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ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÕES
Sumário
I - Compete à assembleia de condóminos fixar penas pecuniárias para a inobservância das deliberações tomadas pela mesma quanto à ocupação e utilização dos espaços comuns, fora do condicionalismo aprovado. II - Constando de ata da assembleia de condóminos, os dias, os meses e anos em que o condómino infringiu o anteriormente deliberado quanto à ocupação e utilização dos espaços comuns, bem como o valor das respetivas penalidades, analisando e decidindo a assembleia, naquele momento, que tais valores eram devidos e estavam em dívida, deliberando e votando no sentido de ser instaurada ação executiva tendente à cobrança dos mesmos, encontra-se devidamente expressa a vontade dos condóminos de aplicarem as penalidades através dessa decisão, a qual corresponde substancialmente a uma deliberação para efeitos condominiais. III - Na ação de anulação das deliberações da assembleia de condomínio, o tribunal limita-se a decretar a anulação e não a apreciar o mérito ou a substituir a matéria dispositiva da deliberação, salvo se estiver em causa a aplicação de uma penalidade tida por excessiva, pois, nesse caso, pode reduzir o valor de acordo com os limites legais. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora
I – RELATÓRIO
AUTOCOVEAL - COMÉRCIO E ALUGUER DE VEÍCULOS AUTOMÓVEIS, LDA., intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra:
1. CABANA FRESCA – EXPLORAÇÃO TURÍSTICA E HOTELEIRA, LDA.
2. AA
3. BB
4. CC
5. DD
6. EE,
todos representados pela Administração do Condomínio dos Apartamentos …, sito na Praceta …, Areais de S. João, Albufeira, formulando os seguintes pedidos:
«(…) deve ser declarada a nulidade das deliberações melhor identificadas supra, tomadas na assembleia de condóminos realizada no dia 17 de Julho de 2020, por falta de quórum, e declarado que a autora nada deve ao condomínio a título de multas e encargos ou despesas pela utilização de partes comuns.
Subsidiariamente, por dever de patrocínio e mera cautela, pede-se a redução do montante das multas para o limite máximo que resulta do disposto no 1434, 2 do C. Civil, com os legais efeitos.»
Para tal, alegou, em síntese, que participou na referida assembleia a sociedade Ronetur, mas que a mesma já tinha vendido a sua propriedade, pelo que não tinha poderes para intervir na assembleia, ficando assim o quórum reduzido a 37,2%, pelo que, por manifesta falta de quórum, devem ser declaradas nulas todas as deliberações tomadas na referida assembleia de condóminos.
Também alegou, à cautela, que não ocupou a zona comum de calçada durante dia algum; que a eventual ocupação não corresponde a ocupação diária ou outra e que sempre teria de haver redução da multa, sob pena de haver abuso de direito; que o condomínio não procedeu a qualquer diligência de apuramento dos factos que viessem a permitir a aplicação das multas, o que acarreta omissão procedimental e nulidade da deliberação impugnada; que a aplicação das multas em relação à fração A é discriminatória da Autora em relação ao permitido às lojas B, C e D e, por isso, nula; e que o montante das multas excede o limite fixado no artigo 1434.º do Código Civil, não podendo a penalidade anual ser superior a €3.559,00.
Citados os Réus através da Administradora do Condomínio, foi apresentada contestação onde foram impugnados os factos alegados pela Autora, invocando, em síntese, que a assembleia deliberou em segunda convocatória, pelo que, mesmo não contabilizando a presença da sociedade da Ronetur, existia quórum.
Relativamente ao pedido subsidiário, foi aceite a redução das multas relativas aos anos de 2018 e 2019.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, cuja parte dispositiva tem o seguinte teor:
«Pelo exposto, julgo improcedente o pedido principal, julgando procedente o pedido subsidiário e, em consequência:
a) reduzo o montante das multas a pagar pela autora à ré relativa aos meses de 2018 e de 2019 para o valor de 3.559,46€ por cada um desses anos;
b) absolvo a ré do demais peticionado;
c) condeno a ré nas custas da ação.»
Inconformada, apelou a Autora apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«a) Na ata da assembleia geral de 17 de julho de 2020, de fls. 17 a 21 dos autos, consta simplesmente a deliberação de “intentar ação executiva” contra a autora, pelas multas aplicadas pela administração, devendo como tal ser corrigido o facto provado nº 6 da sentença, que se baseou somente naquele documento;
b) Como expressamente consta do referido art. 1434, nº 1 do CC, a competência para aplicar (“fixar”) as multas cabe à assembleia de condóminos e não à administração;
c) Consequentemente, a deliberação é nula, não produz efeito algum no que respeita à fixação das multas pela administração (incompetente) e à cobrança da dívida correspondente à autora; Neste sentido decidiu o douto acórdão da Relação de Lisboa de 26-01-2023;
d) A entidade que aplica multas está obrigada a demonstrá-las, a prová-las concretamente e a permitir a impugnação, no âmbito de um procedimento adequado ao exercício do direito de defesa e do contraditório, sob pena de se instituir um quadro de impunidade infra jurídica, que feriria o art. 1434, nº 1 do CC de inconstitucionalidade, por ofensa aos arts. 20, nº 1 e 202, nº 2 da Constituição;
e) A acta da assembleia de condóminos que delibere sobre a fixação de penas pecuniárias a aplicar aos condóminos incumpridores das respetivas obrigações, não constitui título executivo, como decidiu o douto acórdão do STJ de 11-03-2021;
f) O condomínio tem de provar judicialmente os factos e o direito que suportam a deliberação de aplicar a multa, o que tem de ser efetuado de acordo com as regras da prova, no âmbito de uma ação de condenação comum;
g) E está onerado pelo ónus da prova, visto que tais factos só a ele aproveitam – art. 342, nº 1, do CC;
h) Furtando-se a tal ónus, uma vez convocado pela autora para os presentes autos, o condomínio precludiu definitivamente o direito de tornar a discutir a mesma matéria, por força do caso julgado (arts. 580 e 581 do CPC);
i) A douta sentença recorrida violou o disposto nos arts. 342, nº 1 e 1434, nº 1 do CC e condenou a autora no pagamento do que não é devido.
Deve a douta sentença ser revogada, proferindo-se douto acórdão que declare a nulidade da deliberação tomada na ata em causa e que desobrigue a autora do pagamento de qualquer multa.»
Não foi apresentada resposta ao recurso.
Foram colhidos os vistos.
II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, impõe-se apreciar:
- Da alteração do ponto 6 dos factos provados;
- Da nulidade da deliberação em relação às multas aplicadas à Autora.
B- De Facto
A 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto:
Factos Provados
«1. O condomínio Apartamentos … é composto pelas frações autónomas designadas pelas letras sucessivas de “A” a “AC” e diversas partes comuns.
2. A autora é proprietária da fração autónoma designada pela letra “A”, composta por loja destinada a comércio.
3. A 17/07/2020, reuniu a assembleia de condóminos, convocada pelo administrador, o qual constatou a presença de condóminos representantes de 43,7% do capital investido no edifício.
4. Tomou parte na referida assembleia a sociedade Ronetur, Lda, em representação das frações B e C.
5. A Ronetur, Lda havia alienado a propriedade da fração B a 5 de março de 2020.
6. Na ata da assembleia referida em 3, foram imputada à autora a dívida de 14.000,00€ a título de multas, correspondendo 1.500,00€ ao ano de 2017, 5.550,00€ ao ano de 2018 e 7.350,00 ao ano de 2019.
7. O valor patrimonial tributável da fração da autora é de 94.918,88€.
8. A assembleia reuniu em segunda convocatória.
9. Além da Ronetur em representação da fração B, estiveram presentes condóminos das seguintes frações:
(i) C, com a permilagem de 3,80000;
(ii) D, com a permilagem de 6,40000;
(iii)G, com a permilagem de 3,50000;
(iv) J, com a permilagem de 3,20000;
(v) P, com a permilagem de 4,80000;
(vi) Q, com a permilagem de 3,90000;
(vii) S, com a permilagem de 4,30000;
(viii) T, com a permilagem de 3,80000;
(ix) X, com a permilagem de 3,50000;
(x) Z, com a permilagem de 4,80000;»
Factos Não Provados
«A) A Ronetur, Lda havia alienado a propriedade da fração C a 5 de março de 2020.»
C- Do conhecimento das questões colocadas no recurso
1. Da alteração do ponto 6 dos factos provados
Na conclusão a), a Apelante alega que na ata da assembleia de 17-07-2020, consta simplesmente a deliberação de «intentar ação executiva» contra a Autora pelas multas aplicadas pela administração, devendo como tal ser corrigido o facto provado n.º 6 da sentença, que se baseou somente naquele documento.
Vejamos.
A decisão sobre a matéria de facto é suscetível de ser reapreciada em sede de recurso se o impugnante cumprir os requisitos legais previstos no artigo 640.º do CPC.
Decorre deste normativo que, querendo impugnar a decisão da matéria de facto, o recorrente tem de especificar os seguintes aspetos: os concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados; os concretos meios probatórios que, na ótica do recorrente, impunham decisão diversa; e o sentido da decisão que deve ser proferida; sendo que no tocante aos depoimentos gravados carece de indicar as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
A violação deste ónus, determina a rejeição imediata do recurso na parte afetada.
Importa sublinhar que os requisitos legais da impugnação da decisão de facto estabelecidos neste preceito, não podem dissociar-se da exigência que o legislador estabelece em relação ao dever do julgador fundamentar e motivar de forma crítica a prova produzida, que deve inserir na decisão de facto que, por sua vez, faz parte integrante da sentença (artigo 607.º, n.º 4, do CPC, artigo 154.º do mesmo Código e artigo 205.º, n.º 1, da CRP).
Como contraponto deste dever, o legislador estabeleceu também deveres que impendem sobre a parte que pretende impugnar a decisão de facto, instituindo o princípio da autorresponsabilização das partes, bem como os princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais, que se traduzem, no caso, no ónus de impugnação concreta e especificada dos factos impugnados e concretização dos meios de prova que, no entender do impugnante, impunham decisão diversa, impendendo sobre o impugnante a exposição dos argumentos que, extraídos da apreciação crítica dos meios de prova, em seu entender, conduziam a um resultado diverso do decidido pelo tribunal a quo.[1]
A falta de cumprimento do ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do CPC, implica a rejeição imediata do recurso na parte afetada, uma vez que a lei não prevê a prolação de qualquer despacho de aperfeiçoamento dirigido à parte incumpridora.
Trata-se de jurisprudência pacífica e sem qualquer anátema de inconstitucionalidade, como já decidido na Decisão Sumária do Tribunal Constitucional, de 12-04-2021 que decidiu «Não julgar inconstitucional a interpretação extraída da conjugação das normas contidas nos artigos 639.º, n.º 3 e 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil no sentido de o incumprimento dos ónus de impugnação em matéria de facto determinar a rejeição do recurso, sem que seja dado ao recorrente a oportunidade de aperfeiçoar as conclusões do recurso (…).»[2]
Ora, no caso em apreciação, a Apelante cumpriu o ónus de concretização do facto impugnado, bem como o de indicação do meio de prova em que baseia a impugnação, mas o não de indicação da decisão que, em seu entender, deveria ter sido proferida, como imposto pela alínea c), do n.º 1, do artigo 640.º do CPC.
Refere, quer no corpo da alegação, quer nas conclusões, que a redação do ponto 6 tem de ser corrigida para refletir o que consta da ata. Mas em que termos? Eliminando o que ficou escrito no ponto 6? Mantendo a redação e acrescentando que as multas foram aplicadas pela administração do condomínio? Acrescentando apenas que as multas foram aplicadas pela administração do condomínio? Eliminado todo o teor do ponto 6 e ficando apenas a constar que a deliberação e votação se reportou tão só ao segmento deliberativo «intentar ação executiva» ou aditando só esta última menção?
Não se sabe, porque a Apelante não o disse, incumprindo o referido ónus de concretização da decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida.
Nestes termos, rejeita-se a impugnação da decisão de facto.
De qualquer modo e, à cautela, mesmo que se entendesse que a Apelante pretendia que a alteração da redação do ponto 6 fosse no sentido de mencionar que a deliberação tomada foi apenas a de «intentar ação executiva» contra a Autora pelas multas aplicadas pela administração, tal impugnação não procedia. Primeiro, porque da ata não consta apenas a manifestação de vontade dos condóminos de autorizarem a administração a instaurar a ação executiva para cobranças das multas; segundo, porque o visado pela Apelante com a alteração do ponto 6 (embora sem se saber concretamente em que termos, como acima referido) tem subjacente um juízo conclusivo e valorativo de natureza jurídica quanto à não existência de deliberação sobre a aplicação das multas à Autora, o que extravasa o âmbito da decisão de facto.
Em face do exposto, mantém-se inalterada a redação do ponto 6 dos factos provados.
2. Da nulidade da deliberação em relação às multas aplicadas à Autora
Nas restantes conclusões, a Apelante defende que é nula a deliberação que lhe aplicou multas, aduzindo vários fundamentos que passamos a analisar.
Previamente, e muito sinteticamente, importa delimitar conceitos.
Descartando a polémica sobre a ocorrência de deliberações inexistentes, que para o caso em apreço nada revela, de acordo com a lei as deliberações das assembleias de condóminos podem ser: (i) Anuláveis (ou ineficazes lato sensu), se contrárias à lei (onde se incluem as deliberações afetadas de vícios formais) ou regulamento anteriormente aprovados, a requerimento de qualquer condómino que não as tenha aprovado (artigo 1433.º, n.º 1, do CC; (ii) Nulas quando infrinjam normas de interesse e ordem pública e normas imperativas, podendo ser impugnáveis a todo o tempo e por qualquer interessado, nos termos do artigo 286.º do CC; e, (iii) Ineficazes (ou deliberações ineficazes stricto sensu) quando as deliberações versem sobre assuntos para as quais a assembleia não tenha competência.[3]
No que concerne à aplicação de multas (penas pecuniárias), o artigo 1434.º, n.º 1, 2.º parte, do CC, estipula que a assembleia de condóminos pode fixar penas pecuniárias para a inobservância das disposições do Código Civil, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador.
O n.º 2 do preceito prescreve um limite máximo para as referidas penas.
Corresponde a entendimento que temos por largamente consensual que a competência para fixar penas pecuniárias por inobservância das suas deliberações é da assembleia de condóminos e não da administração do condomínio, sob pena de anulação por violação do artigo 1434.º, n.º 1, do CC.
Deste modo, quando a Apelante alega que a deliberação tomada na assembleia de 17-07-2020, é nula por a competência ser da assembleia de condóminos, por a mesma se inserir na competência da assembleia e não da administração, está em causa, não esse vício, mas sim o da anulabilidade da deliberação.
A questão relevante, porém, não é essa, mas sim a de saber se a dita assembleia deliberou ou não em relação à fixação de multas à Autora.
Embora a Apelante não o refira no recurso, resulta dos autos e mais concretamente da ata da assembleia extraordinária realizada em 16-08-2017 (cfr. fls. 62-64) que foi deliberado e votada a aplicação de multas sobre a utilização/ocupação pelos proprietários das Lojas A, B e C da área comum em frente à Lojas que integra o condomínio, tendo sido aprovado por maioria aplicar aos proprietários que não cumpram as deliberações aprovadas quanto ao modo de utilização daquele espaço comum, «o valor de €50€ diários».
Sendo que em relação à Loja A, propriedade da Autora, também foi deliberado, votado e aprovado por maioria que podia «colocar as suas motas do portão até à sua loja».
Tendo também sido deliberado, votado e aprovado que «ninguém pode ocupar a área da calçada portuguesa até à entrada do portão».
Decorre, assim, destas deliberações que o condómino que infrinja o modo como foi deliberado utilizar/ocupar os espaços comuns ali mencionados, o faz incorrer em multa diária, no montante aprovado.
A ata da assembleia geral de condóminos realizada em 17-07-2020 não deliberou sobre a fixação de penalidades referentes à utilização daqueles espaços comuns porque já existia deliberação anterior sobre a matéria.
Constando, ademais, da ata da assembleia geral de condóminos de 01-02-2020 que por Acórdão da Relação de Évora foi confirmado que «todas as deliberações tomadas na Assembleia de 16/08/2017 são válidas e a fração A terá de pagar a contribuição aprovada e as multas por incumprimento serão aplicadas.» (cfr. fls. 105 dos autos).
O que consta da ata da assembleia geral de condóminos de 17-07-2020, como se diz, no ponto 6 dos factos provados, é a imputação dos valores das multas por infrações nos concretos dias discriminados dos anos de 2017 e 2019, totalizando a quantia de €14.000.00.
Mais constando da ata, após se ter feito a discriminação de todos os dias, respetivos meses e anos, bem como o valor em relação a cada mês: «O montante devido a título de multas por estacionamento indevido é no valor de €14.000,00» e, mais à frente, «Após análise e discussão sobe os montantes em dívida supra mencionados a Assembleia votou e deliberar por unanimidade intentar ação executiva», concedendo, desde logo, poderes à administração para intentar a respetiva ação.
Em face do teor da ata, supra extratado não se nos oferece dúvida razoável sobre a existência de deliberação sobre a aplicação das multas por violação de anterior deliberação da mesma assembleia.
Dito de outro modo, constando de ata da assembleia geral os dias, meses e anos em que o condómino infringiu o anteriormente deliberado, bem como o correspondente valor das respetivas penalidades, analisando e decidindo a assembleia, naquele momento, que tais valores eram devidos e estavam em dívida, deliberando e votando no sentido de ser instaurada ação executiva tendente à cobrança dos mesmos, encontra-se devidamente expressa a vontade dos condóminos de aplicarem as penalidades através dessa decisão, a qual corresponde substancialmente a uma deliberação para efeitos condominiais.
Entende a Apelante que a aplicação das multas é da lavra da administração e não da assembleia de condóminos porque foi a administração que lhe foi comunicando as infrações e os valores em dívida. A Apelante teria razão, se não se desse o caso da fixação das multas decorrer de anterior deliberação da assembleia, limitando-se a administração a cumprir essa deliberação como lhe é imposto pelas alíneas f) e i) do artigo 1436.º do CC.
Razão pela qual a situação em discussão nestes autos é diferente da decidida no Ac. RL, de 26-01-2023,[4] que a Apelante invoca para enfatizar a incompetência da administração do condomínio para fixar penalidades e a nulidade da deliberação meramente confirmativa da sanção aplicada pela administração, pois, nesse caso, não havia deliberação da assembleia, anterior ou contemporânea, da aplicação das penalidades.
O que não se verifica aqui. Pois, para além de haver uma deliberação anterior válida e eficaz a fixar as penalidades, quando a assembleia geral de 17-07-2020, analisa e discute sobre os montantes das multas que a administração foi comunicando ao condómino, e delibera e vota que deve ser instaurada ação executiva para cobrança dos valores das multas pelas infrações que discrimina na ata, não pode deixar de ser interpretada tal deliberação como correspondente à vontade dos condóminos de fixarem e aplicarem à Autora aquelas concretas multas de acordo e em cumprimento da deliberação anterior.
Conclui-se, pois, que existe deliberação quanto à aplicação das multas em causa e que a mesma não é anulável pois estriba-se em deliberação anterior válida e eficaz que votou e aprovou a fixação de tais penalidades.
A Apelante também alega que a nulidade da deliberação em apreciação advém do facto da entidade que aplica as multas estar obrigada a demonstrar e provar os comportamentos que determinaram a aplicação da penalização, sob pena de «instituir um quadro de impunidade e infra jurídica, que feriria o art. 1434.º, n.º 1, do CC de inconstitucionalidade, por ofensa aos arts. 20, n.º 1 e 202, nº2 da Constituição.»
A argumentação da Apelante parece olvidar que o presente litígio se enquadra no âmbito de uma ação em que se pede a nulidade/anulabilidade de deliberações sociais e não no âmbito de uma ação declarativa condenatória em que se discutam os factos geradores da penalização aplicada. «Constitui entendimento pacífico o de que ao tribunal incumbe apenas avaliar da legalidade das deliberações tomadas pelos condóminos e não do seu mérito, não cabendo ao juiz sindicar o modo como a assembleia de condóminos usou os seus poderes, ou a adequação da deliberação tomada em face dos interesses dos condóminos, nomeadamente se a deliberação não corresponde aos interesses de um qualquer dos condóminos, mesmo que não seja ofensiva da lei ou dos regulamentos anteriormente aprovados. O tribunal limita-se, assim, a decretar a anulação e não a apreciar o mérito ou a substituir a matéria dispositiva da deliberação, salvo se estiver em causa a aplicação de uma penalidade tida por excessiva, o que, em bom rigor, consubstancia a observância do disposto no n.º 1 do art. 812.º do Cód. Civil.»[5]
Ora, o que a Apelante pretende discutir é o mérito da deliberação, questionando os factos que determinaram a aplicação das multas, o que se encontra arredado dos poderes do tribunal nesta ação.
Apenas está facultado ao juiz a análise dos limites máximos da penalização aplicada[6], o que foi objeto de decisão em sentido favorável à Autora e, aliás, de acordo com o defendido no pedido subsidiário.
É certo que, nos termos do artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25-10,[7] as deliberações são vinculativas para os condóminos, mas a cobrança dos valores em dívida, não sendo pagos voluntariamente, têm de ser objeto de cobrança coerciva, no meio processual próprio, estando ao alcance do devedor todos os meios de defesa permitidos na respetiva espécie processual.
Por conseguinte, também por este prisma, não existe fundamento legal para declarar a nulidade/anulação da deliberação, o que igualmente afasta a invocação da pretensa inconstitucionalidade.
A Apelante também argumenta que as atas das assembleias de condóminos que fixam penas pecuniárias aos condóminos não constituem título executivo.
A argumentação não tem qualquer relevância para o presente litígio, cuja ação não tem aquela natureza executiva, nem sequer foi intentada pelo Condomínio.
Em conclusão, improcede a apelação, sendo de confirmar a sentença recorrida.
Dado o decaimento, as custas ficam a cargo da Apelante (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.
III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 28-06-2023
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
Elisabete Valente (1.ª Adjunta)
Florbela Moreira Lança (2.ª Adjunta)
__________________________________________________
[1] Cfr. Ac. STJ, de 01-10-2015, proc. n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, em www.dgsi.pt.
[2] Proferida no proc. nº 256/2021 disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/20210256.html.
[3] Veja-se, SANDRA PASSINHAS, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2ª e., Almedina, 2002, p. 250, e ABÍLIO NETO, Manual da Propriedade Horizontal, Ediforum, 4.ª ed., reformulada, março 2015, p. 719-722.
[4] Proc. n.º 1600/19.0T8FNC.L1-6, disponível em www.dgsi.pt.
[5] ABÍLIO NETO, ob. cit., p. 733-734.
[6] Cfr., entre outros, Ac. RP, de 31-03-2011, proc. n.º 1842/05. 6TVLSB.L1-6, em www.dgdi.pt
[7] Que corresponde atualmente ao n.º 4 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25-10, na redação dada pela Lei n.º 8/2022, de 10-01.