I – A perda do direito à vida, o mais importante dos direitos fundamentais, reclama a fixação de valores progressivamente mais elevados tendo em conta os princípios da atualidade e da dignidade na compensação dos danos.
II – Relativamente a uma vítima de 72 anos de idade, casado e com dois filhos, com relações de profunda afeição com a sua esposa, a quem dava apoio, e com os seus filhos, consideramos justo e equitativo que a indemnização pela perda do seu direito à vida seja fixada em 70.000,00€.
III - No que toca à compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela viúva e pelos filhos com a morte da vítima, face aos padrões jurisprudenciais adotados e à factualidade apurada, consideramos adequado que os respetivos montantes indemnizatórios se fixem quanto à viúva em 35.000,00€ e quanto aos filhos em 25.000,00€ por cada um deles.
Comarca do Porto – Juízo Central Cível do Porto – Juiz 3
Apelação
Recorrente: “A..., Compañia de Seguros y Reaseguros, S.A.”
Recorridos: AA; BB e CC
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Fernando Vilares Ferreira e Alberto Taveira
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
Os autores AA, BB e CC vieram intentar contra a ré “A..., S.A.” a presente ação declarativa, na forma de processo comum, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 175.015,67€, acrescida de juros moratórios, que reputam como adequada para ressarcimento dos danos que sofreram por força de acidente de viação que levou ao falecimento do seu marido e pai.
Acidente esse que alegam ter sido culposamente causado pelo condutor de veículo segurado na ré.
A ré contestou sustentando que o acidente foi culposamente causado pelo falecido, condutor do outro veículo interveniente.
Mais impugnou os danos alegados.
Foi citado o Instituto da Segurança Social, IP (art. 1º, nº 2, do Dec. Lei nº 59/89, de 22.2), que veio formular pedido indemnizatório no valor de 13.023,70€, acrescido de juros, que alega corresponder a reembolso de despesas de funeral e a pensões de sobrevivência liquidadas à viúva.
A ré também impugnou tal factualidade.
Foi dispensada a realização de audiência prévia.
Proferiu-se despacho saneador com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo.
Por fim, foi proferida sentença que:
1) Condenou a ré no pagamento aos autores da quantia de 70.000,00€, pela perda da vida de DD, acrescida de juros à taxa legal de juro civil, desde a presente data e até efetivo e integral pagamento;
2) Condenou a ré no pagamento à autora AA da quantia de 35.000,00€, ao autor BB da quantia de 25.000,00€ e ao autor CC da quantia de 25.000,00€, pelos danos não patrimoniais que sofreram com a morte de DD, sendo estes valores acrescidos de juros, à taxa legal de juro civil, desde a presente data e até efetivo e integral pagamento;
3) Condenou a ré no pagamento à autora AA da quantia de 2.000,00€, pelos danos não patrimoniais correspondentes às dores por esta sofridas, sendo este valor acrescido de juros, à taxa legal de juro civil, desde a presente data e até efectivo e integral pagamento;
4) Condenou a ré no pagamento à autora AA das quantias 415,67€ e de 2.600,00€, correspondentes a despesas de tratamento e de funeral por ela suportadas, acrescidas de juros, à taxa legal de juro civil, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento;
5) Condenou a ré no pagamento aos autores, enquanto cônjuge meeira e herdeiros do falecido, da quantia de 1.500,00€, para ressarcimento da destruição da viatura Toyota, acrescida de juros, à taxa legal de juro civil, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento;
6) Condenou a ré no pagamento ao Instituto da Segurança Social, IP, das quantias de 1.316,43€ e de 11.707,27€, acrescidas de juros, à taxa legal de juro civil, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento;
7) Absolveu a ré do mais peticionado.
Inconformada com o decidido, a ré interpôs recurso, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. São exageradas as indemnizações arbitradas para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos.
2. Nomeadamente, no que concerne à perda do direito à vida é muito elevada a indemnização de 70.000,00€ que foi fixada em primeira instância, devendo em sua substituição ser arbitrado um montante que não exceda 50.000,00€, por se afigurar mais justo e equilibrado.
3. É igualmente exagerada a indemnização de 35.000,00€, atribuída à viúva, e de 25.000,00€, atribuída a cada um dos dois filhos, como compensação moral pelo desgosto face à perda do filho, entendendo-se que seria mais justa uma indemnização não superior a 25.000,00 €, para a viúva, e de 15.000,00 €, para cada um dos dois filhos a tal título.
4. A douta sentença recorrida violou, além do mais, por errada interpretação e aplicação, o disposto no art. 496.º, 562.º e 566.º do Código Civil.
5. O Tribunal a quo interpretou e aplicou tais normas no sentido exposto na douta sentença, condenando a recorrente numa indemnização manifestamente excessiva.
6. A interpretação correta de tais preceitos era a que resultaria na atribuição de montantes de indemnização que não se afastassem dos agora preconizados.
Pretende assim que a sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que condene nos valores apontados.
Não foi apresentada resposta.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Cumpre então apreciar e decidir.
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
I – Apurar se foi correta a indemnização arbitrada pela perda do direito à vida;
II – Apurar se foram corretas as indemnizações arbitradas pelos danos não patrimoniais sofridos pelos autores.
É a seguinte a factualidade dada como provada na sentença recorrida:
1. No dia 25 de Julho de 2021, pelas 16:24 horas, na avenida ..., freguesia ..., Gondomar, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, marca Volkswagen, com a matrícula ..-RQ-.., propriedade de EE, e por ele conduzido, e o veículo ligeiro de passageiros, marca Toyota, com a matrícula ..-..-HV (corrigindo-se aqui, ao abrigo do disposto no art. 146º, do CPC, o óbvio lapso material ocorrido aquando da indicação desta matrícula no art. 3º da petição inicial), propriedade de DD e por ele conduzido.
2. O tempo estava seco e limpo.
3. O piso, em alcatrão, na ocasião do acidente, encontrava-se seco, com boa aderência e em bom estado de conservação.
4. Com dois sentidos de trânsito, separados por linha longitudinal descontínua,
5. Com uma largura de 7,10 metros.
6. O limite de velocidade máxima é de 50 Km/h.
7. A via, naquele local, configura uma curva.
8. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas, o veículo “Toyota” circulava no sentido .../..., pela metade direita da faixa de rodagem, atento o referido sentido.
9. A uma velocidade não superior a 50 kms por hora.
10. O veículo “Volkswagen”, por seu lado, circulava em sentido contrário, i.e., circulava no sentido .../....
11. Ao entrar na referida curva, à sua direita, o seu condutor, perdeu o controle do veículo.
12. Invadindo a faixa de rodagem contrária.
13. Indo embater na parte lateral esquerda do veículo “Toyota”, projectando-o para fora da estrada.
14. Do descrito acidente, resultou a morte de DD, condutor do veículo “Toyota” que contava 72 anos de idade.
15. À data do seu falecimento DD era casado em primeiras núpcias, ocorridas em 01-09-1968, no regime de comunhão geral de bens, com a 1ª autora.
16. Tendo como únicos filhos os restantes autores.
17. Não deixou testamento ou qualquer outra disposição de última vontade.
18. Vivia a vida com gosto, activamente e em solidariedade com todos, designadamente dava todo o apoio à sua esposa, que era, como é, pessoa doente seguida no IPO ... devido a neoplasia da mama, sofrendo também de incontinência urinária, hipertensão arterial e depressão.
19. A vítima, à data do acidente, vivia com a sua esposa.
20. A vítima era muito dedicada à sua esposa com quem vivia e convivia e a quem dava todo o seu carinho e o amparo de que a mesma necessitava.
21. Como era dedicado aos seus identificados filhos.
22. Por sua vez a 1ª autora e os seus filhos devotavam enorme estima e apreço por seu marido e pai.
23. A morte da vítima abalou profundamente os autores por uma desesperada e angustiante dor que se repercute em cada dia que passa.
24. A viatura “Toyota” ficou totalmente destruída.
25. A 1ª autora teve ainda despesas médicas e medicamentosas no valor de €415,67 (quatrocentos e quinze euros e sessenta e sete cêntimos) resultantes das lesões sofridas em consequência do acidente acima descrito, enquanto passageira transportada no veículo “Toyota”.
26. Pelas despesas de funeral, a 1ª autora despendeu a quantia de €2.600,00 (dois mil e seiscentos euros).
27. Ainda devido ao acidente acima descrito, a 1ª autora sofreu fractura do esterno com necessidade de internamento do dia 30 de Julho ao dia 02 de Agosto de 2021.
28. Durante este período de internamento a ao longo de todo o período de recuperação, a 1ª autora sofreu dores.
29. À data do acidente, o condutor do veículo “Volkswagen” tinha transferida para a 1ª ré a responsabilidade civil emergente de sinistros automóvel, ocasionados pela circulação desta viatura através do contrato de seguro titulado pela apólice nº ....
30. Com base no falecimento, em 2021/07/25, do beneficiário nº ..., DD, em consequência do acidente a que dizem respeito os autos, o ISS/CNP pagou a título de subsídio por morte, a AA, o total de €1.316,43.
31. O ISS/CNP pagou ainda Pensões de Sobrevivência, no período de 2021/08 a 2023/02, à viúva AA, no total de €11.707,27.
32. A curva supra descrita era ligeira e tinha boa visibilidade.
33. O veículo “Volkswagen” circulava uma velocidade superior a 100 kms por hora.
34. O condutor do veículo “Volkswagen” seguia distraído.
35. Entre o momento em que ocorreu o acidente e aquele em que ocorreu a morte (cerca de 2 horas depois), sofreu a vítima dores e angústias indescritíveis.
36. A depressão da autora foi agravada pelo evento atrás descrito.
37. A viatura tinha, à data do acidente, um valor comercial aproximado de €2.000,00 (dois mil euros), encontrando-se, antes do acidente, em bom estado de conservação, com todas as revisões efectuadas.
38. O condutor do veículo de matrícula ..-RQ-.. circulava atento ao trânsito e à condução.
39. Animado de velocidade não superior a 50 Km/h.
40. A curva é acentuada.
41. Quando o condutor do ..-RQ-.. se encontrava a menos de 20 metros da referida curva surgiu, o automóvel ligeiro de passageiros matrícula ..-..-HV, circulando com velocidade superior a 70 Km/h.
42. Em virtude da referida velocidade, não conseguiu descrever a curva, “cortou” a dita curva e invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha.
43. Ao aperceber-se desta manobra, o segurado da ré encetou uma travagem de recurso.
44. Porém o condutor do ..-..-HV não alterou a sua velocidade e trajectória, mantendo-se a circular na hemifaixa de rodagem destinada ao sentido de trânsito contrário.
45. Nestas circunstâncias o embate entre as viaturas tornou-se inevitável e o veículo ..-..-HV acabou por embater no ..-RQ-...
46. Esse embate ocorreu em plena metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de trânsito do ..-RQ-...
I – Apurar se foi correta a indemnização arbitrada pela perda do direito à vida
1. Na sentença recorrida fixou-se em 70.000,00€ a indemnização fixada pela perda da vida de DD, valor que teve a discordância em via recursiva da ré seguradora que, enfatizando a idade da vítima – 72 anos -, considera mais justa e equilibrada para ressarcimento deste dano a importância de 50.000,00€.
Vejamos.
2. A lesão corporal que pela sua irreversibilidade melhor expressa a fragilidade da vida humana e potencialmente desencadeia danos patrimoniais de maior expressão e gravidade é a morte.[1]
Com a morte findam os sonhos de uma vida, cessa a esperança.
Ora, se a compensação pelo dano moral da morte é um dado pacífico do nosso ordenamento jurídico, os problemas surgem quando se trata de proceder à sua quantificação, sendo certo que o padrão de decisão terá que ser definido sempre com recurso à equidade.
De qualquer modo, nenhuma razão séria justifica que este dano, perfilando-se como lesão do bem vida, de grau máximo e inexcedível, possa ter um tratamento de menor dignidade ressarcitória do que aquele que é conferido às lesões da saúde em geral, todas necessariamente, e por definição, de menor gravidade.[2]
3. Centremos agora a nossa atenção em algumas decisões que têm vindo a ser proferidas pelo nosso mais alto tribunal, uma vez que estamos perante matéria, como é a da sinistralidade rodoviária, em que a fixação dos montantes indemnizatórios efetuada com base em juízos de equidade implica frequentes intervenções do Supremo Tribunal de Justiça.
No acórdão do STJ de 3.11.2016 (proc. 6/15.5 T8VFR.P1.S1, relator António Piçarra, disponível in www.dgsi.pt) escreveu-se, com referência a esta data, que “consolidou-se (…) na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que o dano pela perda do direito à vida, direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos, situa-se, em regra e com algumas oscilações, entre os €50000,00 e €80000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a €100.000,00 (cfr, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2012, de 10 de Maio de 2012 (processo 451/06.7GTBRG.G1.S2), de 12 de Setembro de 2013 (processo 1/12.6TBTMR.C1.S1), de 24 de Setembro de 2013 (processo 294/07.0TBETZ.E2.S1), de 19 de Fevereiro de 2014 (processo 1229/10.9TAPDL.L1.S1), de 09 de Setembro de 2014 (processo 121/10.1TBPTL.G1.S1), de 11 de Fevereiro de 2015 (processo 6301/13.0TBMTS.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 185/13.6GCALQ.L1.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 1369/13.2JAPRT.P1S1), de 30 de Abril de 2015 (processo 1380/13.3T2AVR.C1.S1), de 18 de Junho de 2015 (processo 2567/09.9TBABF.E1.S1) e de 16 de Setembro de 2016 (processo 492/10.OTBB.P1.S1), todos acessíveis através de www.dgsi.pt.).”
No caso concreto aí apreciado, reportando-se este a uma situação em que a vítima contava 52 anos de idade, fixou-se a indemnização pela perda do direito à vida na importância de 60.000,00€.
No acórdão do STJ de 22.2.2018 (proc. 33/12.4 GTSTB.E1.S1, relator Manuel Braz, disponível in www.dgsi.pt.) em que a vítima tinha 25 anos de idade e era piloto da Força Aérea, com a patente de alferes, a indemnização pela perda do direito à vida foi arbitrada em 120.000,00€.
No acórdão do STJ de 7.5.2020 (proc. 952/06.7 TBMTA.L1.S1, relator Olindo Geraldes, disponível in www.dgsi.pt) em que a vítima tinha 29 anos de idade, considerando a elevada expetativa de vida, o casamento contraído há cerca de dois anos e a circunstância de ter sido pai há um ano, fixou-se a indemnização pela perda do direito à vida em 85.000,00€.
No acórdão do STJ de 11.2.2021 (proc. 625/18.8 T8AGH.L1.S1, relator Abrantes Geraldes, disponível in www.dgsi.pt) em que a vítima tinha 7 anos de idade fixou-se a indemnização pela perda do direito à vida em 100.000,00€.
No acórdão do STJ de 25.2.2021 (proc. 4086/18.3 T8FAR.E1.S1, relatora Rosa Tching, disponível in www.dgsi.pt.), em sede de compensação pela perda do direito à vida, tendo em conta que a vítima tinha 53 anos de idade e não contribuiu para a produção do acidente, teve-se por razoável fixar o valor base daquela compensação em 80 000,00€.
No acórdão do STJ de 27.9.2022 (proc. 253/17.5 T8PRT-A.P1.S1, relator Isaías Pádua, disponível in www.dgsi.pt.) em que a vítima tinha 41 anos de idade, sendo pessoa saudável, feliz, com família constituída e estabilizada profissionalmente, fixou-se a indemnização pela perda do direito à vida na importância de 95.000,00€.
Por fim, no mais recente acórdão do STJ de 10.10.2023 (proc. 9039/20.9 T8SNT.L1.S1, relator Jorge Arcanjo, disponível in www.dgsi.pt.), também citado na sentença recorrida, escreveu-se o seguinte:
“A jurisprudência portuguesa, sobretudo a partir de meados da década de 90 (do século passado) deu um salto qualitativo, aumentando progressivamente a indemnização pela perda do direito à vida, como se resumiu no Ac do STJ de 17/2/2002 (www.dgsi.pt/jstj ), com indicação de diversas decisões. Como critério adjuvante para a determinação equitativa do dano, a jurisprudência passou a socorrer-se da Resolução do Conselho de Ministros sobre o caso do acidente de ... de 4/3/2001, segundo o parecer do Provedor de Justiça (Diário da República, n.º 96, 2ª série, de 24 de Abril de 2001 - resumo, parte VIII, páginas 7142). Funcionando então o acidente de ... como uma espécie de “precedente” ou “premissa endoxal”, não pode deixar de se entender hoje a posterior evolução do custo de vida, os aumentos dos prémios de seguros, e sobretudo o princípio da dignidade da compensação dos danos.
Se já em 2013 a jurisprudência passou a atribuir valores que oscilam entre €50.000,00 e €80.000,00, chegando a atingir €100.000,00 para vítimas jovens (cf., por ex., Ac STJ de 29/10/2013 (proc. nº 62/10.2TBVZL), Ac STJ de 18/12/2013 (proc. nº 1749/06.0TBSTS), em www dgsi.pt), a posterior evolução e o princípio da actualidade reclamam claramente valores superiores.”
Neste contexto, no caso concreto aí apreciado, entendeu-se não se mostrar exagerado fixar em 100.000,00€ o valor indemnizatório pela perda do direito à vida, referente a uma vítima de 39 anos de idade, alegre, jovial e bem disposta, que trabalhava na área do teatro, representação e comunicação.
4. De regresso à situação dos autos, verifica-se que a ré seguradora, pretendendo reduzir este segmento indemnizatório para a importância de 50.000,00€, salientou na motivação do seu recurso a circunstância de a vítima ter 72 anos de idade.
É certo que a idade da vítima é um elemento a considerar, de tal modo que se compreende ser de atribuir uma indemnização mais elevada pela perda de uma criança ou de um jovem, cujas vidas ainda não foram vividas ou se encontram numa fase inicial do seu percurso, do que pela morte de um adulto que se ache já na curva descendente da sua existência.
Porém, pese embora, no presente caso, a vítima contasse já 72 anos de idade, não podemos ignorar a sua inserção num quadro familiar estruturado, com relações de profunda afeição com a sua esposa, a quem dava importante apoio, e com os seus filhos.
Além do mais, vivia a vida com gosto, ativamente e em solidariedade com todos.
Por outro lado, na sequência do afirmado no Ac. STJ de 10.10.2023, em comparação com indemnizações atribuídas em anteriores arestos já com alguns anos, os princípios da atualidade e da dignidade na compensação dos danos reclamam a fixação de valores progressivamente mais elevados pela perda desse bem máximo que é a vida, o mais importante dos direitos fundamentais.
Deste modo, entendemos que a indemnização fixada pela 1ª Instância, em 70.000,00€, pelo ressarcimento da perda do direito à vida, com recurso a critérios de equidade (arts. 496º, nº 4 e 494º do Cód. Civil), mostra-se justa e adequada, devendo, por isso, ser mantida.
1. Na sentença recorrida, quanto a este segmento indemnizatório, fixaram-se os respetivos montantes em 35.000,00€ para a viúva, a autora AA e em 25.000,00€ para cada um dos filhos, os autores BB e CC.
Porém, em via recursiva, a ré seguradora, não considerando estes valores adequados, pugna pela sua redução para 25.000,00€ quanto à viúva e 15.000,00€ quanto a cada um dos filhos.
Vejamos.
2. Inequívoco é que a dor e o sofrimento daqueles que constituem o círculo familiar mais íntimo do lesado é tutelado pela nossa ordem jurídica. No seu ressarcimento há a considerar o grau de parentesco, mais próximo ou mais remoto, o relacionamento da vítima com esses seus familiares, se era fraco ou forte o sentimento que os unia, se a dor com a perda foi realmente sentida e se o foi de forma intensa ou não.[3]
A indemnização a atribuir neste âmbito, com base na equidade [arts. 496º, nº 4 e 494º do Cód. Civil], destinar-se-á assim a compensar a dor, a tristeza, a angústia, a perda, o sofrimento tidos pelos familiares a quem a vítima, com a sua morte, faltou.
Da matéria de facto dada como assente resulta o seguinte:
- À data do seu falecimento DD era casado em primeiras núpcias, ocorridas em 01-09-1968, no regime de comunhão geral de bens, com a 1ª autora [nº 15];
- Tendo como únicos filhos os restantes autores [nº 16];
- Dava todo o apoio à sua esposa, com quem vivia, que era, como é, pessoa doente seguida no IPO ... devido a neoplasia da mama, sofrendo também de incontinência urinária, hipertensão arterial e depressão [nºs 18 e 19];
- Dava à sua esposa todo o seu carinho e o amparo de que a mesma necessitava [nº 20];
- Era dedicado aos seus filhos [nº 21];
- A 1ª autora e os seus filhos devotavam enorme estima e apreço por seu marido e pai [nº 22];
- A morte da vítima abalou profundamente os autores por uma desesperada e angustiante dor que se repercute em cada dia que passa [nº 23].
Ora, deste contexto fáctico emerge, em consequência da morte de DD, um quadro de grande sofrimento para os autores, mais intenso ainda no que toca à viúva, a autora AA, a quem o falecido dava todo o apoio.
Apoio de que aquela bem carecia por ser pessoa doente seguida no IPO ... devido a neoplasia da mama, sofrendo também de incontinência urinária, hipertensão arterial e depressão.
Acontece que as importâncias arbitradas na sentença recorrida [35.000,00 para a viúva e 25.000,00€ para cada um dos filhos] se mostram, perante a factualidade assente, adequadas ao sofrimento que os autores experimentaram e experimentam, compaginando-se, de resto, com os padrões jurisprudenciais seguidos e com a necessidade de uma progressiva atualização dos valores indemnizatórios neste âmbito - Cfr., entre outros, Ac. STJ de 21.3.2019, p. 20121/16.7T8PRT.P1.S1, relatora Maria de Graça Trigo; Ac. STJ de 11.2.2021, proc. 625/18.8T8AGH.L1.S1, relator Abrantes Geraldes; Ac. STJ de 25.2.2021, p. 4086/18.3T8FAR.E1.S1, relatora Rosa Tching e Ac. Rel. Porto de 6.11.2019, proc. 1231/16.7GAMAI.P1, relator Moreira Ramos, todos disponíveis in www.dgsi.pt., dos quais resulta a compatibilidade entre os valores fixados na sentença recorrida e os atualmente arbitrados pelos nossos tribunais superiores.
Como tal, por se mostrarem justas e equitativas, deverão estas importâncias ser mantidas, o que importará a total confirmação do decidido pela 1ª Instância.
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Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela ré “A..., Compañia de Seguros y Reaseguros, S.A.” e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas, pelo seu decaimento, a cargo da ré/recorrente.
Porto, 23.4.2024
Rodrigues Pires
Fernando Vilares Ferreira
Alberto Taveira
________________
[1] Cfr. João António Álvaro Dias, “Dano Corporal – Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios”, Colecção Teses, Almedina, pág. 350.
[2] Cfr. João António Álvaro Dias, ob. cit., pág. 355.
[3] Cfr. Sousa Dinis, in “Dano Corporal em Acidentes de Viação”, CJSTJ 1997, tomo 2, p. 13.