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ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO DA MORTE DA VÍTIMA
INDEMNIZAÇÃO
INTERVENIENTE ACESSÓRIO
DEVER DE REGRESSO
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
Sumário
I - O interveniente acessório titular de um dever de regresso, tem legitimidade para recorrer da sentença, porquanto, atento o disposto nos artigos 323, n.º 4 e 332 do CPC, só assim pode contrariar o efeito de caso julgado que o afeta. II – Com efeito, na parte em que os factos ou o direito declarados na sentença o vinculam numa futura, mesmo que eventual, ação de regresso, o interveniente é direta e efetivamente prejudicado pela decisão. III - Revela-se equitativamente adequada e jurisprudencialmente equilibrada a compensação pelo dano da morte em 95.000,00€, quando está em causa o falecimento num acidente de viação, sem qualquer culpa da sua parte, de um homem de vinte e sete anos, saudável física e emocionalmente, integrado na sociedade e na família que constituía com os seus pais. IV – Será equitativamente adequada a quantia compensatória de quarenta mil euros para cada um dos progenitores pela perda daquele filho, que com eles vivia, convivia e os acompanhava.
Texto Integral
Processo n.º 11126/21./T8PRT.P1
Recorrente - AA (1)
Recorrente - A..., Compañia de Seguros y Reaseguros, SA – Sucursal em Portugal (2)
Recorridos - BB e CC
Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Fátima Andrade e Augusto Carvalho.
Acordam na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório BB e CC, por si e na qualidade de universais herdeiros de seu filho DD, intentaram a presente ação contra A..., Compañia de Seguros y Reaseguros, SA – Sucursal em Portugal e reclamaram da ré o pagamento de uma indemnização global líquida de 245.112,97€, decorrente da soma aritmética dos seguintes valores: - Danos não patrimoniais próprios sofridos pelo filho DD antes de falecer, a quantia de 15.000,00€; - Dano decorrente da perda do direito à vida, a quantia de 120.000,00€; - Danos não patrimoniais dos autores com o falecimento do DD, a quantia de 100.000,00€, sendo 50.000,00€ para cada um dos demandantes e - Outros danos materiais, a quantia de 10.112,97€.
Fundamentando a sua pretensão, os autores invocam a qualidade de progenitores de DD, nascido a .../.../1992 e falecido a 25.10.20 na sequência de um acidente e viação, ocorrido neste mesmo dia e devido à condução distraída e em excesso de velocidade levada a cabo pelo condutor do veículo ..-XV-.., seguro na ré, AA. Os autores quantificam os danos sofridos, por si mesmos e pelo seu falecido filho, pretendendo a sua reparação/compensação pela ré seguradora.
A ré contestou, aceitando a obrigação de indemnizar e não pretendendo discutir a dinâmica do acidente. Invocando ter o acidente ocorrido quando o condutor conduzia com uma TAS de, pelo menos, 0,5 g/l e “seguramente em consequência de excesso de velocidade”, a ré sustenta beneficiar de direito de regresso e requereu a intervenção acessória de AA, a qual, depois de ouvidos os autores, veio a ser admitida.
Citado o chamado nos termos do artigo 323 do Código de Processo Civil (CPC), contestou, impugnando a dinâmica do acidente e, concretamente, “a mateìria constante dos artigos 18.º, 19.º, 20.º[1] (excluindo o trecho “... e ao estado do tempo e do piso perdeu o domiìnio e o controle da viatura que conduzia.”).
Tendo o chamado requerido a suspensão da instância, a mesma veio a ser indeferida, e os autos prosseguiram com a realização da audiência prévia. Nesta, fixou-se o valor da causa [245.112,97€], o objeto do litígio [Pedido formulado pelos Autores: Ser a R. condenada a pagar aos Autores a quantia de € 245.112,97 (a que deverão acrescer juros moratórios à taxa legal contados desde a citação até efetivo e integral pagamento) a titulo de indemnização por danos sofridos pelos autores em consequência do acidente de transito ocorrido no dia 25 de Outubro de 2020, pelas 20,45 horas, na Estrada ..., ..., em frente ao número de policia ..., na freguesia ..., na cidade do Porto, e que vitimou DD, filho dos autores] e os temas da prova [1. Apurar a dinâmica do acidente; 2. Apurar e quantificar os danos sofridos pelos Autores em consequência do sinistro].
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, conforme as respetivas atas documentam e, conclusos os autos, veio a ser proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, o Tribunal julga a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a Ré pagar aos autores: a) A quantia de € 103.393,07 a título de danos patrimoniais[2]. b) ainda a título de danos patrimoniais o valor a liquidar relativo ao telemóvel destruído nos termos supra referidos; c) A quantia de € 100.000,00 a título de compensação por danos não patrimoniais; d) juros de mora, sobre as quantias líquidas acima referidas, desde a data desta decisão relativamente à quantia referida em c) e desde a data da citação relativamente à referida em a), à taxa de 4%, desde a presente data, até integral pagamento”.
II – Dos Recursos
Inconformados, vieram apelar o interveniente e a ré.
II.I – Recurso (1) interposto pelo interveniente AA pretende que, pela procedência do seu recurso, seja revogada “a resposta dada pelo tribunal recorrido à matéria de facto que consta do ponto 17.º dos factos julgados provados, julgando-a como não provada” e formula as seguintes Conclusões:
1 - O recurso incide sobre a decisão relativa à apreciação da matéria de facto, concretamente sobre o ponto 17.º, do qual resulta, como facto provado que “Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o AA conduzia o veículo ..-XV-.., de uma velocidade excessiva, superior a cento e trinta quilómetros por hora”.
2 - Verifica-se um notório erro na apreciação da prova, uma vez em que não foi produzida qualquer prova que permita dar como assente que no momento em que ocorreu o sinistro, ou em momento anterior, o recorrente conduzisse o veículo ..-XV-.. a uma velocidade excessiva, superior a cento e trinta quilómetros por hora.
3 - Na contestação por si apresentada o recorrente impugnou, por ser falsa, a matéria vertida nos artigos 18.º e 19.º da petição inicial.
4 - Por se tratar de matéria controvertida foi a mesma, em sede de despacho saneador, incluída nos temas de prova, como ponto n.º 1 da mesma.
5 - A audiência de julgamento visou, também, apurar a dinâmica do acidente.
6 - Impunha-se aos autores, de acordo com o ónus legal que sobre os mesmos recaía, demonstrar a matéria de facto, entre outra, alegada nos artigos 18.º e 19.º da sua petição inicial.
7 - De todas as testemunhas arroladas pelas partes apenas a testemunha EE (cujo depoimento foi prestado no dia 1 de abril de 2023, com início às 10:53:56 e fim às 11:29:54, gravado no ficheiro com o número 20230104105417) afirmou ter testemunhado o acidente.
8 - Tendo sido questionada, de forma objetiva pela Mma. Juíza sobre se tinha presenciado o acidente que vitimou o Senhor DD a testemunha referiu que sim, que tinha assistido ao acidente - como resulta do trecho do seu depoimento com início ao minuto 0:55 e terminus ao minuto 1:08.
9 - A testemunha EE foi confrontada com a questão da velocidade a que circulava a viatura automóvel conduzida pelo recorrente.
10 - O Mandatário dos recorridos autores perguntou à testemunha EE se esta sabia a velocidade a que circulava o veículo ..-XV-.., conduzido pelo recorrido, tendo a mesma afirmado desconhecer (não fazer ideia) a velocidade a que circulava o veículo (trecho do depoimento da identificada testemunha com início ao minuto 3:20 e final ao minuto 4:10h).
11 - Para além do depoimento da testemunha EE não foi produzida qualquer prova, nem existe nos autos qualquer foto, vídeo ou outro elemento probatório, que permita demonstrar a velocidade a que circulava a viatura ..-XV-...
12 - Não foi feita prova de que a viatura ..-XV-.. no momento imediatamente anterior ao acidente ou no momento do acidente circulasse em velocidade excessiva, superior a cento e trinta quilómetros por hora.
13 - Não tendo sido produzida prova que confirmasse tal matéria de facto, não poderia o tribunal, como é bom de ver, dar como assente que “Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o AA conduzia o veículo ..-XV-.. de uma velocidade excessiva, superior a cento e trinta quilómetros por hora”.
14 - Impõe-se, portante, em sede de recurso, dar como não provado este facto, levando-o para o rol de factos julgados como não provados.
15 - A sentença recorrida violou o artigo 342, n.º 1 do Código Civil.
Não houve resposta ao recurso, que foi recebido nos termos legais, nada se vendo (sem embargo do que adiante se acrescentará sobre a sua admissibilidade) que obste ao conhecimento do respetivo mérito.
O objeto do recurso, atentas as conclusões do recorrente, consiste em saber se deve ser alterada a decisão relativa à matéria de facto, concretamente se o facto 17 deve passar a ser considerado como facto não provado.
II.II – Recurso (2) interposto pela ré
Entende a ré/apelante que a sentença deve ser revogada, “substituindo-se por outra que condene nos valores apontados”, conforme decorre das seguintes Conclusões:
1 - São exageradas as indemnizações arbitradas para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos.
2 - Nomeadamente, no que concerne à perda do direito à vida é muito elevada a indemnização de 95.000,00€, que foi fixada em primeira instância, devendo em sua substituição ser arbitrado um montante que não exceda 80.000,00€, por se afigurar mais justo e equilibrado.
3 - É igualmente exagerada a indemnização de 50.000,00€ atribuída a cada progenitor como compensação moral pelo desgosto face à perda do filho, entendendo-se que seria mais justa uma indemnização não superior a 27.500,00€ a tal título;
4 - A sentença violou, além do mais, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 496, 562 e 566 do Código Civil;
5 - O tribunal interpretou e aplicou tais normas no sentido exposto na sentença, condenando a recorrente numa indemnização manifestamente excessiva;
6 - A interpretação correta de tais preceitos era a que resultaria na atribuição de montantes de indemnização que não se afastassem dos agora preconizados.
Não houve resposta ao recurso, e nada vemos que obste ao conhecimento do seu mérito.
O objeto do recurso, atentas as conclusões da apelante, traduz-se em saber se as compensações arbitradas (perda do direito à vida e compensação pelo desgosto face à perda do filho) se mostram exageradas e devem ser reduzidas.
Os autos correram Vistos. Cumpre apreciar as apelações.
III – Fundamentação Questão prévia – Da admissão do recurso interposto pelo interveniente (Recurso II.I)
Aquando da remessa dos autos a Vistos, o despacho do relator manteve a admissão de ambos os recursos. Sem embargo, importa agora, nesta sede, reapreciar em coletivo a admissão do recurso do interveniente, uma vez que – como se verá seguidamente – não é uniforme o entendimento relativo à admissibilidade do recurso nos casos da intervenção acessória.
A legitimidade para recorrer, que se afere “através do prejuízo que a decisão determina na esfera jurídica do recorrente”[3] mostra-se prevista no artigo 631 do CPC. No seu n.º 1 esclarece-se que os “recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido”, mas o n.º 2 acrescenta que “As pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias”.
Nesta apreciação, interessa-nos, já se vê, o disposto no citado n.º 2 do artigo 631 do CPC, uma vez que o recorrente ora em causa, não sendo parte principal, é uma parte acessória, concretamente, titular de um dever de regresso (321, n.º 1 do CPC) e que, nessa titularidade, foi chamado aos autos pela ré.
Segundo algum entendimento, a denegação do direito a recorrer autonomamente funda-se na circunstância, refere-o Salvador da Costa[4], de “o prejuízo para o interveniente acessório decorrente da ação de regresso [ser] reflexo e indireto, que se materializa naquela ação eventual e que, por isso, o interveniente não tem direito a recurso autónomo”[5]. Diferentemente se pode sustentar, e acrescenta-o Salvador da Costa[6], “com base no n.º 2 do artigo 631.º, a legitimidade para recorrer do interveniente acessório quanto às sentenças que, pelo seu conteúdo, direta e efetivamente o afetem, por exemplo no que concerne aos pressupostos do direito de regresso”.
Também Miguel Teixeira de Sousa[7] defende a legitimidade recursória do chamado: “Para determinar quando é que a parte acessória é direta e efetivamente prejudicada pela decisão, importa ter presente o disposto no artigo 332.º[8]: em regra a sentença proferida na causa constitui caso julgado em relação ao assistente – e, por interpretação extensiva, a qualquer parte acessória – que, por isso, fica vinculado a aceitar, em qualquer causa posterior, os factos e o direito que aquela sentença tenha estabelecido. Disto não pode deixar de resultar que a parte acessória tem legitimidade para interpor recurso da decisão relativa a esses factos e a esse direito, porque seria incompreensível que a parte acessória ficasse vinculada a uma sentença que não teria a possibilidade de impugnar através de recurso”.
Em nosso entender, e ainda que respeitando diverso entendimento, o interveniente acessório titular de um dever de regresso, tem legitimidade para recorrer, porquanto, atento o disposto nos artigos 323, n.º 4 e 332 do CPC, só assim pode contrariar o efeito de caso julgado que o afeta. Na parte em que os factos ou o direito declarados na sentença o vinculam numa futura, mesmo que eventual, ação de regresso, o interveniente é direta e efetivamente prejudicado pela decisão.
Se assim é em tese, no caso em apreço o recorrente apela relativamente a um facto (velocidade do veículo por si conduzido) que a ré, além de outros factos, alegou para sustentar o direito de regresso invocado.
Daí considerarmos admissível o recurso.
Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto (Recurso II.I)
Como decorre do disposto no artigo 662, n.º 1 do CPC, A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. O preceito, na redação dada pelo novo CPC (em contraponto, desde logo, com o artigo 712 do anterior Código de Processo Civil) clarifica e reforça os poderes da Relação[9], ou alarga e melhora esses poderes[10], impondo um dever de alteração da decisão sobre a matéria de facto, reunidos que estejam os respetivos pressupostos legais, e de acordo com a sua própria convicção[11], desde que o impugnante tenha cumprido o ónus imposto pelo artigo 640 do CPC.
O normativo acabado de referir – e além deste, dos preceitos que delimitam o objeto do recurso, ou as consequências da sua omissão (cfr. 635, n.º 4 e 641, n.º 2, alínea b), ambos do CPC) - onera o impugnante da decisão relativa à matéria de facto, porquanto o recurso, no que concerne à impugnação da decisão relativa à matéria de facto será total ou parcialmente rejeitado nas situações seguintes: “a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2, al. b). b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a)). c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.). d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda. e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”[12]. Ainda assim, é entendimento largamente maioritário que relativamente ao recurso da decisão sobre a matéria de facto não existe um possível despacho de aperfeiçoamento e, como referem António Santos Abrantes Geraldes/ Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa[13], tal situação, em lugar “de autorizar uma aplicação excessivamente rigorosa da lei, deve fazer pender para uma solução que se revele proporcionada relativamente à gravidade da falha verificada”. Dito de outro modo, as exigências impostas pelo artigo 640 ao recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto devem ser entendidas sem o rigor tão excessivo que de imediato e inúmeras vezes conduziria à imediata rejeição do recurso.
O que a lei processual deixa transparecer e a jurisprudência do Supremo vinca reiteradamente é a opção por um verdadeiro duplo grau de jurisdição e a consequente prevalência da substância sobre a forma. Sem embargo – e naturalmente, até por respeito aos princípios da igualdade e da legalidade -, as imposições decorrentes do artigo 640 do CPC não podem ser letra morta e ultrapassadas ou ignoradas, como se não existissem. Aqui, como sempre deve suceder, imperará uma interpretação sensata e afastada dos extremos, sejam estes a de rejeição imediata ao primeiro e minúsculo incumprimento, seja, ao invés, a aceitação de toda e qualquer impugnação, independentemente do eventual lato incumprimento do ónus que impende sobre o impugnante.
Tenha-se presente, no entanto, que não há que reapreciar a prova quando a alteração, modificação ou a ampliação pretendida não traga, uma vez ponderadas todas as soluções jurídicas plausíveis, qualquer utilidade para a decisão da ação ou do recurso. Com efeito, e como expressamente se sumaria no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.06.2022 [Processo n.º 2239/20.3T8LRA.C1.S1, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado, dgsi]: “I - Nos recursos apenas se impõe tomar posição sobre as questões que sejam processualmente pertinentes/relevantes (suscetíveis de influir na decisão da causa), nomeadamente no âmbito da matéria de facto. II – De acordo com os princípios da utilidade e pertinência a que estão sujeitos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto só é admissível se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte. III – Deste modo, o dever de reapreciação da prova por parte da Relação apenas existe no caso de o recorrente respeitar os ónus previstos no art. 640.º, n.º 1 do CPC, e, para além disso, a matéria em causa se afigurar relevante para a decisão final do litígio”.
Assim, como decorre e se acompanha, a reapreciação da decisão relativa à matéria de facto está dependente do cumprimento do ónus previsto no artigo 640 do CPC, mas não pode traduzir-se na prática de um ato inútil – e, porque inútil, proibido: artigo 130 do CPC[14] -, e assim se traduziria se os factos que se pretendem ver alterados não conduzirem a decisão de sentido diferente daquela que o tribunal de recurso adota perante os concretos factos, provados e não provados que foram fixados em primeira instância.
No caso presente, entendemos que o recorrente identifica o facto que pretende ver alterado, o sentido da alteração (que passe a considerar-se como facto não provado) e a razão ou fundamento dessa pretensão, concretamente a precariedade ou insuficiência da prova que, em seu entender, não permitiria que tal facto fosse dado como provado. Há, pois, porque reunidos os pressupostos legais, que reapreciar a prova produzida.
O recorrente entende que o facto 17 [Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o AA conduzia o veículo ..-XV-.., de[15] uma velocidade excessiva, superior a cento e trinta quilómetros por hora] deve ser dado como não provado.
O tribunal recorrido deu como provados os factos relativos ao acidente (dinâmica, velocidade...) com a seguinte fundamentação: “Os factos relativos à produção do acidente não foram impugnados pela seguradora. O interveniente beneficia do estatuto do assistente, o que significa (art. 328, n.ºs 1 e 2, do C.C.) que tem no processo a posição de auxiliares da parte principal (n.º 1), gozando dos mesmos direitos e estando sujeito aos mesmos deveres que a parte assistida, mas a sua atividade está subordinada à da parte principal, não podendo praticar atos que esta tenha perdido o direito de praticar nem assumir atitude que esteja em oposição com a do assistido; havendo divergência insanável entre a parte principal e o assistente, prevalece (n.º 2). Nestes termos tem de se considerar (ao contrário do que se equacionou) que a posição vertida pela seguradora na contestação quanto às circunstâncias em que ocorreu o acidente deve prevalecer sobre a defesa esboçado pelo interveniente (que não logrou demonstrar)”.
Na reapreciação da prova ouvimos os diversos depoimentos prestados em audiência, bem como os documentos (fotografias, participação, relatório de averiguação, cópia simples da decisão proferida nos autos criminais). Relativamente à prova testemunhal e por declarações e depoimento de parte (dos autores e do interveniente/apelante) constatamos a irrelevância, relativamente à dinâmica do acidente ou à velocidade do veículo, do deposto pelo interveniente AA [Ficheiro n.º 20221118101331][17], pela testemunha FF [Ficheiro n.º 20221118103039][18], pela testemunha GG [Ficheiro n.º 2022118112032][19], pela testemunha HH [Ficheiro n.º 20221118113611][20], pela testemunha II [Ficheiro n.º 2023014102829][21], pela testemunha JJ [Ficheiro n.º 20230104113741][22], pelas testemunhas KK e LL [Ficheiros n.ºs 20230104120303 e 20230104141748][23], pela testemunha MM [Ficheiro n.º 20230104154509][24], e pelos autores BB e CC [Ficheiros n.ºs 20230104151014 e 20230104155500][25].
Do depoimento do agente da PSP que elaborou a participação, mas não viu o acidente, NN [Ficheiro n.º 20221118120334] resultou que, do que constatou, tratou-se de um despiste com dois feridos graves e um morte, ocorrido na circunvalação, numa zona em que o limite de velocidade é de 50 Km/h. Sabe que chovia, deixou de chover e voltou a chover, que era de noite e o piso estava molhado; que, “à priori” o choque não era compatível com uma velocidade de 50 Km/h, mas 2ele não andou muito espaço no separador central, o carro bateu e fez mola”; há ali uma inclinação; da reta não se vê a árvore onde bateu o carro. E quanto a velocidade, “não faço a mínima ideia” (min. 11,30).
OO [Ficheiro n.º 20230104114649], Perito Averiguador, referiu, além do mais e com relevo à impugnação, que interrogou a única testemunha que terá presenciado o acidente, a EE. Tudo indicia que bateu “a uma velocidade considerável”, mas também bateu num objeto sólido e de elevado porte (min. 4,30). Do que se apercebeu, há lá um lancil e o carro embateu ali, perdeu aderência e “ajudou a aumentar a velocidade” por perder aderência e entrar em elevação. Mas a velocidade, em concreto, “isso não consigo”. A cinquenta, acha que [o veículo] não ficava assim, embora não tenha sido um carro contra outro carro, mas, ainda assim, “provavelmente superior a cinquenta” (8,00).
Finalmente, a testemunha EE, Auxiliar de Ação Médica [Ficheiro n.º 2023104105417], referida pelo apelante (e igualmente pela testemunha anterior) como tendo sido a única testemunha que depôs e terá presenciado o acidente, começou exatamente por dizer que assistiu ao acidente. Tinham (a testemunha e namorado) para irem ao B.... Chovia imenso. Ouviram a aceleração de um carro e ficaram no parque até ele passar, depois faz uma ligeira curva e ouviram um “bum” e, foi uma fração de segundos, quando chegaram já estava o veículo batido na árvore. O namorado disse que o carro “fez tração atrás” e notaram que deslizou um bocadinho, mas depois conseguiram controlar e [o carro] ficou direito: viu o carro a estabilizar e manteve-se na faixa de rodagem, depois afastou-se e faz uma ligeira curva e ouviram outra aceleração e o carro a bater, ou no separador ou já na árvore (min. 7,30). A parte do pendura é que estava enfaixada na árvore. Alguém disse, Não vá lá que já deve estar morto e o do lugar do pendura não respondia quando o ocupante do banco de trás chamava por ele. A curva é ligeira, à esquerda, mas é a descer. Bateu no separador, que é um passeio de 20 ou 30 cms. Achámos que o carro bateu no separador e depois na árvore. O acidente foi logo a seguir a “deixar de o ver”, o chão estava muito molhado e o controlo do carro seria difícil, pois era piso molhado, a descer e em curva. À partida ia a velocidade superior [à permitida], mas estava a chover muito. “Não vi o momento do embate” (21,30). Desde que vê o carro até que passa por si é uma “fração rápida”... no julgamento crime falou em 5 minutos, “mas não deve ser tanto”, 5 minutos é impossível, pois foi muito rápido: vê o carro ao longe e pode ter sido um minuto. Viram o carro a derrapar de traseira, depois endireitou, “veio acurva e não viram mais nada” (32,20).
Numa análise crítica da prova, a primeira nota a destacar é que ninguém (que haja prestado depoimento) viu o acidente, pois até a testemunha EE apenas o ouviu. E o depoimento desta testemunha é escassamente relevante: deduz a partir da opinião do namorado (que não prestou depoimento); não tem, manifestamente, noção do tempo de passagem do veículo na sua visão (cinco minutos, fração rápida, muito rápido, um minuto...) e conclui hipoteticamente uma velocidade plausível pelo conhecimento que tem da via e pelo comportamento do veículo antes do acidente, acidente que não viu. Dos depoimentos do agente da PSP e do perito averiguador poderia concluir-se por uma velocidade excessiva, mas não propriamente por um excesso de velocidade, tanto mais que a conclusão a que chegam é temperada pela natureza da via (curva em declive) e pelo estado do tempo (chuva intensa) e do piso (molhado). Note-se que o que está em causa no ponto 17 não é a velocidade excessiva (enquanto velocidade inadequada às condições da via) mas o excesso de velocidade (enquanto velocidade que excede os limites legais previstos), excesso este que se traduziria – refere o facto impugnado – em mais de 130 Km/h de velocidade (instantânea). Os elementos documentais que foram juntos aos autos não são de molde a esclarecer o ponto em questão, sendo que as fotografias do veículo, obtidas depois das operações de desencarceramento, são compatíveis com múltiplas hipóteses de velocidades instantâneas e a cópia da decisão proferida no processo crime (sem nota de trânsito e, por isso, sem valor de caso julgado) não deixa de nos revelar uma factualidade da qual se conclui pela “velocidade não apurada” do veículo. Estamos em crer, aliás, que o tribunal recorrido – que, tanto quanto ouvimos, acompanhou a prova com atenção e pertinência – apenas deu como provado o ponto 17 da matéria de facto pelo entendimento jurídico que seguiu, como aliás, reconhecidamente, resultada da sua motivação.
Em suma, tendo em conta o conjunto da prova produzida, entendemos que não ficou provada a velocidade instantânea do veículo conduzido pelo interveniente e, em conformidade dá-se como não provada essa factualidade, levada ao facto 17, sem embargo – e como se verá – da correção que deve manter a ligação entre esse ponto de facto e o ponto de facto seguinte.
Em conclusão, o recurso do interveniente revela-se procedente.
III.I - Fundamentação de Facto: Factos Provados
1 - Os autores BB e CC eram pais do DD, nascido a .../.../1992.
2 - O DD faleceu no dia 25 de outubro de 2020, no estado de solteiro, sem ter feito qualquer testamento ou outra disposição de última vontade.
3 - No dia 25 de outubro de 2020, pelas 20H45, ocorreu um acidente de trânsito, na Estrada ..., ..., em frente ao número de polícia ..., na freguesia ..., cidade do Porto;
4 - Nesse acidente foi interveniente o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-XV-.., de marca Mercedes Benz, modelo ..., propriedade de C... e, na altura, conduzido por AA;
5 - O condutor do XV desenvolvia a sua marcha no sentido ... - ....
6 - A estrada ..., no local do sinistro, configura um traçado reto, com uma visibilidade superior a 100 metros;
7 - O local configura uma localidade, pois é marginado por casas de habitação e de comércio e situa-se nos limites da freguesia ...;
8 - Sendo que o limite máximo de velocidade permitido é de 50 Kms horários.
9 - A faixa de rodagem da Estrada ..., no local do sinistro – como, de resto, sucede ao longo de quase todo o seu traçado - encontra-se dividida em duas pistas de tráfego, através de um separador central, construído em perfil de betão e com arvores e plantas nessa parte central.
10 - Uma dessas pistas de tráfego destina-se ao trânsito de veículos automóveis que desenvolvem a sua marcha no sentido ... – ... e a outra é destinada ao sentido de trânsito contrário.
11 - A faixa de rodagem da sua pista de tráfego, destinada ao trânsito de veículos automóveis que desenvolvem a sua marcha no sentido ... – ... tem uma largura útil de cerca de 7 (sete) metros.
12 - E encontrava-se, como se encontra, dividida ao meio, em dois corredores de trânsito, através de uma linha, pintada a cor branca, com soluções de continuidade: Linha Descontínua – Marca M2.
14[26] - O piso da faixa de rodagem era, como é pavimentado a asfalto.
15 - O tempo estava de chuva e o piso estava molhado e escorregadio;
16 - E era de noite; 17 - Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o AA conduzia o veículo ..-XV-.. e...
19[27] - ...perdeu o domínio e o controle da viatura que conduzia.
20 - O veículo galgou o separador central (vedação), aí percorrendo cerca de vinte metros, só se imobilizando quando choca, de forma violenta, contra uma árvore aí existente.
21.A - AA, na qualidade de condutor do veículo ..-XV-.., exercia essa atividade de condução com uma taxa de alcoolemia de, pelo menos, 0,5 g/l.
21 - O falecido DD seguia como passageiro do XV, sentado no banco da frente.
22 - A proprietária do veículo ..-XV-.. tinha a sua responsabilidade civil emergente de acidente de viação, relativamente a danos causados a terceiros, transferida para a ré, mediante a apólice n.º ......
23 - Em consequência do acidente, o DD sofreu lesões graves e irreversíveis tendo sido assistido medicamente no local pelo.
24 - Face à gravidade e extensão das lesões apresentadas, o DD morreu;
25 - O DD tinha, à data do acidente, 27 anos.
26 - Era um jovem forte, robusto,
27 – Saudável, trabalhador e jovial;
28 - O DD ainda vivia em casa dos pais, e constituíam uma família harmoniosa e feliz.
29 - Iam juntos para todo o lado.
30 - O DD era um filho e irmão carinhoso para a sua família.
31 - Os autores, por seu turno, igualmente dedicavam ao falecido profundo afeto e amor.
32 - Prestavam-se, mutuamente, consolo e apoio moral nas horas mais difíceis da vida.
33 - Tratava-se de uma família unida e feliz
34 - A vítima era, para os demandantes, o seu amparo material, moral e psíquico.
35 - O DD tinha uma expectativa longa de vida;
36 - Projetava casar no ano de 2021 e tinha a expectativa de ter filhos;
37 - E de construir uma casa de família, que se situaria junto à dos autores e de sua irmã, 38 - O falecido, à data do sinistro, trabalhava para a Sociedade D... Unipessoal, Lda., auferindo um salário mensal de 635,00 e tinha um curso cientifico-humanístico de Ciências e Tecnologias;
39 - O falecido jogou futebol nos escalões de formação nos clubes E... e F...;
40 - Treinava os escalões de formação do G..., sendo responsável por toda a área de formação
41 - Outro dos seus sonhos era ser gestor de carreiras desportivas,
42 - O DD cultivava a amizade com os colegas, gozava também de boa reputação no meio social e na comunidade onde estava inserido e estava cheia de projetos de vida e de sonhos pela frente.
43 - A notícia da morte desabou sobre os autores, deixando-os privados de um ente muito querido,
44 - Em profunda dor e angústia;
45 - Caindo mesmo numa depressão nervosa.
46 - Com a convicção de que, sem aquele ente querido, a vida perdia todo o sentido.
47 - Faltando-lhe o incentivo, a alegria e a confiança no futuro.
48 - O equilíbrio psíquico e emocional que a sua permanente presença fazia.
49 - Os autores não têm vontade de trabalhar, perdendo todo o incentivo que tinham. 50 - Andam abatidos, deixando de conviver socialmente e raramente saem de casa.
51 - Passam os dias a chorar e não têm vontade de falar ou conversar com outras pessoas.
52 - Ficam sorumbáticos e depressivos.
53 - Esta depressão ainda não se encontra ultrapassada.
54 - Antes do acidente, os autores eram pessoas alegres e com vontade de viver.
55 - A autora tem andado em acompanhamento psicológico desde a data do acidente até à presente.
56 - A autora CC evidenciou e evidencia um quadro depressivo, com uma profunda tristeza pautada por momentos de revolta, labilidade emocional, forte necessidade de isolamento, ansiedade, questionamento constante sobre as razões do sucedido (pensamentos obsessivos compulsivos), situando-a num lugar psicológico muito vulnerável e sensível a qualquer tipo de estímulo ou desafio.
57 - O acompanhamento psicoterapêutico ainda se mantém.
58 - Da mesma forma, o autor BB surgiu pela primeira vez em consulta, por iniciativa do mesmo, no dia 7 de abril do presente ano, como o intuito em compreender o seu estado psicológico atual, fruto de uma perda inesperada do seu filho.
59 - O autor apresenta sintomas como tristeza profunda pautada por momentos de revolta, pensamentos recorrentes e constantes sobre o sucedido, perturbação do sono, fadiga constante, desconcentração, dificuldade em manter os mesmos níveis de envolvimento na resolução dos vários desafios no qual se depara ao longo do dia-a-dia e uma necessidade de isolamento que contraria e interfere com os deveres profissionais e pessoais.
60 - A autora CC suportou, até à presente data, a quantia de 480,00€ em consultas médicas – psicologia – e o autor BB a quantia de 50,00€.
61 - Os autores gastaram em ramos e coroas de flores para o funeral uma quantia não apurada.
62 - Na compra da sepultura, os autores suportaram a quantia de 2.000,00€.
63 - Na campa, gastaram a quantia de 4.520,00€;
64 - Suportaram a quantia de 1.679,50€ a título de despesas de funeral tendo sido já reembolsados 1.316,43€ euros pela Segurança Social.
65 - Ainda em consequência do sinistro, os autores viram completamente danificadas todas as peças de vestuário e de calçado de uso pessoal que o DD usava na altura do acidente, a saber: um Blusão, um par de sapatos, uma camisa, roupa interior,
66 - O telemóvel do DD ficou danificado.
Factos não Provados
1 - DD não faleceu imediatamente após o acidente, pois após o acidente ainda conseguiu dizer algumas palavras;
2 - Entre a hora em que o DD anteviu o despiste e a colisão e sofreu as lesões e fraturas que lhe provocaram a morte, e o seu efetivo decesso, decorreu um espaço de tempo, não inferior a meia hora.
3 - Durante esse espaço de tempo, desde o momento em que sofreu as lesões e fraturas mortíferas até ao momento do seu efetivo falecimento, o DD sofreu muitas dores físicas, aquelas que lhe causaram as lesões e fraturas padecidas
4 - E também sofreu intensas dores psíquicas, desgostos, ansiedades...
5 - Produzidos, uns, como consequência das referidas dores físicas e forçada imobilidade em que se sentiu,
6 - E, outros, pelo adivinhar que se ia “afastar dos seus”, isto é, pela agonia da morte que precedeu o seu decesso.
7 - No local do acidente, o DD mantinha-se em estado lastimoso, sofreu dor e angústia pela antevisão da morte;
8 - O DD projetava evoluir profissionalmente, pretendendo frequentar cursos na área da construção civil – orçamentação e gestão, ponderando criar uma empresa nesse sentido, contando com a ajuda dos aqui autores, até porque frequentado um espaço profissional nessa área; cargo que todos os que o rodeavam lhe apontavam grande potencial.
9 - Dadas as suas características pessoais e técnicas, que lhe facultavam uma especial tendência para o exercício dessa atividade.
10 - Os autores não dormem e sofrem pesadelos constantes desde a morte do filho;
11 - Os autores deslocam-se ao cemitério todas as semanas para rezar e para colocar flores no túmulo deste.
12 - A mediatização do acidente provocou um grande sentimento de consternação nos autores;
13 - O seu filho era tido como o seu "braço direito" nos negócios, sendo elemento fundamental no bom funcionamento da empresa e no sucesso do mercado.
14 - A perda colocou em suspenso certos projetos que ambos tinham em comum, inferior a 300,00€;
15 - Com ornamentações e velas os autores despenderam a quantia de 200,00€.
16 - Na compra de roupa de luto – umas calças, camisa e casaco, os autores gastaram a importância de 150,00€ cada um;
17 - Com o acidente ficou totalmente danificado um telemóvel da marca Iphone ..., no valor de 1.150,00€;
19 - Com o sinistro despareceu um relógio que o DD possuía, resultando um prejuízo de 300,00€.
20 - Com o sinistro, despareceu a chave da viatura marca Mercedes, ..., de matrícula ..-ZU-.., que o falecido tinha em seu poder na altura do acidente, cujo custo ascende a 350,00€. 21 – Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o AA conduzia o veículo ..-XV-.. a uma velocidade excessiva, superior a cento e trinta quilómetros por hora.
III.II Fundamentação de Direito (recurso II.II)
O tribunal recorrido, sobre as questões que continuam a merecer a discordância da ré, deixou escrito o que, com síntese e sublinhados nossos, se transcreve: “A perda da vida é indemnizável (...). O juízo equitativo que fixa o valor deste tipo de danos deve ter em consideração as circunstâncias referidas no art. 494.º do C. Civil, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, assumindo ainda, por razões de igualdade, uma especial relevância os padrões de indemnização adotados, nos tempos mais próximos, pela jurisprudência, em casos análogos. Além disso, na fixação da indemnização do dano da perda da vida, tendo em consideração que não é o lesado que vai beneficiar da quantia indemnizatória, o valor a atribuir deve refletir uma censura à conduta lesante e sinalizar a importância do bem jurídico supremo sacrificado, conferindo-lhe uma tutela que satisfaça as exigências de um Estado de direito democrático, necessariamente atento à reparação dos danos injustamente provocados pela conduta de outrem. (...) O ponto de referência – a unidade de medida ou unidade de conversão do valor imaterial lesado a dinheiro – para encontrar a justa medida do montante compensatório do dano deve ser buscado nos padrões jurisprudenciais, entendidos enquanto valorizações da consciência axiológica jurídica geral da comunidade. (...) quanto ao dano da morte da vítima a jurisprudência tem revelado um leque variado de soluções no seu cálculo, como por exemplo nos seguintes acórdãos do STJ: Ac. de 13/05/04, Revista 1845/03 – €55.000,00; Ac. de 18.10.07, Revista 3084/07: €55.000,00; Ac. de 03.04.08, Revista 262/08: €60.000,00; Ac. de 10.07.08, Revista 1840/08: €60.000,00; Ac. de 16.10.08, Revista 2697/08: €60.000,00; Ac. de 16.10.08, Revista 2477/08: €70.000,00; Ac. de 30.10.08, Revista 2989/08: €60.000,00; Ac. de 18.11.08, Revista 3422/08: €60.000,00; Ac. de 27.11.08, Processo 1413/08: €60.000,00; Ac. de 12.03.09, Processo 611/09: €55.000,00. Mais recentemente, os Acs. do STJ de 04.06.2020 (2732/2017- vítima com 53 anos) e de 19.01.2023 (3437/2021): €80.000,00; o Ac. de 27.06.2022 (253/2017): €95.000,00; o Ac. de 24.09.2020 (9/2014): €54.000,00 (lesado com 75 anos); ac. de 28.05.2020 (16/2015): €95.000 (vítima com 44 anos) e €120.000,00 (vítima com 17 anos); Ac. de 03.11.2016 (6/2015): €60.000,00 (vítima de 53 anos); Ac. de 22.02.2018 (32/14): €95.000,00 (homem de 25 anos); de 27.09.2022 (53/17): €120.000,00 (mulher de 41 anos); de 07.05.2020 (952/06): €85.000,00 (homem de 29 anos); de 03.03.2021 (3710/18): €80.000,00 (homem de 33 anos); de 15.09.2022 (2374/20): €85.000,00 (homem de 33 anos). Ao nível da Relação do Porto (...) Ou seja, verifica-se um progressivo incremento das indemnizações arbitradas pelos tribunais superiores, sendo que em alguns dos mais recentes arestos se chega a €100.000,00 e €120.000,00 especialmente quanto a vítima era pessoa jovem e saudável, como é o caso dos autos. (...) não se pode deixar de tomar ainda particularmente em atenção, por um lado, que o falecido em nada contribuiu para a produção do acidente do qual veio a resultar a sua morte, e, por outro, a situação de superioridade económica em que, presumidamente, se encontra a ré em relação aos autores. Por outro lado, não se poderá neste caso deixar de atender (...) que o DD tinha então quase 28 anos (...) era um jovem forte, robusto, saudável, trabalhador e jovial (...) era um filho e irmão carinhoso para a sua família; que a vítima era para os demandantes o seu amparo material, moral e psíquico e tinha uma expectativa longa de vida, sendo que projetava casar no ano de 2021, e tinha a expectativa de ter filhos, de construir uma casa de família, que se situaria junto à dos autores e de sua irmã; que o falecido jogou futebol nos escalões de formação nos seguintes clubes: E... e F...; que o DD era responsável de área de formação do G...; que outro dos seus sonhos era ser gestor de carreiras desportivas; que o DD, cultivava a amizade com os colegas, gozava também de boa reputação no meio social e na comunidade onde estava inserido e estava cheio de projetos de vida e de sonhos pela frente; considerando todos estes fatores, afigura-se assim adequado arbitrar o montante de € 95.000,00 para compensar a perda do direito à vida (...).
Provou-se que a notícia da morte do seu filho desabou sobre os demandantes, deixando-os privados de um ente muito querido, em profunda dor e angústia, caindo mesmo numa depressão nervosa, com a convicção de que, sem aquele ente querido, a vida perdia todo o sentido, faltando-lhe o incentivo, a alegria e a confiança no futuro, bem como o equilíbrio psíquico e emocional que a sua permanente presença fazia; que levará muitos anos até que os autores recobrem a confiança e o gosto de viver; que os autores ficaram muito abalados e em grande sofrimento, não têm vontade de trabalhar, perdendo todo o incentivo que tinham, andam abatidos, deixando de conviver socialmente e raramente saem de casa, passam os dias a chorar e não têm vontade de falar ou conversar com outras pessoas, ficaram sorumbáticos e depressivos; esta depressão ainda não se encontra ultrapassada; (...) a Autora CC evidenciou e evidencia um quadro depressivo, com uma profunda tristeza pautada por momentos de revolta, labilidade emocional, forte necessidade de isolamento, ansiedade, questionamento constante sobre as razões do sucedido (pensamentos obsessivos compulsivos), situando-a num lugar psicológico muito vulnerável e sensível a qualquer tipo de estimulo ou desafio; o acompanhamento psicoterapêutica ainda se mantém; que, da mesma forma, o demandante BB surgiu pela primeira vez em consulta, por iniciativa do mesmo, no dia 7 de Abril do presente ano, como o intuito em compreender o seu estado psicológico atual, fruto de uma perda inesperada do seu filho e que apresenta sintomas como tristeza profunda pautada por momentos de revolta, pensamentos recorrentes e constantes sobre o sucedido, perturbação do sono, fadiga constante, desconcentração, dificuldade em manter os mesmos níveis de envolvimento na resolução dos vários desafios no qual se depara ao longo do dia-a-dia e uma necessidade de isolamento que contraria e interfere com os deveres profissionais e pessoais. (...) estamos a falar de um dos danos não patrimoniais mais significativos (para além da perda do direito à vida) e que, no fundo, tem a ver com a dor pela perda do ente que, em termos de laços familiares e biológicos, nos é normalmente dos mais queridos, ou seja, da dor sofrida pela perda de um filho jovem. Dano esse que, por isso, se revela, normalmente, extremamente doloroso (do ponto de vista espiritual). In casu está-se perante duas pessoas, que precocemente se viram privados de um filho de 28 anos de idade, compondo todos um agregado familiar que vivia feliz, com amor e carinho que uns nutriam pelos outros, donde não será difícil concluir, de acordo com as regras da experiência comum, que cada um dos autores sofreu um forte abalo psicológico como a morte daquele seu ente. Sendo assim, e na ponderação de todas essas circunstâncias, afigura-se ajustado, no juízo equitativo, fixar em €50.000,00 o montante da indemnização pelos danos morais/não patrimoniais sofridos por cada um dos autores, não se vislumbrando, razão para estabelecer uma diferenciação nesse montante indemnizatório”.
Afirmada nos autos a responsabilidade civil do lesante, substituído no dever de reparação (dever de indemnizar ou de compensar os danos) pela seguradora[28] ré, a questão que esta coloca em sede de recurso prende-se (apenas) com o quantum da compensação a fixar pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima pela supressão da vida (dano da morte)[29] e pelos (familiares) autores pela morte do filho, e impõe que se considere, diretamente, o disposto no artigo 496, n.º 2 [Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem] e concomitantemente o disposto no n.º 1 do mesmo artigo [Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito], e no seu n.º 4 [O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; em caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores] do Código Civil (CC).
Sem embargo do que referimos e da citação feita ao disposto no artigo 496 do CC, nomeadamente aos seus n.ºs 2, 3 e 4, em sede doutrinal, ainda assim, há quem considere que o dano da morte não é transmitido sucessoriamente às pessoas mencionadas no n.º 2 do citado preceito, nem por essas pessoas é adquirido originariamente. Entre outros autores[30], refere Luís Menezes Leitão:[31] “A perda da vida constitui assim claramente um dano autónomo, cujo direito à indemnização se transmite aos herdeiros da vítima, com fundamento no art. 2024.º, e de acordo com as classes de sucessíveis referidas no art. 2133.º. (...) Sendo essa a conclusão a retirar cabe perguntar a que situações se refere o art. 496.º, n.ºs 2, 3 e 4 in fine (...) Parece claro que não poderá ser ao dano-morte em sentido próprio (...) O art. 496.º, n.ºs 2 e 3 refere-se, por isso a uma outra situação: aos danos não patrimoniais sofridos por outras pessoas, em consequência da morte da vítima. (...) Já o art. 496.º, n.º 4, não parece referir-se aos danos causados pela morte da vítima, mas antes à atribuição da indemnização por danos não patrimoniais ocorridos antes dessa morte”.
A maioria da doutrina, no entanto, considera que o direito à indemnização pelo dano não patrimonial da perda da vida encontra apoio no artigo 496, n.º 2 do CC. Porque tal direito “após ter cabido ao de cujus é transmitido sucessoriamente (iure hereditário) para as pessoas mencionadas no n.º 2 do artigo 496.º”[32] ou porque – o que nos parece mais pertinente[33] – “esse direito à indemnização é adquirido direta e originariamente (iure próprio) pelas pessoas indicadas no n.º 2 do artigo 496.º, não havendo lugar por isso a transmissão sucessória”.[34] Acrescentamos, ainda assim, que a diferente fundamentação legal da compensação do dano da morte, não interfere com a decisão a tomar, desde por apenas estar em causa a sua quantificação.
Sendo inequívoco que os danos aqui em apreciação, pela sua gravidade, são merecedores da tutela do Direito, é também correta a afirmação de que a morte de uma pessoa pode acarretar diversos danos e concretamente, no que ora importa, o dano da morte ou da supressão da vida e os danos que os familiares próximos sofreram. Tais danos, enquanto danos não patrimoniais, devem ser compensados. Em que medida (quantum pecuniário) é o que – e repetimo-nos - cumpre apreciar, atenta a pretensão recursória da ré.
No apuramento desse quantum compensatório importa ter presente três considerações, que devem antecipar a pronúncia sobre a pretensão recursória: - os danos não patrimoniais e a sua compensação; - os poderes/deveres dos tribunais da Relação na fixação da compensação e – o sentido e alcance da equidade.
Nas palavras de Mário Júlio de Almeida Costa, “dano ou prejuízo é toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica” e os danos não patrimoniais, insuscetíveis “de avaliação pecuniária”, são os “que se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral”[35]. Também Gabriela Páris Fernandes[36] refere que “O critério que preside à contraposição entre dano patrimonial e dano não patrimonial é, rigorosamente, o da suscetibilidade ou insusceptibilidade de avaliação em dinheiro das consequências negativas que da ofensa resultem para o lesado e não o critério da natureza patrimonial ou não patrimonial do bem ou interesse ofendidos”[37]. Os danos não patrimoniais são indemnizáveis desde que pela sua gravidade sejam merecedores da tutela do direito (artigo 496, n.º 1 do CC), ou melhor, e em rigor, são compensáveis, uma vez que a “indemnização por danos não patrimoniais visa oferecer ao lesado uma compensação que contrabalance o mal sofrido”.[38]
Quanto aos poderes/deveres dos tribunais da Relação citamos o sumariado no acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 8.05.2023[39]: “O Tribunal da Relação tem poderes amplos de cognição em matéria de facto e de direito, ao contrário do que sucede com o Supremo Tribunal de Justiça que apenas conhece de questões de direito, não tendo por isso base legal, em segunda instância, a orientação restritiva na sindicação do juízo de equidade de que resulta a fixação da compensação por danos não patrimoniais, devendo antes a Relação proceder à fixação autónoma da compensação devida tendo em conta todos os fatores relevantes para o efeito”[40].
Por último, quanto à equidade. Como decorre do artigo 4.º, alínea a) do CC, os tribunal “podem resolver segundo a equidade”, ainda que apenas, e no que aqui importa, “Quando haja disposição legal que o permita”. Como refere Pedro Múrias[41], “O sentido desta expressão, como de “ex aequo et bono” é retirado da cultura jurídica. É comum entre nós qualificar a equidade como a “justiça do caso concreto”. Aristóteles contrapunha a equidade (epieikeia, passada a latim como aequitas) à lei, vendo a primeira como possível modo de retificação da rigidez da segunda, atentas as particularidades dos casos”[42].
Vejamos, então, se os montantes compensatórios fixados pela primeira instância se mostram equitativamente ajustados ou se, como sustenta a apelante, se revelam excessivos, devendo as compensações aqui em causa ser fixadas numa quantia inferior.
Da transcrição que fizemos da sentença, não obstante resumida, resulta que o tribunal recorrido fundamentou adequadamente as suas conclusões. Citando variada jurisprudência dos tribunais superiores, em especial no respeitante ao dano da morte, o tribunal recorrido fixou-o no montante de noventa e cinco mil euros e fixou em cinquenta mil euros (para cada um dos autores, pai e mãe da vítima mortal do acidente) o montante relativo aos danos não patrimoniais por si mesmos sofridos.
Relativamente ao dano da morte começamos por afastar o critério da igualdade objetiva, defendido por PP, quando deixou escrito: “Indo pela estrada ao longo do mar que vai de ..., na ilha ..., para ... passo por um cemitério à beira do mar, ligado a essa estrada por uma pequena alameda chamada “Rua ...”. Eis um bom parâmetro para a indemnização. Mais: para a representação do dano morte. Os seres humanos são todos iguais, sendo por isso o prejuízo da perda da vida o mesmo para todos. Portanto, a indemnização deve ser a mesma para todos. Por baixo das funções sociais, das profissões, da maior ou menor capacidade de fazer a sua própria felicidade e dos outros, da utilidade social, etc., encontra-se, no núcleo central, uma vida, a mesma para todos os seres humanos, dado que todos os seres humanos são iguais neste núcleo essencial”[43].
Salvo o devido respeito, o nome da rua açoriana[44] é revelador da inelutabilidade da morte, que, por igual, a todos atingirá.
No entanto, já não nos parece juridicamente correto, pois seria violador da equidade, que, por exemplo, um idoso, doente terminal, e um jovem acabado de sair da Universidade, falecidos no mesmo acidente rodoviário, tenham a mesma compensação pelo dano de supressão da vida[45]; e se o futuro é indecifrável, a esperança de vida é um dado estatístico e juridicamente operante.
Não podemos, pois, deixar de atender – como o fez a primeira instância – à concreta idade do filho dos autores, à sua saudável constituição física e sã vida emocional, aos projetos e expetativas futuras que tinha projetadas.
Por outro lado, sempre haveria que atender ao efeito depreciativo do valor do dinheiro, no momento atual e que, em rigor, deveria atualizar em mais de dez por cento uma compensação fixada há dois ou mais anos.
Nesta ponderação não podemos olvidar a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça e o acórdão aí proferido há pouco mais de um mês [10.10.2023, Relator, Conselheiro Jorge Arcanjo, Processo n.º 9039/20.9T8SNT.L1.S1, dgsi] diz-nos o seguinte: “O acórdão recorrido quantificou o chamado dano morte em €100.000,00. Os Autores aceitam-no, mas a Ré Seguradora impugna-o, considerando-o exagerado, reclamando o valor de € 80.000,00. Não está em causa a ressarcibilidade do dano não patrimonial constituído pela perda do direito à vida (art.496 nº3 CC), que é o mais importante dos direitos fundamentais e o dano morte, no plano dos interesses da ordem jurídica, o prejuízo supremo. A jurisprudência portuguesa, sobretudo a partir de meados da década de 90 (do século passado) deu um salto qualitativo, aumentando progressivamente a indemnização pela perda do direito à vida, como se resumiu no Ac. do STJ de 17/2/2002 (dgsi), com indicação de diversas decisões. Como critério adjuvante para a determinação equitativa do dano, a jurisprudência passou a socorrer-se da Resolução do Conselho de Ministros sobre o caso do acidente de Entre-os Rios de 4/3/2001, segundo o parecer do Provedor de Justiça (Diário da República, n.º 96, 2ª série, de 24 de Abril de 2001 - resumo, parte VIII, páginas 7142). Funcionando então o acidente de Entre-os-Rios como uma espécie de “precedente” ou “premissa endoxal”, não pode deixar de se entender hoje a posterior evolução do custo de vida, os aumentos dos prémios de seguros, e sobretudo o princípio da dignidade da compensação dos danos. Se já em 2013 a jurisprudência passou a atribuir valores que oscilam entre €50.000,00 e € 80.000,00, chegando a atingir €100.000,00 para vítimas jovens (cf., por ex., Ac STJ de 29/10/2013 (proc. n.º 62/10.2TBVZL), Ac STJ de 18/12/2013 (proc. nº 1749/06.0TBSTS, em dgsi), a posterior evolução e o princípio da atualidade reclamam claramente valores superiores. Sendo assim e partindo destes valores de referência, é evidente que o valor arbitrado de €100.000,00 não se mostra exagerado, justificando-se hoje uma quantificação mais elevada”[46].
Tendo em conta a factualidade dada como provada e da qual transparece a idade ainda jovem da vítima mortal, a sua condição física e emocional, a vida que levada e a atividade que exercia, bem como os projetos que acalentava e o que transcrevemos no parágrafo anterior, não temos qualquer dúvida quanto à equidade e justeza da compensação arbitrada na primeira instância, a qual acompanhamos.
Nessa parte, como decorre, mostra-se infundada a apelação da ré.
Quanto à compensação dos demais danos, entende também a recorrente que a mesma se mostra excessiva.
Está em causa o dano não patrimonial sofrido pelos demandantes pela morte do filho e uma primeira nota prende-se com o sofrimento acentuado, demonstrado nos autos, mas sempre de presumir quando um filho falece antes dos pais, derrogando a ordem natural das coisas.[47] Trata-se de um sofrimento/dor inominável, stricto sensu[48].
Ainda assim, porque a equidade, olhando ao caso concreto, tem a ver os casos semelhantes e, através destes, com todos quantos merecem destrinça, não é equivalente, na dimensão objetivável e temporalmente presumível, o sofrimento de quem perde um filho daquele que virá a ter o jovem filho que perde o pai. Também há que distinguir as situações em que se perde o filho único daquelas em que se perde um dos filhos.
No acórdão que citámos a propósito do dano da morte foi atribuída a compensação de cinquenta mil euros à unida de facto (que se encontrava grávida do falecido) e outro tanto ao filho, ainda nascituro aquando do acidente, frisando-se que este crescerá sem o pai.
Por sua vez, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.10.2021 [Relator, Conselheiro António Magalhães, Processo n.º 14810/15.0T8LRS.L2.S1, dgsi] decidiu-se, como resulta do seu sumário, que “Apesar de o falecimento do pai ter causado a ambos os autores enorme tristeza, sofrimento e consternação, justifica-se que ao 2º autor, que tinha 4 anos, à data do acidente, que saía quase diariamente com o pai para brincar, que “sente num enorme tristeza e desgosto por não ter o seu pai presente e sente muito a sua falta”, seja atribuída indemnização por danos não patrimoniais superior à do 1º autor, de 18 anos, que, não obstante manter contacto com o pai, falando com ele ao telefone e via Skype, e deslocar-se a Portugal nas férias para estar com o pai, residia já no Canadá; ao primeiro deve ser, assim, mantida a indemnização de 40.000€ (que não pode ser aumentada) e ao segundo reduzida a indemnização para 35.000€.”
Volvendo ao caso presente, e tendo por indesmentíveis os sofrimentos dos autores com a morte do seu jovem (27 anos) filho, ainda que não filho único, e considerando os valores que se referiram e a gravidade dos casos apreciados, exacerbada por estarmos perante filhos que crescerão sem a companhia do ente falecido, revela-se-nos como mais equitativa, não a quantia fixada em primeira instância nem a defendida pela recorrente, mas o valor – igual para cada um dos autores – de 40.000,00€ (quarenta mil euros).
Fixada ao momento atual, os juros de mora são devidos desde a presente data.
Nesta parte, o recurso revela-se parcialmente procedente.
Em conclusão, o recurso interposto pelo interveniente acessório é procedente e o recurso interposto pela ré é parcialmente procedente.
Considerando que os autores não responderam ao recurso e da procedência do mesmo só o apelante beneficia, as custas são devidas pelo interveniente acessório (artigo 527, n.º 1, parte final, do CPC).
As custas do recurso da ré, tal como da ação, refletem o vencimento e decaimento respetivos.
IV – Dispositivo
Pelo exposto, acorda-se na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto em julgar:
- Procedente o recurso interposto pelo interveniente acessório e, em conformidade, alterar a decisão relativa à matéria de facto nos termos assinalados em III.I;
- Parcialmente procedente o recurso interposto pela ré e, em conformidade, no mais mantendo o decidido em primeira instância, substituir a condenação constante da alínea c) da sentença e, em seu lugar, condenar a ré no pagamento aos autores da quantia de 80.000,00€ (oitenta mil euros) a título e danos não patrimoniais próprios, acrescida de juros de mora desde a presente data.
Custas do recurso interposto pelo interveniente a seu cargo.
Custas do recurso interposto pela ré (e com reflexo na ação) de acordo com o vencimento e decaimento da ré e dos autores.
Porto, 27.11.2023
José Eusébio Almeida
Fátima Andrade
Augusto Carvalho
_____________ [1] “18.º Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o AA conduzia o veículo ..-XV-.. de forma completamente distraída, pois não prestava qualquer atenção à atividade - condução -, que executava. 19.º Imprimindo ao XV uma velocidade excessiva, superior a cento e trinta quilómetros por hora. 20.º Devido à velocidade imprimida ao veículo, à distração que presidia à sua condução e ao estado do tempo e do piso, perdeu o domínio e o controle da viatura que conduzia”. [2] Embora seja imediatamente visível que a quantia referida na alínea a) engloba o dano da morte, dano este consensualmente considerado como não patrimonial, a ré/recorrente apenas questiona o valor fixado (95.000,00€) ao mesmo, e não a sua natureza, levada ao dispositivo, pelo que não cabe, nesta sede, proceder a qualquer correção. A questão, acrescente-se, terá reflexos em sede de termo inicial da contagem dos juros de mora, mas não faz parte do objeto do recurso (da ré). [3] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição Atualizada, Almedina, 2022, pág. 99. [4] Os Incidentes da Instância, 12.ª Edição (Atualizada e Ampliada), Almedina, 2023, págs. 110/111. [5] Neste sentido decidiu-se nesta Secção e Tribunal da Relação do Porto, no acórdão de 22.05.19 [Relator, Desembargador Manuel Fernandes, Processo n.º 1152/15] – por lapso, referido na obra citada na nota anterior, a pág. 111, nota 212, como de 25.05.19. Como se sumaria no acórdão, “II - Assim, o interveniente acessório, para além da situação especial prevista no artigo 329.º do CPCivil (quando o assistido for revel), só tem legitimidade para interpor recurso quando demonstre que a decisão o prejudicou direta e efetivamente, situação que não se verifica quando pretenda apenas interpor da decisão final em que o chamante, como réu, é condenado no pedido indemnizatório formulado pelo autor. III - É que a intervenção acessória visa apenas impor ao chamado os efeitos do caso julgado da acção, de modo a que não seja possível (nem necessário), que na subsequente acção de regresso que vier a ser proposta pelo réu contra o chamado se voltem a discutir as questões já decididas no anterior processo enquanto elemento condicionante ou prejudicial da existência do direito de regresso ou indemnização, ou seja, os pressupostos concernentes à existência e ao conteúdo do direito à indemnização da titularidade do autor”. Em comentário a este acórdão, Miguel Teixeira de Sousa (Blog do IPPC, Jurisprudência 2019 (1935, 9.12.19) Considera que “coartar a faculdade de o assistente interpor recurso da decisão condenatória proferida na ação de indemnização torna este assistente "refém" do comportamento do demandado condenado. Sabendo esta parte que, na posterior ação de regresso, o assistente dificilmente consegue opor-se ao montante da indemnização e ao próprio direito à indemnização, o demandado condenado pode não encontrar um incentivo suficiente para interpor recurso da decisão condenatória. Os efeitos desta situação só podem ser afastados através da atribuição de legitimidade para recorrer à parte acessória”, para concluir, além do mais, que “deve reconhecer-se legitimidade ao assistente para interpor recurso da decisão condenatória do demandado”. [6] Ob. Cit., pág. 111. [7] João de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume II, AAFDL Editora, Lisboa, 2022, pág. 158. [8] Nos termos do artigo 332 do CPC, “A sentença proferida na causa constitui caso julgado em relação ao assistente, que é obrigado a aceitar, em qualquer causa posterior, os factos e o direito que a decisão judicial tenha estabelecido (...)”. Por sua vez, relevantemente, o artigo 323, n.º 4 do mesmo diploma legal preceitua que “A sentença proferida constitui caso julgado quanto ao chamado, nos termos previstos no artigo 332.º, relativamente às questões de que depende o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior ação de indemnização”. [9] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil... cit., pág. 333. [10] Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2015, pág. 162. [11] Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 3.ª Edição, Almedina, 2022, pág. 577 [“Foi, assim, arredada a conceção segundo a qual a atividade cognitiva da Relação se deveria confinar, tão-somente, a um mero controlo formal da motivação/fundamentação efetuada em 1.ª instância. Porque necessariamente gravados os depoimentos prestados na audiência final (artº 155º), bem como (gravados e/ou registados os prestados antecipadamente ou por carta – artº 422º n.º 1 e 2), pode a Relação reapreciar e ponderar a prova produzida sobre a qual haja assentado a decisão impugnada, atendendo aos elementos indicados, em ordem a formar a sua própria e autónoma convicção sobre o material fáctico (resultado probatório processualmente adquirido”]. [12] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos..., 7.ª Edição... cit., pág. 201. [13] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição, Almedina, 2022, pág. 831, anotação 2. [14] Neste mesmo sentido, refere Carlota Spínola (O Segundo Grau de Jurisdição em Matéria de Facto no Processo Civil Português, AAFDL Editora, Lisboa, 2022, pág. 44) que “o TR está eximido do exercício do dever de modificabilidade da decisão de facto nas situações de irrelevância processual que ficam, por conseguinte, excluídas de aplicação do art. 662.º Esta constatação lapalissiana baseia-se no princípio da limitação dos atos expressamente previsto no art. 130.º, enquanto manifestação dos princípios da celeridade e da economia processual, acolhidos nos arts. 2.º/1 e 6.º/12”. [15] Há lapso na redação do facto provado, tendo querido dizer-se, certamente “a uma velocidade excessiva”. [16] Efetivamente, quer aquando da enunciação dos temas de prova, quer em julgamento, quando, a requerimento dos autores, foi confrontado com a irrelevância probatória da posição do interveniente, o tribunal entendeu diferentemente e, em consequência, produziu a prova também sobre o circunstancialismo do acidente. Como referimos a propósito da admissão do recurso do chamado, ao chamado impõe-se o efeito de caso julgado e este há de permitir o recurso, mas, salvo melhor saber, o próprio e prévio contraditório. [17] Que não se recorda do acidente e tudo quanto sabe foi o que lhe disseram, pois ficou ferido, esteve no Hospital e “não se lembra de nada”. [18] Conhecia o filho dos autores, mas não assistiu ao acidente. [19] Conhecia o filho dos autores e conhece o autor marido, mas só sobre aquele conhecimento se pronunciou. [20] Amigo do autor marido, conhecia o seu filho, tendo deposto sobre o que sabia acerca “do DD”. [21] Que foi acompanhando “a vida do DD” e sobre isso mesmo depôs. [22] Que foi professora do DD e depôs sobre o seu conhecimento da sua pessoa. [23] Respetivamente, filha e genro dos autores, que não presenciaram o acidente. [24] Que conhece o interveniente e conhecia o filho dos autores, nada depondo em relação ao acidente. [25] Que não presenciaram o acidente. [26] Mantemos a numeração constante da sentença, onde é omitido, certamente por lapso, o número 13. [27] Renovamos a nota antecedente, agora quanto ao ponto número 18. [28] Sobre “o anunciado declínio na responsabilidade civil”, a partir do tempo em que “o dano se tornou anónimo” (ainda que mais anunciado que real) e a emergência do contrato de seguro, Maria Elisabete Gomes Ramos, O Seguro de Responsabilidade Civil dos Administradores, Almedina, 2010, págs. 19/22 e 32/33. [29] Enquanto dano não patrimonial autónomo, dano este admitido, hoje, de modo unânime pela jurisprudência. Nem sempre assim foi, no entanto. “No Acórdão de 1 de fevereiro de 1969 foi perfilhada abertamente a tese negativa (...) Para o acórdão, e em caso de morte imediata, o sofrimento da vítima não pode ser ponderado, porquanto entre o facto danoso e o resultado (morte decorre um ínfimo decurso do tempo. (...) Por seu lado, e dando voz à tese que defendia a ressarcibilidade autónoma do dano da morte (logo, com posição diametralmente oposta à sufragada no aresto anterior) no Acórdão de 17 de março de 1971 perfilha-se a tese de que a perda do direito à vida é um direito de personalidade, em si mesmo, passível de reparação pecuniária, uma vez que a violação ilícita desse direito não pode deixar de dar lugar à obrigação de indemnizar.” (Bruno Bom Ferreira: Dano da Morte: Compensação dos danos Não Patrimoniais à Luz da Evolução da Concepção de Família, Almedina, 2019, págs. 67/69). [30] António Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, Almedina, 2010, pág. 520) escreve: “Os artigos 495.º e 496.º não tratam, nem tinham de tratar, dos danos sofridos pelo próprio morto. Estes, que podem ser patrimoniais ou morais, derivam das normas que garantem a sua propriedade (em sentido amplo) e os seus bens de personalidade, conjuntamente com as cláusulas gerais dos artigos 483.º71 e 496/1 do Código Civil. Nos termos gerais do fenómeno sucessório, as indemnizações a que tais danos deem lugar transmitem-se aos sucessores do morto que podem coincidir ou não, com as pessoas referidas no n.º 2 do artigo 496.º”. [31] Direito das Obrigações, Volume I, 13.ª Edição, Almedina, 2016, págs. 306/307. [32] António Barroso Rodrigues (O Concurso de Responsabilidade Civil, Almedina, 2023, pág. 234) refere: “Nada obsta a que este dano se transmita nos termos especiais do artigo 496.º, em termos não coincidentes com as regras sucessórias (2024.º), por imposição legal expressa, contrariamente aos danos patrimoniais”. [33] Nesse sentido e enumerando as razões desse entendimento, Bruno Bom Ferreira, Dano da Morte: Compensação... cit., págs. 76/82. [34] Bruno Bom Ferreira: Dano da Morte: Compensação... cit., pág. 75. [35] Direito das Obrigações, 12.ª Edição (7.ª reimpressão), Almedina, 2019, págs. 591/592. [36] Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 358 [37] Ainda assim, refere Ana Prata (Código Civil Anotado, Volume I, 2.ª Edição, Ana Prata (Coord.), Reimpressão, Almedina, 2021, pág. 682): “Diversamente do que por vezes se lê, os danos não patrimoniais são suscetíveis de avaliação pecuniária, pois são objeto de indemnização e esta é em dinheiro, na esmagadora maioria dos casos. Os interesses lesados, esses sim, é que são patrimoniais”. [38] Como se sumaria no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.11.2003 [Relator, Conselheiro santos Bernardino, Processo n.º 03B3528, dgsi]. [39] Relator, Desembargador Carlos Gil, Processo n.º 3323/20.9T8VNG.P1 (dgsi). E onde se acrescenta, ainda: “A compensação por danos não patrimoniais é fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º do Código Civil (primeira parte do nº 4, do artigo 496º do Código Civil), devendo atentar-se no disposto no artigo 8º, nº 3, do Código Civil, em ordem a uma aplicação, tanto quanto possível, uniforme do direito, assim se respeitando e realizando o princípio da igualdade”. [40] Sem prejuízo, naturalmente, da proibição de reformatio in pejus, que vigora no direito recursório português. [41] Comentário ao Código Civil – Parte Geral, 2.ª edição revista e atualizada, UCP Editora, 2023, pág. 32. [42] Mas, como refere Nuno Alexandre Pires Salpico (Cálculo de Danos e Equidade, Almedina, 2023, pág. 232), “A maior elasticidade dos critérios de decisão não significa a ausência de fundamento. Como se notou, grande parte das remissões para equidade prende-se com determinação de quantidades, e muitas delas mostram-se com critérios atrelados na própria norma – como exemplo, os artigos 494.º do CC, quanto à redução equitativa da indemnização em caso de mera culpa e o artigo 496, n.º 4 do CC, em relação ao cálculo de danos não patrimoniais. Ambas as normas contêm os critérios do grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado – e outras, apesar de permitirem uma margem de consideração às circunstâncias do caso concreto, estão alinhadas e dirigidas com finalidades jurídicas, desde a proporcionalidade da solução à tutela efetiva dos bens jurídicos”. [43] “Os danos causados pela morte e a sua indemnização”, Comemorações dos 35 anos do CÓDIGO CIVIL e dos 25 anos da Reforma de 1977, Volume III – Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 2007, págs. 132/137, a págs. 135/136. [44] Atualmente, a rua junto ao cemitério ... chama-se rua .... [45] Aliás, segundo os critérios e valores estabelecidos na Portaria nº 377/2008, de 26 de maio (com as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de junho) e ainda que tenham o seu âmbito de aplicação confinado à fase extrajudicial de resolução do sinistro, não se impondo ao julgador, uma vida até aos 25 anos seria compensada em valor (61.560,00€ em 2009) equivalente ao dobro de outra com mais de 75 anos (30.780,00€ em 2009). [46] A vítima, no caso apreciado, tinha 39 anos de idade. [47] Ainda recentemente foi significativamente aumentada a licença de nojo por falecimento de descendente ou afim no 1.º grau na linha reta. [48] Como escreve o filósofo francês Michel Onfray (Sabedoria – Saber viver ao pé de um vulcão – tradução de Pedro Elói Duarte, Edições 70, 2023, pág. 124) “Conhecemos um termo que significa a perda de um cônjuge: viúvo ou viúva; para a perda de um progenitor, pai ou mãe, é órfão; mas não existe nenhum para designar a aflição dos pais que perdem os filhos – como se isto fosse acompanhado por um sofrimento tão violento que nenhuma palavra o pudesse nomear”.