PROPRIEDADE HORIZONTAL
TÍTULO CONSTITUTIVO
CONDOMÍNIO
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
SUPRIMENTO DO CONSENTIMENTO
Sumário

I - A medida da personalidade judiciária do condomínio coincide com a das funções do administrador.
II - As acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador devem ser intentadas pelo condomínio.
III - Fora do âmbito dos poderes do administrador, o condomínio não tem personalidade judiciária.
IV - As alterações ao título constitutivo da propriedade horizontal, podendo embora ser assumidas sob a forma de votação/deliberação em Assembleia (desde que, obviamente, presentes ou representados todos os condóminos ou, quando menos, prestado o consentimento ou anuência pelos ausentes em documento complementar), não respeitam à administração das partes comuns que incumbe/cabe à Assembleia de condóminos (num certo sentido, que delimitam as suas atribuições como tal) e muito menos se inserem no quadro ou âmbito dos poderes do administrador.
V - Ainda quando as alterações ao título constitutivo da propriedade horizontal assumam a forma/natureza de deliberação, no sentido de manifestação de vontade dos condóminos presentes numa reunião, expressa sob a forma de voto, são-no numa matéria que não versa sobre a gestão/administração das partes comuns. Logo, insusceptível de ser deferida pela assembleia ao administrador qualquer poder de representação dos condóminos que assentiram nas alterações ao título, em contraposição àqueles que nelas não consentiram.
IV - Há falta de personalidade do condomínio para a acção de suprimento do consentimento de condóminos às alterações do título constitutivo da propriedade horizontal, na medida em que a acção se não insere no âmbito dos poderes do administrador, sequer por via da atribuição destes pela Assembleia. Donde cabendo aos condóminos agir em juízo em nome próprio.

(da exclusiva responsabilidade da relatora - art. 663º, nº 7, do C.P.C.)

Texto Integral

Processo: 20440/22.3T8PRT. P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível do Porto - Juiz 6



Relatora: Isabel Peixoto Pereira
1º Adjunto: Maria Manuela Barroco Esteves Machado
2º Adjunto: Isoleta Almeida Costa


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Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.

O CONDOMÍNIO ... veio propor contra os RÉUS A..., Lda. e AA e BB, residentes na Av. ..., ..., habitação ..., ... Porto a presente acção para suprimento do consentimento, concluindo a final pedindo que o tribunal supra a ilegítima recusa dos RR. na votação das deliberações da Assembleia de condóminos que identifica/caracteriza.

Os réus arguiram a ilegitimidade do autor na contestação apresentada em 17.01.2023, tendo o autor respondido nos termos que constam do expediente de 27.03.2023.

A Sra Juiz enquadrou a situação no quadro da falta de personalidade judiciária e considerou que o autor CONDOMÍNIO ... não tem, estando em juízo apenas por si, personalidade judiciária para esta acção, vício este insuprível, de conhecimento oficioso e que conduz à absolvição dos réus da instância, o que decidiu.

Veio o Autor interpor recurso, pretendendo ver reapreciadas as seguintes questões de direito:

a) Da personalidade judiciária do CONDOMÍNIO ...;

b) Da suficiência dos poderes conferidos ao administrador do CONDOMÍNIO ..., para o representar como Autor em acção de suprimento de consentimento de alteração da Propriedade horizontal, nos termos deliberados na assembleia de 28-07-2022;

c) Da supribilidade da falta de personalidade judiciária.

Formula o recorrente as seguintes conclusões:

A) Em Assembleia do CONDOMÍNIO ... realizada em 28-07-2022, constituída com o quórum de 691,47/1000, foi aprovada com 685,19/1000 representativos de 99,09% dos presentes, alteração à propriedade horizontal, tendo contado com o voto contra dos Recorridos, nos seguintes termos:

“1º - No Piso – 1 - Alteração da composição das frações autónomas “PK”, “QE”, “QG” e “QJ”, que verão as respectivas áreas diminuídas num total (para as identificadas fracções) de 64,73m2; área que será cedida ao condomínio e afectada a zona comum (concretamente, por alargamento do corredor e pelos novos WC’s);

- Cedência integral ao condomínio, para integrar as zonas comuns, da totalidade das áreas das fracções “LR”, “PV”, “PW” e “QH”, no total de 205m2, e que em consequência, serão eliminadas.

- Integração na fracção “PK” que passará a ter 1.068,07m2:

- da área das fracções “QE”, “QF”, “QG”, “PL”, “PM”, “PN”, “PO”, “PP”, “PQ”, “PR”, “PS”, “PT”, “PU”, que serão eliminadas.

- da área correspondente aos corredores de acesso i) entre “PK” e “PU”; - zona lateral à fracção “PP”; iii) entre QG” e “QE”, bem como o remanescente da área do antigo WC homens, no total de 253,30m2.

Como melhor se perceberá na descrição das plantas anexas.

2º - No Piso 0

- Diminuição da área da fracção “QP” que ficará reduzida a 16,18m2, com cedência 38,50m2, para afectação a zonas comuns e 8,32m2 para integrarem a fracção “QQ”.

- Aumento em 8,32m2 da área da fracção “QQ” que passará a ter 136,32m2.

- O Total da área de zonas comuns a ceder ao condómino “B..., Lda.” é de 253,30m2

O Total da área das fracções a ceder ao condomínio: 308,23m2.”

B) Mais deliberou com o mesmo quórum e com o mesmo número de votos a favor e contra, “Conferir mandato ao Administrador de condomínio CC, NIF ...69, CC nº ..., emitido pela República Portuguesa e válido até 28/09/2030, para outorgar escritura de alteração à propriedade horizontal, ou documento equivalente, nos exactos termos aprovados sob o Ponto Primeiro desta Assembleia.”

C) As deliberações foram validamente notificadas a todos os ausentes, tendo a Recorrida A..., Lda., Lda., votado contra a aprovação das deliberações, não tendo sido impugnada a Assembleia.

D) Resulta claro, que quando os condóminos mandataram o Administrador para outorgar a escritura de alteração de propriedade horizontal, o faziam no pleno conhecimento que, para que tal fosse possível, o Administrador teria de instaurar a competente acção de suprimento de consentimento, para poder alcançar a execução da deliberação.

E) A conjugação das duas deliberações, com este concreto enquadramento, não deixa margem para dúvidas que o mandato conferido ao Administrador para executar a deliberação de alteração da propriedade horizontal, contém em si mesma os necessários poderes para ultrapassar o obstáculo dos dois votos contra dos Recorridos. O que vale por dizer, instaurar a necessária acção judicial para suprimento do consentimento.

F) Resultaria absurdo, com estas concretas deliberações, obrigar o Administrador de Condomínio a convocar nova Assembleia apenas e só para que lhe fosse conferido mandato para instaurar esta acção especial de suprimento de consentimento, para repetir a outorga de poderes que já se contêm na deliberação de 28.07.2022.

G) Nos termos do art. 1436º/1, al. i) e 1437º/1, ambos do Código Civil, são funções do administrador, executar as deliberações da assembleia que não tenham sido objecto de impugnação, no prazo máximo de 15 dias úteis, ou no prazo que por aquela for fixado, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada e o Condomínio é sempre representado em juízo pelo Administrador, devendo demandar em nome daquele.

H) Mais, nos termos do nº 2 do mesmo, o administrador age em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos, ou quando expressamente mandatado pela assembleia.

I) Devendo, pelo exposto, entender-se que a Deliberação nos concretos termos em que foi tomada, contém mandato suficiente para o administrador instaurar acção de suprimento do consentimento contra os dois condóminos que votaram contra as alterações à propriedade horizontal;

J) E que o condomínio tem personalidade judiciária nos presentes autos, por se encontrar devidamente representado pelo seu administrador que para o efeito foi mandatado pela deliberação de 28-07-2022.

K) Caso se considerasse verificada qualquer insuficiência quanto à deliberação que conferiu os poderes à Administração do Condomínio para promover a alteração da propriedade horizontal, no que não se concede, a falta de tal pressuposto é passível de suprimento, nos termos do artº 29º do Código de Processo Civil, através da designação de prazo para obtenção de nova deliberação que suprisse eventual insuficiência.

Disposições violadas:

Art. 1436º, nº 1, i) e 1437º, nº 1 e 2, ambos do Código Civil e art.º 29.º do C. P. Civil.

Conclui pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue deter o condomínio personalidade judiciária, por estar devidamente representado pelo seu administrador que, por seu turno, está habilitado com poderes bastantes pela deliberação tomada na assembleia de 28-07-2022.

Contra-alegaram os recorridos, pugnando pelo acerto da decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), as questões a tratar são justamente as elencadas no recurso do recorrente à guisa de introdução e, assim, a da personalidade judiciária do CONDOMÍNIO ..., a partir ainda da suficiência dos poderes conferidos ao administrador do CONDOMÍNIO ... para executar a decisão de alteração do título constitutivo da Propriedade horizontal, nos termos deliberados na assembleia de 28-07-2022 e, eventualmente, da susceptibilidade de suprimento da falta de deliberação para a propositura da acção de suprimento do consentimento que antecede aquela execução, necessariamente. 

Apreciando, importa que se considere que:

Estamos perante uma ação em que é Autor um condomínio resultante da propriedade horizontal, representado pelo seu administrador;

Em causa o suprimento do consentimento de condóminos que não deram o seu acordo à alteração do título constitutivo da propriedade horizontal do condomínio, submetida a apreciação/votação em Assembleia de 28.07.2022.

Como escreveu Gonçalo Oliveira Magalhães, A personalidade judiciária do condomínio e a sua representação em juízo, Julgar, n.º 23, 2014, pp. 55-66), o art. 1414.º do Código Civil, ao dizer que as frações de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal, consagra uma derrogação ao princípio superficies solo cedit, nos termos do qual um edifício incorporado no solo só pode ser objeto de um único direito de domínio – direito que abrange toda a construção, o solo em que esta assenta e os terrenos que lhe servem de logradouro. Na pro­priedade horizontal, os titulares das várias frações ou unidades independentes – condóminos, na terminologia legal (cf. art. 1420.º do Código Civil) – são ainda comproprietários das partes do edifício que constituem a sua estrutura comum ou estão afetadas ao serviço daquelas frações (art. 1421.º do Código Civil). As frações independentes fazem parte de um edifício, na aceção do art. 204.º/2 do Código Civil, de estrutura unitária, o que necessariamente cria especiais relações de interdependência entre os condóminos, quer pelo que respeita às partes comuns do edifício, quer mesmo no que respeita às frações autónomas.

O núcleo do instituto da propriedade horizontal é constituído por direitos privativos de domínio, a que estão associados, com função instrumental, mas de modo incindível e perene, direitos de compropriedade sobre as partes do prédio não abrangidas por uma relação exclusiva.

O condomínio é, assim, no dizer de Henrique Mesquita, a figura definidora da situação em que uma coisa materialmente indivisa ou com estrutura unitária pertence a vários contitulares, mas tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial sobre frações determinadas. No fundo, o direito de propriedade sobre a parte exclusiva é combinado com o direito de compropriedade sobre as partes comuns. Daí nasce um direito real complexo, no sentido de que combina figuras preexistentes de direitos reais. É, no entanto, diferente do mero somatório dos esquemas da propriedade e da compropriedade; contendo o uma regulamentação própria do seu exercício, constitui a se um direito real.

Ademais da regulação da figura, o legislador instituiu uma forma de organização do grupo constituído pelos condóminos, de modo a assegurar a formação de uma vontade própria e única e um sistema de gestão e funcionamento eficaz. Assim, a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia de condóminos e a um administrador (art. 1430.º/1 do Código Civil).

A assembleia é um órgão colegial, composto por todos os condóminos, ao qual cabe deliberar acerca da administração das partes comuns do edifício. Pelo processo colegial de formação da declaração coletiva opera-se não apenas uma mutação quantitativa correspondente à soma dos votos maioritários, mas uma real mutação qualitativa, que reconduz as vontades individuais à vontade do próprio grupo. O administrador é o órgão executivo da administração das partes comuns do edifício e das deliberações da assembleia de condóminos, eleito e exonerado por ela (art. 1435.º/1 do Código Civil) tem como incumbência não só o desempenho das funções enumeradas no art. 1436.º, específicas do seu cargo, e noutras disposições legais, como as que lhe forem delegadas pela assembleia.

O legislador, ciente de que o condomínio constitui um centro autónomo de imputação de efeitos jurídicos, dota-o de organicidade e, muito embora não lhe atribua personalidade jurídica, admite que ele pode ser parte nas ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador. Assim decorre directa e imediatamente do artigo 12º alínea e) do CPC.

A medida da personalidade judiciária do condomínio coincide, portanto, com a das funções do administrador – ou seja, as ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador devem ser intentadas por (ou contra o) condomínio. Fora do âmbito dos poderes do administrador, o condomínio não tem personalidade judiciária e, portanto, os condóminos agirão em juízo em nome próprio.

No título constitutivo da propriedade horizontal devem ser especificadas as partes do edifício que correspondem às várias fracções, por forma a que fiquem devidamente individualizadas, mais emergindo a identificação das partes comuns - art.º 1418.º do C.C.

Estando cada uma das fracções autónomas integrada na estrutura do prédio são inevitáveis as estreitas relações de interdependência entre os condóminos.

E por isso é que, para além das limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários no exercício do direito de propriedade, a lei regula de forma relativamente rígida a admissibilidade de alterações ao título constitutivo da propriedade horizontal.

Dispõe o Artigo 1419.º do CC, na redacção dada pela Lei nº 8/2022 de 10-01-2022, em vigor à data da votação em Assembleia das alterações ao título constitutivo, sob a epígrafe Modificação do título: 1. Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 1422.º-A e do disposto em lei especial, o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública ou por documento particular autenticado, havendo acordo de todos os condóminos. 2. A falta de acordo para alteração do título constitutivo quanto a partes comuns pode ser suprida judicialmente, sempre que os votos representativos dos condóminos que nela não consintam sejam inferiores a 1/10 do capital investido e a alteração não modifique as condições de uso, o valor relativo ou o fim a que as suas frações se destinam. 3. O administrador, em representação do condomínio, pode outorgar a escritura ou elaborar e subscrever o documento particular a que se refere o n.º 1, desde que o acordo conste de ata assinada por todos os condóminos.

A exposição de motivos do projeto de lei n.º 718/XIV/2.ª (que deu origem à Lei nº 8/2022) anunciava mudanças significativas e respostas não só ao setor – administradores de condomínio e condóminos – mas também a todos os profissionais que se deparam com questões jurídicas relacionadas com o regime da propriedade horizontal, nomeadamente com a modificação do título constitutivo, com os procedimentos de cobrança de dívidas, com a responsabilização do administrador do condomínio, com os requisitos de exequibilidade das atas das assembleias de condóminos, com a legitimidade processual ativa e passiva em sede judicial e com a responsabilidade pelos encargos do condomínio em caso de alienação da fração autónoma.

O primeiro anseio foi o de criar uma forma de suprir a falta de unanimidade necessária para a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal. Na verdade, segundo o disposto no n.º 1 do artigo 1419.º do CC e salvo a situação contemplada no n.º 3 do artigo 1422.º-A (em que é permitida a divisão de frações em novas frações autónomas se tal for autorizado pelo título constitutivo ou pela assembleia de condóminos em deliberação aprovada sem oposição) e do disposto em lei especial, o título constitutivo da propriedade horizontal só pode ser modificado se tal modificação for acordada por todos os condóminos. Ora, a Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro, veio criar um mecanismo facilitador da alteração do título constitutivo, quando tal alteração incide sobre partes comuns. Assim, sendo certo que tal alteração continua a carecer do acordo unânime dos condóminos, passará a ser agora possível que a falta de acordo seja suprida judicialmente. Mas tal só será exequível nas seguintes condições: quando os votos representativos dos condóminos que discordam da modificação sejam inferiores a 1/10 do capital investido e a alteração não interfira com as características das respetivas frações no que concerne às condições de uso, ao valor relativo ou ao fim a que as mesmas se destinem.

Ainda nos termos do disposto no n.º 3 daquele art.º 1419.º, o administrador, em representação do condomínio, pode outorgar a escritura ou elaborar e subscrever o documento particular, desde que o acordo conste de acta assinada por todos os condóminos. Desta imposição da assinatura da acta, que pressupõe a presença de todos os condóminos na assembleia (ou, ainda que a lei seja omissa, crê-se que, pelo menos, a representação com poderes específicos), extrai-se que o acordo não pode ser tácito, deduzido do silêncio dos condóminos não presentes, ao abrigo do disposto no n.º 8 do art.º 1432.º do C.C.[1].

Ora, como resulta, está em causa uma disposição legal expressa que atribui/mandata ao/o administrador, em representação da unanimidade/totalidade dos condóminos que (unanimemente) assentiram na alteração do título constitutivo, poderes para a outorga da alteração na forma legal exigida…

Como é mister concluir-se dos termos do regime legal sumariamente exposto, as alterações ao título constitutivo da propriedade horizontal, podendo embora ser assumidas sob a forma de votação/deliberação em Assembleia (desde que, obviamente, presentes ou representados todos os condóminos ou, quando menos, prestado o consentimento ou anuência pelos ausentes em documento complementar), não respeitam à administração das partes comuns que incumbe/cabe à Assembleia de condóminos (num certo sentido, que delimitam as suas atribuições como tal) e muito menos se inserem no quadro ou âmbito dos poderes do administrador.

De resto, a este, por evidentes razões de simplificação, na hipótese de unanimidade ou acordo da totalidade dos condóminos nas alterações do título, atribui a lei poderes de representação dos condóminos, da totalidade destes, exclusivamente, para a formalização das alterações.

Não lhe atribui a lei qualquer poder ou mandato (legal) para a propositura da acção de suprimento do consentimento de condóminos que não tenham assentido nas alterações do título constitutivo (e sempre admitido este apenas quanto a alterações relativas a partes comuns, sendo que no caso mais decididas alterações à composição de fracções autónomas).

E se o não faz, compreensivelmente[2], a lei, bem assim o não podem fazer os condóminos em Assembleia, porquanto não está em causa uma deliberação quanto à administração das partes comuns e é neste âmbito que se movem os poderes ou atribuições da Assembleia, conquanto unanimidade dos condóminos é exigida para as alterações ao título constitutivo.

Donde, fora do âmbito dos poderes do administrador e fora do âmbito das atribuições da assembleia de condóminos, que vem a ser apenas a administração das partes comuns, como é óbvio, não pode a assembleia mandatar o administrador para fazer o que ela mesma não pode.

Labora a recorrente num equívoco, o de que está em causa uma “mera” ou comum deliberação da assembleia, quando é certo que, se se prefigura uma deliberação, no sentido de manifestação de vontade dos condóminos presentes numa reunião, expressa sob a forma de voto, vem a sê-lo numa matéria que não versa sobre a gestão das partes comuns. Logo, insusceptível de ser deferida pela assembleia ao administrador qualquer poder de representação dos condóminos que assentiram nas alterações ao título, em contraposição àqueles que nelas não consentiram…

Por isso que a deliberação de “Conferir mandato ao Administrador de condomínio CC, NIF ...69, CC nº ..., emitido pela República Portuguesa e válido até 28/09/2030, para outorgar escritura de alteração à propriedade horizontal, ou documento equivalente, nos exactos termos aprovados sob o Ponto Primeiro desta Assembleia”, não pode basear quaisquer poderes do Administrador para a propositura da presente acção, em representação do Autor, que vem a sê-lo o Condomínio…

Não tanto pelo teor literal do mandato, mas, decisivamente, o que mais patenteia a insusceptibilidade de suprimento do pressuposto processual em falta, por aquele apenas poder sê-lo pela unanimidade dos condóminos, nos termos do regime legal das alterações ao título constitutivo da propriedade horizontal a que respeita a deliberação em causa.

Sem que se esqueça a particularidade e não é despicienda de estarem em causa alterações bem assim à composição e área de fracções autónomas, em propriedade hoc sensu individual, pois. Desde logo, assim, nesse segmento da deliberação a executar, para usar a terminologia do Recorrente, inviável a execução sem a intervenção do proprietário de cada uma, ausente a atribuição de poderes representativos por outrem que não os proprietários, mormente a possibilidade de o serem pela assembleia.

Em conclusão, há efectivamente falta de personalidade do condomínio, na medida em que a presente acção se não insere no âmbito dos poderes do administrador, sequer por via da atribuição destes pela Assembleia.

Donde cabendo aos condóminos agir em juízo em nome próprio.

É que a falta de personalidade judiciária é insuprível[3], como bem se aduz na decisão recorrida.

Tudo para concluir pelo acerto da decisão recorrida.

III.

Tudo visto, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, vencido.

Notifique.

Porto, 09 de Maio de 2024
Isabel Peixoto Pereira
Manuela Machado
Isoleta de Almeida Costa

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[1] À luz da anterior redacção do artigo, a jurisprudência vinha decidindo que o não consentimento de um dos condóminos para a alteração do título constitutivo não podia ser suprido por decisão judicial, uma vez que a lei substantiva não previa a possibilidade do suprimento – decidiram neste sentido, dentre outros, o Ac. da Rel. de Lisboa de 12/06/1984, (in C.J., ano IX, tomo 3, págs. 151/152); o Ac. da Rel. do Porto de 15/03/2001, (in C.J., ano XXVI, tomo II, págs. 170/172); o Ac. da Rel. de Coimbra de 11/06/1991, (in B.M.J. n.º 408º, pág. 663); e o Ac. da Rel. de Évora de 10/10/1991, (in B.M.J. n.º 410º, pág. 904).
Abílio Neto defendia, porém, a possibilidade de submissão a decisão judicial das situações de “manifesto abuso do direito, em que o interesse colectivo é sacrificado a determinado interesse singular, sem sustentação objectiva e razoável” (in “Manual da Propriedade Horizontal”, 3.ª ed., pág. 102). Admitiu esta possibilidade o Acórdão da Relação de Guimarães de 08.03.2018, na base de dados da dgsi.
[2] Como resultará infra.
[3] Supríveis apenas os vícios da representação judiciária, que não se colocam na hipótese versada.