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RECURSO
NULIDADE PROCESSUAL
APELAÇÃO AUTÓNOMA
SUBIDA IMEDIATA
Sumário
I O art.º 630º, n.º 2, do C.P.C., ao tratar da exceção, refere-se à recorribilidade das decisões. II A subida imediata do recurso terá de resultar da situação se subsumir, por semelhança quanto aos seus efeitos, a uma das hipóteses do art.º 644º, n.º 2, do C.P.C.. III Não sendo o caso, subirá nos termos dos n.ºs 3 ou 4 do mesmo artigo.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I RELATÓRIO.
Por decisão singular de 26/7/2022, confirmada por acórdão de 27/10/2022, foi mantida a decisão do Tribunal de 1ª instância que entendendo que a obrigação de prestar contas por parte da Ré abrange o período temporal que se iniciou com a sua nomeação em relação aos dois anos que decorreram desde então (29-05-2019 a 29-05-2020 e 30-05-2020 a 29-05-2021), considerando o disposto no artigo 2093º do Código Civil, concedendo, para o efeito, o prazo de trinta dias – cfr. artigo 942º, nº 2 do C.P.C..
O despacho recorrido havia sido proferido a 2/3/2022, e notificado às partes a 3/3/2022.
Em 7/3/2022 os advogados da A. apresentaram renúncia ao mandato, requerendo a notificação da A. para o efeito. Nessa mesma data foi feita pela secção de processos a notificação.
Em 31/3/2022 a R. veio apresentar contas.
Em 5/4/2022 a A. apresentou nova procuração.
Entretanto foi apresentado o referido recurso, admitido com efeito suspensivo e subida nos autos por despacho de 6/6/2022.
Na sequência do acórdão proferido e tendo o processo baixado à 1ª instância, foi proferido despacho em 14/12/2022 que determinou “Não tendo as contas apresentadas pela Ré sido contestadas, cumpra-se o disposto no artigo 945º, nº 3 do C.P.C..”
A A. veio apresentar o seguinte requerimento:
“Reclamação/Arguição de Nulidades, nos termos do disposto no artigo 195.º n.º 1 do CPC, considerando os termos e fundamentos que infra se expõe:
1. Na pretérita data de 07-03-2022, a Dr.ª AA, anterior mandatária a aqui Autora, renunciou à procuração a favor da Autora.
2. Nessa medida, foi expedida notificação pelo douto Tribunal para o domicílio da Autora nos ..., a fim de lhe dar conhecimento de tal renúncia.
3. Mediante pesquisa do objeto relativo a tal missiva, no Correios ... tracking- a qual aqui se junta para os devidos efeitos legais como Doc. ..., apenas surge a informação sobre a expedição para os ... na madrugada do dia 09/03/2022, não permitindo descortinar se a Autora chegou efetivamente a receber tal missiva, algo que o Tribunal, após contacto telefónico, também não conseguiu confirmar.
4. Presumindo que a Autora foi regularmente notificada no dia 10-03-2022, a renúncia operaria os seus efeitos 20 dias após.
5. Isto é, se considerássemos a notificação regular da Autora naquele dia 10-03-2022, até à data de 30-03-2022 a Ilustre Colega Dr.ª AA teria de assegurar o regular patrocínio.
6. Nessa medida, na data de 31-03-2023, a renúncia já operaria plenamente os seus efeitos, sendo que, salvo devido respeito por superior entendimento, estamos perante ação em que é obrigatória a constituição de advogado.
7. Não tendo a Autora constituído mandatário no processo até essa data, haveria que suspender-se a instância, nos termos do disposto no artigo 47.º n.º 3 a) do CPC, o que não veio suceder.
8. De facto, tanto não foi suspensa a instância, que no exato dia 31-03-2022, a Ré apresentou contas mediante requerimento com a Ref.ª eletrónica citius ...33, notificando, para o efeito, a anterior mandatária da Autora Dr.ª AA, em data em que presumidamente a renúncia já teria operado os seus efeitos jurídicos.
9. Certo é que a Autora não teve conhecimento efetivo das contas apresentadas pela Ré, motivo pelo qual não as contestou.
10. Pois que, a constituição de mandatário no processo apenas se verificou na data de 05-04-2022 (requerimento com a Ref.ª eletrónica citius ...81).
11. Dessarte, apenas com a prolação do despacho proferido na pretérita data de 14-12-2022, tomou a Autora conhecimento, na pessoa do seu mandatário constituído, de que o Réu já havia prestado contas em algum momento anterior à entrada do signatário no processo.
12. Salvo devido respeito por mais douto entendimento, a Autora não se pode considerar efetivamente notificada do requerimento apresentado pela Ré na pretérita data de 31-03-2022,
13. pois que nenhuma notificação lhe foi regularmente dirigida ou produziu os seus efeitos jurídicos.
14. Ora, não tendo sido regularmente notificada a Autora, a mesma não obteve conhecimento efetivo de tal apresentação de contas, ficando desde logo prejudicado o exercício do contraditório.
15. E tal sucedeu ainda, porquanto não foi suspensa a instância, em transgressão do que estabelece a norma jurídica constante do artigo 47.º n.º 3 a) do CPC.
16. Dessarte, pela inércia da suspensão e, bem assim, pela notificação da Ilustre Colega que já não se afigurava mandatária no processo, sem que se houvesse providenciado, pela notificação pessoal ou, pelo menos, direta da aqui Autora, de forma que a mesma tomasse conhecimento efetivo de tal apresentação de contas, conduziu a que a Autora não pudesse exercer devidamente o seu contraditório, encontrando-se prejudicadas as suas garantias de defesa.
17. Dispõe o artigo 195.º n.º 1 do CPC que “1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”.
18. A omissão da decisão de suspensão da instância decorridos os 20 dias e, bem assim, a notificação realizada pela Ré na pessoa da anterior mandatária da Autora, não se providenciando pela notificação efetiva da Autora a fim de lhe permitir o conhecimento das contas apresentadas, configuram quer omissão de ato que a lei prescreve, designadamente no artigo 47.º n.º 3 a) do CPC, quer a violação de normas jurídicas designadamente o disposto no artigo 249.º n.º 1 do CPC,
19. ocasionando o despacho proferido na pretérita data de 14-12-2022, influindo no exame e decisão da causa atendendo a que se considerou não terem sido contestadas as contas apresentadas pela Ré, com prejuízo para a aqui Autora, padecendo, ele próprio, de nulidade, porquanto apenas através da prolação do referido despacho se materializaram as nulidades referidas.
20. Dessarte, de acordo com o entendimento propalado pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 04-11-2021, pelo relator Nelson Carneiro, nos termos do qual “I– O meio de impugnação de uma nulidade processual é a reclamação para o tribunal do processo, e só depois de este se ter pronunciado sobre a nulidade pode ser admissível a interposição de recurso para um tribunal superior. II– A prestação de contas tem por objeto o apuramento e aprovação de receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se. III – O proferimento de uma decisão que devia ter sido antecedida de um ato que foi indevidamente omitido implica a nulidade da decisão proferida (…).”.
21. Nessa medida, desde já se argui as nulidades supra expostas, suscetíveis de influir no exame e decisão da causa, com as necessárias consequências legais, devendo ser judiciadas de nenhum efeito as contas apresentadas pelo Réu, devendo ordenar-se a repetição dos atos praticados a fim de ser permitido o cabal exercício do contraditório/contestação à aqui Autora.
Nestes termos, e nos melhores de Direito do douto suprimento, requer a V.ª Ex.ª digne admitir o supra exposto, judiciando procedente a arguição de nulidades.
Junta: 1 documento.”
A R. opôs-se ao deferimento.
Foi proferido o seguinte despacho em 10/2/2023: “Fls. 130 e seguintes Pelo requerimento com a referência ...02 de 11 de Janeiro de 2023 veio a Autora apresentar reclamação/arguição de nulidades. No essencial, veio dizer que no dia 7 de Março de 2022 a anterior mandatária da Autora, renunciou à procuração. Foi expedida notificação pelo Tribunal para o domicílio da Autora nos ..., a fim de lhe dar conhecimento de tal renúncia. Presumindo que a Autora foi regularmente notificada no dia 10-03-2022, a renúncia operaria os seus efeitos após 20 dias, tendo a mandatária inicial de assegurar o patrocínio até àquele momento. Nessa medida, em 31-03-2023, a renúncia já operaria os seus efeitos. Não tendo a Autora constituído mandatário no processo até essa data, haveria que suspender-se a instância, nos termos do disposto no artigo 47.º n.º 3, alínea a) do C.P.C., o que não veio suceder. No dia 31-03-2022, a Ré apresentou contas, notificando, para o efeito, a anterior mandatária da Autora. A Autora não teve conhecimento efectivo das contas apresentadas pela Ré, motivo pelo qual não as contestou. A Autora constituiu novo mandatário no dia 5 de Abril de 2022. Apenas com a prolação do despacho proferido no dia 14-12-2022, tomou a Autora conhecimento, na pessoa do seu mandatário constituído, de que o Réu já havia prestado contas em algum momento anterior à entrada do signatário no processo. Salvo devido respeito por mais douto entendimento, a Autora não se pode considerar efectivamente notificada do requerimento apresentado pela Ré na pretérita data de 31-03-2022, pois que nenhuma notificação lhe foi regularmente dirigida ou produziu os seus efeitos jurídicos. Ora, não tendo sido regularmente notificada a Autora, a mesma não obteve conhecimento efectivo de tal apresentação de contas, ficando desde logo prejudicado o exercício do contraditório. E tal sucedeu ainda, porquanto não foi suspensa a instância, em transgressão do que estabelece a norma jurídica constante do artigo 47.º, n.º 3, alínea a) do C.P.C.. Dispõe o artigo 195.º, n.º 1 do C.P.C. que “1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”. A omissão da decisão de suspensão da instância decorridos os 20 dias e, bem assim, a notificação realizada pela Ré na pessoa da anterior mandatária da Autora, não se providenciando pela notificação efectiva da Autora a fim de lhe permitir o conhecimento das contas apresentadas, configuram quer omissão de acto que a lei prescreve, designadamente no artigo 47.º, n.º 3, alínea a) do C.P.C., quer a violação de normas jurídicas designadamente o disposto no artigo 249.º n.º 1 do C.P.C., ocasionando o despacho proferido na pretérita data de 14-12-2022, influindo no exame e decisão da causa atendendo a que se considerou não terem sido contestadas as contas apresentadas pela Ré, com prejuízo para a aqui Autora, padecendo, ele próprio, de nulidade, porquanto apenas através da prolação do referido despacho se materializaram as nulidades referidas. A Ré apresentou requerimento de pronúncia quanto às nulidades suscitadas, nos termos constantes de fls. 134 e 135 dos autos. Impugnou a factualidade alegada pela Autora atinente à expedição e data da notificação da renúncia, por desconhecimento. Não obstante, os alegados vícios já se encontram, à data da sua invocação, sanados, invocando o disposto no artigo 199º do C.P.C.. Em resumo, veio dizer que a Autora interveio nos autos já com novo mandatário constituído em 5-4-2022 (requerimento), 6-4-2022 (alegações de recurso) e 15-9-2022 (requerimento), além de ter sido objecto de múltiplas notificações judiciais desde tal constituição. A Autora foi validamente notificada do despacho de 2 de Março de 2022 que ordena a prestação de contas pela Ré dentro de um prazo de 30 dias. Pelo que era a Autora plenamente ciente e conhecedora de que se encontrava em curso o prazo de 30 dias para a apresentação das contas pela Ré desde 2 de Março de 2022. Agindo com a “devida diligência”, teria a Autora de cuidar, com ou sem renúncia que entretanto tenha ocorrido do seu mandatário, que a Ré prestaria contas dentro desse prazo. E até informar os seus novos mandatários de tal facto, aquando da outorga de novo mandato, Assim como se impunha, a título de “devida diligência”, a consulta do processado pretérito à nova constituição de mandatário para verificação da prática de tal acto processual (prestação de contas) que a Autora sabia que tinha sido praticado, sob ordem judicial expressa que lhe foi notificada em 2-3-2022. É tudo isto manifestamente mais evidente quando a primeira intervenção da Autora sob o patrocínio dos seus novos mandatários é, justamente, recorrer do despacho proferido em 2 de Março de 2022 que ordena a prestação de contas pela Ré em 30 dias. Assim sendo, pelo menos desde essa data, é certo que, já com novos mandatários constituídos, a Autora era plenamente sabedora da ordem judicial de prestação de contas e portanto se lhe impunha a “devida diligência” de apurar se as mesmas haviam sido prestadas –como foram – e arguir tempestivamente a nulidade que só agora suscita. Não pode é admitir-se que, volvido quase um ano sobre toda essa factualidade, se queira reverter o processado de volta a Março de 2022, como se nada houvesse sucedido e a Autora não tivesse tido a obrigação de ter invocado a nulidade em devido e legalmente previsto tempo. Pelo que se verifica já largamente ultrapassado o prazo (supletivo, de 10 dias) para a arguição das nulidades ora invocadas – por imperativa operância do disposto no artigo 199º CPC. Devendo ser indeferida a pretensão invocada pela Autora. Cumpre apreciar e decidir. Nos termos do artigo 195º, nº 1, do C.P.C., “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”. E, de acordo com o disposto no artigo 199º, nº 1, do C.P.C., “Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o acto não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.”. No dia 7 de Março de 2022, a mandatária da Autora apresentou requerimento a renunciar ao mandato conferido pela procuração junta aos presentes autos com a petição inicial. No dia 7 de Março de 2022 foi enviada notificação à Autora a informá-la da aludida renúncia. Compulsados os autos, contrariamente ao sustentado no requerimento em apreço, dos mesmos não consta o aviso de recepção ou qualquer outro elemento do qual se possa presumir a data em que a Autora foi notificada da renúncia, para efeitos do disposto no artigo 47º do C.P.C.. Certo é que a Autora veio a constituir novo mandatário, o qual juntou aos autos nova procuração no dia 5 de Abril de 2022. Se constituiu novo mandatário, é legítimo presumir que tomou conhecimento da renúncia. Porém, nada nos autos nos permite concluir a data em que a Autora foi notificada. Assim sendo, não constando dos autos o aviso de recepção assinado ou qualquer outro elemento documental ou informação que comprove em que data ocorreu a notificação da renúncia, não podemos afirmar que a renúncia produziu os seus efeitos no dia 10 de Março de 2022 – cfr. artigo 47º, nº 2 do C.P.C.. Por estes motivos, e tendo a Autora constituído novo mandatário no dia 5 de Abril de 2022 (data em que estaria em tempo de contestar as contas apresentadas pela Ré), não houve lugar à suspensão da instância. As contas foram apresentadas no dia 31 de Março de 2022 e o mandatário da Ré cumpriu o estabelecido no artigo 221º do C.P.C., notificando a mandatária inicialmente constituída, sendo de salientar que, como a renúncia só produz os seus efeitos com a notificação ao mandante, até esse momento, cabe ao mandatário inicialmente constituído assegurar o patrocínio/defesa. Não ocorreu, pois, a omissão de qualquer acto ou formalidade prescrita na lei, não se verificando as apontadas nulidades. Ainda que assim não se entendesse e como bem salienta a Ré, os alegados vícios já se encontrariam, à data da sua invocação sanados. Com efeito, compulsados os autos, verifica-se que a Autora interveio em vários momentos e só agora veio invocar nulidades. A Autora constituiu novo mandatário, o qual apresentou requerimento nos autos no dia 5 de Abril de 2022, a juntar procuração. No dia em que foi junta nova procuração estava em curso o prazo para contestar as contas apresentadas pela Ré no dia 31 de Março de 2022. No dia 6 de Abril de 2022 a Autora interpôs recurso da decisão proferida no dia 2 de Março de 2022, sendo de salientar que a Autora foi notificada do despacho de 2 de Março de 2022, do qual recorreu, nos termos do qual, além do mais, se concedeu o requerido prazo de trinta dias para a apresentação das contas por parte da Ré – cfr. artigo 942º, nº 2 do C.P.C.. Assim, estava a Autora ciente e conhecedora de que se encontrava em curso o prazo de 30 dias para a apresentação das contas desde 2 de Março de 2022. Por este motivo, ainda que se entendesse ter ocorrido nulidade (omissão de prática de acto ou de formalidade prescrita na lei), o que, como vimos, não ocorreu na situação em apreço, por força do disposto no artigo 199º do C.P.C., é forçoso concluir que o prazo para a sua arguição se mostra manifestamente ultrapassado. Nestes termos e perante todo o exposto, improcedem as invocadas nulidades e indefere- se o requerido. Notifique.”
*
Aquele despacho foi notificado às partes em 13/2/2023.
Em 3/3/2023 a A./requerente veio apresentar recurso desse despacho, introduzindo o mesmo “…porquanto é parte legítima (artigo 631.º n.º 1 do CPC), o mesmo afigura-se admissível (artigo 630.º n.º 2 do CPC), e o apresenta tempestivamente (artigo 638.º n.º 1 do CPC)”, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“B. Conclusões:
I. Destina-se o presente recurso a impugnar a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância que judiciou improcedente a arguição de nulidades, porquanto mal andou a Mma. Juiz a quo na decisão proferida, mormente na subsunção jurídica da factualidade apurada nos autos, o que conduziu à prolação da decisão de que ora se recorre.
II. A Apelante está convicta de que Vossas Excelências, subsumindo a factualidade resultante dos autos, em confrontação com o disposto nas normas jurídicas aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar a decisão recorrida e de a substituir por uma que julgue totalmente procedente a arguição de nulidades aduzida, ou, caso assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese se concebe, por uma que determine a produção de melhor prova para decisão do incidente.
• Primórdios:
III. Na pretérita data de 26-05-2021, a Apelante deu entrada de uma ação declarativa especial de prestação de contas contra a Apelada, requerendo que fossem prestadas contas da sua administração com o mandato que lhe foi conferido por procuração desde a data da sua outorga, até à data da morte de seu pai, e, bem assim, contas da administração da herança aberta por óbito do mesmo, desde 11/07/2017, ao que a Requerida/Apelada contestou, na pretérita data de 07-07-2021, apenas não contestando a sua obrigação de prestar contas quanto à administração que levou a cabo, enquanto cabeça de casal, no período que medeia entre 11-11-2019 e 10-11-2020.
IV. Após, na data de 02-03-2022, foi proferido despacho a judiciar o seguinte: “Assim sendo, tendo em conta que a aludida Ré foi nomeada cabeça de casal em 29 de Maio de 2019 – cfr. despacho proferido no processo de inventário em 29-05-2019 (certidão junta a fls. 40 e seguintes dos autos) e se mantém, até à presente data, no cargo, a obrigação de prestar contas por parte da Ré abrange o período temporal que se iniciou com a sua nomeação e, considerando o disposto no artigo 2093º do Código Civil, tem a obrigação de prestar contas em relação aos dois anos que decorreram desde a sua nomeação (29-05-2019 a 29-05-2020 e 30-05- 2020 a 29-05-2021). Atentos os motivos invocados pela Ré, entende-se que se justifica a concessão do prazo de trinta dias requerido para a apresentação das contas – cfr. artigo 942º, nº 2 do C.P.C.. Notifique.”.
V. No dia 07-03-2022, a anterior Ilustre mandatária da Autora renunciou à procuração, tendo remetido tal comunicação ao processo e tendo na mesma data sido expedida notificação pelo douto Tribunal para o domicílio da Autora nos ..., a fim de lhe dar conhecimento de tal renúncia.
VI. Na data de 31-03-2022, já decorridos os 20 dias após a renúncia, a Ré apresentou as contas que se comprometeu carrear, tendo notificado disso a anterior mandatária da aqui Autora.
VII. Na data de 05-04-2022, o mandatário signatário carreou procuração forense ao processo, a fim de dar entrada, no dia seguinte, de recurso da decisão proferida na data de 02-03-2022, proferida antes da renúncia ao mandato e remetida, por isso, ao seu conhecimento.
VIII. Sucede que, posteriormente, tal recurso veio a ser judiciado improcedente, tendo sido proferido despacho na data de 14-12-2022, com o seguinte teor “Tomei conhecimento do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães. * Não tendo as contas apresentadas pela Ré sido contestadas, cumpra-se o disposto no artigo 945º, nº 3 do C.P.C.. Notifique.”
IX. Apenas após a prolação do referido despacho, obteve a aqui Apelante, na pessoa do seu mandatário constituído, cabal e efetivo conhecimento de que a Ré havia apresentado as suas contas.
X. Nessa medida, arguiu a aqui Apelante a existência de nulidade, atendendo a que:
• Quando a Ré apresentou as contas no processo, já haviam decorridos 20 dias desde a renúncia da anterior mandatária, pelo que a mesma teria operado plenamente os seus efeitos;
• Atendendo à expedição de notificação para a parte, a aqui Apelante, residente nos ..., cabia ao Tribunal apurar se a mesma foi efetivamente notificada, e em que data o terá sido, o que não sucedeu;
• Presumindo-se que a parte teria sido notificada em 10-03-2023, à data da apresentação das contas já haviam decorrido os 20 dias, pelo que, não tendo a Apelante constituído novo mandatário a essa data, e atendendo à obrigatoriedade de constituição de mandatário, haveria que suspender-se a instância, nos termos do artigo 47.º n.º 3 a) do CPC, tendo sido transgredida tal norma jurídica;
• A omissão da decisão de suspensão da instância decorridos os 20 dias e, bem assim, a notificação realizada pela Ré na pessoa da anterior mandatária, não se providenciando pela notificação efetiva da Autora a fim de lhe permitir o conhecimento das contas apresentadas, configuram quer omissão de ato que a lei prescreve, designadamente no artigo 47.º n.º 3 a) do CPC, quer a violação de normas jurídicas designadamente o disposto no artigo 249.º n.º 1 do CPC, ficando prejudicado o exercício do contraditório.
XI. Na sequência de tal arguição, proferiu a Mma. Juiz despacho na data de 10-02-2023, com a Ref.ª eletrónica citius ...87, no qual considerou que “(…) Se constituiu novo mandatário, é legítimo presumir que tomou conhecimento da renúncia.
Porém, nada nos autos nos permite concluir a data em que a Autora foi notificada. Assim sendo, não constando dos autos o aviso de recepção assinado ou qualquer outro elemento documental ou informação que comprove em que data ocorreu a notificação da renúncia, não podemos afirmar que a renúncia produziu os seus efeitos no dia 10 de Março de 2022 – cfr. artigo 47º, nº 2 do C.P.C.. Por estes motivos, e tendo a Autora constituído novo mandatário no dia 5 de Abril de 2022 (data em que estaria em tempo de contestar as contas apresentadas pela Ré), não houve lugar à suspensão da instância. As contas foram apresentadas no dia 31 de Março de 2022 e o mandatário da Ré cumpriu o estabelecido no artigo 221º do C.P.C., notificando a mandatária inicialmente constituída, sendo de salientar que, como a renúncia só produz os seus efeitos com a notificação ao mandante, até esse momento, cabe ao mandatário inicialmente constituído assegurar o patrocínio/defesa. Não ocorreu, pois, a omissão de qualquer acto ou formalidade prescrita na lei, não se verificando as apontadas nulidades. Ainda que assim não se entendesse e como bem salienta a Ré, os alegados vícios já se encontrariam, à data da sua invocação sanados. Com efeito, compulsados os autos, verifica-se que a Autora interveio em vários momentos e só agora veio invocar nulidades. (…) Assim, estava a Autora ciente e conhecedora de que se encontrava em curso o prazo de 30 dias para a apresentação das contas desde 2 de Março de 2022. Por este motivo, ainda que 18/24 se entendesse ter ocorrido nulidade (omissão de prática de acto ou de formalidade prescrita na lei), o que, como vimos, não ocorreu na situação em apreço, por força do disposto no artigo 199º do C.P.C., é forçoso concluir que o prazo para a sua arguição se mostra manifestamente ultrapassado. Nestes termos e perante todo o exposto, improcedem as invocadas nulidades e indefere-se o requerido.”.
XII. Não podemos assentir na decisão proferida, porquanto se afigura manifestamente injusta e legalmente inadmissível.
Perscrutemos,
• Das alegações stricto sensu:
➢ Das normas jurídicas violadas:
XIII. Após o requerimento de renúncia ao mandato de 07-03-2022, no qual foi requerido que o Tribunal a quo notificasse a Parte, foi expedida notificação por via registada pelo Tribunal para a Parte/Mandante, conforme notificação de 07-03-2022 com a ref.ª eletrónica citius ...97, com a menção das consequências da não constituição de mandatário no prazo indicado.
XIV. Tal como referido e comprovado no requerimento de 11-01-2023 com a ref.ª eletrónica citius ...02, apenas existe informação no Correios ... tracking sobre a expedição para a residência da Apelante nos ... na madrugada do dia 09/03/2022, não permitindo descortinar se a Autora chegou efetivamente a receber tal missiva ou quando a recebeu, não cuidando o Tribunal a quo de apurar se a Apelante foi devidamente notificada, e em que momento o foi, sendo que, de acordo com o disposto no artigo 40.º n.º 1 a) do CPC, é obrigatória a constituição de advogado na presente ação especial de prestação de contas.
XV. Ademais, estipulam as normas jurídicas constantes do artigo 47.º n.º 1, n.º 2 e n.º 3 a) do CPC, que a renúncia tem de ser notificada ao Mandante/parte por via registada, sendo que, quando seja obrigatória a constituição de advogado, se a parte não constituir advogado no prazo de 20 dias após a notificação, a instância é suspensa quando a falta se deva ao Autor(a).
XVI. Ora, aplicando a presunção ínsita no artigo 249.º n.º 1 do CPC, pois que a notificação não carece de ser enviada por correio registado com aviso de receção, mas apenas por correio registado, presume-se a Apelante notificada, pelo menos, no terceiro dia posterior ao do registo da carta remetida pelo Tribunal, isto é, na data de 10-03-2022.- veja-se, a este propósito, o douto Tribunal da Relação de Lisboa no Acórdão de 02-07-2019, pelo relator Diogo Ravara, com o qual concordamos “A notificação à parte da renúncia ao mandato forense manifestada pelo seu mandatário judicial tem natureza pessoal, mas não está sujeita às regras da citação – arts. 47º e 250º do CPC. · Tal notificação não tem que ser feita por carta registada com aviso de receção, podendo fazer-se por meio de carta registada remetida para o endereço indicado pela parte que outorgou a procuração - art. 249º do CC. · Se a mesma notificação for remetida por carta registada com aviso de receção e esta não for recebida pelo destinatário, por este não ter atendido e posteriormente não a ter levantado nos correios, nem por isso a notificação deixa de ser eficaz, nos termos previstos no art. 249º do CC.”.
XVII. Dessarte, operando a renúncia os seus efeitos, e decorrido o prazo de vinte dias sem constituição de novo mandatário no processo, a instância à data de 31-03-2022 deveria encontrar-se suspensa.
XVIII. Sucede que, nem o Tribunal a quo apurou a data em que terá sido a Apelante efetivamente notificada, ou se alguma vez o foi, nem foi providenciada a suspensão da instância em virtude do decurso do prazo de vinte dias.
XIX. Não tendo existido tal suspensão, a Ré apresentou contas na data de 31-03-2023, as quais não foram notificadas à Apelante, mas sim à sua anterior mandatária, sem se saber, no entanto, se àquela data se mantinha ou não o mandato anterior em virtude do referido prazo e dos efeitos da renúncia, e não aplicando o Tribunal a quo a presunção prevista no artigo 249.º n.º 1 do CPC.
XX. Quer a Ré quer o Tribunal a quo deveriam ter providenciado pela notificação da Apelante por via registada do requerimento de apresentação das contas, nos termos do artigo 249.º n.º 1 do CPC, a fim de garantir que a mesma teria efetivo e cabal conhecimento das contas apresentadas.
XXI. Para além disso, mesmo após a constituição de novo mandatário no processo na data de 05-04-2022, não lhe foi dirigida qualquer notificação relativamente às contas apresentadas.
XXII. Ao contrário do propalado pelo Tribunal a quo, a mera interposição de recurso de decisão proferida na data de 02-03-2022 não faz presumir o efetivo conhecimento das contas apresentadas pela Ré, desde logo porque tal decisão foi proferida antes da apresentação do requerimento de renúncia no processo, encontrando-se nessa data a correr prazo para a interposição de recurso, o que motivou a que tal informação tivesse sido levada ao conhecimento do mandatário signatário, o que já não sucedeu com as contas apresentadas, como resulta do requerimento de 11-01-2023.
XXIII. Escuda-se o Tribunal a quo num ónus desmedido e excessivo sobre a aqui Apelante ao considerar que esta saberia que a Ré apresentaria contas, descurando o facto de a interposição de recurso da decisão ter efeito suspensivo, e de, à data de tal apresentação pela Apelada, a Apelante não se encontrar devidamente representada no processo nem ter conhecimento do requerimento apresentado.
XXIV. Não podia o Tribunal a quo demitir-se das suas funções de cumprimento da lei e dos expedientes processuais, e não cuidar de providenciar pelo apuramento dos factos e das devidas notificações, não olvidando que o princípio do contraditório é um princípio basilar do ordenamento jurídico português e enformado pelo direito constitucional do acesso ao direito e à justiça e a um processo justo e equitativo, nos termos do artigo 20.º n.º 4 da Lei Fundamental.
XXV. Dessarte, a considerar-se que a Apelante foi efetivamente notificada em, pelo menos, 10-03-2023, deveria ter sido declarada a suspensão da instância a partir de 31-03-2023, inclusive, precisamente a data em que a Ré apresentou as suas contas, ou, pelo menos, deveria ter o Tribunal a quo providenciado pelo posterior conhecimento efetivo pela Apelante das contas apresentadas,
XXVI. considerando que, nos termos do artigo 221.º do CPC, por analogia, caberia à secretaria a notificação das contas apresentadas pela Ré, atendendo a que se tratará de um novo articulado relativamente ao qual a Apelante poderia contestar, e suprindo a inércia da Ré, nomeadamente através da expedição de notificação postal registada nos termos do sobredito artigo 249.º do CPC, ou através de posterior notificação ao mandatário constituído no processo.
XXVII. Não sendo assim, atendendo à omissão e preterição das formalidades legais indicadas, verificavam-se as apontadas nulidades nos termos do artigo 195.º do CPC, suscetíveis de influir diretamente no exame e decisão da causa, afetando de forma flagrante o direito ao contraditório da Apelante e colidindo com a proibição da indefesa plasmado no nosso ordenamento jurídico, o que importaria a declaração de nulidade de todo o processado após a extinção do mandato. –A suportar este entendimento, veja-se a sapiência plasmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa no Acórdão de 19-06-2007, pelo relator Carlos Moreira, em situação bastante similar à que nos presentes autos se discute, e nos termos do qual “1. A notificação à parte (autor) da renúncia ao mandato do seu advogado tem uma função meramente informativa e não convocatória, máxime para a prática de acto pessoal. 2. Assim, tal notificação não tem de ser pessoal, ou seja, por carta registada com aviso de recepção, podendo e devendo fazer-se, pelo modo normal ou regra, i.e. por via postal com carta registada – artº 254º nº1 e 255º nº1 do CPC. 3. Destarte, tendo acontecido a notificação por este modo, ela operou os seus efeitos, ou seja, o mandato extinguiu-se, pelo que, sendo obrigatória a constituição de advogado, e não tendo o autor constituído novo mandatário, deveria ter sido prolatado despacho a declarar suspensa a instância - artº 39º nº3 do CPC. 4. Tal não se tendo verificado, sobrevém nulidade processual, por omissão de acto ou formalidade que a lei prescreve e que influi na decisão da causa – artº 201º do CPC – o que implica a anulação dos actos praticados ulteriormente à data em que o mandato se extinguiu.”.
XXVIII. Resultaram, outrossim, transgredidas as normas jurídicas constantes dos artigos 40.º n.º 3 a), 47.º n.º 1, n.º 2 e n.º 3 a), 221.º, 249.º n.º 1 do CPC e, bem assim, os princípios jurídicos do acesso a um processo justo e equitativo constante dos artigos 20.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e da igualdade de armas plasmado no artigo 4.º do CPC, pois que, deveria o Tribunal a quo ter interpretado e aplicado tais normas no sentido da verificação das nulidades processuais indicadas, -pois que, deveria ter sido determinada a suspensão da instância atendendo ao decurso do prazo de vinte dias sem constituição de mandatário no processo, o que inviabilizaria desde logo a apresentação das contas pela Ré em juízo, ou, pelo menos, haveria que ter-se providenciado pela notificação efetiva pessoal ou na pessoa do novo mandatário constituído, a fim de que a Apelante pudesse tomar conhecimento efetivo e consciente das contas apresentadas e exercer o seu direito a contestar, nos termos do artigo 945.º do CPC,- implicando a nulidade de todo o processado a partir da extinção do mandato.
Ainda,
XXIX. Mais considerou o Tribunal a quo encontrar-se ultrapassado o prazo de arguição das nulidades, considerando o disposto no artigo 199.º do CPC, sendo que discordamos veementemente da posição adotada.
XXX. O conhecimento de tal nulidade adveio apenas na sequência do despacho proferido pela Mma. Juiz de 14-12-2022, com a ref.ª eletrónica citius ...49, no qual resultou determinado que “Não tendo as contas apresentadas pela Ré sido contestadas, cumpra-se o disposto no artigo 945º, nº 3 do C.P.C..”, inexistindo qualquer elemento no processo desde a junção de procuração pelo novo mandatário que fizesse referência às contas apresentadas.
XXXI. Não se pode presumir que a Apelante tenha tido conhecimento anterior da nulidade, ou que não tenha atuado com a devida diligência, pelo que a Apelante dispunha, após a notificação do despacho em apreço e conhecimento efetivo da apontada nulidade, do prazo de 10 dias para a arguição, o que logrou cumprir.
XXXII. Pelo que, afigurando-se a arguição tempestiva, interpretou e aplicou erradamente a Mma. Juiz a quo o disposto no artigo 199.º n.º 1 do CPC, devendo ter interpretado e aplicado tal norma no sentido da tempestividade da arguição.
Ainda que se entendesse não operar a presunção do artigo 249.º n.º 1 do CPC, o que apenas por mera hipótese se coloca,
XXXIII. Atendendo à falta de informação do douto Tribunal relativamente à data em que a Apelante foi notificada da renúncia operada, parece-nos que deveriam ter sido encetadas diligências para apurar se efetivamente foi a Apelante notificada da mesma, e em que data o terá sido, pois que a notificação da renúncia caberia, prima facie, ao Tribunal a quo, por imposição legal, afigurando-se os momentos da notificação e da produção dos efeitos da renúncia determinantes para a validade dos atos subsequentes.
XXXIV. Outrossim, deveria o Tribunal a quo ter encetado diligências de cariz oficioso que permitissem o apuramento desses factos, designadamente através da obtenção do registo da receção da notificação remetida, ou, bem assim, através da notificação para prestação de informação por parte da Apelante ou da anterior mandatária, o que não logrou fazer.
XXXV. Dessarte, continuou o mandatário da Ré a tratar a anterior mandatária da Apelante como tal no processo, ao proceder à sua notificação aquando da apresentação das contas no processo, perpetuando o Tribunal a quo tal tratamento, ocorrendo nulidade processual que influiu diretamente na decisão da causa.- veja-se, a este propósito, o entendimento preconizado pelo Tribunal da Relação de Lisboa no Acórdão de 27-06-2019, pela relatora Maria José Moura, nos termos do qual “III–Não havendo os executados/mandantes sido notificados pessoalmente da renúncia, esta não teve eficácia no processo, mantendo-se o mandatário constituído como tal; haverá, todavia que apurar o demais circunstancialismo envolvente, (designadamente se em termos de facto o mandatário constituído continuou a ser tratado pelo Tribunal como tal) para concluir se ocorreu uma nulidade processual com influência na venda executiva e se teve lugar um processo equitativo com observância do contraditório.”.
XXXVI. Outrossim, ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo as normas jurídicas constantes dos artigos 195.º e 292.º do CPC, devendo ter interpretado tais normas no sentido da necessidade de produção de melhor prova e apuramento do circunstancialismo envolvente para a decisão sobre o incidente de arguição de nulidade.
Alfim,
XXXVII. deverão V.ª Ex.ª revogar a douta decisão proferida, substituindo-a por uma outra que judicie pela procedência das nulidades apontadas com a consequente nulidade do processado após extinção do mandato ou, caso assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese se concebe, por uma que determine a produção de prova para apuramento da factualidade relativa à notificação da Mandante e ao operar dos efeitos da renúncia.
Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Excelências mui doutamente cuidarão de suprir, deve a presente Apelação ser julgada totalmente procedente, revogando-se a decisão a quo ora recorrida, substituindo-a por uma outra que determine a procedência das apontadas nulidades com a necessária anulação do processado após a extinção do mandato ou, caso assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese se coloca, por uma que determine a necessidade de produção de melhor prova sobre os contornos da notificação para uma melhor decisão sobre o incidente.”
*
Este recurso não foi admitido nos seguintes termos: “Veio a requerente recorrer do despacho anteriormente proferido (referência ...87 de 10-02-2023 no processo principal), nos termos do qual se julgaram improcedentes as invocadas nulidades e indeferiu-se o requerido. O recurso interposto não tem enquadramento no artigo 644º, nº 1 ou em nenhuma das alíneas do nº 2, do C.P.C., não sendo, por isso, admissível. Não se trata de decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente, nem do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos. De igual modo, não se trata de decisão que aprecie o impedimento do juiz, de decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal, de decisão que decrete a suspensão da instância, de despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova, de decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual, de decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo, de decisão proferida depois da decisão final ou de decisão cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil. Nos termos do artigo 644º, nº 3 do C.P.C., as restantes decisões proferidas pelo Tribunal de primeira instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões proferidas no nº 1. Assim sendo e por esta razão, não se admite o recurso interposto. Notifique.”
*
BB, Autora e Apelante nos autos à margem referenciados, vem apresentar reclamação contra o despacho de não admissão de recurso, apresentando a seguinte argumentação em forma de conclusões:
“I. Destina-se a presente reclamação a reagir contra o despacho de não admissão de recurso, com o qual não concordamos, e no qual resultou judiciado que, por não se inserir em nenhuma das hipóteses contempladas no artigo 644.º n.º 1 e n.º 2 do CPC, não poderá ser admitido o recurso de apelação interposto.
Contemplemos,
II.Na pretérita data de 14-12-2022 foi proferido despacho pela Mma. Juiz da Primeira Instância, no qual foi considerado que “Não tendo as contas apresentadas pela Ré sido contestadas, cumpra-se o disposto no artigo 945º, nº 3 do C.P.C..”.
III. Tomando a Autora conhecimento de tal despacho, aduziu requerimento de arguição de nulidades, alegando, em suma que, não tendo obtido anteriormente conhecimento das contas apresentadas pela Ré, visto que quem foi notificada foi a sua anterior mandatária que presumidamente já não exercia o patrocínio em virtude do decurso do prazo de 20 dias após a renúncia, e que não tendo sido o processo suspenso após tal prazo, não pôde contestar nem se defender.
IV. Considerou o Tribunal de Primeira Instância que não se verificava qualquer nulidade, tendo judiciado totalmente improcedente tal arguição, motivo pelo qual a Autora interpôs recurso de apelação autónoma da decisão para o douto Tribunal da Relação, justificando a admissibilidade do recurso com base na subsunção à norma jurídica constante do artigo 630.º n.º 2, 2.ª parte, do CPC.
V. Ainda assim, desconsiderou o Tribunal de Primeira Instância o entendimento propugnado, judiciando pela inadmissibilidade do recurso, entendimento que não poderemos assentir.
Dessarte,
- Da violação da norma jurídica constante do artigo 630.º n.º 2, 2.ª parte, do CPC e da errada interpretação e aplicação das normas jurídicas constantes do artigo 644.º n.º 1, n.º 2 e n.º 3 do CPC:
VI. A decisão em apreço configura uma decisão proferida sobre as nulidades invocadas no artigo 195.º n.º 1 do CPC.
VII. Uma vez que contendem quer com o princípio do contraditório (porquanto, caso a Autora tivesse conhecimento efetivo das contas apresentadas pelo Réu, poderia quanto a elas defender-se, contestando e dizendo o que entendesse por conveniente, seguindo-se a tramitação prevista no artigo 945.º do CPC), quer com a aquisição processual de factos (com a contestação e defesa da Autora, seriam contemplados factos importantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa), quer ainda com a admissibilidade de meios probatórios (com a contestação poderia a Autora apor os meios de prova que reputasse necessários para a prova dos factos por si alegados e para contraprova da versão apresentada pela Ré), sempre seria admissível o recurso autónomo da aludida decisão. – vide, o entendimento preconizado por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa in “Código de Processo Civil Anotado”, segundo o qual “Em relação a qualquer das aludidas decisões, o legislador previu uma cláusula de salvaguarda: a irrecorribilidade é afastada sempre que seja alegada e, depois, confirmada violação do princípio da igualdade substancial das partes (art. 4.º), do princípio do contraditório (art. 3.º), das regras sobre a aquisição processual de factos (…) ou sobre a admissibilidade de meios de prova.”.
VIII. Resultou igualmente ferido o princípio da igualdade de armas, pois permitiuse à Ré/Reclamada apresentar as contas e meios de prova que bem entendeu, sem que tal oportunidade tivesse sido cabalmente concedida à Reclamante, atendendo à sua falta de conhecimento efetivo sobre as mesmas.
IX. Para reforço da posição assinalada, citamos a Decisão Singular proferida pelo douto Tribunal da Relação de Guimarães na data de 18-12-2020, pelo Venerando Juiz Desembargador José Amaral, no processo n.º 433/19.0T8VCTB.G1, e a cujo entendimento aderimos na íntegra, nos termos do qual “ (…)
Ora, tendo em conta que os fundamentos da apelação se inscrevem na ressalva constante da parte final do seu nº 2, não parece sobrar dúvida relevante que o mesmo é recorrível à luz da mesma. (…) Aliás, o nº 2, do artº 630º, ao abrir a recorribilidade nas hipóteses aí referidas sem nenhuma condição parece orientar-se preferencialmente para a apelação imediata, já que nada precisaria de dizer relativamente à matéria aí salvaguardada em face da norma residual do nº 3, do artº 644º, onde ela sempre haveria de caber. Daí que nos inclinemos para admitir o recurso, como de apelação imediata. Subirá em separado, nos termos do artº 645º, nº 2, com efeito devolutivo previsto no nº 1, do artº 647º, instruído com a certidão requerida.”.
X. Não assiste razão ao Tribunal a quo, ao judiciar pela inadmissibilidade do recurso atendendo ao disposto nos artigos 630.º n.º 2, 2.ª parte, uma vez que estamos, in casu, perante uma decisão sobre nulidades que contendem quer com o princípio do contraditório, quer com a aquisição processual de factos, quer com a admissibilidade de meios probatórios, impondo-se, atendendo ao regime especial e à ratio do legislador em tal consagração excecional, a sua recorribilidade imediata.
XI. A ratio legislativa da apelação autónoma que vigora no que concerne à admissibilidade ou rejeição de articulados e meios de prova, contende de igual forma com aquisição processual de factos, princípio do contraditório e admissibilidade de meios de prova.
XII. Atendendo às regras da lógica, ao abrir a recorribilidade nas hipóteses plasmadas no artigo 630.º n.º 2, 2.ª parte do CPC, sem nenhuma condição, parece o legislador orientar-se preferencialmente para a apelação imediata, já que nada precisaria de dizer relativamente à matéria aí salvaguardada em face da norma residual do 644.º n.º 3 do CPC, onde a apelação sempre haveria de caber.
XIII. Mal andou o Tribunal de Primeira Instância, ao considerar inadmissível o recurso interposto por não se subsumir a nenhuma das previsões ínsitas nos artigos 644.º n.º 1 e n.º 2 do CPC, desconsiderando totalmente a possibilidade de recurso prevista no artigo 630.º n.º 2, 2.ª parte do CPC, e a sua lógica de recorribilidade imediata, tendo interpretado e aplicado erradamente tais normas.
Ainda que assim não se entendesse, o que apenas por mera hipótese se coloca,
XIV. Sempre seria admissível, ao abrigo do artigo 644.º n.º 2 h) do CPC, o recurso autónomo do despacho recorrido, atendendo a que a impugnação do despacho que indeferiu a arguição de nulidade, juntamente com o recurso da decisão final seria, in casu, desprovida de utilidade prática.
Pelo que,
XV. judiciando pela admissibilidade do recurso autónomo, revogando o despacho reclamado, nos termos do artigo 643.º n.º 4 do CPC, farão V.ª Ex.ª inteira e sã justiça.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências mui doutamente cuidarão de suprir, deve a presente reclamação proceder e ser admitido o recurso interposto, com as necessárias consequências legais.”
***
Não foi apresentada resposta.
*
Sobre a reclamação foi proferida a seguinte decisão da relatora : “Nos termos e fundamentos expostos, julga-se improcedente a presente reclamação interposta pela A./reclamante e, em consequência, mantém-se o despacho proferido em 26/4/2023 de não admissão do recurso do despacho proferido em 10/2/2023. Custas a cargo da reclamante.”
*
A reclamante, tendo sido notificada da decisão proferida nos autos, veio requerer que a questão seja submetida à conferência, alegando e concluindo:
“B. Conclusões:
I. Vem a aqui Apelante deduzir Reclamação para a Conferência, requerendo que sobre a matéria da douta decisão singular recaia um Acórdão, porquanto considera ser prejudicial e ilegal a decisão proferida.
Vejamos,
• Da errada interpretação e aplicação das normas jurídicas constantes dos artigos 630.º n.º 2 e 644.º n.º 1, 2 e 3 do CPC:
II. Ao contrário do considerado pela Mma. Juiz Desembargadora, e salvo devido respeito por superior entendimento, verifica-se efetivamente recorribilidade imediata da decisão
proferida.
III. Dessarte, a tal propósito já se pronunciou o douto Tribunal da Relação de Guimarães de de 18-12-2020, pelo Venerando Juiz Desembargador José Amaral, no processo n.º 433/19.0T8VCT-B.G1, e a cujo entendimento aderimos na íntegra, nos termos do qual “Ora, tendo em conta que os fundamentos da apelação se inscrevem na ressalva constante da parte final do seu nº 2, não parece sobrar dúvida relevante que o mesmo é recorrível à luz da mesma. (…) Aliás, o nº 2, do artº 630º, ao abrir a recorribilidade nas hipóteses aí referidas sem nenhuma condição parece orientar-se preferencialmente para a apelação imediata, já que nada precisaria de dizer relativamente à matéria aí salvaguardada em face da norma residual do nº 3, do artº 644º, onde ela sempre haveria de caber. Daí que nos inclinemos para admitir o recurso, como de apelação imediata.”.
IV. Outrossim, mal andou a Mma. Juiz Desembargadora a quo, ao considerar inadmissível o recurso interposto por não se subsumir a nenhuma das previsões ínsitas nos artigos 644.º n.º 1 e n.º 2 do CPC, desconsiderando totalmente a possibilidade de recurso prevista no artigo 630.º n.º 2, 2.ª parte do CPC e a sua lógica de recorribilidade imediata, de acordo com o que parece ser o espírito do legislador.
V. A decisão em apreço não se subsume à ratio da norma ínsita no artigo 644.º n.º 3 do CPC, pois que o efeito útil da apelação de tal decisão se desvirtuaria com a apelação em sede de decisão final, encontrando-se tal norma prevista para situações distintas da que aqui se discute.
VI. Aliás, a aqui Reclamante não lançou mão de recurso da decisão final proferida, nem o poderia fazer em virtude do valor, afigurando-se de absoluta pertinência a apreciação do recurso das questões suscitadas autonomamente, sob pena de denegação do direito constitucional de acesso ao direito à justiça e aos Tribunais.
VII. Não assiste razão ao Tribunal a quo, ao judiciar pela inadmissibilidade do recurso atendendo ao disposto nos artigos 630.º n.º 2, 2.ª parte, uma vez que estamos, in casu, perante uma decisão que contende quer com o princípio do contraditório, quer com a aquisição processual de factos, quer com a admissibilidade de meios probatórios, impondo-se, atendendo ao regime especial e à ratio do legislador em tal consagração excecional, a sua recorribilidade imediata, não olvidando, inclusive, o regime de apelação autónoma que vigora no que concerne à admissibilidade ou rejeição de articulados e meios de prova, e cuja ratio legislativa contende de igual forma com aquisição processual de factos, princípio do contraditório e admissibilidade de meios de prova.
VIII. Atendendo às regras da lógica, ao abrir a recorribilidade nas hipóteses plasmadas no artigo 630.º n.º 2, 2.ª parte do CPC, sem nenhuma condição, parece o legislador orientar-se preferencialmente para a apelação imediata, já que nada precisaria de dizer relativamente à matéria aí salvaguardada em face da norma residual do n.º 3, do art.º 644º, onde ela sempre haveria de caber.
IX. Alfim, e quanto ao demais, mantém a Apelante a sua versão da reclamação anterior,
para as quais remete por economia processual, discordando da decisão singular proferida pelos motivos supra expostos, requerendo a Vossas Excelências dignem judiciar procedente a presente reclamação, substituindo a decisão singular proferida por um Acórdão que determine a subida imediata do recurso interposto.”
Requer a procedência da presente reclamação, substituindo a decisão singular proferida por um Acórdão que determine a subida imediata e autónoma do recurso, com as necessárias consequências legais.
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Não foi apresentada resposta.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II QUESTÕES A DECIDIR.
Ao abrigo do art.º 652º, n.º 3, do C.P.C., a apelante requer que sobre o despacho que não admitiu o recurso interposto recaia um acórdão –cfr. remissão do art.º 643º, n.º 4, do mesmo.
No caso sujeito a reclamação há que apreciar a matéria sobre que recaiu a decisão singular em causa, ou seja, se o recurso do despacho que incidiu sobre requerimento da A. é admissível.
***
III MATÉRIA A CONSIDERAR
Os fundamentos fácticos a atentar são os que já resultam supra, tudo conforme consulta eletrónica dos autos principais.
*
IV- O MÉRITO DA RECLAMAÇÃO/RECURSO.
Cumpre decidir.
Cabe aqui verificar da confirmação ou revogação da decisão singular que não admitiu o recurso interposto pela reclamante, mantendo a decisão de 1ª instância.
Ora, porque entendemos ser de manter a decisão singular, a mesma será aqui parcialmente reproduzida e adaptada, na medida da manutenção da pertinência do referido, e mediante a introdução de outras considerações que se considerem oportunas face ao que a reclamante aduziu em “desfavor” da decisão.
*
“Começando por estabelecer os parâmetros do atual sistema recursivo temos como espécies legais de recursos os ordinários –apelação para a Relação e revista para o STJ-, e os extraordinários –para uniformização de jurisprudência e de revisão (art.º 627º do C.P.C.).
Como regra geral da sua admissibilidade temos o valor da ação e da sucumbência (art.º 629º, n.º 1, C.P.C.), e a particular relevância da decisão em causa (n.ºs 2 e 3); neste caso, a recorribilidade é alargada.
Na matéria que mais nos respeita e que se refere às apelações, temos o art.º 644º, n.º 1, C.P.C., enunciando a regra geral de que são autónomas quando respeitem às decisões finais –da causa, dos procedimentos cautelares e dos incidentes autónomos (n.º 1, a)), o mesmo sucedendo ao despacho saneador (n.º 2, b)). Cabe ainda apelação autónoma de outras decisões, designadamente intercalares, conforme decorre do art.º 644º, n.º 2, C.P.C.. No n.º 3 do mesmo artigo prevê-se ainda o recurso das restantes decisões (intercalares ou interlocutórias, conforme refere António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, págs. 204 a 207 da 4ª edição) que, no entanto, se enxertam nas apelações autónomas previstas no n.º 1.
Quanto à subida do recurso, o art.º 645º do C.P.C. estabelece duas modalidades: nos próprios autos no caso de pôr termo ao processo, suspensão da instância, indeferimento de incidente processado por apenso e indeferimento liminar ou improcedência de providência cautelar (n.º 1); em separado nas restantes situações (n.º 2).
Há também normas que restringem a recorribilidade; é o caso do art.º 630º, n.º1, C.P.C., relativamente aos despachos de mero expediente ou proferidos no uso legal de um poder discricionário, o caso dos despachos de natureza instrumental previstos no n.º 2 desse artigo e nessas situações, caso dos arts.º 226º, n.º 5, 569º, n.º 6, 590º. n.º 7, 595º, n.º 4, 617º, n.º 1, 641º, n.º 5, 119º, n.º 5, 129º. C), 879º, n.º 5, todos do C.P.C., além de outras disposições relativas à limitação de recurso para o STJ.
Por fim cabe ainda acrescentar que, por um lado, proferida a decisão por uma das instâncias, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz respetivo quanto à matéria da causa, salvas as possibilidades legais de retificação de erro material, reforma ou sanação de nulidade (arts.º 613º, 614º, 615º e 616º, todos do C.P.C.), e caso a parte sindique a decisão pela via recursiva, ou quando ela não é possível face às exigências legais, esgotada ou ultrapassada a possibilidade de recurso de uma decisão, ela adquire força de caso julgado nos termos previstos nos arts.º 619º a 622º, do C.P.C..
Feita a “apresentação” do regime dos recursos, cabe começar por analisar o fundamento invocado pela 1ª instância para obstar à admissão do recurso.
*
O motivo de não admissão prende-se então com o facto de, segundo o entendimento do Tribunal recorrido, a situação não se integrar em nenhuma das alíneas do art.º 644º, n.º 2, do C.P.C., tão pouco no seu n.º 1. Remete-se por isso para o art.º 644º, n.º 3, C.P.C..
A reclamante argumenta com o disposto no art.º 630º, n.º 2, 2ª parte, do C.P.C., norma que efetivamente invocou logo no momento da apresentação do recurso.
O recurso foi interposto pela A./reclamante respeitando o prazo de 15 dias.
A apreciação da reclamação gira então em torno daquela disposição.
Reproduzindo a norma, com destaque nosso, temos “2 - Não é admissível recurso das decisões de simplificação ou de agilização processual, proferidas nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º, das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º e das decisões de adequação formal, proferidas nos termos previstos no artigo 547.º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.”
Mantém-se a atualidade e pertinência do brocardo segundo o qual dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se. Conforme explicava Alberto dos Reis (“Comentário ao Código de Processo Civil”, 2º Vol., págs. 507 a 513),“quem julga é o tribunal perante o qual a nulidade ocorreu ou o tribunal a que a causa estava afecta no momento em que a nulidade se cometeu”; “a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou formalidade, o meio próprio para reagir, contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente.”
Luís Mendonça e Henrique Antunes (“Dos Recursos”, Quid Juris, pág.. 52), dizem “A reclamação por nulidade e o recurso articulam-se, portanto, de harmonia com o princípio da subsidiariedade: a admissibilidade do recurso está na dependência da dedução prévia da reclamação.
Assim, o que pode ser impugnado por via do recurso é a decisão que conhecer da reclamação por nulidade – e não a nulidade ela mesma. A perda do direito à impugnação por via da reclamação – caducidade, renúncia, etc. – importa, simultaneamente, a extinção do direito à impugnação através do recurso ordinário.
Isto só não será assim no tocante às nulidades cujo prazo de arguição só comece a correr depois da expedição do recurso para o tribunal ad quem e no tocante às nulidades – exceções – que sejam oficiosamente cognoscíveis.”
Por sua vez, Miguel Teixeira de Sousa (“Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, pág. 372), diz ainda que “(…) quando a reclamação for admissível, não o pode ser o recurso ordinário, ou seja, esses meios de impugnação não podem ser concorrentes; - se a reclamação for admissível e a parte não impugnar a decisão através dela, em regra está precludida a possibilidade de recorrer dessa mesma decisão.”.
No caso dos autos a A. arguiu junto do Tribunal de 1ª instância uma nulidade, ao abrigo do art.º 195º, n.º 1, do C.P.C..
Esta nulidade foi apreciada, e indeferida.
Sendo indeferida e, portanto, não satisfazendo a pretensão da A., esta veio apresentar recurso do despacho respetivo.”
Não foi colocada a questão da admissibilidade ou não do recurso perante aquele art.º 630º, n.º 2.
Portanto, nesta sede, ultrapassaremos a apreciação da mesma, e centramo-nos na questão da subida imediata do recurso, se é apelação autónoma, tal como as previstas no n.º 2 do art.º 644º do C.P.C. (cfr. alínea i).
O art.º 630º integra-se nas disposições gerais reguladoras do regime de recursos; já o art.º 644º refere-se à sua interposição e efeitos.
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Retomamos neste ponto a decisão singular.
“A reclamante, citando acórdão desta Relação, defende a subida imediata e autónoma.
Não foi esse o entendimento do Tribunal recorrido.
Recorrendo novamente a Abrantes Geraldes, diz-nos este que: “A questão da recorribilidade ou da irrecorribilidade das decisões não se confunde com o da oportunidade da interposição de recurso. Por isso, o facto de determinada decisão extravasar os limites restritivos do art. 630.º não significa, obviamente, que admita recurso imediato. Esse primeiro passo deve ser contrastado, no que respeita à apelação, com o disposto no art. 644.º que distingue as decisões que admitem apelação autónoma de outras cuja impugnação é relegada para momento ulterior, valendo quanto ao recurso de revista o que se prescreve no art. 671.º, n.ºs 2 e 4.”.
A expressão contrastado não é líquida, mas parece remeter para a ideia de que se deve aferir se a consequência que se quer evitar se reconduz a alguma das situações previstas no art.º 644º que determinou a subida imediata.
Isso mesmo decorre da frase seguinte, onde diz, neste contexto: “Quer no recurso que seja imediatamente interposto (quando a decisão se insira no âmbito do art. 644.º, n.ºs 1 e 2), quer na impugnação que venha a ser integrada no recurso da decisão final, cabe ao recorrente justificar a admissibilidade da impugnação, demonstrando a aplicabilidade da cláusula de salvaguarda (art.637.º, n.º 2)…”
Também aqueles três autores na obra citada, págs. 44 e 45, referem-se à impugnação “…em apelação autónoma (cfr. art. 644, n.ºs 1 e 2, alínea d) e talvez alínea h)), ou na dependência de outra apelação (art. 644-3).”
Ora, a nosso ver, a situação não se reconduz a nenhuma delas. Nomeadamente não estava em causa a efetiva admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova.
Restaria aferir se podemos aplicar o art.º 644º, n.º 2, h) –no que respeita ao momento de subida, uma vez que a sua admissibilidade decorre da norma analisada.
É hoje pacífico o entendimento de que a inutilidade absoluta exigida pela lei só se verifica quando o despacho recorrido produza um resultado irreversível, de tal modo que, seja qual for a decisão do tribunal ad quem, ela será completamente inútil, mas não quando a procedência do recurso possa conduzir à eventual anulação do processado posterior à sua interposição, incluindo, se for o caso, da sentença final.
O que se pretende evitar é a inutilidade do recurso, e não dos atos processuais entretanto praticados, eventualidade que o legislador previu e com a qual se conformou. Esta inutilidade é apreciada pelo prisma do processo em si mesmo e não dos intervenientes processuais, sendo que o tempo e dinheiro gastos são contingências de todas as intervenções processuais, e a complexidade e demora dos processos, o que resulta de qualquer lide, sempre atinente às suas circunstâncias.
Nessa medida repara-se que o recurso do despacho que defere ou indefere a arguição de nulidade da citação só é recorrível nos termos do n.º 3 do art.º 644º, ou nas condições do n.º 4; tal como o recurso da decisão que indefere a suspensão da instância (cfr. quanto ao que defere, por motivos óbvios, a alínea c) do n.º 2 do art.º 644º); tal como o recurso de decisão que defere ou indefere requerimento de alteração do pedido ou da causa de pedir –cfr. Abrantes Geraldes, agora na pág. 205. Veja-se ainda a solução proposta por Nuno Pissarra, citado na nota 332 da obra de Abrantes Geraldes, para casos de recurso de decisões interlocutórias que não encontram solução direta na lei.
Mais se acrescentará o seguinte: consultado o processo desta Relação, n.º 2433/19.0.T8VCT-B.G1 (e não 433/19 como por lapso vem indicado), e a decisão aí proferida em 18/12/2020, a apreciação que se faz é idêntica à nossa, sendo a situação diversa da presente.
De facto, o que aí se diz é que não se refere na lei se a apelação é imediata. Admite-se que nem sempre o será. Recorre-se a Abrantes Geraldes.
E reflete-se deste modo: “Admitimos que, devendo embora sopesar-se os casos, designadamente o grau de “contenção” pré-compreensível, em função da decisão recorrida e dos fundamentos do recurso contra ela interposto, com os princípios e regras aí ressalvados, numa situação em que se invoca a nulidade e se conexiona a mesma, entre o mais, com o contraditório e, se bem que indirectamente, com a admissibilidade dos meios de prova, não se perfilam razões para, sendo recorrível nos termos da alínea d),, do nº 2, do artº 644º, a decisão que rejeite meio de prova, não o seja, de imediato, a decisão a que se imputa ter inviabilizado invalidamente a sua produção e, portanto, ao fim e ao cabo, conduzido ao mesmo resultado que tal norma pretende evitar e que é a de se concluir o julgamento sem ter sido produzido e tido em conta o meio requerido e, porventura, ter que vir a decisão final a ser dada sem efeito caso, no recurso desta, se impugne a decisão e então venha a mesma a ser julgada procedente. Aliás, o nº 2 do artº 630º, ao abrir a recorribilidade nas hipóteses aí referidas sem nenhuma condição parece orientar-se preferencialmente para a apelação imediata já que nada precisaria de dizer relativamente à matéria aí salvaguardada em face da norma residual do nº 3, do artº 644º, onde ela sempre haveria de caber.” Daí que nos inclinemos para admitir o recurso, como de apelação imediata.”
Ou seja, reconduziu-se o resultado ao previsto no art.º 644º, n.º 2, d), por semelhança. Como vimos, o mesmo argumento não colhe aqui.
No Ac. da Rel. de Lisboa de 13/10/2020 (www.dgsi.pt), que é aquele a que se refere a decisão citada e que menciona por lapso 10/10/2020, sumariou-se: “III. O disposto no Artigo 630º, nº2, não constitui situação ressalvada pelo Artigo 644º, nº2, al. i), do Código de Processo Civil.
IV. Questão diversa da sindicabillidade do despacho é a da definição do momento em que deve ser interposto tal recurso, a qual se rege pelo disposto no nº3 do Artigo 644º do Código de Processo Civil.”. (…)
De tudo o exposto resulta que se nos afigura acertada a decisão da 1ª instância de não admissão do recurso interposto.”
Reiteramos que a nossa posição não diverge frontalmente do acórdão desta Relação a que a reclamante alude. Insistimos que a diversa solução a que chegamos resulta da diferença da situação que estamos a apreciar relativamente à ali decidida (efetiva produção de prova testemunhal). Admitimos, contudo, que a nossa visão seja mais restritiva.
Para nós, a recorribilidade imediata terá de resultar da situação se subsumir, por semelhança, a uma das hipóteses do art.º 644º, n.º 2, não resultando do art.º 630º sem mais, que trata antes e meramente da recorribilidade.
Mais acrescentamos que o regime dos recursos, da sua admissibilidade legal e modo de subida, não implica qualquer denegação de justiça. Afigura-se desnecessário tecer comentários sobre a génese, a necessidade, o sentido da consagração do regime da “alçada” e “sucumbência”, a sua constitucionalidade, por maioria de razão abarcando a questão da subida diferida dos recursos, matéria sobejamente tratada pelos nossos tribunais e inclusive pelo nosso Tribunal Constitucional.
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V DISPOSITIVO.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar a reclamação improcedente e em manter a decisão singular que julgou o recurso apresentado inadmissível, mantendo-se consequentemente o despacho da 1ª instância de não admissão do recurso proferido em 26/4/2023, incidente sobre o despacho proferido em 10/2/2023, ao abrigo dos art.ºs 643º, n.º 4, e 652º, n.º 3, do C.P.C..
Custas da reclamação para a conferência pela reclamante.
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Guimarães, 18 de janeiro de 2024.
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Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Fernando Barroso Cabanelas
2º Adjunto: Rosália Cunha
(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)