas peticionadas, no montante de 100€ por cada injunção, no valor global de €200,00 euros.
Entendeu-se na sentença recorrida que não, uma vez que: “O procedimento de injunção devia ter sido recusado pela secretaria com fundamento na pretensão nele deduzida não se ajustar à finalidade do procedimento, em conformidade com o que dispõe o art.º 11º n.º 1 al. h) do Regime Anexo ao DL n.º 269/98 de 01 de Setembro, na redação introduzida pelo DL n.º 107/2005 de 1 de Julho ou, não o tendo sido, sempre devia o secretário judicial ter recusado a aposição da formula executória, conforme prevê o art.º 14º n.º 3 do citado diploma. Nada obsta a que na ação executiva esta questão possa ser apreciada, uma vez que está subjacente o erro na forma de processo, o que consubstancia nulidade de todo o processo, e constituiu uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância -arts. 193º, 576º, n.º 2, 577º, n.º 1, al. b) e 578º. do Código de Processo Civil e 14º-A n.º 2 al. a) do Regime dos Procedimento a que se refere o art.º 1º. do DL n.º 269/98 de 1 de Setembro.”
A razão da discordância da apelante reside no facto de defender que a injunção constitui, ao invés, um meio adequado para peticionar ao devedor o pagamento dos custos administrativos relacionados com a diligencia de cobrança da dívida.
Alega que outra conclusão seria manifestamente contrária ao “espírito” legislativo associado à criação do DL 269/98, de 1 de Setembro, como decorre, indubitavelmente da leitura do preâmbulo deste diploma legal.
Cita alguma jurisprudência em abono da sua tese.
Importa pois aferir se o pedido de pagamento das denominadas “despesas administrativas”, ou seja das despesas que a exequente fez, tendo em vista a cobrança extrajudicial da dívida, se ajustam ou não à finalidade do procedimento de injunção, em conformidade com o que dispõe o art.º 11º n.º 1 al. h) do Regime Anexo ao DL n.º 269/98 de 01 de Setembro, na redação introduzida pelo DL n.º 107/2005 de 1 de Julho.
Questiona-se se o sentido da expressão “outras quantias devidas”, constante do art. 10º, nº 2, al. e), do diploma anexo ao D.L. 269/98, com a epígrafe “Forma e conteúdo do requerimento” e com o seguinte teor:
1 - O modelo de requerimento de injunção é aprovado por portaria do Ministro da Justiça.
2 - No requerimento, deve o requerente:
a) (…);
b) (…);
c) (…);
d) Expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão;
e) Formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas;
abrange as chamadas “despesas administrativas” do contrato, onde se incluem as despesas de expediente concernentes às comunicações de advogados.[1]
O D.L. 62/2013, de 10/05, que respeita às obrigações emergentes de transações comerciais, relativamente às quais o credor se pode socorrer também do procedimento de injunção, neste caso sem limite de valor, dispõe, no seu art. 7º, com a epígrafe, “Indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida”, que quando se vençam juros de mora em transações comerciais, nos termos dos artigos 4.º e 5.º, o credor tem direito a receber do devedor um montante mínimo de 40,00 EUR (quarenta euros), sem necessidade de interpelação, a título de indemnização pelos custos de cobrança da dívida, sem prejuízo de poder provar que suportou custos razoáveis que excedam aquele montante, nomeadamente com o recurso aos serviços de advogado, solicitador ou agente de execução, e exigir indemnização superior correspondente.
Não existe norma semelhante no D.L. 269/98, de 01/09, não obstante este ter sido alterado em 2019 (pela Lei nº 117/2019, de 13/09), já muito depois do D.L. 62/2013. Caso o legislador entendesse que deveria contemplar solução semelhante nos casos do procedimento geral de injunção, poderia tê-lo feito nesta altura, pelo que, se não o fez, foi porque entendeu que uma tal norma não tinha cabimento neste procedimento. Note-se que, de acordo com o disposto no art. 9º, nº 3, do Código Civil, o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
E compreende-se que assim seja, pois, como se vê do preâmbulo do D.L. 62/2013, este diploma visou transpor para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16/02/2011, resultando a norma em causa precisamente de uma imposição da Diretiva, que regula todas as transações comerciais (e só estas), não se aplicando nomeadamente às transações com os consumidores (o que também sucede com o Decreto-Lei em causa, como decorre do seu art. 2º, nº 2, al. a), que exclui do âmbito de aplicação deste os contratos celebrados entre consumidores – que é o caso dos autos).
Assim sendo, afigura-se-nos que a indemnização prevista no art. 7º do D.L. 62/2013 não se aplica ao procedimento geral de injunção.
Ademais, há que ter em conta que estando em causa obrigações pecuniárias emergentes de contrato “as referidas quantias a que se reporta o normativo, hão-de resultar do que foi objeto do contrato em causa”.[2]
Daí que se entenda que não cabe no âmbito das “outras quantias devidas”, no que respeita ao procedimento de injunção geral, o pedido de pagamento de encargos associados à cobrança da dívida, os quais constituem danos decorrentes do incumprimento contratual, não sendo obrigação diretamente emergente do contrato (tanto assim que, como se viu, no caso das transações comerciais foi necessário criar uma norma expressa a prever tal pagamento, o que não seria preciso se tais quantias se considerassem “obrigação emergente do contrato”).
Neste sentido, para além do acabado de referir, podem ver-se, entre outros, os Acs. da R.P. de 07/06/2021, com o nº de processo 2495/19.0T8VLG-A.P1; de 27/09/2022, com o nº de processo 418/22.8T8VLG.-A.P1; e de 08/11/2022, com o nº de processo 901/22.5T8VLG-A.P1; da RP de 12.07.2023, com o nº de processo 3889/21.6T8VLG-A.P1; da R.L. de 28/04/2022, com o nº de processo 28046/21.8YIPRT.L1-8; e da R.E. de 15/09/2022, com o nº de processo 2274/20.1T8ENT.E1, todos publicados em www.dgsi.pt.
Não constituindo questão com resposta consensual, na jurisprudência afigura-se-nos que o entendimento acolhido nas decisões indicadas é o mais consentâneo com o regime legal simplificado do procedimento de injunção geral (o que não decorre de transações comerciais) tal como foi delineado pelo legislador.
Pelo exposto, não reconhecemos razão à recorrente, não sendo possível peticionar a referida quantia de € 100,00 “a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida” em cada um dos procedimentos injuntivos, justificando-se o indeferimento liminar parcial do requerimento executivo nessa parte.
V - DECISÃO
Pelo exposto e em conclusão acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação, em julgar improcedente o recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.