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CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
COMUNICAÇÃO AOS ARRENDATÁRIOS
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
Sumário
I. Sendo o objeto de contrato de arrendamento, a casa de morada de família, as comunicações da intenção de não renovação do mesmo, nos termos dos artºs 10º, nº 2, al. b), 12º, nº1 do NRAU e artº 1097º do Código Civil, devem ser sempre dirigidas a cada um dos cônjuges, separadamente.
Texto Integral
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I. Relatório:
AA, na qualidade de cabeça-de-casal das heranças abertas por óbitos de BB e de CC, propôs ação com forma de processo comum contra DD e EE, pedindo que se declare resolvido o contrato de arrendamento em causa por caducidade do mesmo e, consequentemente, que sejam os Réus condenados a despejarem imediatamente o locado, deixando-o livre de pessoas e bens, para ser entregue à Autora.
Tendo a ré EE falecido na pendência desta ação, foi determinada, ao abrigo do disposto na al. e) do artº 277º, do Código de Processo Civil, a extinção da presente instância por inutilidade da lide, exclusivamente no que àquela ré respeita.
O réu DD, regularmente citado, não contestou nem interveio nestes autos.
Foi então saneado o processo e proferida sentença que, julgou a ação totalmente procedente, por provada, e, em consequência:
- declarou válida e eficaz a oposição à renovação do contrato de arrendamento efetuada pela autora, pelo que deverá considerar-se que tal contrato cessou os seus efeitos no dia 31-03-2022;
- condenou o réu DD a restituir à autora, de imediato, o locado, livre de pessoas e bens.
Condenou ainda nas custas o réu DD.
Inconformado com a sentença veio da mesma recorrer o réu DD, formulando as seguintes conclusões:
1.º Vem o presente recurso da douta sentença de 30 de janeiro de 2023 que julgou a presente ação totalmente procedente e em consequência, declarou válida e eficaz a oposição à renovação do contrato de arrendamento efetuado pela autora, e considerou que o contrato de arrendamento em causa nos presentes autos cessou os seus efeitos no dia 31 de março de 2022, condenando o réu, ora recorrente, a restituir à autora, de imediato, o locado, livre de pessoas e bens.
2.º O recorrente não concorda nem se conforma com esta decisão, daí a razão do presente recurso.
Questão Prévia - Da tempestividade do presente recurso:
3.º O recorrente, por carecer manifestamente de meio económicos, solicitou, junto dos serviços da Segurança Social, apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento de compensação de patrono, o que lhe foi concedido, de acordo com o Requerimento de Proteção Jurídica APJ/...27/2022 (cfr. Requerimento ref. CITIUS ...85, documento n.º ...).
4.º A Ilustre Mandatária, Dra. FF, anterior patrona oficiosa do recorrente, apresentou em juízo, a 7 de fevereiro de 2023, requerimento onde deu conhecimento do seu pedido de escusa/dispensa de patrocínio, tendo sido declarado interrompido o prazo de que o réu, ora recorrente, dispõe para apresentar recurso da sentença proferida nos presentes autos, nos termos do artigo 34.º, n.º 2 da Lei n.º 34/ 2004, de 29 de julho.
5.º A ora signatária foi nomeada Patrona Oficiosa do ora recorrente a 4 de abril de 2023, sendo certo que o prazo de recurso se encontrou suspenso até 10 de abril, por força do período de férias judiciais, nos termos do disposto no artigo 138.º do C.P.C..
6.º Assim, o presente recurso mostra-se em tempo, pois foi apresentado durante o curso do prazo de 30 (trinta) dias de recurso (cfr. artigo 638.º do C.P.C), tendo em conta a interrupção operada por força do artigo 34.º, n.º 2 da Lei n.º 34/ 2004, de 29 de julho, e ainda a suspensão da contagem do prazo, ao abrigo do artigo 138.º do C.P.C..
7.º A presente ação prende-se, em suma, com a extinção por caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre a mãe da autora, CC, e os réus, DD e EE, por força do alegado envio de uma missiva datada de 24 de novembro de 2021, por parte da autora, na qualidade de cabeça de casal das heranças abertas por óbitos de seus pais, BB e de CC, onde se opôs à renovação do contrato de arrendamento em causa.
8.º Acontece que, com todo o respeito, entende o ora recorrente que a douta sentença de 30 de janeiro de 2023 incorre em manifesto erro de julgamento, ao julgar a presente ação totalmente procedente, e, em consequência, declarar válida e eficaz a oposição à renovação do contrato de arrendamento efetuada pela autora, considerando que o contrato de arrendamento em causa cessou os seus efeitos no dia 31-03-2022, e ainda ao condenar o réu, ora recorrente, a restituir à autora o locado, livre de pessoas e bens, uma vez que a oposição à renovação do contrato de arrendamento efetuado pela autora não é eficaz, por falta de envio da comunicação com a referida oposição à renovação individualizada, ou seja, a cada um dos cônjuges réus arrendatários.
9.º Entende ainda o recorrente existir erro de julgamento quando o Tribunal decidiu, em despacho datado de 18 de outubro de 2022, referência ...65, não suspender a instância e possibilitar a necessária e obrigatória habilitação de herdeiros da ré, falecida durante o decurso da ação.
Quanto à ineficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento em causa:
10.º O contrato de arrendamento em causa nos presentes autos foi celebrado a 10 de abril de 2002, com um prazo de duração de cinco anos, automaticamente renovável por períodos sucessivos de três anos, e teve o seu início a 1 de abril de 2002 (cfr. documento n.º ... da petição inicial).
11.º Como tal, o contrato de arrendamento em causa está submetido ao Novo Regime do Arrendamento Urbano (doravante “NRAU”), consagrado na Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, nos termos do n.º 1, do artigo 26.º e 59.º desse mesmo diploma
12.º Nos termos do artigo 12.º do NRAU: “1 - Se o local arrendado constituir casa de morada de família, as comunicações previstas no n.º 2 do artigo 10.º devem ser dirigidas a cada um dos cônjuges, sob pena de ineficácia.”
13.º Ora, de acordo com o disposto no número 2, do artigo 10.º, conjugado com o disposto na alínea c), do número 2, do artigo 15.º do NRAU, a comunicação de oposição à renovação trata-se de uma comunicação que deve ser dirigida a cada um dos cônjuges, sob pena de ineficácia.
14.º Entende a nossa jurisprudência que: “A comunicação referida tem de ser dirigida separadamente, individualizadamente aos cônjuges (“a cada um”), não bastando uma única comunicação dirigida a ambos, determinando a inobservância da comunicação nos referidos termos a ineficácia da comunicação, ainda que no âmbito da redação dada pela Lei nº 31/2012, de 14.08.”
15.º Neste sentido, referem-se, a título de exemplo, os recentes Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 09-06-2020, processo n.º 708/19.7T8GMR.G1; do Tribunal da Relação de Lisboa, de 05-05-2020, processo n.º 16510/18.0T8SNT.L1-7; e do Tribunal da Relação do Porto, de 08-02-2022, processo n.º 7957/19.6T8PRT.P1.
16.º Como salienta o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10-07-2019, processo n.º 568/18.5T8VLG.P1 «a mera leitura do citado artigo 12º não permite discussões: “1 - Se o local arrendado constituir casa de morada de família, as comunicações previstas no n.º 2 do artigo 10.º devem ser dirigidas a cada um dos cônjuges, sob pena de ineficácia.”»
17.º O objetivo da norma é, assim, claro e explica-se “pela situação específica de se tratar da casa de morada de família, que justifica um regime especial no sentido de assegurar que a comunicação chega a ambos os cônjuges” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10-04-2017, processo n.º p. 471/16.3T8FAF.G1.)
18.º No caso dos presentes autos, é a própria autora que reconhece e confirma, nomeadamente, de acordo com o alegado por si no artigo 13.º da petição inicial e ainda de acordo com o documento n.º ... da petição inicial, que a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento em causa nos presentes autos, datada de 24 de novembro de 2021, foi enviada apenas ao 1.º réu, ora recorrente.
19.º A sentença recorrida confirma ainda que existiu apenas uma carta enviada a ambos os Réus e não uma carta dirigida individualmente a cada um.
20.º Assim, de acordo com o alegado pela autora, de acordo com os documentos juntos aos autos, e ainda conforme resulta expressamente da douta sentença recorrida, é indiscutível que no presente processo foi enviada apenas uma carta para ambos os réus arrendatários.
21.º E é ainda indiscutível que, da análise das referenciadas disposições legais e da douta jurisprudência citada, as comunicações referentes à oposição de renovação de contrato de arrendamento, que tenha por objeto a casa de morada de família, como é o presente caso, devem ser sempre dirigidas a cada um dos cônjuges, separadamente, nos termos dos artigos 10.º, n.º 2, al. b), 12.º, n.º 1, e 15.º do NRAU.
22.º Sendo certo que o locado, objeto do contrato de arrendamento em causa, constitui morada de família.
23.º Acresce referir que a autora nem sequer juntou comprovativo de receção da comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento por si enviada, não tendo demonstrado a respetiva receção da mesma, uma vez que não é possível obter o aviso de receção através da introdução do código disponível no documento n.º ..., no competente website de acompanhamento de encomendas.
24.º Pelo exposto, não restam dúvidas que a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento em causa nos presentes autos, que fundamentou a declaração de caducidade do mesmo contrato, é ineficaz.
25.º Ora, sendo a comunicação da autora em causa ineficaz, terá de se entender que tudo se passa como se ela não tivesse acontecido, uma vez que esta é inadequada para produzir os efeitos jurídicos que, por essa via, a declarante pretendia obter.
26.º Assim, o contrato de arrendamento em causa nos presentes autos renovou-se validamente, em 2022, encontrando-se atualmente em vigor.
27.º Pelo que, salvo melhor opinião e entendimento, incorreu a douta sentença recorrida em manifesto erro de julgamento quando declarou válida e eficaz a oposição à renovação do contrato de arrendamento efetuada pela autora e determinou que contrato em causa nos presentes autos cessou os seus efeitos no dia 31-03-2022.
28.º Acresce referir que a ineficácia da comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento em causa consubstancia uma nulidade insanável.
29.º Com efeito, a existência de uma comunicação válida e eficaz é pressuposto processual para a presente ação, tratando-se de um procedimento do qual depende o direito de ação da autora.
30.º Ora, a ausência de um dos requisitos essenciais do direito de ação da autora constitui uma nulidade insuprível do presente processo.
31.º A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo Tribunal (cfr. 286.º do Código Civil). Assim, não dependia a mesma de alegação expressa nesse sentido, devendo o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade em causa.
32.º Sem prejuízo, também sempre se dirá que sendo a nulidade invocável a todo o tempo, a presente alegação do réu é tempestiva.
33.º Pelo exposto, salvo todo o respeito que o Tribunal a quo nos merece, que é muito, incorreu a douta sentença recorrida em erro de julgamento quando declarou a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento em causa nos presentes autos, válida e eficaz e determinou que o contrato em causa nos presentes autos cessou os seus efeitos no dia 31-03-2022, em violação do disposto nos artigos 10.º, n.º 2, al. b), 12.º, n.º 1, e 15.º do NRAU, que visam salvaguardar os direitos dos arrendatários, especialmente, quando se trate de casa de morada de família.
Quanto à impugnação do despacho datado de 18 de outubro de 2022, referência ...65:
34.º Nos termos do artigo 644.º, n.º 3 do C.P.C., “[a]s restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões proferidas no n.º 1”.
35.º Ora, a ré EE, casada com o ora recorrente, que residia no locado em causa desde abril de 2002, faleceu a .../.../2022, facto este que foi comunicado ao Tribunal em setembro do mesmo ano.
36.º Nos termos do artigo 269.º do C.P.C., a instância suspende-se quando falecer alguma das suas partes, determinando o artigo 270.º do C.P.C. que “[j]unto ao processo documento que prove o falecimento (…) de qualquer das partes, suspende-se imediatamente a instância, salvo se já tiver começado a audiência de discussão oral ou se o processo já estiver inscrito em tabela para julgamento. Neste caso a instância só se suspende depois de proferida a sentença ou o acórdão.”
37.º Acontece que, ao contrário do disposto no C.P.C., o Tribunal a quo determinou a extinção da instância por inutilidade da lide, uma vez que entendeu que o direito ao arrendamento para habitação, embora se possa transmitir, não se inclui na sucessão, invocando, para esse efeito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-07-1984.
38.º Ora, salvo todo o respeito, o recorrente discorda de tal entendimento, pelo que entende incorrer o despacho de 18 de outubro de 2022, referência ...65, em erro de decisão.
39.º Conforme decidiu o mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão datado de 31-01-1991, processo n.º 0023256:
“I - O facto de no decurso da acção em que se pede a resolução do contrato de arrendamento falecer o réu- arrendatário, que era casado com a ré, não origina possibilidade ou inutilidade superveniente da lide quando o arrendamento não caduque por se transmitir à ré, nos termos do art. 1111 do Código Civil.
II - Habilitados os filhos do réu falecido por sentença transitada em julgado apesar de não se lhes ter transmitido a posição de arrendatário, tal sentença constitui caso julgado para o efeito de aqueles serem considerados partes legítimas na acção de despejo, pelo que não podem ser absolvidos da instância por ilegitimidade passiva.”
40.º No caso do presente contrato de arrendamento, o arrendamento não caducou por morte da ré, pelo contrário, o mesmo transmitiu-se ao ora recorrente, nos termos dos artigos 57.º do NRAU e 1106.º do Código Civil, sendo certo que desconhece o Tribunal se o mesmo se transmitiu a filhos ou enteados, uma vez que os mesmos não foram habilitados para intervir na presente ação.
41.º Assim, salvo todo o respeito que o Tribunal a quo nos merece, que é muito, incorreu ainda o Tribunal a quo em manifesto erro, no despacho de 18 de outubro de 2022, referência ...65, ao não suspender a instância para habilitação de herdeiros da ré EE, entretanto falecida, e ao julgar a extinção por inutilidade superveniente da lide, quanto à ré EE, em violação do disposto nos artigos 269.º, 270.º e 351.º do C.P.C. e ainda artigo 1106.º do Código Civil e artigo 57.º do NRAU.
Termos em que, com o douto suprimento, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, e em sua substituição, ser proferida decisão que declare a ineficácia da oposição da renovação do contrato de arrendamento efetuado pela autora, com consequente reconhecimento da validade do contrato de arrendamento em causa e absolvição do ora Réu da instância.
Caso assim se não entenda, o que por mera hipótese e cautela de patrocínio se coloca, deve ser ordenada a remessa dos autos para o Tribunal a quo, de forma a ser realizada a competente habilitação de herdeiros da ré falecida, EE, e consequente prosseguimento dos presentes autos.
Em sede de resposta apresentou a recorrida as seguintes conclusões:
1. O Recorrente não deduziu contestação ao pedido formulado pela Recorrida e por isso, limitou-se o Tribunal a confessar os factos articulados, entre eles o constante do artigo 9º da PI: “Mediante carta registada com aviso de receção de 24-11-2021, a Autora, comunicou aos Réus, a não intenção de renovação automática do contrato, cuja cessação estava prevista para 31-03-2022 “.
2. Por isso e cumprindo o disposto no artigo 567º/1 do cpcivil, bem andou o Tribunal, cuja sentença não pode merecer reparo.
3. Quanto ao despacho que não terá suspendido a instância para habilitação dos sucessores da Ré falecida (mulher do Recorrente), atento os factos e objeto desta ação, mostrava-se totalmente irrelevante e despropositada essa alegada suspensão, que teria como consequência, repare-se, suspender para habilitar o Réu/recorrente.
4. Acresce que tendo caducado o contrato por denúncia o mesmo não se transmite aos sucessores e, por isso, qualquer suspensão da instância para além de infundada mostrava-se também inútil, e o artigo 130º do cpcivil, não o permite.
Termos em que deve o recurso improceder, pois só assim, é que se fará JUSTIÇA!
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
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II. Objeto do recurso:
O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, impondo-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como as que sejam de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas, cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo certo que o tribunal não se encontra vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e que visam sustentar os seus pontos de vista, isto atendendo à liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
Assim considerando o teor das conclusões apresentadas pela recorrente e atrás supra transcritas, importa ao recurso aferir se, houve erro de julgamento decorrente do facto de a oposição à renovação do contrato de arrendamento não se mostrar eficaz por falta de envio da comunicação a cada um dos cônjuges réus.
Importa ainda aferir se, face à morte da ré, deveria ter sido suspensa a instância para habilitação dos seus herdeiros, a saber, o réu e os filhos de ambos.
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III. Fundamentação de facto:
Atenta a não apresentação de contestação por parte da ré, são os seguintes os factos assentes:
1.A Autora é herdeira e cabeça de casal, da herança deixada por óbito de seus Pais, BB e CC.
2.Tendo em 7 de julho de 2021, no cartório Notarial da Notária GG, em Guimarães, sido efetuada a habilitação de herdeiros, por óbito da Mãe da Autora, CC, ocorrido em 8-4-2020, no estado de viúva de BB.
3.CC, então representada por HH declarou dar de arrendamento aos réus, para ter início nesse dia 1 de abril de 2002, o ... do prédio urbano, sito na Rua ..., da freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz ...45, destinado exclusivamente a habitação, para quem transferiram os correspondentes direitos de gozo e fruição, mediante a renda mensal de 200,00€.
4.Acordado ficou estabelecido na cláusula primeira, que o arrendamento celebrado seria pelo prazo de 5 anos, com inico em 1 de abril de 2002 e termo em 1 de abril de 2007, estipulando-se prorrogações automáticas de três anos, caso não fosse denunciado no seu termo.
5.Mediante carta registada com aviso de receção de 24 de novembro de 2021, a autora, comunicou aos réus, a não intenção de renovação automática do contrato, cuja cessação estava prevista para 31 de março de 2022, mais comunicando que o locado lhe deveria ser entregue livre de pessoas e bens nesse dia 31 de março.
6.Os Réus receberam aquela carta e nenhuma oposição manifestaram.
7.Em 14 de março, de 2022 o mandatário da autora e aqui signatário remeteu carta aos réus a relembrar a comunicação que havia sido efetuada pela autora e que esta pretendia a casa livre de pessoas e bens no dia 31 de março de 2022.
8.Os réus não entregaram o imóvel, nem tencionam fazê-lo.
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IV. Do direito:
Antes de mais e como primeira questão a apreciar importa aferir, como pretende o recorrente, se face à morte ocorrida a .../.../2022, da arrendatária EE, casada com aquele recorrente e que residia no locado em causa desde abril de 2002, deveria ter-se suspendido a instância nos termos do disposto nos artºs 269º e 270º do Código de Processo Civil, e não, como decorre da decisão recorrida determinar-se a extinção da instância por inutilidade da lide, uma vez que se entendeu que o direito ao arrendamento para habitação, embora se possa transmitir, não se inclui na sucessão, invocando, para esse efeito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de julho de 1984, segundo o qual “Proposta ação de despejo contra marido e mulher e tendo aquele – que foi o arrendatário – falecido, não há que suspender a instância para habilitação, mas que julga-la extinta em relação ao mesmo”.
Estabelece a alínea a) do nº 1 do artº 269º do Código de Processo Civil que a instância se suspende quando falecer alguma das partes.
Daqui decorre que o falecimento de uma pessoa que é parte numa ação determina, em regra, a suspensão da instância e isto até que se encontre decidida, com trânsito em julgado, a habilitação dos seus sucessores, nos termos do disposto do artº 351º e ss do Código de Processo Civil.
Ora, como refere o Dr Salvador da Costa in Os Incidentes da Instância, pág 198, 2014, 7ª edição “A habilitação é, fundamentalmente, a prova da aquisição, por sucessão ou transmissão, da titularidade de um direito ou de um complexo de direitos ou de uma situação jurídica ou complexo de situações jurídicas” concluindo o mesmo que “(…) o incidente de habilitação é susceptivel de ser implementado por causa da morte de uma pessoa singular, da extinção de uma pessoa coletiva e da transmissão entre vivos do direito objeto da causa”.
Ora, a habilitação é obrigatória nos casos de sucessão porque a causa deve suspender-se desde o falecimento da pessoa singular ou extinção da pessoa coletiva e será facultativa quando se verifica entre vivos.
Tal não se verifica, conforme resulta do nº 3 do citado preceito quando a morte de alguma das partes conduz à extinção da instância, quando torne impossível ou inútil a continuação da lide.
A este propósito refere o citado autor, na mesma obra, a pág 200 que, “A morte ou extinção de uma das partes nem sempre implica a habilitação dos respetivos sucessores, como ocorre na hipótese de aqueles factos extintivos determinarem a extinção da instância por inutilidade ou impossibilidade de continuação da lide, por exemplo, em regra, no caso do conjuge falecido na ação de divórcio”.
Importa pois, no caso sub judice, aferir se a morte da ré arrendatária conduz à suspensão da instância, com vista à habilitação obrigatória dos seus herdeiros, como pretende o recorrente ou à extinção da instância quanto àquela, como decidiu a 1ª instância.
Ora, conforme resulta dos factos assentes, CC, então representada por HH declarou dar de arrendamento aos réus - DD e EE - para ter início nesse dia 1 de abril de 2002, o ... do prédio urbano, sito na Rua ..., da freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz ...45, destinado exclusivamente a habitação, para quem transferiram os correspondentes direitos de gozo e fruição, mediante a renda mensal de € 200,00.
Acordado ficou estabelecido na cláusula primeira, que o arrendamento celebrado seria pelo prazo de 5 anos, com inico em 1 de abril de 2002 e termo em 1 de abril de 2007, estipulando-se prorrogações automáticas de três anos, caso não fosse denunciado no seu termo.
Temos pois como assente que os réus eram ambos arrendatários, sendo certo que do contrato em causa nada resultava quanto à possibilidade de transmissão do arrendamento.
Acontece que, mediante carta registada com aviso de receção de 24 de novembro de 2021, a autora, comunicou aos réus, a não intenção de renovação automática do contrato, cuja cessação estava prevista para 31 de março de 2022, mais comunicando que o locado lhe deveria ser entregue livre de pessoas e bens nesse dia 31 de março, sendo certo que os réus receberam aquela carta e nenhuma oposição manifestaram.
A 14 de março, de 2022 o mandatário da autora e aqui signatário remeteu carta aos réus a relembrar a comunicação que havia sido efetuada pela autora e que esta pretendia a casa livre de pessoas e bens no dia 31 de março de 2022, sendo que os réus não entregaram o imóvel, nem tencionam fazê-lo.
Instaurada ação contra os réus na qual se pedia que se declarasse resolvido o contrato de arrendamento em causa por caducidade do mesmo e, consequentemente, que se condenassem os réus a despejarem imediatamente o locado, deixando-o livre de pessoas e bens, para ser entregue à autora, foram os mesmos citados, vindo a falecer a ré EE.
Ora, tendo em atenção esta situação de facto, como bem refere o Tribunal a quo, “no que ao direito ao arrendamento para habitação respeita, temos que o mesmo, ainda que possa transmitir-se, não se inclui na sucessão, sendo um legado "ex lege", pois a pessoa ou pessoas dos sucessores são designados pela própria lei, neste sentido, entre outros, acórdão do TRL de 19/07/1984, in www.dgsi.pt”.
Será que, no caso em crise, se pode falar de transmissão do arrendamento?
Para a tal responder importa, antes de mais, de saber qual o regime jurídico aplicável à transmissão da posição do arrendatário quando o arrendamento em causa seja anterior ao novo regime do arrendamento urbano aprovado pela Lei nº 6/2006 de 27 de fevereiro.
Conforme refere o Acordão da Relação do Porto, de 22 de maio de 2023, relatado pelo Sr Desembargador Carlos Gil, in www.dgsi.pt“O atual regime do arrendamento urbano aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro com as alterações introduzidas pela Lei nº 31/2012 de 14 de agosto, pela Lei nº 79/2014 de 19 de dezembro e pela Lei nº 13/2019 de 12 de fevereiro[7], em sede de normas transitórias, prevê que aos contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do Regime do Arrendamento Urbano aprovado pelo decreto-lei nº 321-B/90 de 15 de outubro e bem assim aos contratos para fins não habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do decreto-lei nº 257/95 de 30 de setembro se aplicam as normas do capítulo II do Título II da citada lei, ou seja, os artigos 27º a 58º da referida lei. No nº 1 do artigo 28º do NRAU prevê-se, além do mais, que aos contratos a que se refere o artigo anterior se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 26º, com as especificidades constantes dos números seguintes e dos artigos 30º a 37º e 50º a 54º”.
Ora, estas especificidades ressalvadas no preceito citado não se mostram pertinentes para o caso dos autos, uma vez que o contrato de arrendamento celebrado entre as partes o foi em 1 de abril de 2002, pelo que se lhes aplica o disposto na Lei 6/2006, de 27 de fevereiro, a saber, o que resulta do nº 1 do artº 1059º, sob a epígrafe “Transmissão da posição do locatário”, a saber: “1.A posição contratual do locatário é transmissível por morte dele ou, tratando-se de pessoa colectiva, pela extinção desta, se assim tiver sido convencionado por escrito”.
Como já atrás se referiu, no caso sub judice, nada resulta do contrato celebrado quanto à possibilidade de transmissão da posição do locatário.
Diga-se que, mesmo que lhe fosse aplicável o nº 1 do artº 57º do NRAU, segundo o qual o arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário quando lhe sobreviva: a) cônjuge com residência no locado; b) pessoa que com ele vivesse em união de facto há mais de dois anos, com residência no locado há mais de um ano; c) ascendente em 1º grau que com ele convivesse há mais de um ano; d) filho ou enteado com menos de 1 ano de idade ou que com ele convivesse há mais de um ano e seja menor de idade ou, tendo idade inferior a 26 anos, frequente o 11º ou o 12º ano de escolaridade ou estabelecimento de ensino médio ou superior; e) filho ou enteado, que com ele convivesse há mais de um ano, com deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%; f) filho ou enteado, que com ele convivesse há mais de cinco anos, com idade igual ou superior a 65 anos, desde que o RABC do agregado seja inferior a 5 RMNA, ainda assim não haveria lugar a transmissão uma vez que o cônjuge é também arrendatário (da totalidade do arrendado) e dos autos não resulta, nem da ação nem do recurso, a invocação de qualquer uma das restantes situações previstas nas alíneas atrás referidas.
Ora, não se verificando uma situação de transmissão “de um direito ou de um complexo de direitos ou de uma situação jurídica ou complexo de situações jurídicas”, não se justifica a habilitação de herdeiros e a assim ser, a suspensão da instância e isto porque nos encontramos perante uma inutilidade superveniente.
Esta situação é distinta da visada pelo Acordão citado pelo recorrente, a saber, o Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 31 de janeiro de 1991, no processo n.º 0023256 e de cujo sumário resulta: “I - O facto de no decurso da acção em que se pede a resolução do contrato de arrendamento falecer o réu- arrendatário, que era casado com a ré, não origina possibilidade ou inutilidade superveniente da lide quando o arrendamento não caduque por se transmitir à ré, nos termos do art. 1111 do Código Civil. II - Habilitados os filhos do réu falecido por sentença transitada em julgado apesar de não se lhes ter transmitido a posição de arrendatário, tal sentença constitui caso julgado para o efeito de aqueles serem considerados partes legítimas na acção de despejo, pelo que não podem ser absolvidos da instância por ilegitimidade passiva.”
É que não só, face à data do Acordão, a situação apreciada é anterior à lei aqui aplicada e como tal tem distinto regime, como no caso, o réu arrendatário veio a falecer, deixando viva a sua cônjuge, não arrendatária.
Assim sendo e no que a esta questão diz respeito, julgamos improcedente o recurso, confirmando a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Importa agora, considerando o teor das conclusões apresentadas pelo recorrente e atrás supra transcritas, aferir se, houve erro de julgamento decorrente do facto de a oposição à renovação do contrato de arrendamento não se mostrar eficaz por falta de envio da comunicação a cada um dos cônjuges réus.
Diga-se, antes de mais, que das alegações/conclusões do recorrente não resulta a impugnação da matéria de facto nos termos do disposto no artº 662º do Código de Processo Civil.
Efetivamente, nas suas conclusões vem o recorrente referir que o contrato de arrendamento em causa nos presentes autos foi celebrado a 10 de abril de 2002, com um prazo de duração de cinco anos, automaticamente renovável por períodos sucessivos de três anos, e teve o seu início a 1 de abril de 2002, motivo porque tal contrato de arrendamento está submetido ao Novo Regime do Arrendamento Urbano (doravante “NRAU”), consagrado na Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, nos termos do nº 1, do artº 26º e 59º desse mesmo diploma.
Ora, nos termos do artº 12º do NRAU: “1 - Se o local arrendado constituir casa de morada de família, as comunicações previstas no n.º 2 do artigo 10.º devem ser dirigidas a cada um dos cônjuges, sob pena de ineficácia.”
Assim, de acordo com o disposto no número 2, do artigo 10.º, conjugado com o disposto na alínea c), do número 2, do artigo 15.º do NRAU, a comunicação de oposição à renovação trata-se de uma comunicação que deve ser dirigida a cada um dos cônjuges, sob pena de ineficácia.
Por seu lado, a recorrida conclui as suas contra-alegações dizendo que o recorrente não deduziu contestação ao pedido formulado por aquela e por isso, limitou-se o Tribunal a confessar os factos articulados, entre eles o constante do artigo 9º da PI: “Mediante carta registada com aviso de receção de 24-11-2021, a Autora, comunicou aos Réus, a não intenção de renovação automática do contrato, cuja cessação estava prevista para 31-03-2022”, motivo porque cumprindo o disposto no nº 1 do artº 567º do Código de Processo Civil, bem andou o Tribunal, cuja sentença não pode merecer reparo.
Vejamos.
Com relevo para a decisão e uma vez que, devidamente citados, os réus não apresentaram contestação, ficou demonstrado que CC, então representada por HH declarou dar de arrendamento aos réus, para ter início nesse dia 1 de abril de 2002, o ... do prédio urbano, sito na Rua ..., da freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz ...45, destinado exclusivamente a habitação, para quem transferiram os correspondentes direitos de gozo e fruição, mediante a renda mensal de € 200,00, ficando estabelecido na cláusula primeira, que o arrendamento celebrado seria pelo prazo de 5 anos, com inicio em 1 de abril de 2002 e termo em 1 de abril de 2007, estipulando-se prorrogações automáticas de três anos, caso não fosse denunciado no seu termo.
Apurou-se que, mediante carta registada com aviso de receção de 24 de novembro de 2021, a autora, comunicou aos réus, a não intenção de renovação automática do contrato, cuja cessação estava prevista para 31 de março de 2022, mais comunicando que o locado lhe deveria ser entregue livre de pessoas e bens nesse dia 31 de março, carta que os réus receberam e à qual nenhuma oposição manifestaram.
Por último ficou apurado que a 14 de março, de 2022 o mandatário da autora e aqui signatário remeteu carta aos réus a relembrar a comunicação que havia sido efetuada pela autora e que esta pretendia a casa livre de pessoas e bens no dia 31 de março de 2022, sendo que os réus não entregaram o imóvel, nem tencionam fazê-lo.
Resulta ainda, com relevo para a decisão, daquele contrato celebrado entre as partes, a saber, da cláusula 11º que ”dada a natureza temporária deste contrato e a faculdade que os primeiros outorgantes tem de denunciar em qualquer das suas prorrogações, com a antecedência de um ano, estes notificarão judicialmente o segundo outorgante para o efeito (…)”.
Ora, a lei aplicável é, como resulta da sentença recorrida, o disposto nos artºs 1092º e seguintes do Código Civil e o NRAU.
O regime do NRAU foi aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27-02, cujo nº 1 do artº 59º estabeleceu que o NRAU se aplicava “aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”.
O nº 1 do artº 1096º do Código Civil, na redação da Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, dispõe que “salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.
Nos termos do nº 1 do artº 1097º do Código Civil, “o senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte: (…)
Nos termos do artº 1096º do Código Civil, tendo o referido contrato sido celebrado com prazo certo, renovou-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de três anos, por assim ter sido expressamente previsto no seu clausulado, do que decorre que, findo o prazo inicial de cinco anos, ocorrido em 1 de abril de 2007, se tivessem verificado renovações (com duração de três anos) com terminus a 1 de abril de 2010, 1 de abril de 2013, 1de abril de 2016, 1 de abril de 2019, 1 de abril de 2022.
Conforme atrás se referiu, sabemos também que a 24 de novembro de 2021, a autora, comunicou aos réus, a não intenção de renovação automática do contrato, cuja cessação estava prevista para 31 de março de 2022, mais comunicando que o locado lhe deveria ser entregue livre de pessoas e bens nesse dia 31 de março, carta que os réus receberam e à qual nenhuma oposição manifestaram.
Importa pois apreciar os requisitos necessários à comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento.
Estabelece o nº 1 do artº 9º (na redacção da Lei n.º 43/2017, de 14 de junho com início de vigência a 15 de Junho de 2017) que “salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes, relativas a cessação do contrato de arrendamento, actualização da renda e obras, são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção”, acrescentando o nº 2 que “as cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado”.
Ou seja, a comunicação na qual o senhorio informa o arrendatário de que não pretende a renovação do contrato tem de ser feita por escrito assinado pelo mesmo e remetido por carta registada com aviso de recepção. A carta em questão deve ser dirigida para o local arrendado, a não ser que exista indicação por escrito em contrário do arrendatário.
Acresce, do disposto na al. b) do nº 2 do artº 10º do NRAU que a não se considera realizada a comunicação quando a carta tenha sido devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la ou o aviso de receção tenha sido assinado por pessoa distinta do destinatário, nos casos em que a comunicação possa servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artºs 14º-A e 15º respetivamente, salvo nos casos de domicilio convencionado nos termos da al. c), do nº 7, do artº 10º (a comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil).
Ora, no caso em crise, foi remetida uma carta registada com aviso de receção, para a morada correspondente ao locado, carta que foi recebida.
Acontece que, como resulta da matéria de facto dada como provada, foi apenas remetida uma carta registada com aviso de receção, dirigida aos dois arrendatários, cônjuges e que usavam para habitação o locado.
Estabelece o nº 3 do artº 11º do NRAU que “havendo pluralidade de arrendatários, a comunicação do senhorio é dirigida ao que figurar em primeiro lugar no contrato, salvo indicação em contrário”, o que nos poderia levar a concluir que o locador cumpriu as exigências relativas à comunicação.
Este regime, porém, é afastado pelo disposto no artº 12º do NRAU.
Efetivamente, resulta daquele preceito que: “1.Se o local arrendado constituir a casa de morada de família, as comunicações previstas no nº 2 do artigo 10º devem ser dirigidas a cada um dos cônjuges, sob pena de ineficácia”.
Ora,da leitura conjugada dos preceitos acima citados temos de concluir que, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artº 12º do NRAU o senhorio que pretendendo opor-se à renovação do contrato de arrendamento deve remeter uma carta destinada a cada um dos cônjuges, afim de que o AR venha a ser assinado por cada um deles, prova de que cada um destes tomou conhecimento da declaração e intenção do senhorio.
Neste sentido pode ver-se o recente Acordão da Relação do Porto de 27 de junho de 2023, relatado pelo Sr Desembargador Artur Dionísio Oliveira, in www.dgsi.pt, quando refere “Ao contrário do que afirmam o Tribunal a quo e o recorrido, a notificação prevista no artigo 1097.º, n.º 1, do CC, enquadra-se na situação prevista na al. b), do n.º 2, deste artigo 10.º do NRAU, atento o disposto no artigo 15.º, n.º 2, al. c), do mesmo diploma legal, nos termos do qual, em caso de cessação do contrato de arrendamento por oposição à renovação, podem servir de base ao procedimento especial de despejo, independentemente do fim a que se destina o arrendamento, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1097.º ou n.º 1 do artigo 1098.º do CC. Podendo, assim, servir de base ao procedimento especial de despejo, é manifesto que a comunicação prevista no artigo 1097.º, n.º 1, do CC, se enquadra nas comunicações previstas no artigo 10.º, n.º 2, al. b), do NRAU.
Logo, constituindo o local arrendado casa de morada de família, aquela comunicação deve ser dirigida «a cada um dos cônjuges, sob pena de ineficácia», por força do disposto no artigo 12.º, n.º 1, do NRAU”.
Também o Acordão da Relação de Guimarães, de 9 de junho de 2020, relatado pelo Sr Desembargador Paulo Reis, in www.dgsi.pt, (a propósito de um caso de transição para o NRAU do contrato de arrendamento), refere que “Sendo dois os destinatários talqualmente impõe o art. 12.º/1 NRAU, terão de ser duas as assinaturas recolhidas em AR – e sendo certo que tal nunca acontece quando é apenas um o talão que acompanha uma carta”.
Em conclusão, quando o contrato a cuja renovação se opõe o locador diga respeito à casa de morada de família do arrendatário, as cartas a remeter nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 10º, nºs 1 e 2/al. b) e 12º nº 1 NRAU não poderão deixar de ser duas, uma para cada um dos cônjuges, sob pena de ineficácia.
Assim sendo, e face aos factos apurados, a saber, sob o nº 5, tem que se considerar que a comunicação remetida pela autora/recorrida aos réus através do envio de uma única carta, embora dirigida a ambos e com o AR - cuja autoria da assinatura se desconhece - é ineficaz para produzir o efeito pretendido, uma vez que tal sanção é expressamente cominada pela lei para o não cumprimento das regras relativas às formalidades e aos destinatários das comunicações, nos termos previstos na parte final do n º1 do artº 12º do NRAU.
Uma vez que a comunicação do senhorio é ineficaz para desencadear os efeitos pretendidos não se verificam os pressupostos legais para que opere a oposição à renovação do contrato de arrendamento em causa, tendo de improceder a ação.
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V. Decisão:
Perante o exposto, acordam os Juízes desta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e, consequentemente, julgando-se improcedente a ação.