I – Tem natureza imperativa a norma do artigo 26.º, n.º 4, al. a), do RJCS, que consagra a solução do sub-seguro para os casos em que a omissão do segurado foi negligente e em que a seguradora teria, de qualquer modo, celebrado o contrato de seguro, mas exigindo um prémio mais gravoso.
II – Tendo ficado provado, no facto n.º 35, que, caso a 1.ª ré tivesse conhecimento da situação de doenças pré-existentes, teria muito provavelmente agravado o prémio pelo risco morte, padece de nulidade, por violação de norma imperativa (artigos 280.º, n.º1, do Código Civil, e 13.º, n.º 1, do RJCS), a cláusula 6.ª do contrato de seguro, segundo a qual fica excluída do âmbito da cobertura do risco a doença pré-existente não comunicada ao segurador, sem distinção entre dolo e negligência como faz a lei.
III – Para apreciar a validade da citada cláusula 6.ª há que atender à circunstância de estarmos perante um contrato de seguro obrigatório para os cidadãos que pedem empréstimo para aquisição de habitação - um bem essencial - surgindo tal contrato como um requisito que condiciona a possibilidade de acesso ao crédito.
IV – Os segurados são consumidores e encontram-se perante a seguradora e o tomador do seguro, o Banco, numa situação de assimetria informativa e de inferioridade no que diz respeito ao poder negocial, que, de todo, não têm.
V – Deve entender-se ser aplicável ao contrato de seguro, para além do seu regime jurídico próprio, a Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (DL n.º 446/85, de 25 de outubro), encontrando-se a seguradora vinculada aos deveres de comunicação e de informação consagrados em tal regime.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I – Relatório
1. AA, por si e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de BB intentou ação a seguir a forma de processo comum contra Ocidental Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA e Banco Comercial Português, SA, pedindo:
- a declaração de validade de contrato de seguro celebrado com a primeira;
- a condenação dos Réus a reconhecer que, por força do falecimento de BB se extinguiu a obrigação de pagamento do mútuo que a mesma e o Autor haviam celebrado com o banco Réu;
- a condenação da primeira Ré no pagamento ao segundo do capital mutuado ainda em dívida à data do óbito;
- a condenação do segundo Réu a restituir à Autora todas as quantias que lhe debitou por conta desse mútuo desde o referido óbito, bem como as que ainda lhe viesse a debitar desde a instauração da ação.
Para tanto argumenta, em suma, que ele e a sua então esposa celebraram com o Banco Réu um contrato de mútuo tendo-lhe sido exigida pelo mutuante a celebração de um seguro ramo vida, o que fizeram no mesmo dia, tendo sido o banco mutuante a apresentar-lhes e preencher toda a documentação necessária que os mutuários se limitaram a assinar, dada a confiança depositada nos funcionários daquele.
Argui que nunca lhes foi comunicado ou explicado o teor das cláusulas do contrato de seguro e que os questionários clínicos entregues com vista à sua celebração não foram preenchidos por eles nem com a sua colaboração.
Donde, conclui, a recusa do pagamento do capital seguro que a primeira Ré lhe comunicou após a participação do óbito da sua mulher, bem como a anulação do contrato de seguro pela mesma, com base na alegada omissão de comunicação de doenças pré-‑existentes à data da celebração do contrato de seguro, são infundadas, já que nunca foram questionados sobre tais factos, nem informados sobre as consequências contratualmente previstas para a não declaração de doenças pré-existentes e ou sobre a exclusão de cobertura também contratualmente prevista.
2. A Ré seguradora contestou, por exceção, alegando a invalidade do contrato de seguro por ter sido celebrado com base em falsas declarações prestadas pela falecida BB, a quem imputa a deliberada omissão de doenças de comunicação de doenças pré-existentes, que alega terem sido causa da morte.
Sustenta que, caso tivesse conhecido as patologias prévias da referida proponente não teria aceitado a celebração do contrato de seguro.
Acrescenta que do clausulado do contrato de seguro resulta a exclusão da cobertura de doenças pré-existentes, concluindo que, também por isso, não está obrigada ao pagamento da quantia mutuada ao segundo Réu que ainda estava em dívida à data do sinistro.
Impugnou, ainda, os factos alegados pelo Autor relativos ao não preenchimento do questionário clínico pelos proponentes e à não comunicação e explicação das cláusulas contratuais no momento da celebração do contrato de seguro.
3. O Banco Réu contestou, alegando que os questionários clínicos foram preenchidos por funcionário bancário na presença dos proponentes e de acordo com as respostas que os mesmos foram dando às perguntas que lhe eram colocadas e que os mesmos foram informados da relevância das informações pedidas e das consequências da eventual falsidade das repostas, tendo declarado serem exatas as declarações prestadas, após o que as subscreveram.
Mais alega que foi comunicado e explicado aos proponentes o teor das cláusulas do contrato de seguro, nomeadamente as relativas às exclusões aplicáveis, o que estes declararam ter sido feito, após o que assinaram tal declaração. Informou ainda quais os valores pagos e em dívida ao banco no âmbito do mútuo.
4. A reboque de despacho em que se entendeu que ocorreria ilegitimidade ativa por não estar nos autos, como associada do Autor, outra herdeira (filha menor) da segurada BB, veio a mesma, representada pelo seu pai, requerer a sua intervenção principal provocada, o que foi admitido.
5. Foi dispensada a audiência prévia e proferido despacho saneador em que se fixou o valor da ação, foi afirmada a validade e regularidade da instância, identificado o objeto do litígio, selecionados os temas de prova, admitidos os requerimentos instrutórios e designada data para audiência de julgamento:
6. Nestes termos decidiu o tribunal de 1.ª instância que: “Constitui objeto do presente litígio indagar da validade do contrato de seguro e das cláusulas de exclusão da responsabilidade, à luz das normas contidas nos artigos 25.º e 26.º (incumprimento dos deveres de informação ou informações inexatas, pelo segurado) e ainda nos artigos 185.º (informações pré-contratuais no seguro de vida) e 188.º (cláusula de incontestabilidade e respetivo prazo de exercício) do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril (Regime Jurídico do Contrato de Seguro), do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro (Regime das Cláusulas Contratuais Gerais), atendendo concretamente às normas contidas nos respetivos artigos 4.º, 5.º e 6.º (deveres de informação e comunicação do conteúdo contratual) e 8.º, als. a) e b) (exclusão das cláusulas) e 24.º, e do artigo 227.º do Código Civil (culpa na formação dos contratos). Mais configura objeto do presente litígio apreciar da ressarcibilidade das prestações pagas pelos autores desde o óbito da mutuária, à luz do regime do contrato de mútuo (artigo 1142.º, dos artigos 6.º e 7.º Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02 de junho) e sem desatender ao conceito de coligação de contratos».
7. Após audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente provada e procedente tendo-se ali decidido:
«a) Declara-se válido o contrato de seguro de vida celebrado entre o 1.º autor e a sua esposa BB e a 2.ª ré, para garantia do contrato de mútuo com o n.º ...82, que estes celebraram com o 2.º réu;
b) Declara-se a nulidade da cláusula 6.ª a das condições especiais do contrato de seguro de vida celebrado entre a 1.ª ré e BB;
c) Condena-se a 1.ª ré a pagar ao 2.º réu a quantia a liquidar em sede de execução de sentença, referente ao capital em dívida por força do mútuo contraído pelo 1.º autor e sua esposa junto do 2.º réu, à data de 09/12/2020, deduzida das quantias voluntariamente pagas pelos autores (referentes às prestações que se venceram entre aquela data e agosto de 2021, exclusive) e do valor do prémio de seguro que teria sido cobrado pela 1.ª ré se tivesse sabido da preexistência da epilepsia de que padecia a falecida BB, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa supletiva legal em vigor para as transações comerciais, desde o final do prazo legal (22/04/2021), até efetivo e integral pagamento;
d) absolve-se o 2.º réu dos pedidos;
e) condena-se os autores e a 1.ª ré no pagamento das custas processuais, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 25% e 75%, respetivamente.
Registe e notifique.
Após trânsito: - notifique a 1.ª ré para, em 10 dias, informar os autos do valor do prémio de seguro que seria pago pela segurada BB, caso o seguro tivesse sido celebrado com a conhecimento, pela 1.ª ré, da condição de saúde desta; - notifique o 2.º réu para informar qual o exato valor em dívida a título de capital, por conta do crédito em apreço nos autos».
8. Desta decisão a Ré seguradora interpõe recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto decidido o seguinte:
«Nestes termos acorda-se em:
1. julgar procedente o recurso interposto revogando a sentença recorrida quanto ao ali decidido nas alíneas b), c) e e); e,
2. em consequência, absolver a Ré/Recorrente do pedido.
Custas da ação e do recurso a cargo dos Autores, nos termos do previsto no artigo 527º, número 1 do Código de Processo Civil».
9. Inconformado, o autor, interpõe recurso de revista, nos termos dos artigos 671.º, n.º 1, 674.º, n.º 1, al. a) e artigos 675.º, n.º 1 e 676.º, n.º 1, todos do CPC, em que formula as seguintes conclusões:
«I. Da matéria de facto não provada resultou que:
“c) Pelos funcionários do 2.º réu foi lido e explicado o conteúdo da proposta de adesão do seguro de vida e das condições gerais e especiais da apólice, e bem assim, o teor de cada uma das perguntas do questionário clínico, acrescentando que a pergunta era essencial à validade do seguro que queriam celebrar por a 1.ª ré só assumir o risco do contrato se, com base em declaração deles, ficasse segura de que não preexistia nenhuma doença que fizesse do risco de sinistro uma certeza e não uma incógnita;
d) O 1.º autor e sua falecida esposa tiveram acesso prévio à proposta de adesão do seguro de vida, designadamente ao questionário clínico, ou às condições gerais e especiais da apólice do seguro, e concretamente a não cobertura do sinistro resultante de uma doença pré-existente;
f) BB pretendeu ocultar qualquer tipo de informação, designadamente qualquer doença pré-existente, o que fez de forma consciente e intencional;
g) BB e o 1.º autor tinham conhecimento de que não poderiam omitir aos réus a preexistência de qualquer doença e das consequências de tal omissão.”,
pelo que dúvidas não podem subsistir que se encontra totalmente excluída a possibilidade da R. seguradora OCIDENTAL – COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS DE VIDA, S.A. em proceder à anulação do contrato de seguro de vida com base em alegadas falsas declarações prestadas pela falecida BB nos termos do disposto no artigo 25º do RJCS, o que não se provou, já que não se verificam os condicionalismos que lhe permitiriam atuar nos moldes descritos nos termos do artigo 25º do RJCS, muito pelo contrário.
II. Revertendo ao caso concreto, o quadro factual dado como provado e não provado, afasta liminarmente a conclusão de que a segurada BB que tenha agido dolosamente, e menos ainda, com o intuito de possibilitar ou sequer facilitar a contratação do seguro e nas melhores condições.
III. Por força da cláusula da incontestabilidade prevista no artigo 188º do RJCS o segurador não se pode prevalecer das omissões ou inexatidões negligentes dos segurados decorridos dois anos sobre a celebração do contrato de seguro.
IV. No caso de se considerar que o comportamento da falecida BB tenha sido negligente, tendo por base o ponto 11 da matéria de facto provada que estabeleceu que “O contrato de seguro associado ao empréstimo identificado no facto provado n.º 1 é temporário, tem um prémio único e financiado no montante de € 1.470,53, pago antecipadamente e relativo à totalidade do prazo contratado (8 anos), e iniciou a produção dos seus efeitos em 12/06/2018.”, os dois anos por força da referida cláusula da incontestabilidade terminaram no dia 12.06.2020, pelo que desde essa data, a R. seguradora OCIDENTAL – COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS DE VIDA, S.A. não se pode prevalecer das declarações ou omissões negligentes da falecida BB para recusar a assunção de responsabilidade pelo sinistro.
V. Em face do exposto, considerando que no dia ....12.2020 BB faleceu – ponto 14 da matéria de facto provada – a R. seguradora OCIDENTAL – COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS DE VIDA, S.A., aquando da recusa da assunção na responsabilidade pela ocorrência do sinistro nos dias 05.07.2021 e 18.02.2022, como resultado ponto 31 da matéria de facto provada, já não podia e quer fazer-se prevalecer das declarações ou omissões negligentes da falecida BB.
VI. Atente-se que o ónus da prova do dolo da falecida BB era da R. seguradora OCIDENTAL – COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS DE VIDA, S.A. por força do previsto no n° 1, do artigo 342°, do CC, e essa prova não foi sequer feita, muito pelo contrário, como resulta de forma cristalina do ponto f) da matéria de facto não provada.
VII. Note-se que já em sede de petição Inicial, no artigo 67º da mesma o Recorrente alegou inicialmente a violação da cláusula de incontestabilidade, sem que, no entanto, o tribunal de 1ª instância e da Relação do Porto tenham procedido à análise jurídica da referida questão.
VIII. Em função da matéria de facto provada e não provada afastado que está de forma clara e evidente a existência de dolo – e dúvidas sobre isso não podem subsistir – por parte da falecida BB, ainda que se possa admitir a existência de uma declaração negligente nos termos do artigo 26º do RJCS,, os dois requisitos previstos na cláusula da incontestabilidade do artigo 188º, nº 1 do RJCS estão verificados, razão pela qual não pode a R. seguradora OCIDENTAL – COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS DE VIDA, S.A. prevalecer-se de omissões ou inexatidões contidas na declaração inicial do risco.
IX. O prazo de dois anos da cláusula de incontestabilidade é um prazo de caducidade, pelo que precludiu o direito da R. seguradora OCIDENTAL – COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS DE VIDA, S.A. de pedir a anulabilidade do contrato de seguro invocando factos meramente negligentes contidos na declaração inicial de avaliação do risco da falecida BB.
X. Em consequência, o Acórdão recorrido por não ter considerado a aplicação da lei aplicável viola de forma flagrante e notória o artigo 188º, nº 1 do RJCS, fazendo uma errada interpretação e aplicação do direito, o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais.
XI. Da matéria de facto dada como não provada, em particular dos pontos c), d) e i), resulta que os Recorridos não fizeram prova de que comunicaram aos segurados, e em particular, à falecida BB, que tivessem comunicado, informado, lido e esclarecido as cláusulas constantes das condições gerais e especiais da apólice do seguro de vida, e para o que por ora releva, a cláusula 6.ª, nº 1, al. a) referente à exclusão da assunção da responsabilidade no pagamento do sinistro em caso de doença preexistente.
XII. Assim, é de se considerar excluída do contrato de seguro em discussão nos presentes autos a cláusula 6ª, nº 1, al. a) das condições gerais da apólice por força do previsto nas alíneas a) e b), do artigo 8° do Decreto-lei 446/85, de 25 de outubro, porquanto a presente ação foi intentada contra entidade seguradora e entidade bancária, o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais.
XIII. Em função da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a cláusula 6ª, nº 1, al. a) das condições gerais da apólice deverá ser qualificada como abusiva quando excluiu da cobertura do seguro contratado nas circunstâncias em que não tenha sido antecipadamente comunicada à aderente, in casu, à falecida BB.
XIV. A situação fáctica dada como provada mostra-se ainda mais gravosa, uma vez que, estando em causa um contrato de seguro cuja celebração foi exigida (vd. facto provado 2 – “Para beneficiarem da disponibilização daquele montante pelo 2.º réu, este exigiu ao 1.º autor e à sua esposa, um seguro de vida, com cobertura dos riscos de morte e incapacidade absoluta e permanente, que o previsse como beneficiário irrevogável em caso de sinistro.”) ao Recorrente e sua falecida esposa, em conexão com a celebração de um contrato de mútuo, e tendo aquele contrato sido celebrado mediante subscrição da proposta de adesão apresentada pela instituição bancária mutuante, ficou amplamente provado que o Recorrente e falecida esposa limitaram-se a apor as suas assinaturas na proposta de adesão ao contrato de seguro, sem que lhe tenha sido dado a conhecer o seu conteúdo, e em momento algum, foi comunicado, lido ou informado o conteúdo das condições gerais e especiais da apólice do seguro de vida.
XV. Consequentemente, a não comunicação ao Recorrente e sua falecida esposa da cláusula contratual 6.ª, nº 1, al. a), que exclui a cobertura do seguro do risco resultante de doença pré-existente gera uma situação frontalmente contrária à “exigência da boa fé”, sendo de qualificar como cláusula abusiva excluída do contrato de seguro.
XVI. Cumpre salientar que não resultou de todo em todo provado que a falecida BB tenha sido informada ou comunicada da exclusão em apreço (ou das demais condições gerais do contrato de seguro), pelo que não pode a R. seguradora OCIDENTAL – COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS DE VIDA, S.A., socorrer-se de tal cláusula não comunicada, informada ou esclarecida para recusar o pagamento do capital seguro, sob pena de violação dos artigos 5º, 6º e 8º do Decreto-lei nº 446/85 de 25 de outubro.
XVII. Desta forma, no caso dos autos, deverá considerar-se excluída do contrato de seguro a cláusula de não cobertura do risco de doença pré-existente (cláusula 6ª, n.º 1, al. a)), mantendo-se, no mais, a vigência do mesmo contrato (cfr. artigo 9º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro), devendo, por isso, entender-se que o sinistro que despoletou os presentes autos – falecimento de BB – se encontra coberto pelo seguro contratado, sob pena de violação dos artigos 5º, 6º, 8º e 9º do Decreto-lei 446/85, de 25 de outubro.
XVIII. Acontece que não resultou provado que a Ré Seguradora, por si ou através do Réu Banco, tenha observado o dever de informação e comunicação legalmente previsto de exclusão de responsabilidade em caso de sinistro decorrente de doença preexiste, e porque a omissão da falecida Mariana Lopes não lhe é imputável a título doloso, posto que não se mostram reunidos os pressupostos de que o artigo 25º do RJCS, nunca seria de declarar a anulabilidade do contrato de seguro.
XIX. Quando muito, poder-se-á questionar se no caso em concreto, estão preenchidos os pressupostos previstos no artigo 26º do RJCS.
XX. Salvo o devido respeito por opinião diversa, a resposta terá de ser negativa.
XXI. Decorre do disposto no artigo 26º, nº 4 do RJCS que, “se antes da cessação ou da alteração do contrato, ocorrer um sinistro cuja verificação ou consequências tenham sido influenciadas por facto relativamente ao qual tenha havido omissões ou inexactidões negligentes: a) O segurador cobre o sinistro na proporção da diferença entre o prémio pago e o prémio que seria devido, caso, aquando da celebração do contrato, tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexactamente; b) O segurador, demonstrando que, em caso algum, teria celebrado o contrato se tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexactamente, não cobre o sinistro e fica apenas vinculado à devolução do prémio.” (negrito e sublinhado nosso)
XXII. No caso dos autos, a R. seguradora OCIDENTAL – COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS DE VIDA, S.A. – tem o ónus da prova dos factos de acordo com o disposto no artigo 342º, nº 2 do Código Civil – sendo que a mesma não alegou, e menos ainda provou sequer qual a diferença entre o prémio pago e o prémio que seria devido pelo Recorrente e falecida esposa BB se, aquando da celebração do contrato de seguro, tivesse tido conhecimento da existência das patologias que a falecida BB padecia.
XXIII. Deste modo, a R. seguradora OCIDENTAL – COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS DE VIDA, S.A. não pode sequer fazer-se prevalecer do disposto no artigo 26º, nº 1, al. a) do RJCS, porquanto em momento algum alegou, e menos ainda, provou, sequer qual a diferença entre o prémio pago e o prémio que seria devido pelo Recorrente e falecida esposa BB se, aquando da celebração do contrato de seguro, tivesse tido conhecimento da existência das patologias que a falecida BB padecia.
XXIV. Assim, a verificar-se um comportamento negligente imutável à falecida BB, sempre o contrato de seguro terá de cobrir o sinistro, sob pena de violação do artigo 26º, nº 4, al. a) do RJCS e das regras de repartição do ónus de prova constantes do artigo 342º, nº 2 do Código Civil.
XXV. Salvo o devido respeito, como é sabido, a assinatura de contratos de adesão como é o caso dos autos, não significa, por si só, o completo esclarecimento sobre o teor das suas cláusulas, designadamente, daquelas que podem afetar os direitos do subscritor, sendo que a intenção dolosa, consciente e intencional sobre a ocultação de qualquer tipo de informação, designadamente doenças preexistentes, foi totalmente excluída conforme resulta do ponto f) da matéria de facto não provada.
XXVI. Perante a ausência de prova da existência de uma conduta dolosa por parte da segurada BB na transmissão inexata de informações suscetíveis de influir na apreciação do risco, ou até na sua decisão de contratar, e cujo ónus competia à R. seguradora OCIDENTAL – COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS DE VIDA, S.A., bem como falta de alegação, e consequente prova de qual a diferença entre o prémio pago e o prémio que seria devido pelo Recorrente e falecida esposa BB se, aquando da celebração do contrato de seguro, tivesse tido conhecimento da existência das patologias que a falecida BB padecia, a sua pretensão de anulação do contrato pela R. seguradora não tem como singrar, sob pena de violação dos artigos 25º e 26º do RJCS.
XXVII. Resulta da matéria de facto não provada, e em particular, dos pontos, c), d), f), g) e i) que a falecida BB não tinha conhecimento ou que devesse de não ignorar a essencialidade das informações que estava a transmitir, porquanto não tinha conhecimento de que não poderia omitir aos Recorridos a preexistência de qualquer doença e das consequências de tal omissão.
XXVIII. Desta forma, é essencial demostrar por parte das Recorridas, saber se o erro foi fator determinante da declaração negocial emitida – essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro – e se o destinatário (BB) da declaração conhecia ou devia conhecer essa essencialidade, sendo estes os requisitos comuns da anulabilidade exigidos para o erro-vício e para o erro na declaração, por remissão do artigo 251º para o artigo 247º, ambos do Código Civil.
XXIX. Não obstante ter sido dado como provado que a falecida BB não prestou dolosamente falsas declarações, muito pelo contrário – vd. facto não provado f) – ainda que assim não se entendesse, terá a R. seguradora OCIDENTAL – COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS DE VIDA, S.A. de demonstrar a essencialidade do erro com vista à declaração da anulabilidade do contrato de seguro nos termos em que o fez, o que também por esta via não o fez.
XXX. Subsumidos os factos ao direito, teremos de concluir pela improcedência da exceção de anulabilidade do seguro invocada pela R. OCIDENTAL – COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS DE VIDA, S.A., em face da inexistência de dolo na declaração inicial do risco, mas também pela não demonstração de factos que traduzam a necessária essencialidade do erro, com vista à declaração da anulabilidade do contrato de seguro.
XXXI. Assim, conjugando o ponto 35 da matéria de facto provada e o ponto j) da matéria de facto não provada terá de se concluir necessariamente que com esse sobre prémio no caso de conhecimento da situação de doenças preexistentes, não existiria qualquer reticência à celebração do contrato de seguro, pelo que não poderá proceder a anulabilidade oposta pela R. seguradora OCIDENTAL – COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS DE VIDA, S.A. por falta de prova da essencialidade do erro.
XXXII. Desta forma, ao revogar a sentença da 1ª instância que julgou procedente a ação, o Acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação do Porto violou, entre outros, os artigos 24°, nºs 3 e 4, 25º e 26° do RJCS e os artigos 247º, 251º e 253º do Código Civil.
XXXIII. Salvo o devido respeito por opinião contrária, não podemos sufragar o entendimento constante do Acórdão recorrido, devendo julgar-se conforme o direito a solução encontrada pelo tribunal da 1ª instância que considerou que a cláusula 6ª, nº 1, al. a) do contrato de seguro viola a norma imperativa constante do artigo 26º, nº 4, al. a) do RJCS, norma relativamente imperativa por força do artigo 13º, nº 1 do RJCS, apenas derrogável em sentido mais favorável ao tomador do seguro.
XXXIV. Os presentes autos não carecem sequer de chegar à análise da presente questão, isto é, de saber se a cláusula 6ª, nº 1, al. a) do contrato de seguro de vida em discussão na presente demanda é, ou não, contrária a norma imperativa, e a sua inserção no contrato viola, ou não, qualquer norma jurídica.
XXXV. Conforme se teve oportunidade de supra mencionar, a referida cláusula ao abrigo do disposto no artigo 5º, 6º e 8º do Decreto-lei 446/85, de 25 de outubro, tem-se por excluída do contrato de seguro de vida.
XXXVI. Desta forma, uma vez que a cláusula alegada pela R. seguradora se encontra excluída do contrato de seguro, não é sequer necessário analisar se a mesma viola ou não qualquer norma imperativa, já que esse raciocínio apenas seria admissível no caso de se concluir pela sua manutenção no contrato de seguro, o que manifestamente não é o caso, pelo que não faz sentido pugnarmos pela interpretação ou análise sobre a circunstância de uma determinada cláusula violar uma qualquer norma imperativa, se a mesma nem sequer consta do contrato, ao ter-se por excluída do clausulado contratual em resultado da violação dos artigos 5º, 6º e 8º do Decreto-lei 446/85, de 25 de outubro.
XXXVII. Contudo, caso assim não se entenda, o que não se concede a não ser por mero dever de ofício, a decisão recorrida não pode subsistir, devendo repristinar-se a interpretação do tribunal de 1ª instância que considerou que cláusula 6ª, nº 1, al. a) do contrato de seguro viola a norma imperativa constante do artigo 26º, nº 4, al. a) do RJCS, norma relativamente imperativa por força do artigo 13º, nº 1 do RJCS, apenas derrogável em sentido mais favorável ao tomador do seguro, pelo que o Acórdão recorrido ao decidir como decidiu viola o disposto nos artigos 13º e 26, nº 4, al. a) do RJCS, fazendo uma errada interpretação e aplicação do direito aplicável.
XXXVIII. O Recorrente não se pode conformar com a interpretação segundo a qual não teria de pedir a restituição das quantias pagas à entidade seguradora, mas sim à entidade bancária, como o fez, em caso de procedência da presente ação, sob pena de enriquecimento indevido do Banco, que ficará obrigado a repetir ao Recorrente o que por ele foi pago indevidamente por causa da falta de cumprimento do contrato de seguro por banda da Ré seguradora.
XXXIX. Tendo o Réu Banco - aqui mutuante -, continuado a cobrar ao Recorrente após o decesso do co-mutuário as prestações relacionadas devidas pelo empréstimo que se encontravam cobertas pelo seguro que exigiu fosse feito como “garantia” de cumprimento do mútuo no caso de morte dos (ou de um dos) devedores, terá que proceder à sua devolução, sob pena de violação do artigo 473º do Código Civil.
Nestes termos e nos melhores de Direito sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Conselheiros, deve ser admitido o recurso de revista por se verificarem os pressupostos e deve o presente recurso ser julgado procedente, com a consequente revogação do Acórdão recorrido e prolação de decisão que esteja em conformidade com as conclusões acima formuladas, julgando a presente ação procedente, com o que se fará Justiça».
10. A ré apresentou contra-alegações, com ampliação do objeto do recurso, nas quais pugnou pela manutenção do decidido, formulando as seguintes conclusões:
«1ª - O contrato de seguro é válido, incluindo a cláusula 6ª das condições gerais, devendo considerar-se excluída a cobertura de morte da pessoa segura falecida, por decorrer de doença pré-existente.
2ª - A cláusula em causa delimita o objeto do contrato;
3ª - Consagra esta exclusão, entre outras.
4ª - Os seguros cobrem riscos incertos, imprevisíveis, e não eventos certos, previsíveis.
5ª - Caso a R. tivesse conhecimento da situação de doenças pré-existentes, nunca teria aceite segurar o risco em causa.
6ª - O óbito da pessoa segura está diretamente relacionado com as patologias de que sofria à data da subscrição do contrato de seguro, sendo inegável a existência de um nexo de causalidade.
7ª - Dispõe o art. 44º, nº 2 do RJCS que o segurador não cobre sinistros anteriores à data da celebração do contrato quando o tomador do seguro ou o segurado deles tivesse conhecimento nessa data.
8ª - A delimitação do objeto do contrato de seguro não viola nenhuma norma imperativa.
9ª - De todo o modo e sem prescindir, o segurador não cobre o capital em dívida ao Banco deduzido do valor do prémio de seguro que seria cobrado se tivesse sabido da preexistência de doença
10ª - O segurador cobre o sinistro na proporção da diferença entre o prémio de seguro pago (x) e o prémio que seria devido (y) se aquando da celebração do contrato tivesse conhecido o facto omitido.
11ª - Haverá que, em sede de liquidação em execução de sentença, aferir qual a diferença, em proporção (x/y), entre o prémio pago e o que seria devido e aplicar o resultado, em percentagem, ao capital em dívida, sendo o resultado o limite máximo da responsabilidade da 1.ª R.
12ª - Trata-se de aplicar uma regra de três simples (como num subseguro)!
13ª - Pelo que, por mera hipótese de raciocínio, mesmo que se considere aplicável o disposto no art. 26º, nº 4, al. a) do RJCS, a 1ª Instância interpretou erradamente a norma jurídica em questão, aplicando erradamente o direito aos factos, do que resultou uma condenação indevida, impondo-se a ampliação do objeto do presente recurso (art. 636º do CPC).
Termos em que, julgando-se improcedente o presente recurso, mantendo-se o Acórdão recorrido e julgando-se a presente ação improcedente se fará inteira JUSTIÇA!»
11. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso de revista, as questões a decidir são as seguintes:
Delimitação do objeto de recurso dos segurados:
Considera-se que a 1.ª questão suscitada – a aplicação da cláusula de incontestabilidade prevista no artigo 188.º, n.º 1, do RJCS, segundo a qual o segurador não se pode prevalecer de omissões negligentes decorridos dois anos sobre a celebração do contrato – apesar de suscitada no artigo 67 da petição inicial, não foi discutida no processo nem abordada nas decisões das instâncias, constituindo uma questão nova, pelo que fica excluída do objeto do presente recurso de revista, sendo cognoscíveis apenas as seguintes questões:
I – Exclusão da responsabilidade de pagamento do sinistro em caso de doença pré-existente (cláusula 6.ª, n.º1, al. a) das condições gerais da apólice);
II – (In)cumprimento dos deveres de comunicação e de informação da citada cláusula, ao abrigo dos artigos 5.º, 6.º e 8.º do DL n.º 446/85.
Ampliação do objeto do recurso (seguradora):
III - Forma de cálculo da obrigação de pagamento da seguradora em função da diferença entre o prémio de seguro pago e o prémio que seria devido se aquando da celebração do contrato tivesse conhecido as doenças da tomadora que foram omitidas.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
A – Os factos
São os seguintes os factos provados e não provados que sustentam a decisão recorrida:
Provados:
1. No dia 12/06/2018 AA a sua esposa BB assinaram, em conjunto com o Banco Comercial Português, S.A., um documento intitulado «crédito pessoal – contrato», a que atribuíram o n.º ...82, no montante total de € 32.054,34 (trinta e dois mil e cinquenta e quatro euros e trinta e quatro cêntimos), pelo prazo de 96 meses.
2. Para beneficiarem da disponibilização daquele montante pelo 2.º réu, este exigiu ao 1.º autor e à sua esposa, um seguro de vida, com cobertura dos riscos de morte e incapacidade absoluta e permanente, que o previsse como beneficiário irrevogável em caso de sinistro.
3. Por esse motivo, o 1.º autor e a sua esposa aderiram à apólice de seguro de grupo do ramo vida/crédito pessoal n.º ...95, em que a 1.ª ré figura como seguradora, e a que foi atribuída a apólice individual n.º AP...89, e emitido o Certificado Individual de Seguro nº ...44, cujo tomador de seguro é o Banco Comercial Português, S.A.
4. Antes da celebração do seguro de vida, foi realizado, junto da dependência do 2.º réu onde o mútuo foi pedido e tratado, um questionário clínico a BB, contendo as seguintes questões:
a. «Tem algum antecedente de doença manifestada ou diagnosticada, ou toma ou tomou algum medicamente de forma regular, ou foi hospitalizado ou sujeito a alguma biópsia intervenção cirúrgica (excluindo cesariana, adenoides, apêndice e litíase/pedra da vesícula sem sequelas), está ou esteve de baixa por doença ou acidente (exceto baixa por maternidade/paternidade) por período superior a 15 dias?»;
b. «Solicitou ou já lhe foi reconhecida alguma desvalorização de alguma das Tabelas Nacionais de Incapacidade, já sofreu algum tipo de acidente do qual tenha resultado alguma limitação funcional ou sequela física, ou foi sujeito a alguma restrição no âmbito de um seguro de vida, invalidez ou doença?».
5. A essas questões foi respondido «não», através da aposição informática de um visto na quadrícula respetiva por um funcionário do 2.º réu.
6. Caso a pessoa segura tivesse respondido «Sim», seriam, desde logo, gerados procedimentos para resposta a um questionário médico mais detalhado e pedido de elementos clínicos e exames complementares, para análise do risco.
7. A proposta de adesão ao seguro foi assinada pelo 1.º autor e pela sua esposa.
8. Na página 10/11 da proposta do seguro, o 1.º autor e a sua esposa apuseram a sua assinatura por baixo dos seguintes dizeres: «Declaro que respondi ao questionário clínico com todo o rigor e verdade não tendo omitido qualquer facto relevante, pelo que, das mesmas não consta qualquer inexatidão, designadamente por falta de diligência, cuidado ou atenção no preenchimento do questionário clínico. Tomo ainda conhecimento de que o presente questionário faz parte integrante da proposta de adesão acima identificada e que as declarações inexatas ou reticentes ou a omissão de factos tornam o pedido de adesão nulo e sem qualquer efeito, exonerando o Segurador da obrigação de pagamento de qualquer indemnização.».
9. O 1.º autor e a sua esposa declararam «São exactas e completas as declarações prestadas, tendo tomado conhecimento de todas as informações necessárias à celebração do presente contrato, tendo-lhes sido entregues as respectivas condições gerais de que tomaram integral conhecimento e tendo-lhes sido prestados todos os esclarecimentos sobre as mesmas condições contratuais, nomeadamente sobre as garantias e exclusões aplicáveis, com as quais concordam.».
10. A adesão do 1.º autor e esposa ao seguro de grupo foi aceite pela 1.ª ré, tendo por base os elementos e as declarações constantes da proposta de adesão.
11. O contrato de seguro associado ao empréstimo identificado no facto provado n.º 1 é temporário, tem um prémio único e financiado no montante de € 1.470,53, pago antecipadamente e relativo à totalidade do prazo contratado (8 anos), e iniciou a produção dos seus efeitos em 12/06/2018.
12. O mencionado seguro de vida assegura o pagamento do capital em dívida, calculado de acordo com o respetivo contrato de crédito, mediante a ocorrência de um sinistro por força de um dos riscos cobertos pelo seguro, tendo como capital máximo inicial a quantia de € 31.573,78 (trinta e um mil quinhentos e setenta e três euros e setenta e oito cêntimos).
13. Os contratos foram aceites nas seguintes condições:
a. Morte: aceite sem qualquer agravamento;
b. Invalidez Absoluta e Definitiva: aceite sem qualquer agravamento;
c. Invalidez Total e Permanente por Acidente: aceite com agravamento de 50% por motivo profissional.
14. No dia 09/12/2020, BB faleceu.
15. Decorre do despacho de arquivamento do processo-crime aberto por óbito de BB que:
a. «conjugando os achados necrópsicos, o resultado dos exames complementares efetuados e a informação circunstancial facultada, é de admitir que a morte de BB tenha sido natural, decorrente de um quadro de morte súbita em contexto de epilepsia (SUPED);
b. - as lesões traumáticas a nível do lábio e da língua denotam ter sido produzidas em contexto de crise epilética; […]
c. a análise toxicológica realizada ao sangue não revelou a presença de etanol;
d. as restantes análises toxicológicas revelaram a presença de substâncias medicamentosas (Nordiazepam e levetiracetam) em doses consideradas terapêuticas […]».
16. No dia 21/12/2020, no Cartório Notarial da Dra. CC, o 1.º autor realizou a Habilitação de Herdeiros da herança aberta deixada por óbito da falecida esposa BB, donde resulta que o próprio e a filha comum de ambos DD, são os seus únicos herdeiros.
17. Em janeiro de 2021, encontrava-se em dívida, por força do contrato identificado em 1., a quantia de € 28.180,36 (vinte e oito mil cento e oitenta euros e trinta e seis cêntimos).
18. O 1.º autor procedeu ao pagamento das prestações mensais (atualmente no valor de € 558,54) desde janeiro de 2021 até agosto de 2021, altura em que deixou de as pagar.
19. À data de 28/04/2021, encontravam-se em dívida as seguintes quantias:
a. de € 27.027,54 (vinte e sete mil e vinte e sete euros e cinquenta e quatro cêntimos), a título de capital vincendo;
b. de € 2.796,15 (dois mil setecentos e noventa e seis euros e quinze cêntimos), a título de capital vencido, mas não pago;
c. de € 210,82 (duzentos e dez euros e oitenta e dois cêntimos);
d. de € 2.139,64 (dois mil cento e trinta e nove euros e sessenta e quatro cêntimos), de juros vencidos;
e. de € 147,67 (cento e quarenta e sete euros e sessenta e sete cêntimos), de juros de mora,
f. de € 5,90 (cinco euros e noventa cêntimos), de imposto de selo.
20. Os procedimentos instituídos pela 1.ª ré obrigam, desde há muito, à entrega aos proponentes de toda a informação pré-contratual, bem como à explicação do seu conteúdo e prestação de todos os esclarecimentos sobre coberturas, garantias, condições de resgate e redução.
21. Em 22/12/2020 foi participado à 1.ª ré um sinistro por morte da pessoa segura BB.
22. Em 23/12/2020 foi remetida pela 1.ª ré aos herdeiros de BB carta a solicitar a seguinte documentação:
a. certificado de óbito onde conste a causa da morte;
b. relatório médico ou do médico assistente onde conste a data início,
c. tratamentos efetuados e evolução da patologia que levou ao falecimento; ou, em caso de acidente,
d. auto de ocorrência passado pelas autoridades competentes;
e. - Relatório da autópsia com resultado do exame toxicológico.
23. Em 30/03/2021, a 1.ª ré reiterou o pedido de envio da referida documentação, identificando-a como indispensável à análise do processo de indemnização.
24. Em 05/04/2021 o 1.º autor remeteu à 1.ª ré carta a informar que ainda não dispunha do relatório da autópsia.
25. Em 14/04/2021 a 1.ª ré endereçou aos herdeiros de BB carta a informar que aguardaria mais 90 dias pelo envio da documentação.
26. Em 22/04/2021, foi recebida pela 1.ª ré a notificação de arquivamento do Inquérito nº 230/20.9..., onde se conclui que a morte da pessoa segura se deveu a causas naturais, designadamente, a morte súbita em contexto de epilepsia.
27. Em data não concretamente apurada, a 1.ª ré enviou nova carta aos autores a solicitar:
a. certificado de óbito onde conste a causa da morte;
b. relatório médico onde conste a data de diagnóstico da epilepsia e início do seu tratamento médico.
28. Em data não concretamente apurada, mas posterior a 21/05/2021, foi recebida pela 1.ª ré a documentação clínica relativa a BB.
29. BB tinha as seguintes patologias: - obesidade (diagnóstico em 13/04/2007); - psoríase (diagnóstico em 13/04/2007); - veias varicosas da perna (diagnóstico em 15/11/2011); - trombose venosa profunda pena esquerda (em 15/11/2011); - tromboflebite superficial perna esquerda (em 19/02/2020); - epilepsia (diagnóstico em 26/03/2015); - suspeita de efeito adverso de um medicamento (04/04/2017), e era acompanhada em consulta hospitalar de neurologia, estando medicada com levetiracetam 150+0+1500.
30. Por cartas datadas de 16/06/2021 e 2ª via enviada em 22/06/2021, a 1.ª ré voltou a solicitar o relatório da autópsia com resultado do exame toxicológico, apenas tendo sido repetido o envio do despacho de arquivamento do inquérito.
31. Em 05/07/2021 e 18/02/2022, a 1.ª ré comunicou aos autores a recusa do sinistro.
32. A 1.ª ré recusou assumir o pagamento do empréstimo identificado no facto provado n.º 1, devido à omissão da patologia pré-existente por BB.
33. Das condições contratuais aplicáveis ao contrato de seguro, consta que as declarações inexatas, reticentes ou que omitam qualquer facto tornam anulável o pedido de adesão ao contrato de seguro de vida.
34. No artigo 6.º, n.º 1, al. a) das condições gerais da apólice consta o seguinte: «Não se consideram cobertos por este contrato os sinistros resultantes de: a) doença preexistente, considerando-se como tal toda a alteração involuntária do estado de saúde da Pessoa Segura, suscetível de constatação médica objetiva, e que tenha sido objeto de um diagnóstico ou que, com suficiente grau de evidência, se tenha revelado em data anterior à da adesão ao presente contrato, salvo quando tenha havido comunicação formal ao Segurador, e aceitação por parte deste, nas condições que para o efeito tenham sido estabelecidas».
35. Caso a 1.ª ré tivesse conhecimento da situação de doenças pré-existentes, teria muito provavelmente agravado o prémio pelo risco morte e excluído a incapacidade permanente.
Não provados:
a) As respostas às questões identificadas no facto provado n.º 4 foram preenchidas de acordo com o que os mutuários, e concretamente BB, disseram ao funcionário do 2.º réu que os interrogou.
b) As referidas questões foram respondidas autonomamente e de forma indiferenciada por pessoas da entidade bancária do 2.º réu responsáveis pela celebração do contrato de empréstimo e seguro de vida.
c) Pelos funcionários do 2.º réu foi lido e explicado o conteúdo da proposta de adesão do seguro de vida e das condições gerais e especiais da apólice, e bem assim, o teor de cada uma das perguntas do questionário clínico, acrescentando que a pergunta era essencial à validade do seguro que queriam celebrar por a 1.ª ré só assumir o risco do contrato se, com base em declaração deles, ficasse segura de que não preexistia nenhuma doença que fizesse do risco de sinistro uma certeza e não uma incógnita.
d) O 1.º autor e sua falecida esposa tiveram acesso prévio à proposta de adesão do seguro de vida, designadamente ao questionário clínico, ou às condições gerais e especiais da apólice do seguro, e concretamente a não cobertura do sinistro resultante de uma doença pré-existente.
e) BB assinou a proposta de adesão ao seguro sem a ler, com base na confiança que tinha nos representantes do 2.º réu.
f) BB pretendeu ocultar qualquer tipo de informação, designadamente qualquer doença pré-existente, o que fez de forma consciente e intencional.
g) BB e o 1.º autor tinham conhecimento de que não poderiam omitir aos réus a preexistência de qualquer doença e das consequências de tal omissão.
h) BB não tinha antecedentes médicos.
i) Foi entregue às pessoas seguras o certificado individual, com as condições particulares e as condições gerais e especiais do contrato de seguro.
j) Caso a 1.ª ré tivesse conhecimento da situação de doenças pré-existentes, nunca teria aceitado segurar o risco em causa.
B) O Direito
1. A pretensão do recorrente assenta no contrato de seguro assinado, em 12 de junho de 2018, por AA, autor desta ação, e a sua esposa BB, na posição de segurados, em conjunto com o Banco Comercial Português, S.A., que ocupou a posição jurídica de tomador de seguro.
Assim, a lei aplicável ao contrato de seguro será a lei vigente na data da conclusão do contrato, in casu, o Regime Jurídico do Contrato de Seguro instituído pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, adiante designado por RJCS, entrado em vigor desde 01 de janeiro de 2009.
2. O contrato de seguro é um acordo de vontades através do qual uma pessoa transfere para outra o risco de verificação de um dano, na esfera própria ou alheia, mediante o pagamento de uma remuneração.
O seguro dos autos tem as caraterísticas de um seguro de grupo, na medida em que é celebrado entre um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro, por um vínculo ou interesse comum.
Conforme se dispõe no Acórdão de 14-04-2015, proc. n.º 294/2002.E1.S1:
«II - O contrato de seguro do ramo vida oferece uma particularidade relevante: trata-se de um seguro contributivo, em que o banco mutuante é o tomador do seguro – entidade que celebra o contrato de seguro com a seguradora, sendo responsável pelo pagamento do prémio; os mutuários do crédito concedido são o grupo segurável, i.e., as pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum; as pessoas mutuárias são aquelas cujo risco de vida, saúde ou integridade física tenha sido aceite pela seguradora depois da recepção das declarações de adesão ao grupo, quer dizer, do documento de consentimento da pessoa segura na efectivação do seguro – e que contribuem, no todo ou em parte, para o pagamento do prémio.»
Pressupõe, assim, o seguro de grupo, a existência de três sujeitos de direito distintos: o segurador, o tomador do seguro e os segurados.
Tem dois momentos na sua formação: em primeiro lugar verifica-se a celebração de um contrato entre a seguradora e o tomador de seguro e num segundo momento ocorrem as adesões dos membros do grupo, os segurados.
Trata-se, pois, de um contrato trilateral entre seguradora, tomador e aderentes, em que existe um contrato inicial celebrado entre a seguradora e o tomador de seguro, o Banco, definindo esse acordo o conteúdo dos contratos posteriormente celebrados com os aderentes, sendo que apenas com a adesão destes passa a haver segurados.
Na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de 17-10-2019, proc. n.º 293/17.4T8PVZ.P1.S1) descreve-se assim o funcionamento deste tipo de contratos:
«I. A adesão de dois cônjuges a um contrato de Seguro de Grupo do Ramo Vida, de natureza contributiva, destinado a cobrir os riscos decorrentes da morte ou de invalidez de cada um deles e a garantir o reembolso da Beneficiária (mutuante na aquisição de uma fração autónoma para ambos) traduz um contrato indivisível do qual emergem interesses recíprocos de ambos os cônjuges aderentes na manutenção dos vínculos contratuais.
II. Em caso de ocorrência de um sinistro coberto por tal contrato de seguro, o seu acionamento determina para a Seguradora a obrigação de efetuar o pagamento do capital garantido à beneficiária (efeito imediato), mas tem ainda como efeito mediato a liberação da dívida cuja responsabilidade primária foi assumida por ambos os aderentes/segurados, pelo que a qualquer deles aproveita a manutenção da cobertura resultante da adesão do outro».
3. O contrato de seguro dos autos foi celebrado de acordo com a técnica dos contratos de adesão ou contratos de massa, não tendo os segurados, na prática, qualquer possibilidade de discutir ou de negociar o conteúdo das condições gerais e das condições especiais da apólice, limitando-se a subscrevê-lo por estar em causa um bem essencial – empréstimo para aquisição de habitação. Deve notar-se também que o Banco condiciona a celebração do contrato de mútuo à subscrição destes contratos de seguro de grupo, em que a seguradora geralmente é uma pessoa jurídica associada ao Banco tomador.
Aplica-se, pois, o regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 22 de outubro, destinado a proteger a parte mais fraca nestes contratos.
Neste sentido, veja-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-04-2015, proc. n.º 294/2002.E1.S1, onde se afirma que «O acto de adesão do segurado em relação às condições do contrato de seguro consubstancia uma manifestação de vontade de que é contraparte a seguradora, o que permite atribuir ao aderente uma protecção equivalente à do segurado num contrato de seguro individual, aplicando-se o DL n.º 446/85, de 25/10 para regular as relações entre o segurado e a seguradora».
Como se assinala no preâmbulo do diploma sobre o contrato de seguro – DL n.º 72/2008, de 1 de junho, vigora uma lógica de proteção do aderente do contrato de seguro de grupo: “Nos contratos de seguro de grupo em que os segurados contribuem para o pagamento, total ou parcial, do prémio, a posição do segurado é substancialmente assimilável à de um tomador do seguro individual. Como tal, importa realçar que da nova regulamentação deste tipo de seguro resulta que o facto de o contrato de seguro ser celebrado na modalidade de seguro de grupo não constitui um elemento que determine um diferente nível de proteção dos interesses do segurado e que prejudique a transparência do contrato.
4. No presente processo, ficou provado que não foi declarado pela segurada, por negligência, uma doença pré-existente, a epilepsia, da qual viria a resultar a sua morte (factos provados n.ºs 26 e 29).
Pede o recorrente, no recurso de revista, que a aqui 1.ª ré, seguradora, assuma, ao abrigo do contrato de seguro do ramo vida, assinado juntamente com o contrato de mútuo para aquisição de habitação, o pagamento do capital em dívida à data do falecimento da sua esposa.
A Seguradora invocou, em sua defesa, a invalidade do contrato de seguro por declarações falsas prestadas pela falecida BB, o que não se veio a provar, ou a exclusão do risco prevista na cláusula 6.ª do contrato que afasta a cobertura do seguro em relação a doenças pré-existentes omitidas.
5. As instâncias, considerando que tinha havido omissão negligente da comunicação de doença pré-existente, consideraram o contrato de seguro válido e trataram a questão de direito dos autos através da aplicabilidade ou não da cláusula 6.ª, n.º 1, al. a) do contrato de seguro, que exclui a cobertura do seguro em relação a doenças pré-existentes omitidas pelo segurado.
A referida cláusula tem a seguinte redação, conforme consta do facto provado n.º 34:
No artigo 6.º, n.º 1, al. a) das condições gerais da apólice consta o seguinte: «Não se consideram cobertos por este contrato os sinistros resultantes de: a) doença preexistente, considerando-se como tal toda a alteração involuntária do estado de saúde da Pessoa Segura, suscetível de constatação médica objetiva, e que tenha sido objeto de um diagnóstico ou que, com suficiente grau de evidência, se tenha revelado em data anterior à da adesão ao presente contrato, salvo quando tenha havido comunicação formal ao Segurador, e aceitação por parte deste, nas condições que para o efeito tenham sido estabelecidas».
6. O tribunal de 1.ª instância decidiu que, tratando-se de omissão negligente, tal circunstância não seria suficiente para fazer cessar o contrato de seguro, uma vez que não se provou o erro essencial, ou seja, que a seguradora não teria celebrado o contrato de seguro se tivesse sabido oportunamente da patologia omitida, mas tão-só que a seguradora não teria celebrado o contrato de seguro nos precisos termos em que o celebrou (erro incidental), como decorre claramente do facto provado n.º 35.
Considerou ainda que a cláusula 6.ª do contrato de seguro, que contempla a exclusão da cobertura do sinistro em caso de omissão de doença pré-existente, padecia de nulidade por violação de norma imperativa (artigos 280.º, n.º 1, do Código Civil e 13.º, n.º 1, do RJCS), in casu, o artigo 26.º, n.º 4, do RJCS, entendendo que a nulidade desta cláusula não contaminou todo o negócio, que teria de ser reduzido nos termos do artigo 292.º do Código Civil, assim se aproveitando tudo o mais acordado.
Decidiu, pois, pela condenação da 1.ª ré, mas restringindo a sua responsabilidade ao valor do capital em dívida à data do sinistro, 09/12/2020, «deduzida das quantias voluntariamente pagas pelos autores (referentes às prestações que se venceram entre aquela data e agosto de 2021, exclusive) e do valor do prémio de seguro que teria sido cobrado pela 1.ª ré se tivesse sabido da preexistência da epilepsia de que padecia a falecida BB».
7. O Tribunal da Relação, divergindo deste entendimento, decidiu pela validade da referida cláusula contratual e pela exclusão do sinistro dos autos do âmbito de cobertura do contrato, tendo em consequência absolvido a seguradora do pedido.
8. A declaração inicial do risco, no âmbito do contrato de seguro, assume um valor decisivo para que a seguradora possa apreciar o risco e calcular o prémio. Cabe, pois, ao tomador de seguro ou ao segurado, antes da celebração do contrato, a obrigação de declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador (artigo 24.º, n.º 1, do RJCS), e, à entidade seguradora, o dever de conduzir todo o processo negocial com clareza procedimental. Neste sentido, afirma o n.º 4 do artigo 24.º do RJCS que «O segurador, antes da celebração do contrato, deve esclarecer o eventual tomador de seguro ou o segurado acerca do dever referido no n.º 1, bem como do regime do seu incumprimento, sob pena de incorrer em responsabilidade civil, nos termos gerais.»
Na avaliação jurídica subjacente ao caso vertente, há que considerar que estes deveres não incidem apenas sobre o segurado, mas também sobre a seguradora, a quem compete, por ter o monopólio do poder negocial, esclarecer os segurados do significado e importância desta declaração inicial do risco.
Como afirmou o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 02-11- 2017 (processo n.º 620/09.8TBCNT.C1.S1) «No âmbito do seguro do ramo vida releva a existência de inquéritos clínicos, que acompanham a proposta, assumindo-se estes como um instrumento para a seguradora alicerçar a decisão de contratar e proceder à avaliação concreta do risco que assume, daí o dever que assiste ao segurado de prestar declarações verdadeiras e exactas. Por sua vez, está a seguradora obrigada ao dever de comunicar, na íntegra, aos aderentes as cláusulas contratuais gerais que se limitem a subscrever ou aceitar, devendo este ser realizado nos termos do n.º 1 do art. 5.º do DL 446/85, de 25-10, recaindo sobre a mesma o ónus da prova de que o cumpriu de forma adequada e efectiva (n.º 3 do aludido art. 5.º).».
Temos, pois, de um lado, o dever da pessoa singular, de informar das suas patologias e condição de saúde, preenchendo o questionário clínico subjacente ao contrato de seguro com verdade e lealdade, e, do outro lado, os deveres da seguradora e da instituição de crédito (atenta a complexidade da relação tripartida emergente da natureza do seguro), de informar a pessoa singular de todas as cláusulas contratuais, explicando-lhe o respetivo conteúdo, sob pena de estas não lhe serem oponíveis.
O dever de informação do segurado existe numa fase pré-contratual, em que impera a boa fé, mas tal não significa que idêntica boa fé não tenha de existir da parte da seguradora, informando o segurado, também nesta fase pré-contratual, das consequências jurídicas para o segurado de omitir doenças pré-existentes, sobretudo nos casos em que a seguradora estipulou uma cláusula de exclusão da cobertura para estas omissões, como é o caso da cláusula 6.ª do contrato dos autos.
9. O incumprimento do dever de declarar com exatidão as doenças preexistentes pelos segurados, no caso vertente, não foi doloso (al. f) dos factos não provados), pelo que fica afastada a anulabilidade do contrato de seguro ao abrigo do artigo 25.º, n.º 1, do RJCS.
Quer o acórdão recorrido, quer a sentença consideraram válido o contrato de seguro, uma vez que não houve dolo da segurada, divergindo apenas na aplicabilidade ou não do artigo 26.º, n.º 4, al. a), do RJCS.
O Tribunal da Relação não aceitou a solução do tribunal de 1.ª instância que classificou o artigo 26.º, n.º 4, do RJCS como uma norma imperativa, suscetível de gerar a nulidade da cláusula 6.ª, que define o âmbito de cobertura do contrato, excluindo doenças pré-existentes não declaradas. Rejeitou, pois, a solução do sub-seguro decidida pelo tribunal de 1.ª instância, para a hipótese de omissão negligente do segurado na declaração inicial.
10. Vejamos:
A jurisprudência (cfr. 09-07-2020, Revista n.º 3015/06.1TBVNG.P1.S1), não considera, em geral, automaticamente nulas as cláusulas de exclusão do âmbito de cobertura, entendendo que são válidas as cláusulas destinadas a fixar o objeto do contrato: «I - Na delimitação da responsabilidade operada pelas cláusulas de exclusão contidas nas Condições Gerais e/ou Especiais e Particulares nas apólices dos contratos de seguro cabe destrinçar as cláusulas de exclusão da responsabilidade que se mostram proibidas à luz do art. 18.º, al. b), do DL 446/85, de 25-10, das que visam a fixação do objecto de contrato, configurando-se estas plenamente válidas. II - Nessa distinção importa atender ao objecto do seguro e aos riscos cobertos na apólice e apenas serão tidas como absolutamente proibidas as cláusulas que prevejam uma exclusão ou limitação da responsabilidade que desautorize (ou esvazie) o objecto do contrato». Considerou o Supremo, neste caso, como elemento relevante para a decisão acerca da validade ou invalidade da cláusula de exclusão do risco a natureza obrigatória ou facultativa do contrato de seguro em causa, pois, «no seguro facultativo as partes não se encontravam obrigadas a contratualizar um conjunto tipificado de coberturas, podendo definir em concreto quais os riscos cobertos e quais os riscos excluídos», mostrando-se «(...) legítimo que as partes aceitem livremente circunscrever o âmbito do objecto do contrato deixando a possibilidade de a cobertura do mesmo ser alargada mediante um pagamento adicional ao prémio inicial».
11. Todavia, no caso vertente, estamos perante um contrato de seguro obrigatório para os cidadãos que pedem empréstimo para aquisição de habitação, um bem essencial, surgindo o contrato se seguro como um requisito que condiciona a possibilidade de acesso ao crédito. Por outro lado, os segurados são consumidores e encontram-se perante a seguradora e o tomador do seguro, o Banco, numa situação de assimetria informativa e de inferioridade no que diz respeito ao poder negocial, que, de todo, não têm.
Já no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2-12-2013 (Proc. n.º306/10.0TCGMR.G1.S1), se afirmava a este propósito que «A realidade sócio-económica e psicológica associada aos contratos de seguro do ramo vida e o contexto em que são celebrados, quando ligados a um contrato de mútuo para habitação - bem essencial para a vida dos segurados – contribui, quer para reduzir a atenção do segurado sobre o conteúdo do contrato de seguro, visto como elemento meramente acessório em relação ao empréstimo, quer para a seguradora se aproveitar desta situação, inserindo cláusulas contratuais gerais prejudiciais aos interesses do segurado. Daí a necessidade de, como bem destaca o acórdão de 22 de Junho de 2005 (processo n.º 1497/05-1), relatado pelo Conselheiro Moreira Alves, «(…) considerar o interesse dos aderentes que decorre naturalmente da ligação funcional entre o contrato de empréstimo, o contrato de seguro e o acto de adesão a este último, interesse esse que, os mais elementares princípios da boa fé exigem seja protegido, sob pena de a adesão ao contrato de seguro que o banco mutuante exige ao trabalhador seu devedor, com o inerente encargo de suportar o custo do respectivo prémio, não passar de simples artifício destinado a obter mais uma prestação a favor da seguradora, muitas vezes ligada ao grupo de que o banco faz parte…».
12. Ambas as instâncias reconheceram que este contrato de seguro de vida foi celebrado por mera adesão dos segurados e sem qualquer discussão acerca das suas cláusulas.
Verificam-se no presente caso as caraterísticas identificadoras das cláusulas contratuais gerais:
a) elaboração prévia e unilateral pelo predisponente;
b) generalidade, no sentido de serem aplicáveis a uma multiplicidade de contraentes;
c) rigidez tendencial, pois que provavelmente serão aceites ou rejeitadas em bloco
A cláusula contratual geral em litígio não foi negociada entre as partes, nem os segurados se encontravam conscientes dela (als c), d) e g) dos factos não provados), tendo estes todo o direito de julgar que a mera subscrição do contrato e o pagamento dos prémios lhes assegurava a cobertura do risco da morte, constituindo este risco a principal preocupação de todos os intervenientes nestes contratos de concessão de crédito, que se prolongam por muitos anos e envolvem uma relação tripartida.
Daí que tenha de se entender como imperativa a solução do sub-seguro para os casos em que, apesar da omissão negligente do segurado, a seguradora teria, de qualquer modo, celebrado o contrato de seguro, mas exigindo um prémio mais gravoso.
O artigo 26.º, n.º 4, al. a) do RJCS, dispõe o seguinte:
«4 - Se, antes da cessação ou da alteração do contrato, ocorrer um sinistro cuja verificação ou consequências tenham sido influenciadas por facto relativamente ao qual tenha havido omissões ou inexactidões negligentes:
a) O segurador cobre o sinistro na proporção da diferença entre o prémio pago e o prémio que seria devido, caso, aquando da celebração do contrato, tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexactamente»
Por sua vez o artigo 13.º, n.º 1, do RJCS, ao enumerar as normas relativamente imperativas, inclui expressamente o artigo 26.º, significando que esta norma apenas admite derrogações que estabeleçam um regime mais favorável ao tomador de seguro, mas não um regime mais gravoso como aquele que foi fixado na cláusula 6.ª do contrato em litígio.
Esta norma deve, pois, ser considerada imperativa por defender um conjunto de interesses sociais necessários para garantir a proteção mais fraca do contrato. Estes interesses sociais constituem uma nova ordem pública de proteção, destinada a combater a desigualdade no poder de negociação dos contratos e a proteger os consumidores.
A nulidade, no momento histórico em que vivemos, mais do que uma consequência da falta de um requisito essencial do ato, tem por objetivo sancionar a violação de normas imperativas, transformando-se num instrumento que visa a proteção dos interesses da parte desprovida de poder negocial.
Assim, entendida a cláusula 6.ª como uma exclusão do âmbito de cobertura do contrato de todos os casos de omissão de doenças pré-existentes, sem distinção entre dolo e negligência, e sem ressalva dos casos em que a seguradora celebraria o contrato, mas por um prémio mais elevado, tem de se concluir pela nulidade da citada cláusula 6.ª, por violação do artigo 26.º, n.º 4, al. a), do RJCS.
É que, retirar aos aderentes do contrato, meros consumidores, a possibilidade do subseguro prevista na lei, fere, de forma intolerável, os interesses da parte mais fraca do contrato, que não tem possibilidade de controlar o processo negocial e que se limita a aderir como um bloco a todas as cláusulas, mesmo sem ter consciência do seu significado, como sucedeu no caso vertente.
A esta luz a cláusula 6.ª do contrato de seguro esvazia a garantia que o contrato visa fornecer, num contexto em que as cláusulas do contrato em que está inserida – um contrato de adesão obrigatório para ter acesso ao crédito de habitação - não foram negociadas entre as partes e em que a autonomia privada se reduz à liberdade formal de assinar ou não um contrato, com a consequência de o consumidor ter de renunciar a um bem essencial, caso decida não subscrever o mesmo por discordar do seu conteúdo.
8. Entende-se, pois, que bem andou a sentença do tribunal de 1.ª instância em considerar nula a citada cláusula 6.ª por violação do artigo 26.º, n.º 4, do RJCS.
II – Incumprimento dos deveres de comunicação e de informação
11. Os recorrentes suscitaram ainda a questão da violação dos deveres de comunicação e de informação, previstos nos artigos 5.º, 6.º e 8.º do regime jurídico das cláusulas contratuais, o DL n.º 446/85, de 25 de outubro, que teria por consequência a exclusão da cláusula 6.ª por não ter sido comunicada e explicada aos segurados (artigo 8.º do citado diploma legal).
Pese embora, a resolução desta questão não seja essencial para a decisão, julgamos útil analisá-la, já que tal questão contribuiu para a resposta a dar à questão anterior e tem gerado divergências jurisprudenciais de que fez eco a sentença do tribunal de 1.ª instancia.
A este propósito, entendemos, diferentemente do tribunal de 1.ª instância, que a circunstância de o artigo 78.º do RJCS prever deveres de informação e de comunicação a cargo do Banco, tomador do seguro, não afasta a aplicação do regime das Cláusulas Contratuais Gerais quanto à seguradora, que assume também esses deveres por força dos artigos 5.º e 6.º do DL n.º 446/95.
Com efeito, sendo o contrato de seguro um contrato assimétrico, são aplicáveis, para além das normas do seu regime jurídico próprio, a Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (DL n.º 446/85, de 31 de outubro), encontrando-se a seguradora vinculada aos deveres de comunicação e de informação consagrados em tal regime, devendo considerar-se também que o incumprimento desses deveres pelo tomador do seguro é oponível à seguradora (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-03-2021, proc. n.º 1197/16.3T8BRG.G1.S1).
12. A divergência jurisprudencial a este propósito, encontra-se sanada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25-05-2023 (2224/14.4TBSTS.P1.S1). Neste processo, o TJUE, por acórdão de 20.04.2023 (processo C‑263/22), em resposta ao reenvio jurisprudencial, procedeu à seguinte interpretação da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 05.04.1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores:
«O artigo 4.º, n.º 2, e o artigo 5.º da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, lidos à luz do vigésimo considerando desta diretiva, devem ser interpretados no sentido de que: um consumidor deve ter sempre a possibilidade de tomar conhecimento, antes da celebração de um contrato, de todas as cláusulas que este contém.».
(…)
«O artigo 3.º, n.º 1, e os artigos 4.º a 6.º da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que: quando uma cláusula de um contrato de seguro relativa à exclusão ou à limitação da cobertura do risco segurado, da qual o consumidor em causa não pôde tomar conhecimento antes da celebração desse contrato, é qualificada de abusiva pelo juiz nacional, este tem de afastar a aplicação dessa cláusula a fim de que não produza efeitos vinculativos relativamente a esse consumidor.».
O citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça entendeu que da orientação adotada no acórdão do TJUE decorre que a seguradora está vinculada a deveres de comunicação e de informação, que não são afastados por regimes especiais que vinculam o tomador de seguro – Banco:
«VI - De acordo com a orientação do Acórdão do TJUE, a interpretação do direito nacional em conformidade com a Diretiva 93/13/CEE não permite que a existência de regimes de responsabilização do tomador do seguro pelo incumprimento do dever de comunicação/informação das cláusulas possa afectar a inoponibilidade ao aderente consumidor de cláusula contratual qualificada como abusiva.
VII. Assim, o direito nacional (art. 8.º, al. a), do DL n.º 446/85, de 25.10), ao determinar que as cláusulas não comunicadas sejam excluídas do contrato, encontra-se em plena consonância com a Diretiva 93/13/CEE.
VIII. No caso dos autos, considera-se excluída do contrato de seguro a cláusula de exclusão do risco de doença pré-existente, mantendo-se, no mais, a vigência do mesmo contrato (art. 9.º, n.º 1, do DL n.º 446/85, de 25.10), devendo, por isso, entender-se que a situação de incapacidade total e permanente da autora se encontra coberta pelo seguro contratado».
13. Entendia já alguma jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça anterior ao Acórdão de 25-05-2023 (cfr. Acórdãos de 2-12-2013, proc. n.º 306/10.0TCGMR.G1.S1 e de 09-03-2021, proc. n.º 1197/16.3T8BRG.G1.S1), que, apesar de os deveres de comunicação e informação recaírem, primordialmente, sobre o Banco, que tem contacto direto com os cidadãos, o incumprimento por parte do Banco é oponível pelos aderentes/segurados à seguradora. Banco e seguradora atuam em conjunto, e é comum ambos pertencerem ao mesmo grupo empresarial, retirando vantagens dessa associação, de tal modo que isentar a seguradora do incumprimento pelo Banco, na prática, anularia a proteção que a lei pretende fornecer aos segurados-aderentes. Verifica-se uma coligação negocial entre o contrato de mútuo e o contrato de seguro, tendo esta relação jurídica uma estrutura triangular que não pode ser ignorada. Daí que, como se entendeu no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 09-03-2021 (proc. n.º 1197/16.3T8BRG.G1.S1), o banco/mutuante/tomador do seguro não pode assumir uma postura de total alheamento da relação que se estabelece entre a seguradora e os mutuários/aderentes/segurados, nem a seguradora pode adotar essa posição perante a relação que se estabelece entre o banco e os mutuários/aderentes/segurados.
14. Os deveres de comunicação e de informação têm o seguinte conteúdo, nos termos da jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr. o citado Acórdão de 02-12-2013, bem como os Acórdãos de 13-09-2016, proc. n.º 1262/14.1T8VCT-B.G1.S1 e de 17-11-2020, proc. n.º 8963/16.8T8ALM-B.L1.S1, sendo de salientar a dimensão pró-ativa do dever de informação que cabe à seguradora:
«II – A exigência de comunicação deve ser cumprida na íntegra, devendo ser adequada e atempada, não se exigindo ao aderente mais do que a diligência comum, aferida em abstracto, mas tendo em conta as circunstâncias típicas de cada caso.
III – O dever de informação assume uma natureza personalizada e abrange a extensão da cobertura dos riscos e a medida exacta dos direitos e obrigações previstos no contrato, pressupondo iniciativas da empresa utilizadora e não apenas um papel passivo desta».
15. Nos termos do facto não provado c) não se demonstrou que os funcionário do 2.º réu tenham lido e explicado o conteúdo da proposta de adesão do seguro de vida e das condições gerais e especiais da apólice, e bem assim, o teor de cada uma das perguntas do questionário clínico, acrescentando que a pergunta era essencial à validade do seguro que queriam celebrar por a 1.ª ré só assumir o risco do contrato se, com base em declaração deles, ficasse segura de que não preexistia nenhuma doença que fizesse do risco de sinistro uma certeza e não uma incógnita;
Ainda segundo a al. d) dos factos não provados, não se demonstrou que o 1.º autor e sua falecida esposa tivessem acesso prévio à proposta de adesão do seguro de vida, designadamente ao questionário clínico, ou às condições gerais e especiais da apólice do seguro, e concretamente a não cobertura do sinistro resultante de uma doença pré-existente. Nem se provou, segundo a al. g) dos factos não provados que BB e o 1.º autor tivessem conhecimento de que não poderiam omitir aos réus a preexistência de qualquer doença e das consequências de tal omissão. Também não se provou que tivesse sido entregue às pessoas seguras o certificado individual, com as condições particulares e as condições gerais e especiais do contrato de seguro – al. i) dos factos não provados.
Cabendo o ónus da prova do cumprimento desses deveres à seguradora, é sobre ela que recai o risco da falta de prova (artigo 5.º, n.º 3, do DL n.º 446/85), pelo que a cláusula em litígio tem de se dar como excluída do contrato nos termos do artigo 8.º als a) e b), do DL 446/85.
16. Assim, estando excluída do contrato de seguro a cláusula 6. ª, que determina a não cobertura do risco em relação a doenças pré-existentes, também por este motivo se chegaria à solução adotada pelo tribunal de 1.ª instância.
III – Cálculo da indemnização a pagar ao segurado
17. Entende a seguradora que, para o caso de se considerar nula ou excluída a cláusula 6.ª do contrato de seguro, a indemnização devida não deve ser calculada nos termos em que decidiu o tribunal de 1.ª instância, defendendo que o segurador não cobre o capital em dívida ao Banco deduzido do valor do prémio de seguro que seria cobrado se tivesse sabido da preexistência de doença, mas antes cobre o sinistro na proporção da diferença entre o prémio de seguro pago (x) e o prémio que seria devido (y) se aquando da celebração do contrato tivesse conhecido o facto omitido.
Ora, dado que a 1.ª ré não indicou ao tribunal de 1.ª instância qual o prémio que seria devido para a hipótese de ter tido conhecimento da doença preexistente da autora – o que lhe seria fácil fazer – não dispõe este Supremo Tribunal de elementos para avaliar a correção do método proposto pela seguradora em comparação com o método decidido na sentença.
Assim, relega-se a discussão para liquidação de sentença, nos moldes decididos pelo tribunal de 1.ª instância, que se repristina.
17. Anexa-se sumário elaborado de acordo com o n.º 7 do artigo 663.º do CPC:
I – Tem natureza imperativa a norma do artigo 26.º, n.º 4, al. a), do RJCS, que consagra a solução do sub-seguro para os casos em que a omissão do segurado foi negligente e em que a seguradora teria, de qualquer modo, celebrado o contrato de seguro, mas exigindo um prémio mais gravoso.
II – Tendo ficado provado, no facto n.º 35, que, caso a 1.ª ré tivesse conhecimento da situação de doenças pré-existentes, teria muito provavelmente agravado o prémio pelo risco morte, padece de nulidade, por violação de norma imperativa (artigos 280.º, n.º1, do Código Civil, e 13.º, n.º 1, do RJCS), a cláusula 6.ª do contrato de seguro, segundo a qual fica excluída do âmbito da cobertura do risco a doença pré-existente não comunicada ao segurador, sem distinção entre dolo e negligência como faz a lei.
III – Para apreciar a validade da citada cláusula 6.ª há que atender à circunstância de estarmos perante um contrato de seguro obrigatório para os cidadãos que pedem empréstimo para aquisição de habitação - um bem essencial - surgindo tal contrato como um requisito que condiciona a possibilidade de acesso ao crédito.
IV – Os segurados são consumidores e encontram-se perante a seguradora e o tomador do seguro, o Banco, numa situação de assimetria informativa e de inferioridade no que diz respeito ao poder negocial, que, de todo, não têm.
V – Deve entender-se ser aplicável ao contrato de seguro, para além do seu regime jurídico próprio, a Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (DL n.º 446/85, de 25 de outubro), encontrando-se a seguradora vinculada aos deveres de comunicação e de informação consagrados em tal regime.
III – Decisão
Pelo exposto, decide-se na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça revogar o acórdão recorrido e repristinar a sentença do tribunal de 1.ª instância.
Custas da revista pela 1.ª ré, Ocidental Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA.
Lisboa, 15 de maio de 2024
Maria Clara Sottomayor (Relatora)
Nelson Borges Carneiro (1.º Adjunto)
António Magalhães (2.º Adjunto)