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EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
DESPACHO LIMINAR
INDEFERIMENTO LIMINAR DO PEDIDO
PESSOA ESPECIAL RELACIONADA COM O DEVEDOR
Sumário
Preenche a previsão da alínea e), do n° 1 do art. 238° do CIRE a insolvente que alienou a favor de pessoa consigo especialmente relacionada um automóvel, único bem que que garantia os créditos da Massa Insolvente.
Texto Integral
Processo n.º 990/23.5T8AMT-D.P1– Apelação
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Sumário:
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Em processo de insolvência pessoa singular por apresentação instaurado por AA, com os sinais dos autos, veio a insolvente requerer a exoneração do passivo restante.
O Administrador Judicial opôs-se ao deferimento liminar do pedido, dizendo que a Insolvente transferiu a propriedade da viatura com a matrícula AJ-..-SX, marca BMW para o seu pai, com o único propósito de retirar da sua esfera bens passíveis de serem apreendidos para a massa insolvente e assim continuar a beneficiar do aludido bem, com prejuízo para os credores.
Opuseram-se ainda os credores A..., S.A., Banco 1..., Sucursal em Portugal da S.A. francesa Banco 1... e BB, aderindo à posição do Al..
A insolvente reafirmou a sua pretensão, dizendo que:
- para poder fazer face às suas obrigações foi-se socorrendo de ajuda dos pais que, desde pelo menos Novembro de 2022, lhe foram emprestando quantias em dinheiro para que a mesma não entrasse em relaxe perante os seus credores.
-em Janeiro de 2023, fruto das sucessivas quantias recebidas por parte dos seus pais, decidiu, como forma de pagamento, transferir a propriedade da viatura com a matrícula AJ-..-SX para o seu pai.
-nesse momento a insolvente ainda se encontrava capaz, apesar de com elevada dificuldade, de cumprir com as suas obrigações.
- teve de entrar de baixa médica fruto de uma gravidez de risco, o que provocou uma queda inesperada dos seus rendimentos, que associada ao aumento do custo de vida, fez com que se tivesse tornado impossível fazer face à suas obrigações, o que se verificou em Março de 2023.
Realizou-se uma diligência de audição da devedora, após o que foi proferido despacho, indeferindo liminarmente o pedido formulado pela insolvente.
Desta decisão vem a insolvente interpor recurso de apelação, finalizando com as seguintes conclusões: A. O presente recurso recai sobre matéria de facto e sobre matéria de direito. B. A decisão recorrida não teve acerto no ponto 4 da matéria de facto dada como provada e da alínea a) dos factos não provados, o que se consigna para efeitos do disposto no artigo 640º alínea a) do C.P.C. C. A transferência do veículo da insolvente para o seu pai teve como objectivo pagar- lhe o que já lhe devia e ainda o que lhe emprestou por essa altura (janeiro de 2023), mas nunca o objectivo de fugir ou esconder os bens dos credores, não tendo sequer continuado a usar o veículo em proveito próprio. D. A Recorrente só se haveria de apresentar à insolvência em 14 de Julho de 2023. E. A Recorrente não tinha o ónus de provar que o pai lhe pagou algum valor pelo veículo, nem qual o valor do mesmo, uma vez que era ao senhor A.I. e aos credores a quem cabia alegar e provar os factos e circunstâncias mencionadas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 238.º, enquanto factos impeditivos do direito, o que não aconteceu (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 519/20.7T8STS-D.P1, datado de 12/04/2021, disponível para consulta em www.dgsi.pt ). F. Ainda assim, atente-se em concreto aos minutos 01:50 a 3:20, 04:00 a 04:30, 04:30 a 5:00, 05:45 a 06:30, 07:00 a 07:50, 08:00 a 08:30 e 08:45 a 09:44, da audição da Insolvente/Recorrente, realizada no dia 10/10/2023 e gravada em suporte digital, das 09:43 às 09:53 horas, conforme mencionado no corpo das alegações e que aqui se reproduzem. G. A insolvente viu ser-lhe concedido protecção jurídica em 08/03/2023 com o fim de se apresentar à insolvência, mas apenas o fez em Julho de 2023, pois queria evitar ao máximo recorrer a tal mecanismo. H. À credora BB fez pagamentos até Abril de 2023 e à Banco 1... até Março do mesmo ano, apesar mesmo desta última não ter pretendido constituir qualquer garantia sobre o veículo em causa, quer garantia pessoal (fiança, por exemplo). I. Porque o negócio de transmissão do veículo correspondia à realidade, a insolvente apesar de pressionada pelo A.I. a “reverter o registo” não o fez, sendo que o seu pai a isso também se opôs. J. Face à prova produzida, e ainda que tal ónus não pertencesse à recorrente/insolvente, deve o facto provado 4) passar a integrar o rol de factos não provados e a alínea a) dos não provados passar a constar dos factos provados. K. A decisão recorrida não podia também indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante com fundamento no artigo 238.º, n.º 1, alínea e) do CIRE, ainda que não venha a ser dada razão à recorrente na impugnação que faz da matéria de facto. L. A transferência da propriedade da viatura para o seu pai de modo a pagar-lhe dívidas, não significa que já estivesse incapaz de pagar as obrigações na data daquela transferência. M. A situação de insolvência não se caracteriza pela verificação de uma situação líquida negativa, podendo a insolvente ainda socorrer-se de empréstimos dos seus familiares, nomeadamente dos pais, motivo pelo qual não se apresentou logo, em Março de 2023, à insolvência. N. Neste sentido, veja-se a título de exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 01/06/2020, processo n.º 375/19.8T8GRD-C.C1, disponível para consulta em www.dgsi.pt: “…uma situação líquida negativa não implica a insolvência do devedor, se o recurso ao crédito lhe permitir cumprir pontualmente as suas obrigações”. O. O A.I. procedeu à resolução do negócio e o pai da insolvente apresentou proposta para reaquisição do veículo, pelo que não deverá ser sua intenção impugnar a mesma. P. Naquele sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto do dia 07/12/2016, processo n.º 262/15.9T8AMT-D.P1, disponível para consulta em www.dgsi.pt : “…é necessário não esquecer que a qualificação da insolvência como culposa não implica renúncia nem prejudica o accionamento pelo administrador de insolvência dos mecanismos jurídicos de tutela dos interesses dos credores, designadamente a resolução em benefício da massa insolvente.” Q. A condição de indeferimento liminar prevista na alínea e), do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE só opera caso exista “culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência nos termos do artigo 186.º”. R. A viatura transferida era de 2010, havia sido importada e possui cerca de 224.895 km. S. Não se encontram demonstradas as situações elencadas nas alíneas a) e d), do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE e também não ficou demonstrado que a insolvente o tenha feito com “culpa”, de acordo com a alínea e), do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE. T. Por terem enorme relevância, vejam-se os Acórdãos já citados no corpo das alegações, concretamente, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 20/03/2018, processo n.º 9721/15.2T8VNF-E.P1, acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 12/04/2021, processo n.º 519/20.7T8STS-D.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt e cujo conteúdo aqui se reproduz por uma questão de economia processual. U. O comportamento da insolvente anterior à sua apresentação à insolvência, bem assim nas relações que teve com os credores não foi ilícito, desonesto, pouco transparente ou de má fé. V. Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/06/2020, processo n.º 6102/18.0CBR-G.C1, disponível para consulta em www.dgsi.pt , onde ficou decidido: “Considera-se de boa fé o devedor cuja situação patrimonial resultou de actos praticados sem o intuito de prejudicar os direitos dos credores, salvo se tivesse contribuído de forma consciente e censurável para gerar ou agravar o sobre-endividamento. Tal benefício há de ser concedido ao devedor honrado mas desafortunado, que conduziu honestamente a sua actividade económica e financeira, mas que sofreu um infortúnio imprevisto na sua vida pessoal ou laboral – uma situação de desemprego, divórcio, incapacidade, ou outra.” W. Deve ser dada à recorrente/insolvente a oportunidade para refazer a sua vida, agora com a necessidade, sendo mãe solteira, de criar dois filhos menores, podendo demonstrar que actua conforme ao direito e de boa fé, com boa conduta, durante todo o prazo de cessão, não devendo ser impedida de fazer essa demonstração através do indeferimento liminar do benefício da exoneração do passivo restante. X. “Ao requerente que pretenda aceder ao procedimento bastará alegar a qualidade de insolvente e fazer constar do requerimento a declaração expressa do n.º 3 do artigo 236º do CIRE, cabendo aos credores e ao administrador da insolvência alegar e provar os factos e circunstâncias mencionadas nas várias alíneas do nº 1 do artigo 238º, enquanto factos impeditivos do direito” – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12/04/2021, Processo n.º 519/20.7T8STS-D.P1, disponível para consulta em www.dgsi.pt . Y. A decisão recorrida viola por erro de interpretação as normas constantes dos artigos 238.º, n.º 1, alínea e) e 186.º, n.º 2, alíneas a) e d) do CIRE, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que admita liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine). Face às conclusões do recorrente, as questões a solucionar consistem na impugnação do ponto 4) dos factos considerados provados e em saber se existe ou não fundamento para recusar a exoneração do passivo restante à insolvente.
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São os seguintes os factos considerados provados e não provados pela 1.ª instância: Factos provados:
1. O presente processo de insolvência teve início em 14/7/2023 com a apresentação à insolvência por parte da devedora.
2- Foram reconhecidos créditos no valor de 23 899,79€.
i- À credora Banco 1..., Sucursal em Portugal SA, foi reconhecido um crédito no valor de €17873,34, proveniente de um crédito automóvel no valor de 17 000,00€, efetuado a 12.5.2022. Este crédito entrou em incumprimento em março de 2023.
ii- A credora B... foi reconhecido um crédito no valor de 1217,26€ proveniente da cessão de créditos da Banco 2..., com quem a insolvente celebrou um contrato de crédito ao consumo e que entrou em incumprimento em janeiro de 2018.
iii- À credora BB foi reconhecido um crédito no valor de 1053,80€ decorrente de um acordo efectuado no decorrer do processo n.° 116/20.7GAPFR que correu termos no tribunal de Lousada.
iv- À credora A... foi reconhecido um crédito no montante de 3755,39€ proveniente da cessão de créditos do Banco 3... à C... que por sua vez o cedeu à A... resultante de um cartão de crédito, contrato de abertura de depósitos com saldo a descoberto.
3- No dia 27.1.2023 a insolvente transferiu a propriedade do veículo com a matrícula AJ-..-SX para o seu pai CC.
4- Por conta do negócio referido em 3) a insolvente nada recebeu.
5- Para além do citado veículo, a insolvente não possuía quaisquer outros bens.
6- O Sr. Al resolveu a favor da massa o negócio referido em 3).
7- No ano de 2021 a devedora declarou rendimentos no valor de 3 814,89€.
8- No ano de 2022 a insolvente desempenhava as funções de costureira auferindo o salário mínimo nacional.
9- Em 8.3.2023 foi proferida decisão pelo ISS a conferir à devedora protecção jurídica nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e nomeação de patrono com vista à instauração de acção especial de insolvência.
10- Do CRC da devedora não resultam quaisquer antecedentes criminais. Factos Não provados:
a) A transferência de propriedade referida em 3) tenha ocorrido para compensar o pai da insolvente dos empréstimos que lhe fizera.
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1. As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (artigo 341.º do C.Civil). A prova em processo comum não pressupõe uma certeza absoluta ou ontológica, mas, por outro lado, também não se pode quedar na mera probabilidade de verificação de um facto. Assenta no alto grau de probabilidade do facto suficiente para as necessidades práticas da vida (Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, p. 191). A livre apreciação da prova, consagrada no art.º 396.º do C. Civil, é uma liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves, da «liberdade para a objectividade» (Rev. Min. Pub. 19º, 40). A este respeito constata-se que não foi produzido qualquer meio de prova a propósito do recebimento pela recorrente de qualquer contraprestação por conta do negócio referido em 3) excepto as declarações de parte da própria recorrente, que não confessou tal matéria. Tão pouco demonstrou a recorrente que se tratou de um negócio verdadeiro, mediante o recebimento do justo valor ou de mercado do veículo em questão. Em todo o caso, a não prova desse facto não determina a prova do seu contrário, pelo que, ainda que sem relevo decisivo para a solução do recurso, assiste razão à recorrente ao pretender a expurgação desse facto.
2. A exoneração do passivo restante é uma medida completamente inovadora, justificada no ponto 45 do preâmbulo do DL n.º 53/2004, de 18/3, que aprovou o actual Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE), nos seguintes termos: “O Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do ‘fresh start’ para as pessoas singulares de boa fé incorridas em processo de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da «exoneração do passivo restante». O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste. A efectiva obtenção de tal benefício supõe, portanto, que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos – designado por período da cessão – ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos. Durante esse período, ele assume, entre várias outras obrigações, a de ceder o seu rendimento disponível (tal como definido no Código) a um fiduciário (entidade designada pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência), que afectará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. No termo desse período, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento. A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta recta que ele teve necessariamente de adoptar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica”.
Trata-se de uma medida prevista para as pessoas singulares dotadas de “boa fé” que se encontrem em situação de insolvência e que tem como objectivo primordial conceder-lhes uma segunda oportunidade, permitindo que se libertem do passivo que possuem e que não consigam pagar no âmbito do processo de insolvência, não visando, por conseguinte, a satisfação dos interesses dos credores, embora não os ignore na medida em que são impostos limites para a sua admissão.
Porque de um benefício se trata, “é necessário que o devedor preencha determinados requisitos e desde logo que tenha tido um comportamento anterior e actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência, aferindo-se da sua boa conduta, dando-se aqui especial cuidado na apreciação, apertando-a, com ponderação de dados objectivos passíveis de revelarem se a pessoa se afigura ou não merecedora de uma nova oportunidade e apta para observar a conduta que lhe será imposta” (cfr. acórdãos desta Relação de 9/1/2006, processo n.º 0556158, de 5/11/2007, processo n.º 0754986, de 9/12/2008, processo n.º 0826748, de 8/6/2010, processo n.º 243/09.1TJPRT-D.P1, de 7/10/2010, processo n.º 2329/09.3TBMAI-A.P1, de 15/3/2011, processo n.º 2887/10.0TBGDM-E.P1 e de 7/4/2011, processo n.º 3271/10.0TBMAI-G.P1, todos acessíveis em www.dgsi.pt, e Assunção Cristas, in “Novo Direito da Insolvência”, Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, 2005, Edição Especial, pág. 170, também ali citada).
Tal medida mostra-se regulamentada no capítulo I do título XII, integrado pelos art.ºs 235.º a 248.º do CIRE.
Daí resulta que o respectivo incidente compreende dois momentos fundamentais: o despacho inicial e o despacho de exoneração.
No primeiro, devem ser apreciados os requisitos necessários ao prosseguimento do incidente, podendo haver lugar ao indeferimento liminar nos termos do n.º 1 do art.º 238.º ou, não havendo motivo para esse indeferimento, à prolação do despacho a que alude o art.º 239.º, sendo que a libertação definitiva do devedor jamais pode ocorrer neste momento, a qual só poderá surgir com a prolação do aludido segundo despacho, no termo do período da cessão, aquando da prolação da decisão final a que se refere o art.º 244.º.
Estamos, ainda, no primeiro momento e perante um indeferimento liminar.
Os fundamentos que determinam o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante estão previstos no artigo 238º, n.º 1, do CIRE que contém uma enumeração taxativa, como vem sendo considerado, unanimemente, pela jurisprudência. Preceituando tal normativo que o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se:
a) For apresentado fora de prazo;
b) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver fornecido por escrito, nos três anos anteriores à data do início do processo de insolvência, informações falsas ou incompletas sobre as suas circunstâncias económicas com vista à obtenção de crédito ou de subsídios de instituições públicas ou a fim de evitar pagamentos a instituições dessa natureza;
c) O devedor tiver já beneficiado da exoneração do passivo restante nos 10 anos anteriores à data do início do processo de insolvência;
d) O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica;
e) Constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º;
f) O devedor tiver sido condenado por sentença transitada em julgado por algum dos crimes previstos e punidos nos artigos 227.º a 229.º do Código Penal nos 10 anos anteriores à data da entrada em juízo do pedido de declaração da insolvência ou posteriormente a esta data;
g) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do presente Código, no decurso do processo de insolvência.
No despacho recorrido foi entendido indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante por se ter considerado que a requerente, ponderando as regras da experiência, analisando criticamente a transferência de propriedade, e os contornos em que ocorreu, nomeadamente ausência de pagamentos, o momento em que ocorreu (imediatamente anterior à apresentação à insolvência) e a relação de parentesco existente entre as partes, realizou tal venda com o intuito de subtrair tal bem aos credores e não qualquer outro propósito. Incorrendo, assim na previsão da alínea e), do n° 1 do art. 238° do CIRE estabelece que é também indeferido o pedido de exoneração do passivo restante se constarem já do processo, "...elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do art. 186º. Vejamos.
Vem provado que para além do veículo AJ-..-SX que alienou, a insolvente não possuía quaisquer outros bens. Tal negócio, gratuito ou oneroso, a favor de uma pessoa consigo especialmente relacionada acarretou necessariamente, mais que uma diminuição do seu património, a sua completa dissipação, porquanto no lugar desse único bem não ficou qualquer outro, de valor igual ou aproximado. E consequentemente, um prejuízo para os credores que viram desaparecer o activo patrimonial que garantia o pagamento dos seus créditos, aumentando a dificuldade de satisfação dos mesmos, o que não sucederia se a insolvente se tivesse apresentado à insolvência antes de ter alienado o veículo. Objecta a recorrente que não tinha o ónus de provar que o pai lhe pagou algum valor pelo veículo, e que é falso que já estivesse incapaz de pagar as obrigações na data daquela transferência. Ora, a capacidade da recorrente para solver as suas obrigações não se presume em direito, em face da regra do art.º 611.º do C.Civil, de acordo com o qual incumbe ao credor a prova do montante das dívidas, e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor. Como tal, objectivamente o que resulta da factualidade supra é apenas que a recorrente alienou a favor de pessoa consigo especialmente relacionada o único bem que garantia os créditos da Massa Insolvente; e, a ter efectivamente entrado no seu património qualquer correspectivo, o que não se presume, esse correspectivo não foi afectado, sequer parcialmente, à satisfação daqueles créditos, e desde logo na amortização do crédito da credora Banco 1..., Sucursal em Portugal SA, para aquisição do automóvel. Desse modo incorrendo na previsão da alínea e), do n° 1 do art. 238° do CIRE, como se entendeu já no Ac. da Relação de Guimarães d 10-07-2023 (Proc.º 3835/22.0T8VNF.G1, in dgsi.pt). Não servindo de justificação a invocada, ou sugerida, falta de diligência da credora na avaliação do risco da concessão deste crédito.
Tanto basta para fundamentar o indeferimento liminar de que se recorre, afigurando-se não merecer censura a decisão recorrida.
Improcede, pelo exposto, a apelação.
Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação interposta e, consequentemente, confirmam a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Porto, 21/5/2024
João Proença
Artur Dionísio Oliveira
João Ramos Lopes