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SUSPEIÇÃO
EXTEMPORANEIDADE
Sumário
1. Pela regra geral sobre os prazos para a prática de atos processuais (cfr. artigo 149.º, n.º 1, do CPC), o prazo para deduzir o incidente de suspeição é de 10 dias. 2. O prazo de 10 dias para suscitar a suspeição, conta-se a partir do conhecimento do alegado facto que a fundamenta. 3. O fundamento de suspeição pode, contudo, ser superveniente, devendo a parte denunciar o facto logo que tenha conhecimento dele, sob pena de não poder, mais tarde, arguir a suspeição – cfr. artigo 121.º, n.º 3, do CPC. 4. Respeitando a suspeição deduzida sobre o Sr. Juiz à intervenção deste na condução da diligência processual que teve lugar no dia 27-02-2024, diligência na qual esteve presente o requerente e o seu mandatário, que nela participaram, o incidente em questão poderia ser deduzido até 08-03-2024 ou, então, em conformidade com o disposto no artigo 139.º, n.º 5, do CPC, até 13-03-2024 (3.º dia útil posterior ao do termo do prazo), pelo que, tendo sido deduzido em 18-03-2024, o mesmo é extemporâneo.
Texto Integral
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I.
1. Por requerimento apresentado em juízo em 18-03-2024, o requerente “A” veio, por intermédio do seu Advogado, apresentar incidente de suspeição, nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º 1, do CPC, relativamente ao Sr. Juiz “B”.
Para tanto invocou, em síntese, que:
- Até à data em que entregou o requerimento, esperou em vão o acesso aos autos por via informática, desde 27 de Fevereiro e à ata da “diligência-surpresa de pretensa conferência de pais”, onde esteve presente com seu Advogado;
- Tal “anomalia não é possível de distinguir da ostentada negação de imparcialidade e da igualdade entre as partes – ou dos contra-interessados (…)”;
- Não sabe o que se consignou na ata, traduzindo isso “uma denegação evidente de direitos processuais”, perturbando decisivamente a interposição de recurso, designadamente relativamente à fixação de residência, feita completamente à margem de qualquer critério jurídico;
- Na sessão “tentámos arguir a nulidade da convocatória, onde uma funcionária telefonou ao pai da menor – que não fala português – sendo certo que a senhora funcionária não falava inglês”, motivo pelo qual, só pelo ofício do Juízo de Família de Lisboa (formulando a solicitação a Vila Franca) pôde saber qual era o nº do juiz de Vila Franca, onde se poderia indagar a natureza do que se pretendia do pai da menor;
- “Expusemos a situação [na referida conferência] e isso nos valeu uma imediata hostilidade – visível hostilidade – do senhor juiz que pretendia viabilizar o procedimento”;
- “Pedimos a palavra para arguir a nulidade e isso foi-nos recusado”;
- “Pedimos a palavra para expor o problema da incompetência territorial do nosso ponto de vista e isso foi-nos recusado”, motivo pelo qual “informámos o senhor juiz – por imperativo estatutário – que deduziríamos suspeição em razão de se não poder compaginar tal conduta decisória com a imparcialidade do decisor jurisdicional, que é matéria de obrigação internacional do Estado”;
- Na mesma sessão o senhor juiz fixou a matéria da competência perguntando à mãe da menor onde é que ela morava e desde quando, tendo aquela respondido;
- O senhor juiz entendeu então “silenciando completamente o contrainteressado, não tendo aceitado ouvi-lo na posição que o mandatário pretendia tomar” que a residência habitual da senhora era em “Via Longa”;
- “Até hoje, o contra-interessado pai da criança não conhece o teor do requerimento de regulação, ao qual tem o direito de se opor”;
- “É outra obstrução da falta de acesso à acta, embora e em bom rigor devesse ter havido notificação no lugar, falhado que se mostrou o acordo”;
- “Não houve notificação, nem há acesso on line aos autos”, tendo a parte sido “impedida de exercer os seus deveres processuais – art.º 5º/1 do CPC – por mero arbítrio do decisor”, que “não cuidou de assegurar a igualdade material das partes, como o exige o art.º 4º do CPC”, dificultando “o exercício do direito de recurso pela falta de acesso aos autos e pela falta de resposta ao senhor juiz do Juízo de Família de Lisboa (DOC nº 1)”;
- “Tomada a posição do juiz 8 de Lisboa em janeiro deste ano, … Aparece em janeiro deste ano o requerimento de regulação em Vila Franca… (Não se sabe a data exacta, porque, justamente, não fomos notificados de tal coisa, nem temos acesso aos autos até à data de recepção deste requerimento),…. Também não se sabe a data do despacho de marcação da conferência de pais, sendo certo que a pretensa notificação se processou como acima descrito,… Não podemos, portanto, saber se o prazo legal foi respeitado, … E o processo transforma-se para nós numa sequência de ardis, lesivos de direitos delicadíssimos – além dos direitos processuais – ... Sendo certo que tal procedimento é incompatível com o art.º 47º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia”;
- Argui os factos expostos como “causa, não apenas da nulidade do processado (…), mas fundamento da suspeição”.
Juntou 2 documentos.
2. Em 24-04-2024 foi lavrado nos presentes autos - pela Escrivã-adjunta, “C” -, termo de conclusão com a seguinte informação: “- atenta a proximidade da data da diligência, o progenitor foi contacto telefonicamente, tendo o mesmo solicitado ao seu colega/encarregado ajuda na compreensão da comunicação, declarado ter percebido o que lhe era transmitido; - o senhor Mandatário tem acesso electrónico aos autos, como todos os demais Mandatários, pois nestes autos não existe restrição na sua consulta; - conforme ofícos que se juntam na referida certidão, foi solicitado ao Tribunal de Lisboa o estado do processo, bem como a comunicação dos nossos autos.”.
3. O Sr. Juiz respondeu – cfr. despacho de 24-04-2024 – concluindo inexistirem razões válidas para o deferimento da suspeição, sustentando, em suma, que:
- O recusante funda a suspeição com base em despacho, proferido nos referidos autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, e onde, se decidiu, que o presente Tribunal é territorialmente competente;
- A nulidade invocada não existe não só porque, nos termos do disposto no art.º 15º do RGPTC, está previsto que “as convocatórias para comparecer no tribunal ou noutros locais designados são realizadas, em regra, através do meio técnico mais expedito e adequado ao efeito pretendido, só se admitindo o recurso ao registo postal quando aquelas não puderem ser realizadas nos termos referidos” mas também porque o progenitor, apesar de não perceber português, compreendeu que teria que comparecer no Tribunal, o que efectivamente veio a acontecer e acompanhado por mandatário, sendo que, na conferência de pais “tudo foi explicado ao progenitor através de um intérprete, devidamente convocado para o efeito”, entendendo, por isso, que “a existir qualquer tipo de nulidade, o que não se concede, estaria devidamente sanada”;
- “Quanto à alegada hostilidade por parte do Tribunal ela não existiu, conforme pode ser verificado pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa através da audição da gravação da diligência. A ter existido hostilidade ou alguma “impertinência” não foi da parte do Tribunal”, sendo a sua conduta, para com todos os intervenientes, nos seus “trinta anos de carreira”, pelo “respeito, cordialidade, urbanidade, tolerância e muita paciência”;
- “Quanto à circunstância de ser ter recusado que o progenitor arguisse de imediato a alegada nulidade resultou do facto de a diligência em causa ter começado depois da hora, por culpa do atraso dos intervenientes, de a mesma estar a demorar muito tempo e estar a atrasar as subsequentes. Todavia, foi explicado de imediato ao progenitor que poderia por requerimento invocar tal nulidade. O mesmo foi feito quanto à questão da alegada incompetência territorial deste Tribunal” e “Quanto a este último aspecto (…), embora o mesmo vá ser objecto de apreciação em sede de recurso, que não só a progenitora esclareceu que quando o progenitor intentou a acção no Juízo de Família e Menores de Lisboa já a criança residia em Vialonga como também na própria petição aí apresentada pelo progenitor este afirmou desconhecer o actual paradeiro da filha” e “o progenitor, encontrando-se presente na conferência de pais, nada referiu em contrário da informação prestada pela mãe, o que também não fez no âmbito do recurso intentado quanto a esta questão”;
- “em sede de conferência de pais, foi explicado, com a competente tradução, o teor do requerimento inicial, qual era o objectivo da conferência e quais os direitos que assistiam ao mesmo”, e não tendo havido qualquer tipo de acordo, as partes foram remetidas para audição técnica especializada “não estando beliscado qualquer tipo de direito do progenitor, nem o mesmo foi impedido de exercer qualquer dos seus deveres processuais, uma vez que depois da petição inicial da requerente, a fase seguinte é marcar conferência de pais e se nesta não houver acordo é a remessa para audição técnica especializada, conforme resulta do disposto nos artigos 35º a 38º do RGPTC. Não se vislumbra, pois, como é que o Tribunal não cuidou de assegurar a igualdade material das partes”;
- Quanto ao acesso online aos autos o mesmo “segundo a senhora Escrivã-adjunta, “C”, está devidamente assegurado e já foi prestada a informação ao processo n.º(…)/23.2T8LSB do Tribunal de Família e Menores de Lisboa - Juiz (…)”; e
- Entende que a forma de pôr em crise o despacho em causa, é a interposição de recurso, o que, aliás, já ocorreu.
4. Em 30-04-2024 foi proferido despacho pelo signatário determinando a notificação do requerente - em conformidade com o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC - para, querendo, se pronunciar sobre a tempestividade do incidente de suspeição, cuja apreciação é de oficioso conhecimento, mas sobre a qual, ainda não foi dada oportunidade ao mesmo de se pronunciar.
5. Na sequência, o requerente não emitiu pronúncia no prazo de que dispôs para o efeito.
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II. Em face dos elementos documentais juntos aos autos, mostra-se apurado e com relevância para a decisão do presente incidente, o seguinte:
1) Em 27-02-2024 teve lugar, nos autos principais (Ação de Regulação das Responsabilidades Parentais), conferência de pais, nomeadamente, com a presença dos progenitores (requerente e requerida desses autos) e respetivos mandatários, constando escrito da respetiva ata, nomeadamente, o seguinte: “(…) Feita a chamada à hora designada, observadas as devidas formalidades legais, foi dado conhecimento ao Mm. º Juiz de Direito dos presentes e ausentes. * Quando eram 10 horas e 39 minutos pelo Mmº Juiz de Direito foi declarada aberta a audiência, e não antes, em virtude de o Tribunal aguardar a chegada do Requerido, que chegou às 10:25 horas e do Intérprete que chegou às 10:30 horas. * No início da presente diligência, o Ilustre Mandatário do Requerida vem juntar procuração aos autos. (…) Após, foram ouvidas em declarações as pessoas abaixo identificadas, as quais disseram o seguinte: * Requerente (…) - Reside com a menor em Vialonga desde 28 de agosto de 2023. * De seguida, foi pelo Mmº Juiz de Direito foi proferido o seguinte: DESPACHO “À data da entrada da ação em juízo no Tribunal de Família e Menores de Lisboa, Setembro de 2023, a criança já residia com a mãe em Vialonga desde 28 de agosto de 2023. Assim, e porque quando a ação deu entrada em Lisboa a menor já residia em Vialonga, e uma vez que à data da instauração da presente ação, 15 de janeiro de 2024, a criança já residia em Vialonga, o Tribunal, nos termos do disposto no art.º 9, n.º 1 do RGPTC, declara-se competente para apreciar a presente ação, devendo informar-se o Tribunal de Família e Menores de Lisboa da presente decisão, bem como da circunstância de quando ai foi intentada a ação a criança já residir em Vialonga. Notifique” * Pelo Mm. Juiz de Direito foi suspensa a presente diligência, pelas 10 horas e 46 minutos, de forma a agilizar as diligências agendadas para essa hora, uma vez que o Requerido se atrasou para a presente diligência. * Pelas 11 horas e 23 minutos, pelo Mm. º Juiz de Direito, foi declarada aberta a continuação da presente diligência. * De seguida, foram ouvidas em declarações as pessoas abaixo identificadas, a qual disseram o seguinte: Requerente (…) * Requerido (…) * Terminadas as declarações dos presentes, pelo Mmº Juiz de Direito foi concedida a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, a fim de se pronunciar, a qual, no seu uso disse: "Uma vez que não foi possível obter acordo entre os progenitores, promovo que nos termos do art.º 38º, al. b) do RGPTC, sejam remetidos para Audição Técnica Especializada”. * Seguidamente, pelo Mmº Juiz de Direito foi proferido o seguinte: DESPACHO “Uma vez que nesta fase não foi possível chegar a acordo, já que tanto o progenitor como a progenitora pretendem a residência da filha, o Tribunal ordena que se dê cumprimento ao disposto no art.º 38º, alínea b) do RGPTC, determinando-se a remessa das partes para a Audição Técnica Especializada, suspendendo-se a conferência. Informe-se a Exma. Técnica que aquando das avaliações, deverá estar presente um Intérprete para salvaguardar os direitos das partes. Não se fixa desde já um regime provisório, ao abrigo do disposto no art.º 28º do RGPTC, uma vez que as declarações dos progenitores são díspares, não dispondo o Tribunal nesta fase elementos que o permita fixar. Todavia, assim que tais elementos cheguem aos autos tal regime provisório será fixado. Notifique o Exmo. Intérprete nomeado nos autos para juntar, no prazo de 10 dias, a nota discriminativa de honorários, bem como as despesas com a referida deslocação. Notifique." * De imediato, pelas 10 horas e 30 minutos, foram todos os presentes devidamente notificados do despacho que antecede, os quais disseram de tudo ficar cientes. * De seguida, pelo Mmº Juiz de Direito foi encerrada a presente diligência (…).”.
2) O presente incidente de suspeição foi instaurado em 18-03-2024, tendo sido expendido no respetivo requerimento, nomeadamente, o seguinte: “1. Até à data em que este requerimento é entregue, esperámos em vão o acesso aos autos por via informática, desde 27 de Fevereiro do corrente ano, 2. Apesar de termos estado presentes na diligência-surpresa de pretensa conferência de pais, esperámos até hoje pelo acesso aos autos, o que significa, igualmente, pelo acesso à acta, 3. E tal anomalia não é possível de distinguir da ostentada negação de imparcialidade e da igualdade entre as partes – ou dos contra-interessados, se a expressão parecer preferível – 4. Tão pouco ao (…)º Juiz de Lisboa, onde corre requerimento anterior (muito anterior) se respondeu à solicitação da acta desta pretendida sessão, 5. De forma que não sabemos o que na acta se consignou, ou deixou de consignar, traduzindo isso uma denegação evidente de direitos processuais, 6. Designadamente porque isso perturba – decisivamente – a interposição de recurso, 7. Designadamente relativamente à fixação de residência, feita completamente à margem de qualquer critério jurídico, 8. Na sessão tentámos arguir a nulidade da convocatória, onde uma funcionária telefonou ao pai da menor – que não fala português – sendo certo que a senhora funcionária não falava inglês, 9. Motivo pelo qual, só pelo ofício do Juízo de Família de Lisboa (formulando a solicitação a Vila Franca) se pôde saber qual era o nº do juiz de Vila Franca, onde se poderia indagar a natureza do que se pretendia do pai da menor, 10. E quando lá chegámos era da pretensa conferência de pais que se tratava, 11. Expusemos a situação e isso nos valeu uma imediata hostilidade – visível hostilidade – do senhor juiz que pretendia viabilizar o procedimento, 12. Pedimos a palavra para arguir a nulidade e isso foi-nos recusado, 13. Pedimos a palavra para expor o problema da incompetência territorial do nosso ponto de vista e isso foi-nos recusado, 14. Motivo pelo qual informámos o senhor juiz – por imperativo estatutário – que deduziríamos suspeição em razão de se não poder compaginar tal conduta decisória com a imparcialidade do decisor jurisdicional, que é matéria de obrigação internacional do Estado, 15. Até hoje ficámos sem acesso à acta e não sabemos pois o que lá consta, 16. Na mesma sessão o senhor juiz fixou a matéria da competência perguntando à mãe da menor onde é que ela morava e desde quando, 17. A senhora respondeu que ali morava (em Via Longa) sem dizer que era em casa do companheiro entretanto arranjado, desde agosto, 18. E o senhor juiz entendeu então – silenciando completamente o contra-interessado, não tendo aceitado ouvi-lo na posição que o mandatário pretendia tomar - que a residência habitual da senhora era em Via Longa, 19. (rápido, realmente, e ilegal, segundo tudo indica, mas isso não é para discutir aqui, antes devendo sê-lo em recurso, ao qual está a obstar a impossibilidade de acesso à acta) mais, 20. Até hoje, o contra-interessado pai da criança não conhece o teor do requerimento de regulação, ao qual tem o direito de se opor, 21. É outra obstrução da falta de acesso à acta, embora e em bom rigor devesse ter havido notificação no lugar, falhado que se mostrou o acordo, 22. Não houve notificação, nem há acesso on line aos autos, 23. A parte foi impedida de exercer os seus deveres processuais – art.º 5º/1 do CPC – por mero arbítrio do decisor, 24. O decisor não cuidou de assegurar a igualdade material das partes, como o exige o art.º 4º do CPC, 25. O decisor dificulta o exercício do direito de recurso pela falta de acesso aos autos e pela falta de resposta ao senhor juiz do Juízo de Família de Lisboa (DOC nº 1) 26. Que foi, antes disto, forçado a manifestar-se junto da direcção do DIAP (doc. nº 2) pelo facto do MP não lhe responder, como não respondeu, a quatro solicitações relativas a denúncia de violência doméstica, feita pela mãe da menor contra o pai, 27. De cujo teor o pai não tem até hoje qualquer conhecimento (e cuja existência conheceu porque a polícia lhe recusou a recepção de queixa por sonegação da menor, em razão – como se isso lhe incumbisse – de haver uma queixa por violência doméstica), 28. Queixa entretanto arquivada, ao que parece, pelo que diz o MP, sem que o pai fosse sequer ouvido e sem que conhecesse quanto lhe foi imputado, 29. Tomada a posição do juiz (…) de Lisboa em janeiro deste ano, 30. Aparece em janeiro deste ano o requerimento de regulação em Vila Franca, 31. (Não se sabe a data exacta, porque, justamente, não fomos notificados de tal coisa, nem temos acesso aos autos até à data de recepção deste requerimento), 32. Também não se sabe a data do despacho de marcação da conferência de pais, sendo certo que a pretensa notificação se processou como acima descrito, 33. Não podemos, portanto, saber se o prazo legal foi respeitado, 34. E o processo transforma-se para nós numa sequência de ardis, lesivos de direitos delicadíssimos – além dos direitos processuais – 35. Sendo certo que tal procedimento é incompatível com o art.º.º. 47º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia 36. Estabelece o art.º 120º/1 do CPC que “As partes podem opor suspeição ao juiz quando ocorrer motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”, 37. Enunciando em seguida uma enumeração que, com frequência, foi interpretada como taxativa e o não pode ser, pelo simples facto de ali não se esgotarem os motivos sérios e graves, aptos a gerar a desconfiança sobre a imparcialidade do decisor, por outro lado, 38. A violação ostensiva dos deveres da imparcialidade tem sido interpretada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem como causa de deferimento da recusa do decisor, 39. Não podendo, pois, deixar de haver-se os factos especificados como motivo sério e grave, com aptidão de fundamento para a requerida suspeição, Motivos pelos quais – requerendo o exame dos autos pelo Tribunal Superior - se arguem os factos expostos como causa, não apenas da nulidade do processado, como desde já se argui, mas fundamento da suspeição que igualmente se argui e cuja declaração se requer,”;
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III. Nos termos do disposto no nº. 1 do artigo 120.º do CPC, as partes podem opôr suspeição ao juiz quando ocorrer motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, o que ocorrerá, nomeadamente, nas situações elencadas nas suas alíneas a) a g).
Com efeito, o juiz natural, consagrado na CRP, só pode ser recusado quando se verifiquem circunstâncias assertivas, sérias e graves.
E os motivos sérios e graves, tendentes a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, resultarão da avaliação das circunstâncias invocadas.
O TEDH – na interpretação do segmento inicial do §1 do art.º 6.º da CEDH, (“qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei”) - desde o acórdão Piersack v. Bélgica (8692/79), de 01-10-82 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57557) tem trilhado o caminho da determinação da imparcialidade pela sujeição a um “teste subjetivo”, incidindo sobre a convicção pessoal e o comportamento do concreto juiz, sobre a existência de preconceito (na expressão anglo-saxónica, “bias”) face a determinado caso, e a um “teste objetivo” que atenda à perceção ou dúvida externa legítima sobre a garantia de imparcialidade (cfr., também, os acórdãos Cubber v. Bélgica, de 26-10-84 (https://hudoc.echr.coe.int/ukr?i=001-57465), Borgers v. Bélgica, de 30-10-91, (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57720) e Micallef v. Malte, de 15-10-2009 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-95031) ).
Assim, o TEDH tem vindo a entender que um juiz deve ser e parecer imparcial, devendo abster-se de intervir num assunto, quando existam dúvidas razoáveis da sua imparcialidade, ou porque tenha exteriorizado relativamente ao demandante, juízos antecipados desfavoráveis, ou no processo, tenha emitido algum juízo antecipado de culpabilidade.
O incidente de suspeição, pelo que sugere ou implica, deve ser resguardado para casos evidentes que o legislador espelhou no artigo 120.º do CPC, em reforço dos motivos de escusa do juiz, a que se refere o artigo 119.º do CPC.
A imparcialidade do Tribunal constitui um requisito fundamental do processo justo. “A imparcialidade, como exigência específica de uma verdadeira decisão judicial, define-se, por via de regra, como ausência de qualquer prejuízo ou preconceito, em relação à matéria a decidir ou às pessoas afectadas pela decisão” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-02-2013, Pº 1475/11.8TAMTS.P1-A.S1, rel. SANTOS CABRAL).
O direito a um julgamento justo, não se trata de uma prerrogativa concedida no interesse dos juízes, mas antes, uma garantia de respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, de modo a que, qualquer pessoa tenha confiança no sistema de Justiça.
Do ponto de vista dos intervenientes nos processos, é relevante saber da neutralidade dos juízes face ao objeto da causa.
Com efeito, os motivos sérios e válidos atinentes à imparcialidade de um juiz terão de ser apreciados de um ponto de vista subjetivo e objetivo. “No incidente de recusa de juiz não se aprecia a validade dos atos processuais em si mesma, nem a correção de determinados procedimentos adotados no processo pelo Juiz. A lei prevê mecanismos processuais para impugnar as decisões reputadas de “erradas” ou ilegais, não sendo estas, objetivamente, motivo suficiente para fundamentar o pedido de recusa. A não se entender assim, estaria aberto o caminho para, ao mínimo pretexto, como a prática de qualquer irregularidade ou nulidade processual, se contornar o princípio do juiz natural, constitucionalmente consagrado no artigo 32º, nº 9, da Constituição da República Portuguesa. O que deve averiguar-se, no âmbito do pedido de recusa, é se existem ou não atitudes, no processo ou fora dele, significativas e relevantes, que permitam legitimamente desconfiar de uma intervenção objetivamente suspeita do Juiz” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-03-2018, Pº 13/18.6YREVR, rel. JOÃO AMARO).
Sintetizando, referiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-11-2022 (Pº 38/18.1TRLSB-A, rel. ORLANDO GONÇALVES) que “de um modo geral, pode dizer-se que a causa da suspeição há de reportar-se a um de dois fundamentos: uma especial relação do juiz com alguns dos sujeitos processuais, ou algum especial contacto com o processo”.
O pedido de suspeição constitui um incidente processual. “A suspeição apresentada contra magistrado consubstancia um incidente, inserível na tramitação de uma causa, que corre por apenso ao processo principal. Conhece, pois, regulamentação específica, sem embargo de lhe ser aplicável, designadamente quanto a formalidades do requerimento inicial e da resposta, bem como a prazos para esta última e número admissível de testemunhas, as disposições gerais atinentes aos incidentes da instância” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24-09-2020, Pº 390/20.9T8BNV.E1, rel. JOSÉ ANTÓNIO MOITA).
O artigo 122.º, n.º 3, do CPC consigna ser aplicável à suspeição o disposto nos artigos 292.º a 295.º do CPC.
No entanto, não se encontra espelhado no âmbito dos referidos preceitos, qual o prazo para a dedução do incidente de suspeição.
O incidente de suspeição deve ser deduzido desde o dia em que, depois de o juiz ter despachado ou intervindo no processo, nos termos do artigo 119.º, n.º 2, do CPC, a parte for citada ou notificada para qualquer termo ou intervier em algum ato do processo, sendo que, o réu citado pode deduzir a suspeição no mesmo prazo que lhe é concedido para a defesa – cfr. artigo 121.º, n.º 1, do CPC.
O pedido de suspeição contém a indicação precisa dos factos que o justificam (cfr. artigo 119.º, n.º 3, do CPC).
Pela regra geral sobre os prazos para a prática de atos processuais (cfr. artigo 149.º, n.º 1, do CPC), o prazo para deduzir o incidente de suspeição é de 10 dias, conforme ao estatuído no artigo 149.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (assim, a decisão individual do Tribunal da Relação de Évora de 22-03-2021, Pº 75/14.5T8OLH-DJ.E1, rel. CANELAS BRÁS).
O prazo de 10 dias para suscitar a suspeição, conta-se a partir do conhecimento do alegado facto que a fundamenta.
O fundamento de suspeição pode, contudo, ser superveniente, devendo a parte denunciar o facto logo que tenha conhecimento dele, sob pena de não poder, mais tarde, arguir a suspeição – cfr. artigo 121.º, n.º 3, do CPC.
Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-11-2023 (Pº 1812/18.4T8BRR-H.L1-4, rel. ALVES DUARTE), “cabe ao presidente da Relação territorialmente competente para conhecer desse incidente apreciar a tempestividade da sua dedução”, constituindo tal tempestividade uma questão de oficioso conhecimento.
Por outro lado, conforme se referenciou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2022 (Pº 101/12.2TAVRM-F.G1-A.S1, rel. PEDRO BRANQUINHO DIAS), “um requerimento em que se requer a recusa de um juiz não é a sede própria para se arguir também nulidades/irregularidades de despachos judiciais”.
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IV. No caso em apreço, a suspeição deduzida sobre o Sr. Juiz – sendo certo que, não cabe neste incidente conhecer da questão processual atinente à nulidade processual invocada, relativamente à qual a lei prevê correspondente meio impugnatório – respeita (conforme deriva do respetivo requerimento de 18-03-2024) à intervenção deste na condução da diligência processual que teve lugar no dia 27-02-2024, diligência na qual esteve presente o requerente e o seu mandatário, que nela participaram.
Tendo em conta tal presença, tomando conhecimento dos factos que, em seu entender, justificam a suspeição, o incidente em questão poderia ser deduzido até 08-03-2024 ou, então, em conformidade com o disposto no artigo 139.º, n.º 5, do CPC, até 13-03-2024 (3.º dia útil posterior ao do termo do prazo).
Sucede que, todavia, o presente incidente apenas foi deduzido em 18-03-2024, ou seja, muito depois de decorrido o prazo em que tal dedução poderia, tempestivamente, ser efetuada.
Ora, o decurso do prazo perentório – salvo situação de justo impedimento, a que se reporta o artigo 140.º do CPC (não invocada) – extingue o direito de praticar o ato (cfr. artigo 139.º, n.º 3, do CPC) – pelo que, atento igualmente o disposto no artigo 121.º, n.º 3, do CPC, terá de considerar-se extemporânea a dedução da suspeição, o que determina a declaração de tal intempestividade de dedução, acarretando o não conhecimento do incidente deduzido por tal facto.
Não ocorre circunstância de aplicação do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 123.º do CPC.
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V. Face ao exposto, não se conhece do incidente de suspeição atenta a sua extemporaneidade.
Custas a cargo do requerente, sem prejuízo do apoio judiciário de que, presentemente, beneficia.
Notifique.
Lisboa, 28-05-2024,
Carlos Castelo Branco
(Vice-Presidente, com poderes delegados – cfr. Despacho 2577/2024, de 16-02-2024, D.R., 2.ª Série, n.º 51/2024, de 12 de março).