Num contrato de arrendamento, com prazo de cinco anos, automaticamente renovável por períodos sucessivos de três anos, que:
- se iniciou a 01/04/2012;
- depois se renovou de 01/04/2017 a 31/03/2020 e de 01/04/2020 a 31/03/2023,
- o prazo para o senhorio impedir a próxima renovação é de 120 dias antes de 01/04/2023 – artigo 1097.º, n.º, 1, b), do C. C. -.
(Da responsabilidade do Relator)
1). Relatório.
Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de AA, falecido a ../../2019, representada pela cabeça-de Casal BB, residente na Avenida ..., ..., ..., ...,
propôs contra
CC, residente na Avenida ..., ...
Ação de despejo, pedindo:
«A) Ser declarada a cessação, por caducidade, do contrato de arrendamento a 31 de março de 2023;
B) Ser a Ré condenada a restituir à Herança A. a fração autónoma id em 4 desta p.i., livre e devoluta de pessoas e bens e no estado em que se encontrava à data do início do arrendamento;
C) Ser declarada a constituição da Ré em mora desde o dia 01 de abril de 2023;
D) Ser a Ré condenada a pagar à Herança A., uma indemnização por cada mês de atraso na restituição do prédio, no valor equivalente ao dobro da renda, desde 01.04.2023 até à sua entrega.».
Em síntese, alega que se opôs, enquanto representante da senhoria, à renovação do contrato de arrendamento celebrado com a Ré e que esta, findo o mesmo, não entrega o imóvel.
a) - Declarar a cessação, por caducidade, do contrato de arrendamento descrito na petição inicial, com efeitos a partir de 31 de março de 2023;
b) - Condenar a restituir à Herança A. a fração autónoma id em 4 desta p.i., livre e devoluta de pessoas e bens e no estado em que se encontrava à data do início do arrendamento;
c) - Condenar a ré a pagar à A. uma indemnização por cada mês de atraso na restituição do prédio, no valor equivalente ao dobro da renda (sendo à data então a renda de € 324,32), desde 01.04.2023 até à sua entrega.
«(1) A decisão recorrida assenta na errónea aplicação do direito aos factos e resulta claro que se impõe decisão diversa.
(2) A A. comunicou à Ré a sua oposição à renovação do contrato com a antecedência de 141 dias relativamente ao termo do prazo da renovação.
(3) A decisão de que se recorre entendeu que o senhorio pode impedir a renovação do contrato com a antecedência mínima de 120 dias.
(4) Contudo, a antecedência mínima para a comunicação pela senhoria da sua oposição à renovação do contrato, era de 240 dias, pelo facto de o contrato ter durado mais de 6 anos (cf. art.º 1097º, nº1, alínea a) do CC).
(5) Deste modo, e porque a comunicação da oposição à renovação é claramente ineficaz porque extemporânea, impõe-se concluir que se deu a renovação automática a 31/03/2023.
(6) É também este o entendimento do Tribunal da Relação do Porto, designadamente no seu acórdão datado de 10.12.20.
(7) Posição também perfilhada pelo douto acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça, em 09.03.2021, no processo 8890/18.4T8CBR.C1.S119, proferido no processo n.º 2848/18.0YLPRT2 - a contrario senso.»
Pede a revogação da decisão.
2.1). De facto.
Foram julgados provados os seguintes factos:
1 - Em ../../2019 faleceu, no estado de casado com BB, no regime de comunhão de bens adquiridos, AA, residente que foi em Avª ..., ..., da freguesia ..., concelho ....
2 - Deixou como seus únicos e universais herdeiros a referida BB, cônjuge sobrevivo, DD e EE, únicos filhos do de cujos.
3. Os bens da A. Herança encontram-se por partilhar e a administração dos bens da Herança cabe ao cabeça-de-casal, no caso incumbe ao cônjuge sobrevivo, ou seja, a referida BB.
4. Do acervo hereditário faz parte uma fração autónoma designada pela letra “E”, destinada a habitação, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Avª ..., da cidade ..., descrito na conservatória do registo predial sob o nº ...89 e atualmente inscrito na matriz predial urbana sob o artº ...49º.
5. O falecido AA, em 16.03.2012, celebrou com a Ré e marido, FF, sob a forma escrita, um contrato mediante o qual lhes deu de arrendamento, exclusivamente para sua habitação, a supra id. fração autónoma.
6. Mediante o pagamento da renda anual de €3.960,00, a ser paga em duodécimos de €330,00 mensais, vencendo-se cada um deles no 1º ao 8º dia do mês àquele a que disser respeito.
7. Tal contrato foi celebrado pelo prazo de cinco anos, com início em 01/04/2012 e com termo em 31.03.2017, considerando-se prorrogado por períodos de três anos, caso não fosse denunciado por qualquer das partes.
8. Tal contrato foi devidamente participado à Fazenda Nacional.
9. A 04.12.2018 foi proferida sentença pelo Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo de Família e Menores de Santa Maria da Feira, Juiz 1, transitada a 16.01.2019, que declarou o casamento celebrado entre a Ré e o supra referido FF dissolvido por divórcio.
10. Por acordo celebrado entre os ex-cônjuges, a casa de morada de família ficou exclusivamente atribuída à aqui Ré, operando a concentração do direito ao arrendamento a seu favor.
11. Aliás há mais de 4, 5 anos consecutivos, que o ex-cônjuge marido não faz do arrendado a sua casa de morada de família, não tem aí centrada e organizada a sua vida pessoal, familiar e social, onde não dorme, não toma as suas refeições diárias, nem tem ali a sua vivência diária.
12. A Herança A., representada pela cabeça de casal, comunicou à Ré, por carta registada com aviso de receção, remetida para o local arrendado, a sua oposição à renovação do prazo daquele contrato de arrendamento, pelo que o mesmo cessaria os seus efeitos a 31.03.2023, data em que a Ré deveria desocupar o locado e fazer a sua entrega livre e desembaraçado de pessoas e coisas.
13. Comunicação essa que foi recebida a 10.11.2022 por GG, filho da Ré, isto é, com a antecedência de 141 dias relativamente ao termo do prazo da renovação do contrato (31.03.2023).
14. Porém, não obstante o contrato de arrendamento ter cessado por caducidade em 31.03.2023, a Ré, apesar das insistências, até ao presente, não entregou o prédio à Herança A..
15. A renda mensal, mercê de acordo verbal celebrado entre a Ré e o falecido AA e das sucessivas atualizações, cifrava-se em 31.03.2023 em €324,32.
A recorrente pretende que se considere que a oposição à denúncia da renovação do contrato de arrendamento em que é arrendatária se considere intempestiva e, por isso, ineficaz para a data pretendida.
Vejamos.
O artigo 1097.º, do C. C., na parte que nos interessa, dispõe que:
«1 - O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:
a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;
b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos; (…)
2 - A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.».
Como resulta dos factos, e é consensual entre as partes, o contrato de arrendamento foi celebrado por cinco anos, com início em 01/04/2012 e termo em 31/03/2017, considerando-se prorrogado por períodos de três anos, caso não fosse denunciado por qualquer das partes – facto provado 7 -.
A Autora enviou à Ré carta registada, com aviso de receção, manifestado a sua oposição à renovação do prazo daquele contrato de arrendamento, cessando os seus efeitos a 31/03/2023; tal comunicação foi recebida em 10/11/2022 – factos provados 10 e 11 -.
Ora, tendo em atenção o teor do citado artigo 1097.º, do C. C., temos que:
- o contrato tinha a duração inicial de cinco anos, findando estes em 31/03/2017;
A partir daqui houve renovação do contrato por períodos sucessivos de três anos o que faz com que se tenha renovado:
- de 01/04/2017 a 31/03/2020 e de 01/04/2020 a 31/03/2023.
E foi para impedir a próxima renovação por três anos (de 01/04/2023 a 31/03/2026) que a senhoria enviou a competente carta de oposição a essa renovação; como tal, o prazo inicial de cinco anos já não é prazo que releva pois agora já se entrou no campo das renovações, as quais têm o prazo de três anos. Atendendo àquele n.º 2, do citado artigo 1097.º, a antecedência da comunicação tem por base o termo do prazo da renovação e já não o da duração do contrato inicial.
Se o contrato ainda não tivesse tido qualquer renovação, teria de ser cumprida uma antecipação tendo por base uma duração contratual de cinco anos; ultrapassada esta duração e havendo renovação, é o prazo desta que baliza qual a antecedência necessária para tal comunicação.
É esta a nossa leitura do artigo em questão; o senhorio quer impedir a renovação do contrato que, nesse momento e in casu, dura três anos e se renovaria por mais três. Jorge Pinto Furtado, Comentário ao regime do Arrendamento Urbano, 4.ª edição, página 662, na senda de várias críticas que tece ao regime legal, também aqui menciona que:
«E porque será que um arrendamento convencionado com a duração de um ano, que vem sendo sucessivamente renovado há, por hipótese, oito anos, tem a oposição à renovação de 120 dias (al. B), do n.º 1 do artigo) e um contrato de seis anos, que não se quer renovar, exija uma oposição de 240 dias (al. A) do n.º 1 do preceito)?».
Neste exemplo percebe-se que ao contrato com prazo inicial de 1 ano, mesmo que o arrendamento dure há oito anos por força das renovações, se aplica a antecedência prevista na alínea b) do indicado artigo - 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano, no caso do exemplo -.
Deste modo, a antecedência de 141 dias que foi efetivada pela Autora (de 10/11/2022 a 31/03/2023), foi mais do suficiente para a finalidade que se pretendia: impedir a renovação do contrato por mais três anos.
A recorrente cita dois Acórdãos que seguirão a sua perspetiva: como o contrato já dura há mais de seis, o prazo de antecedência tem de ser de 240 dias, a saber:
- Ac. da R. P. de 10/12/2019, processo n.º2848/18.0YLPRT.P1, desta mesma secção, relator Carlos Portela;
- Ac. do S. T. J. de 09/03/2021, processo n.º 8890/18.4T8CBR.C1.S1, ambos em www.dgsi.pt.
E, efetivamente, expressamente no primeiro Acórdão e no segundo, por se referir que o contrato ainda não tinha atingido, com renovações, os seis anos, assim se terá entendido. Mas, com o devido respeito, no nosso entendimento, a lei não menciona que se o contrato já durar há seis anos ou mais, o prazo em causa é de 240; o que menciona é que se o prazo inicial do contrato foi de seis anos ou mais ou se a renovação foi de seis anos ou mais, esse prazo tem de ser de 240 dias.
É isso que o n.º 2 do artigo 1097.º, do C. C. menciona: a antecedência reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, ou seja, ou se reporta ao termo do prazo de duração inicial ou, se já estiver em renovação, ao termo do prazo de renovação e não ao prazo total do contrato.
Como se refere no Ac. do S. T. J. de 14/09/2023, processo n.º 1935/22.5YLPRT.E1.S1, citado pela recorrida, e que se pronuncia expressamente sobre aquela Ac. da R. P. de 10/12/2019, «…o estatuído no artigo 1097 em causa é claro. Aos contratos com prazo de duração inicial superior a 1 ano e inferior a 6 anos a comunicação da oposição à renovação do contrato deve ser efectuada com a antecedência de 120 dias.
Igual prazo deve ser observado para a comunicação da oposição à renovação do contrato com prazo de duração inicial superior a 1 ano e inferior a 6 anos.
E estes prazos não se somam mas aferem-se de forma autónoma.
O que importa é o prazo que está em curso, que está a decorrer. Se for o prazo do contrato inicial e este for superior a um ano e inferior a 6 anos, a comunicação deve ser efectuada no prazo de 120 dias.
Se a renovação do contrato estiver a decorrer e for também por um prazo superior a um ano e inferior a 6 anos, de igual modo a comunicação deve ser efectuada no prazo de 120 dias.
Não se somam os prazos do contrato inicial e as suas renovações para determinar se a comunicação deve ser no prazo de 240 ou de 120 dias.» - nosso realce -.
Igual ideia é expressa no Ac. do S. T. J. de 20/09/2023, processo n.º 3966/21.3T8GDM.P1.S1, www.dgsi.pt: «Salvo o devido respeito por opinião contrária, a lei é muito clara, no sentido de que a antecedência necessária à comunicação de oposição à renovação do contrato se afere pela duração inicial do contrato ou pela duração da renovação que estiver em curso aquando da comunicação de oposição, consoante o caso. Não se vislumbra, na doutrina e na jurisprudência, interpretação da lei contrária a esta – nem os recorrentes, de resto, a identificaram.».[1]
Deste modo, sendo esta a única questão suscitada no recurso, a qual não mereceu o nosso provimento, não se detetando qualquer outra matéria que imponha uma nova apreciação, conclui-se pela improcedência do recurso.
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo da recorrente.
Registe e notifique.