OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES JUNTO DA PARTE CONTRÁRIA
DOCUMENTOS EM PODER DA PARTE CONTRÁRIA
Sumário

I - A obtenção de informações junto da parte contrária, ao abrigo do art.º 411º CPC, passa pela indicação dos concretos factos a provar com as diligências que se requer, no sentido de demonstrar a necessidade e o relevo de tais meios de prova para a justa composição do litígio.
II - A notificação da parte contrária para proceder à junção de documentos, nos termos do art.º 429º/1/2 CPC, impõe a indicação quanto possível do documento e a especificação dos factos que com ele quer provar, sendo que a falta de tal especificação impede que o tribunal proceda a um juízo de avaliação sobre o interesse para a decisão da causa.

Texto Integral

Prova-Documento-Informações Banco-20260/22.5T8PRT-A.P1


*

*


SUMÁRIO[1] (art.º 663º/7 CPC):

…………………….

…………………….

…………………….


---

Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

                     I. Relatório

                     A Autora notificada para o efeito, em 20 de março de 2023 apresentou requerimento de provas, onde entre outras provas, veio requerer:

                     “Requer, ainda, seja ordenada a notificação do Réu para informar:

                     - Quantas contas foram encerradas por iniciativa dos seus serviços no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2021 e 24 de fevereiro de 2022 envolvendo cidadãos de nacionalidade russa;

                     - Quantas contas foram encerradas por iniciativa dos seus serviços no período compreendido entre 24 de fevereiro de 2022 e 21 de novembro de 2022 (data da propositura da ação), envolvendo cidadãos de nacionalidade russa - quantas, dessas contas, diziam respeito a relações estabelecidas com os seus titulares no ano de 2015 ou em momento anterior.

                     Requer, finalmente, seja o Réu notificado para juntar aos autos todos os documentos que terão servido de suporte às decisões tomadas relativamente à autora (e descritas na petição inicial) desde já declarando nada ter a opor à junção de quaisquer documentos que porventura careçam da sua autorização para serem tornados públicos ao abrigo das obrigações que sobre o réu impendem relativas ao segredo bancário”.


-

                     O Réu veio pronunciar-se sobre o tal requerimento, alegando para o efeito, o que se passa a transcrever:

                     “[…]

                     10. Já quanto ao pedido de prestação de informação agora formulado – a saber, o pedido para que o Réu seja notificado para informar quantas contas, envolvendo cidadãos de nacionalidade russa, foram encerradas entre 1 de janeiro de 2021 e 21 de novembro de 2022 e, entre essas, quantas diziam respeito a relações estabelecidas em 2015 ou em momento anterior – cabe referir o seguinte:

                     11. O pedido de informação aqui em causa não tem qualquer cabimento ao abrigo do nosso direito processual civil pelo que deverá ser liminarmente indeferido. Com efeito, a lei apenas prevê que a parte possa dirigir pedidos concretos de apresentação de documentos à contraparte, ao abrigo do artigo 429.º do CPC, e não pedidos de informação,

                     12. O que bem se compreende na medida em que pôr uma parte a pedir informações à contraparte compromete o núcleo essencial do princípio do dispositivo pelo qual se rege o nosso processo civil.

                     13. Acresce que a informação pedida pela Autora não se reporta a nenhum facto alegado na sua petição inicial e extravasa o objeto da presente ação, não contribuindo para a boa decisão da causa.

                     14. Conforme foi delimitado pelo Despacho proferido a 27.02.2023, “O objeto da ação consiste, no essencial, em apurar se a autora, AA, em consequência das relações bancárias havidas com a ré, Banco 1... SA, relativas a contas bancárias tituladas pela autora, tem direito a reclamar desta o pagamento de uma indemnização pelos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, em consequência de a ré ter obstado a diversas operações bancárias por si solicitadas (melhor descritas na petição inicial), acabando por terminar as relações contratuais (bancárias) entre as partes, sem causa ou motivo justificativo para esse efeito” (realce nosso)

                     15. Assim sendo, nos presentes autos apenas estão em discussão os contactos e a relação bancária estabelecida entre a Autora e o Réu e já não as relações bancárias estabelecidas entre o Réu e outros clientes.

                     16. A informação que a Autora pretende obter por esta via – nomeadamente informações relacionadas com as relações que a Ré estabelece com outros clientes – em nada contribui para o apuramento do contexto fáctico em que se processaram as relações entre a Autora e a Ré, no âmbito das operações bancárias em discussão (primeiro tema de prova delimitado pelo Tribunal e do qual decorrem os restantes temas).

                   17. Face ao exposto, deve o pedido de apresentação de informação formulado ser rejeitado pelo Tribunal.

                18. Por fim, a Autora requer que o Réu seja notificado para apresentar em Tribunal “todos os documentos que terão servido de suporte às decisões tomadas relativas à Autora (e descritas na petição inicial)”.

                    19. O art.º 429.º do CPC prevê a possibilidade de ser requerida à contraparte a junção de um concreto documento pré-existente — cuja existência e teor o requerente conhece, mas que apenas pode ser junto pela contraparte — para prova de determinando facto ou factos já alegados pelo requerente da junção de documentos.

                     20. Assim se explica a exigência, na parte final do n.º 1 do art.º 429.º do CPC, de o requerente identificar devidamente o documento cuja junção requer — devendo o mesmo especificar, na medida do possível, a espécie do documento, a sua data, autor e/ou destinatário, bem como quaisquer outros elementos que permitam individualizar o documento pretendido1-2 —, estando vedadas as tentativas de incursão exploratória e não discriminadas aos arquivos da contraparte (comummente designadas de “fishing expeditions”),

                     [Notas de rodapé:

                      1 Neste sentido, veja-se ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado, Volume IV, 3.ª edição 1951 (reimpressão), Coimbra Editora, 2007, p. 39: “A 1.ª exigência tem por fim dar a conhecer ao notificado qual o documento que dele se requisita. […] Na verdade, para que a parte possa tomar conscientemente qualquer atitude perante o despacho que requisitar a apresentação, é indispensável que ela saiba, ao certo, qual a espécie de documento que se lhe exige – se uma carta, se uma letra, se um relatório, se um balanço, se um título de arrendamento, etc. E não basta que se indique a espécie em abstrato, é necessário que se caracterize a espécie, que se individualize o documento, dizendo-se, por exemplo, de que data é a carta e quem a expediu, a que prédio se refere o arrendamento e em que data se celebrou, etc.” (realces nossos). Quanto a esta matéria, veja-se ainda JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO E RUI PINTO, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 463.

                          2 Também quanto à descrição que deve ser feita do documento cuja junção se pretende, defendendo que “não é possível ao tribunal controlar a idoneidade de um documento se não sabe qual é, ou o que contem” veja-se, nomeadamente, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22.11.2011, disponível em www.dgsi.pt.]

                     21. sendo ainda de sublinhar a exigência de identificação expressa, pelo requerente, dos concretos factos por si alegados que pretende provar com o referido documento, permitindo ao Tribunal aferir da adequação do concreto documento pedido para prova dos referidos factos.

                     22. Ora, no caso dos autos, a Autora não tem em mente um concreto documento que saiba existir e que prove um concreto facto por aí já alegado (aliás, não indica um qualquer facto que pretenda provar com o documento)), pelo que, não se encontrando devidamente identificados que documentos pretende a Autora que o Réu seja notificado a juntar, nem tendo sido especificados os factos da Petição Inicial que a Autora pretende provar com esses documentos, o pedido deverá ser indeferido, por não preenchimento dos requisitos do artigo 429.º, do CPC.

                     23. Por fim, importa referir que a “declaração de autorização” da Autora quanto ao sigilo bancário não afasta o dever de não divulgação que impende sobre o Réu. (resultante do art.º54.º da Lei 83/2017, de 18 de Agosto, que prevê as Medidas de Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo)”.

                     Termina por pedir que sejam indeferidos os pedidos de prestação de informações e os pedidos de junção de documentos em poder do Réu.


-

          Proferiu-se despacho (ref. Citius 450411553) que apreciando o requerimento formulado decidiu com os fundamentos que se transcrevem:

                        “[…] No que concerne à prova documental requerida à ré, pensamos que assiste razão à ré no que concerne à inadmissibilidade de junção de informações bancárias que nada têm que ver com o objeto desta lide, nomeadamente, saber quantas contas bancárias de cidadãos russos foram encerradas.

                          Finalmente, no que concerne à última parte do pedido de documentação à ré, vai o mesmo indeferido uma vez que se trata de um pedido genérico e sem qualquer concretização objetiva. A ré poderá ser notificada para juntar documentação caso a autora a identifique e justifique a pertinência da sua junção aos autos”.


-

                     A Autora veio interpor recurso do despacho.

-

                     Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões:

                     A) Através do presente recurso a Recorrente pretende impugnar os segmentos da decisão melhor identificados no corpo destas alegações, que indeferiram os requerimentos com vista à junção aos autos, pela Recorrida, de informações e documentos, que só a mesma detém e que se recusa a disponibilizar à A..

                    B) Considera a Recorrente que tais decisões violam, sem o menor suporte legal, o direito da A. a garantir, de forma adequada, o cumprimento do seu ónus da prova, tornando, com esse indeferimento, praticamente impossível à A. produzir essa prova, de certo modo “diabolizando” o seu ónus da prova.

                    C) No que à primeira das decisões impugnadas respeita –decisão sobre o requerimento para junção aos autos de informações na posse da Recorrida – considerou, o M.ª Juiz a quo, inadmissível a pretensão da A. quanto à junção de informações relativas à atividade do banco que, no entender do M. º Juiz a quo, “nada têm a ver com o objeto desta lide”.

                    D) Salvo o devido respeito, tal decisão revela uma abordagem errada e redutora do objeto da lide, na análise do qual – objeto da lide – se revela, no entender da Recorrente, essencial apreciar se o comportamento, assumido e confessado pela Ré, de encerramento das contas da A. junto desse banco (uma das quais, recorde-se, era a conta de utilização profissional da A., como Advogada) foi lícito (como numa visão simplista da questão poderá parecer!) ou ilícito, não podendo a apreciação da licitude desse comportamento ser dissociada das práticas seguidas pelo banco réu, após o início da guerra na Ucrânia, que a A. qualifica de discriminatória em razão da nacionalidade e território de origem (atento o facto de a A. além de ter a nacionalidade russa ser, também, cidadã portuguesa!),

                     E) Neste contexto, não pode ser considerado estranho ao objeto da lide, conhecer os termos da atuação dos serviços do réu em matéria de encerramento de contas bancárias nas circunstâncias concretizadas pelo pedido da Recorrente (afinal o que foi recusado pelo Mº. Juiz a quo), considerando-se, pelo contrário, integrante do núcleo essencial do objeto da causa (como factos essenciais acessórios ou, como factos instrumentais será irrelevante!) a perceção dos comportamentos adotados pelo banco réu que, assim e ao contrário do que considerou o Mº Juiz a quo, tudo têm a ver com o objeto da lide.

                     F) No que concerne à segunda decisão impugnada, entendeu o Mº. Juiz a quo dever indeferir o requerido “uma vez que se trata de um pedido genérico” e sem qualquer concretização objetiva.

                     G) No requerimento apreciado naquela decisão, a Recorrente pediu para ser ordenado ao recorrido que juntasse aos autos todos os documentos que terão servido de suporte às decisões tomadas relativamente à autora (e descritas na petição inicial) declarando, então, nada ter a opor à junção de quaisquer documentos que porventura careçam da sua autorização para serem tornados públicos ao abrigo das obrigações que sobre o réu impendem relativas ao segredo bancário.

                     H) Com todo o respeito por tal douto entendimento considera-se que o teor literal do requerimento apresentado, acima transcrito - revela um grau de concretização suficiente, perfeitamente entendível para os Serviços da Ré, destinatária da requerida determinação - que não poderão deixar de conhecer em que documentos basearam (!!?) a sua posição.

                     I) O mesmo não se poderá dizer da posição da Recorrente que, perante o silêncio da Recorrida, não poderá identificar de forma nominativa, ou mesmo mais individualizada do que fez, não lhe podendo ser exigível identificar de forma mais concreta do que fez, os documentos que pretende sejam disponibilizados ao Tribunal pelo Recorrido, sendo, ao invés, exigível este que os conheça – e saiba, em concreto, em que documentos fundou a sua atuação, juntando-os aos autos numa simples observância do seu dever de colaboração.

                     J) Deveria, assim, o Mº Juiz a quo, numa boa interpretação do Direito e em consequente boa aplicação do mesmo, ter deferido ambos os requerimentos da Recorrente, o que se espera venha a ser decidido por este Venerando Tribunal.

                    K) Ao decidir nos termos em que o fez violou, o Mº. Juiz a quo o disposto nos artigos 411º, 417º e 429º, nº 2 todos do CPC, devendo ser revogada.

                     Termina por pedir que se conceda provimento ao recurso interposto, revogando, os segmentos impugnados da decisão recorrida e deferindo os requerimentos apresentados pela Recorrente.


-

                     O réu veio apresentar resposta ao recurso, formulando as seguintes conclusões:

                     I. Introdução: Enquadramento e objeto do Recurso

                     A. O presente recurso vem interposto do Despacho proferido a 12.07.2022 (ref.ª Citius 450411553) no qual o Tribunal decidiu, em suma, rejeitar o pedido de informações e o pedido de junção de documentos em poder da parte contrária formulado pela Autora (mediante requerimento apresentado a 20.03.2023, com a ref.ª Citius 45070131).

                     B. O Despacho recorrido não merece, porém, qualquer censura ou reparo, devendo

ser integralmente mantido, não violando qualquer norma.

                     II. O mérito do recurso

                     2.1. Nota prévia sobre o ónus de alegação e de prova da Recorrente C. A Recorrente, com os pedidos que formula, procura inverter o ónus de alegação e de prova que sobre si impende, transferindo-o, indevidamente, para o Recorrido – e não pretende, como seria expectável, lograr a admissão de um meio de prova (legal) que lhe permitisse provar factos já alegados – mediante o recurso à chamada prova exploratória, que não tem cabimento no nosso processo civil e ao arrepio do princípio da autorresponsabilidade das partes e do princípio do dispositivo.

                     2.2. Quanto ao pedido de prestação de informações

                     D. Conforme delimitado pelo despacho saneador proferido a 27.02.2023 (ref.ª Citius 445644476), o objeto do litígio e os temas de prova encontram-se circunscritos, apenas e tão só, à relação bancária estabelecida entre a Recorrente e o Recorrido, pelo que as informações bancárias solicitadas pela Recorrente, e que dizem respeito a outros clientes do Recorrido, não têm qualquer relevância material para efeitos de prova da matéria em discussão nestes autos – dado que não se reportam à Recorrente ou às suas contas, mas sim à relação bancária estabelecida entre o Recorrido e outros clientes.

                     E. Acresce que a mera informação de quantas contas de cidadãos russos foram encerradas não permitiria ao Tribunal sopesar os motivos pelos quais essas contas teriam sido encerradas – informação esta que o Recorrido sempre estaria vedado de divulgar em virtude da obrigação de sigilo bancário que sobre si recai.

                     F. Os artigos invocados pela Recorrente nas suas alegações (a saber, os artigos 166.º, 136.º a 145.º e 162.º da Petição Inicial), e dos quais resultaria o comportamento discriminatório que se visa provar com as informações peticionadas, possuem um teor iminentemente conclusivo e referem-se única e exclusivamente a matéria de Direito ou à relação estabelecida com a Recorrente.

                     G. O deferimento do pedido de elementos da Recorrente, que não se reposta a matéria em discussão nos autos, consubstanciaria, na verdade, um ato inútil – o que é ilícito ao abrigo do disposto no art.º 130.º do CPC.

                     H. É ainda de assinalar a particular desrazoabilidade e leviandade com que é feito um pedido com esta amplitude e indefinição – uma verdadeira “fishing expedition” – , na medida que os elementos pedidos se reportam à vida interna do Recorrido e à relação que este estabelece com os seus clientes – e se encontram protegidos por sigilo bancário, ao abrigo do disposto no art.º 78.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras –, procurando a exposição de informação interna sem qualquer fundamento factual ou legal, e, ainda, de modo manifestamente desproporcional (art.º 18.º, n.º 1 e 2 da CRP).

                      I. O pedido de informação formulado corresponde à negação do princípio do dispositivo (art.º 5.º, n.º 2 do CPC) dado que o que a Recorrente pretende nos autos não é obter um documento para prova de um facto já trazido aos autos, mas sim obter “informações” que lhe permitam, a posteriori, vir a alegar factos alegadamente essenciais da sua causa de pedir, o que não tem cobertura legal.

                     Mas não só:

                     J. O pedido de informação aqui em causa não tem qualquer cabimento ao abrigo do nosso direito processual civil, não existindo base legal para que uma parte possa pedir “informações” deste tipo à contraparte.

                     K. Com efeito, a lei apenas prevê que a parte possa dirigir pedidos concretos de apresentação de documentos à contraparte, ao abrigo do artigo 429.º do CPC e de acordo com os seus pressupostos, e não pedidos de informação.

                     L. Ora, in casu, a Recorrente não identifica devidamente a informação ou documentos pretendidos, não indicando ainda quaisquer factos concretos em discussão nos autos que esses supostos elementos fossem suscetíveis de provar ou contraprovar, nem que os supostos elementos cuja junção requer têm relevância probatória.

                    M. Em todo o caso, e sem se conceder, caso se entendesse que era possível uma das partes solicitar que a contraparte prestasse informações, tal pedido sempre teria, em todo o caso, de respeitar os requisitos previstos no artigo 429.º do CPC – o que não sucede –, pois apenas tais requisitos permitem aferir da relevância do pedido de informação para os factos em discussão e impedir as já referidas fishing expedition, ao arrepio do princípio do dispositivo e do ónus de prova que impende sobre a Recorrente.

                    N. Ainda por outra via, caso a Recorrente pretenda, com esse requerimento probatório, obter o depoimento da parte contrária, deveria fazê-lo ao abrigo do disposto no art.º 452.º, n.º 2 do CPC e, também aqui, obedecer aos critérios aí previstos – o que manifestamente não sucede.

                    O. Por fim, e à cautela, importa ainda esclarecer que, apesar de a nossa lei processual se referir à possibilidade de pedir a prestação de informações e esclarecimentos nos arts. 7.º, n.º 1 e 452.º, n.º 1, do CPC, tais preceitos não regulam a possibilidade de uma parte formular um pedido de prestação de informações à parte contrária, regulando situações distintas daquela que nos ocupa,

                    P. Tal como não poderá encontrar acolhimento ao abrigo do art.º 436.º, do CPC, na medida em que tal norma não regula os termos em que as partes podem solicitar a junção de informações aos autos, mas apenas dispõe sobre o poder que o tribunal tem de, por sua iniciativa ou por requerimento de qualquer das partes, requisitar os documentos identificados no referido artigo, designadamente os documentos classificáveis como “informações”.

                    Q. Por último, importa ainda esclarecer que a cooperação das partes prevista no art.º 417.º do CPC não se impõe relativamente a condutas que (como sucede na hipótese em apreço) não resultem de normas jurídicas aplicáveis ao caso e que, portanto, não consubstanciam deveres jurídicos para aquelas (para o Recorrido, no que ao presente processo diz respeito).

                    R. A mesma lógica é aplicável ao princípio do inquisitório (art.º 411.º do CPC) porquanto o Tribunal apenas poderá ordenar determinadas condutas às partes – e só se assim o entender – caso estas encontrem respaldo no sistema processual civil vigente (o que não sucede no caso em apreço).

                    S. Ante o acima exposto, é de concluir pela manifesta inutilidade do pedido de informações formulado, pela inexistência de enquadramento legal para o mesmo, bem como pela natureza inútil (no contexto do presente caso) e desproporcional do pedido formulado que esta visa.

                    2.3. Quanto ao pedido de junção de documentos em poder da parte contrária

                    T. Apesar de o art.º 429.º do CPC prever a possibilidade de ser requerida à contraparte a junção de um concreto documento pré-existente — cuja existência e teor o requerente conhece, mas que apenas pode ser junto pela contraparte —  para prova de determinado facto ou factos já alegados pelo requerente da junção de documentos, apenas o admite caso se encontrem preenchidos os pressupostos previstos nesse mesmo artigo – o que manifestamente não ocorre no caso que nos ocupa.

                    U. À revelia das exigências postuladas pelo art.º 429.º do CPC, a Recorrente limita-se a requerer a “junção aos autos [de] todos os documentos que terão servido de suporte às decisões tomadas relativamente à autora” – e, portanto, nem sequer identifica que documentos pretende ver juntos nem indica quais os factos que visa provar com esses documentos.

                    V. Assim sendo, nunca poderia o Tribunal a quo ter ordenado a junção dos documentos em causa, sob pena de violação – aí sim – do art.º 429.º, n.º 2, do CPC.

                    W. Acresce que a Recorrente não se reporta no seu pedido a um concreto documento que saiba existir e que prove um concreto facto por aí já alegado (aliás, não indica um qualquer facto que pretenda provar com o documento)), visando, na verdade, com este pedido, inverter o ónus de alegação de factos que sobre si recai, ao abrigo do art.º 5.º, do CPC, e o ónus de prova desses factos, que também sobre si recai, ao abrigo do art.º 342.º, n.º 1, do CC.

                    X. Ao invés, a Recorrente pretende que seja o Recorrido a alegar e a provar factos essenciais à causa de pedir – factos estes que nem sequer conhece e pretende que seja o Recorrido a revelar, uma vez mais à revelia das normas do nosso direito processual civil.

                    Y. Por fim, importa referir que a “declaração de autorização” da Recorrente quanto

ao sigilo bancário não afasta o dever de não divulgação que impende sobre o Réu (resultante do art.º 54.º da Lei 83/2017, de 18 de Agosto, que prevê as Medidas de Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo), sendo estes regimes legais distintos e que não se confundem.

                     Em suma:

                    Z. Não merece qualquer reparo a decisão proferida pelo Tribunal a quo – que, como acima se expõe, em nada viola os artigos 411.º, 417.º e 429.º, n.º 2, todos do CPC – devendo ser negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente e confirmar-se o Despacho recorrido.

                    AA. À cautela e sem conceder, uma interpretação do artigo 411.º, 417.º, n.º 1, e do artigo 429.º, n.º 1 do CPC distinta da seguida pelo Tribunal a quo, que ordenasse a prestação dessa informação, afigurar-se-ia ofensiva do princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18.º, n.ºs 1 e 2 da CRP, da garantia constitucional do direito de defesa do Réu - que, como dimensão do direito à jurisdição, está consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP - e também da garantia constitucional de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, do mesmo diploma, na medida em que redundaria em obrigar uma das partes, através da prestação de informações, a trazer ao processo factos que permitiriam à parte contrária completar ou concretizar a alegação de factos essenciais da sua causa de pedir e conseguir a prova desses mesmos factos – inconstitucionalidade que, à cautela, expressamente se invoca.

                    Termina por pedir que se negue provimento ao recurso interposto e se julgue improcedente, confirmando-se o despacho recorrido.


-

                    O recurso foi admitido como recurso de apelação.

-

                    Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

-

                 II. Fundamentação

                1. Delimitação do objeto do recurso

                    O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso –  art. 639º do CPC.

                     As questões a decidir consistem em apreciar se devem ser prestadas pelo réu as informações solicitadas pela autora e se deve o réu proceder à junção dos documentos face ao requerimento formulado pela autora.


-

                 2. Os factos

                     Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os termos do relatório.


-

                  3. O direito

                     - Do requerimento a solicitar informações junto do réu -

                     Nas conclusões de recurso, sob as alíneas A) a E), a apelante insurge-se contra o despacho recorrido, por entender que face aos fundamentos da ação as informações solicitadas estão relacionadas com o objeto da lide, tendo em vista apreciar a conduta e procedimento adotados pelo Banco réu.

                     Relembrando o requerimento formulado:

                     “- Quantas contas foram encerradas por iniciativa dos seus serviços no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2021 e 24 de fevereiro de 2022 envolvendo cidadãos de nacionalidade russa;

                     - Quantas contas foram encerradas por iniciativa dos seus serviços no período compreendido entre 24 de fevereiro de 2022 e 21 de novembro de 2022 (data da propositura da ação), envolvendo cidadãos de nacionalidade russa - quantas, dessas contas, diziam respeito a relações estabelecidas com os seus titulares no ano de 2015 ou em momento anterior”.

                     O requerimento foi indeferido, por se entender: “No que concerne à prova documental requerida à ré, pensamos que assiste razão à ré no que concerne à inadmissibilidade de junção de informações bancárias que nada têm que ver com o objeto desta lide, nomeadamente, saber quantas contas bancárias de cidadãos russos foram encerradas”.

                     A questão a apreciar prende-se com o relevo para a apreciação do mérito da causa das informações (que não documentos) solicitadas pela Autora.

                     Prevê o art.º 341º CC sob a epígrafe “Função das provas” que “as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos”.

                     Nos termos do art.º 342º/1 CC àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.

                     No mesmo preceito, prevê o nº 2, que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.

                     Por fim, no nº3, em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.

                     O art.º 410º CPC com a epígrafe ”Objeto da instrução” prevê:

                     “A instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova”.

                     De acordo com o atual modelo processual a prova tem por objeto os factos pertinentes para o objeto do processo.

                      Os temas da prova constituem quadros de referência das questões fundamentais do processo controvertidas e que decorrem da causa de pedir e das exceções.

                     Nesses quadros de referência há que recorrer aos factos alegados pelas partes e que são em primeira linha os factos principais da causa[2].

                     Os articulados têm como função constituírem o meio de alegação dos factos principais da causa[3]. Os factos instrumentais e acessórios podem ou não decorrer da alegação nos articulados, como se prevê no art.º 5º CPC.

                      Observa o Professor LEBRE DE FREITAS”[a]ssim, é com incorreção terminológica que o art.º 410º diz que a instrução tem por “objeto” os temas da prova enunciados e, pleonasticamente, que, só na falta dessa enunciação o seu objeto são os factos “necessitados de prova”. Provam-se factos; não se provam temas”[4].

                     Prevê o art.º 411º CPC que ”incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.

                     Os poderes-deveres do juiz estabelecidos no preceito em análise, que se fundam no princípio do inquisitório, não se limitam à prova de iniciativa oficiosa, cumprindo ao juiz ordenar as diligências dos procedimentos probatórios relativos aos meios de prova propostos pelas partes[5].

                     Contudo, o exercício de tais poderes coexiste com o princípio do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, “de modo que não poderá ser invocado para, de forma automática, superar eventuais falhas de instrução que sejam de imputar a alguma das partes, designadamente, quando esteja precludida a apresentação de meios de prova”[6].

                     Como observa o Professor LEBRE DE FREITAS o juiz apenas deve ordenar a diligência :”na medida em que necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio”[7].

                     Esse juízo de necessidade resulta do confronto entre a prova produzida e os factos controvertidos a apreciar, alegados pelas partes e relacionados com os temas da prova (art.º 5º e 410º CPC e art.º 341º e seg. do CC )[8].

                     No requerimento formulado, a apelante não indicou os concretos factos a provar com as diligências que requereu, nem justifica o requerido com dúvidas sobre a prova de um determinado facto, motivo pelo qual não estava demonstrada nem a necessidade, nem o relevo de tais meios de prova para a justa composição do litígio.

                     Mostra-se necessário para avaliação do relevo dos meios de prova que se demonstre a efetiva necessidade no contexto de toda a prova produzida e ponderando sempre os factos a provar. Diremos, até, que não se tendo dado inicio à produção de prova, não  existe fundamento para realizar tal diligência.

                     Conclui-se que não estão preenchidos os pressupostos do art.º 411º CPC pelo que a decisão que indeferiu o pedido de informações não merece censura.

                     Resta observar que não se justificava deferir a pretensão, com fundamento no art. 417º CPC, porque a observância do dever de cooperação pressupõe que é legitima e fundada a prestação da informação e como se deixou dito, não se verificam tais pressupostos.

                    Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso sob as alíneas A) a E).


-

                    - Do requerimento a solicitar a junção de documentos junto do réu -

                     Nas conclusões de recurso, sob as alíneas F) e K), insurge-se o apelante contra o segmento do despacho que indeferiu a notificação da contraparte para proceder à junção dos documentos, por entender que o requerimento concretiza ao documentos cuja junção se requer.

                     O requerimento em causa tem o seguinte teor:

                     “Requer, finalmente, seja o Réu notificado para juntar aos autos todos os documentos que terão servido de suporte às decisões tomadas relativamente à autora (e descritas na petição inicial) desde já declarando nada ter a opor à junção de quaisquer documentos que porventura careçam da sua autorização para serem tornados públicos ao abrigo das obrigações que sobre o réu impendem relativas ao segredo bancário”.

                     Sobre tal requerimento recaiu o seguinte despacho:

                      Finalmente, no que concerne à última parte do pedido de documentação à ré, vai o mesmo indeferido uma vez que se trata de um pedido genérico e sem qualquer concretização objetiva. A ré poderá ser notificada para juntar documentação caso a autora a identifique e justifique a pertinência da sua junção aos autos”.

                     Está em causa apurar se deve ser determinada a junção de “todos os documentos que terão servido de suporte às decisões tomadas relativamente à autora (e descritas na petição inicial)” em poder do réu (parte contrária).

                     Decorre do disposto no art.º 423ºCPC, conjugado com o art.º 588º/5 CPC, que os documentos destinados a fazer prova dos factos alegados nos articulados devem ser apresentados conjuntamente com essas peças.

                     Contudo, nos termos do art.º 429º/1 CPC “quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento, a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar”.

                     Prevê o nº2 do preceito: ”se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa é ordenada a notificação”.

                     Nesse requerimento, a parte deve identificar, tanto quanto possível, o documento e especificar os factos que com ele pretende provar, dado que a notificação da parte ou de terceiro só será ordenada “ se esses factos tiverem interesse para a decisão da causa “.

                     A redação do art.º 429º/2 CPC reproduz o art.º 528º/2 CPC de 1961, introduzida pelo DL 329-A/95 de 12 de dezembro.

                     Com efeito, na redação anterior ordenava-se a notificação quando os factos probandos estivessem compreendidos no questionário ou nele pudessem vir a ser incluídos, quando agora exige-se que esses factos tenham interesse para a decisão da causa.

                     A respeito da alteração refere o Professor LEBRE DE FREITAS:“[a] alteração não se pode considerar meramente formal: não substituindo a referência ao questionário pela referência à base instrutória, acentuou-se que a apresentação do documento pode visar a prova de factos instrumentais, como tal nela não incluídos”[9].

                     Em anotação ao atual preceito, o mesmo AUTOR reforça a ideia, quando afirma:” [o] número dois apenas exige que os factos probandos tenham interesse para a decisão da causa, não sendo necessário que os mesmos constem do despacho que enuncia os temas da prova ou nele possam vir a ser incluídos (até porque neste despacho não figuram obrigatoriamente factos), ou que os factos probandos sejam factos principais”[10].

                      Conclui-se, assim, que na junção de documentos em poder da parte contrária podem estar em causa a prova de factos instrumentais e não apenas factos essenciais e complementares.

                      No caso concreto, não estão reunidos os pressupostos de ordem formal para requerer a junção dos documentos, porque a apelante não indicou os factos que pretende provar e os documentos que em concreto pretende obter. A remessa para o texto da petição, sem qualquer outra referência não permite concretizar os documentos, quando a lei prevê expressamente que a parte identifica “quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar”.

                     A falta de tal especificação impede que o tribunal proceda a um juízo de avaliação sobre “o interesse para a decisão da causa”, pois só nestas circunstâncias se determina a notificação da parte contrária para proceder à junção do documento.

                     Por não estarem preenchidos os pressupostos de ordem formal, previstos no art.º 429º/1 CPC, não se justificava a realização da diligência, não merecendo censura o despacho que indeferiu a notificação da parte contrária para proceder à sua junção.

                     Improcedem as conclusões de recurso sob as alíneas F) a K).


-

                      Nos termos do art.º 527º CPC a custas são suportadas pela apelante.

-

                  III. Decisão:

                      Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar o despacho recorrido.


-

                     Custas a cargo da apelante.


*


Porto, 22 de abril de 2024

(processei, revi e inseri no processo eletrónico – art.º 131º, 132º/2 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Juiz Desembargador-Relator
Miguel Baldaia de Morais
1º Adjunto Juiz Desembargador
Fátima Andrade
2º Adjunto Juiz Desembargador

___________
[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.        
[2] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum – À luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, setembro de 2013, pág. 206.
[3] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum – À luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pág. 197.
[4][4] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum – À luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pág. 207.
[5] JOSÉ LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE Código Processo Civil Anotado, vol. II, 3º Edição, Almedina, Coimbra, julho 2017, pág. 208.
[6] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, Coimbra, setembro 2018, pág. 484.
[7] JOSÉ LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE Código Processo Civil Anotado, vol. II, ob. cit., pág. 208.
[8] JOSÉ LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE Código Processo Civil Anotado, vol. II, ob. cit., pág. 206.
[9] JOSÉ LEBRE DE FREITAS – A. MONTALVÃO MACHADO – RUI PINTO Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, pág. 431e ainda, JOSÉ LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE Código Processo Civil Anotado, vol. II, ob. cit., pág.248.
[10] JOSÉ LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, ob. cit. pág. 248.