I. A apelação, em regra, tem efeito meramente devolutivo, podendo a sentença recorrida ser executada provisoriamente.
II. Porém, na interposição do recurso, pode o recorrente requerer a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, oferecendo, desde logo, a prestação de caução.
III. Consequentemente, a exequibilidade da sentença para efeitos de execução provisória, só se encontra estabilizada quando for decidido o efeito do recurso e decidido o incidente de prestação de caução.
IV. Estas regras também se aplicam aos procedimentos cautelares, não obstante estarem em causa processos urgentes, uma vez que a urgência reflete-se no modo como se contam os prazos e, no caso dos recursos, no encurtamento do prazo de interposição e resposta e não na questão da exequibilidade imediata das decisões.
V. Tendo sido fixado efeito meramente devolutivo ao recurso interposto da decisão final proferida no procedimento cautelar, posteriormente à execução da providência decretada, a proibição da prática de atos inúteis impede que seja revogado o despacho interlocutório que indeferiu o pedido do recorrente pugnando pela não realização do ato executório, formulado antes da fixação do efeito do referido recurso.
(Sumário elaborado pela Relatora)
O Requerido deduziu oposição, concluindo pela improcedência do procedimento por ter a posse exclusiva e titulada e ser o único cessionário do estabelecimento comercial antes designado … e, agora, ….
Realizada audiência final, em 23-04-2023, veio a ser proferida sentença nos seguintes termos:
«Em face do exposto, defiro em parte a providência requerida, restituindo ao requerente AA – ainda que sem exclusividade - o acesso ao estabelecimento …, sito em Alvor, na Rua …, freguesia de Alvor, concelho de Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão, sob o n.º …, inscrito na matriz predial urbana com o n.º ….
D.N., notificando, pessoalmente e em inglês, o requerido do disposto no art. 375.º do Código de Processo Civil com cópia do art. 348.º do Código Penal.
Dispenso o requerente do ónus de propositura da ação principal. Notifique o requerido do disposto no art. 371.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Custas pelo requerido.»
A sentença foi notificada às partes no dia 24-04-2023. Nesse mesmo dia foi emitido Mandado para restituição do estabelecimento e notificação do Requerido. A diligência foi agendada para o dia 10-05-2023.
Em 02-05-2023, o Requerido BB interpôs recurso da sentença e requereu que fosse atribuído efeito suspensivo ao recurso nos termos do artigo 647.º, n.º 4, do CPC. Simultaneamente manifestou a intenção de prestar caução pelo valor de €2.000,00, embora também tenha requerido que o valor da caução fosse fixado pelo tribunal ou, em alternativa por perito nomeado pelo tribunal.
Em 03-05-2023, o Requerido BB apresentou novo requerimento requerendo que o tribunal «(…) se digne dar sem efeito a diligência agendada para o próximo dia dez de maio de 2023, aguardando-se assim, a apreciação da faculdade do requerido de requerer a atribuição do efeito suspensivo à apelação (…).»
Em 04-05-2023, foi proferido despacho que, apreciando o pedido de suspensão da diligência agendada para 10 de maio, decidiu:
«Por agora, inexiste fundamento para suspender a diligência determinada em processo de caráter urgente.
Contudo, em vista do requerimento de interposição de recurso e do efeito suspensivo requerido, com vista a evitar que venham a ser praticados atos inúteis, fica suspensa a execução, até que a parte contrária venha a pronunciar-se.»
Em 04-04-2023, o Requerente AA veio pronunciar-se pela manutenção do agendamento da diligência, alegando, em suma, que a decisão é dotada de coercibilidade e de executoriedade, não havendo fundamento para se suspender a mesma no prazo de interposição do recurso.
Em 08-05-2023, foi proferido o seguinte despacho, que vem a ser o recorrido:
«Suspensão da execução da decisão (agendada para 10 de maio)
Em vista da posição da parte contrária, por ausência de fundamento legal – note-se que o recurso ainda não foi admitido nem lhe foi fixado o efeito suspensivo requerido, assim como o requerido também não pediu a prestação de caução substitutiva (art. 368.º, n.º 3, do Código de Processo Civil) - indefiro.
Com vista a obviar as dificuldades de relacionamento elencadas pelo requerido, poderão as partes tentar chegar a algum acordo através das Ilustres Mandatárias que os representam. Nada vindo, proceda-se à execução da decisão, apurando-se junto das Ilustres Mandatárias sobre a necessidade de presença da entidade policial a fim de evitar conflito.»
No dia 10-05-2023, foi lavrado «Auto de Restituição e Notificação», donde, para além do mais, consta: «As portas foram franqueadas pelo requerido, tendo entregue uma chave pelas 10.30 horas; as quais foram entregues ao requerente.»
Em 23-05-2023 foi proferido despacho no procedimento cautelar a admitir o recurso interposto da decisão ali proferida, tem sido atribuído ao recurso efeito meramente devolutivo.
Entretanto, em 11-05-2023, tinha sido interposto recurso pelo Requerido em relação ao despacho proferido 08-05-2023 (que deu origem ao presente Apenso), apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«1. O despacho ora recorrido está ferido de ilegalidade crassa.
2. Revoga a decisão de executar directa e automaticamente a decisão do tribunal alegando, por um lado, ausência de fundamento para tal e, por outro, a não prestação de caução substitutiva.
3. Decisão essa que nunca poderia desde logo ter sido tomada.
4. Em primeiro lugar, a decisão proferida em sede de procedimento cautelar comum não é título executivo que se baste com a execução oficiosa pelo tribunal daquela, sempre sendo exigível a proposição de uma acção executiva autónoma.
5. Pois não estamos perante um procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse em que, a existência de esbulho e violência, permitem ao tribunal executar tal decisão.
6. O que ocorreu por iniciativa do tribunal em despacho proferido com a ref.ª 125439364, determinando que dessa conversão não possa resultar uma diminuição das garantias do requerido, nomeadamente no que respeita à execução de uma decisão (artigo 193.º, n.º2 do CPC).
7. Nos termos do artigo 704.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC, “A sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo.
2 - A execução iniciada na pendência de recurso extingue-se ou modifica-se em conformidade com a decisão definitiva comprovada por certidão; as decisões intermédias podem igualmente suspender ou modificar a execução, consoante o efeito atribuído ao recurso que contra elas se interpuser.”
8. Ora, nem a sentença transitou em julgado,
9. Nem tampouco foi ainda definido o efeito do recurso, cujo efeito suspensivo foi requerido aquando da sua interposição, nem foi apreciado o recurso.
111. Proferida ilegal e injustificadamente e logo após a interposição do recurso onde se requer fundadamente o efeito suspensivo, oferecendo-se o requerido para prestar caução para o efeito, cumprindo todos os requisitos legais para a sua atribuição através do meio processual adequado, em sede de alegações aquando da interposição do recurso.
12. Já o tribunal executa a decisão de execução que apenas suspende até a parte contrária se pronunciar.
13. O que a mesma faz através de requerimento e não em sede de contra alegações, violando-se o disposto nos artigos 638.º e 648.º, ambos do CPC.
16. E ainda, sem ter sido admitido o recurso ou apreciado o efeito suspensivo nele requerido previamente à ordem para executar.
17. Com fundamento em “ausência de fundamento legal” e no facto do requerido não ter pedido a prestação de caução substitutiva.
14. Seguindo-se a execução de uma decisão sem título executivo bastante para operar automaticamente.
15. E sem a própria decisão ter ainda transitado em julgado.0. Interposição essa prévia à decisão de executar a decisão do tribunal a quo.
18. No entanto, a caução substitutiva a que se refere no despacho, não poderá ser a necessária a oferecer em sede de recurso para requerer a atribuição do efeito suspensivo mas sim, queremos nós acreditar, pois não corresponde à verdade que o requerido não se ofereceu para prestar caução, à caução prevista no n.º 5 do artigo 704.º do CPC, que não poderia ser exigida neste âmbito para revogação da suspensão da execução porque a “parte vencida” (que aqui de recurso, o efeito suspensivo.
19. Refira-se que o recurso deu entrada no dia 2 de maio de 2023, requerendo-se aí com todos os fundamentos a atribuição do efeito suspensivo e, ainda assim, foi ordenada a execução de sentença no dia seguinte, dia 3 de maio de 2023.
20. Que dia 4 de maio de 2023 foi suspensa e por via do requerimento do requerente foi proferido despacho dia 8 de maio de 2023 a revogar tal suspensão.
21. O meio processual adequado para a parte contrária exercer o contraditório relativamente à atribuição de efeito suspensivo requerida no recurso do requerido é na sua apelação em sede de contra alegações, nunca em mero requerimento, pelo que o constante do despacho que manda revogar a decisão de suspensão da execução da sentença “até que a parte contrária venha a pronunciar-se.”, só poderia ocorrer, a ser permitido por lei, que não é, após apresentação não existe porque a posse é atribuída espantosamente a ambos) requereu, em sede de contra alegações, nunca em mero requerimento, pelo que o constante do despacho que manda revogar a decisão de suspensão da execução da sentença “até que a parte contrária venha a pronunciar-se.”, só poderia ocorrer, a ser permitido por lei, que não é, após apresentação pelo requerente das suas contra alegações, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 638.º, n.º 5 e 648.º, n.º 2 do Código Processo Civil.
22. Tal despacho, ora recorrido, foi notificado às partes dia 9 de maio de 2023 à tarde, para realização da diligência dia 10 de maio de 2023, pelas 10h.
23. Note-se que, tendo as mandatárias sido notificadas da revogação da suspensão da diligência agendada para execução oficiosa da sentença, via citius, apenas no dia anterior da parte da tarde, não assegurando o direito ao prazo razoável estabelecido na lei, a mandatária do ora requerido e ele próprio só tomaram conhecimento da mesma no próprio dia 10 de maio, através de contacto telefónico com o oficial de justiça no próprio dia e hora que comunicou que a diligência esta prestes a ocorrer para conferir o acesso do estabelecimento ao requerente.
24. E ainda que toda a execução tem por base um título, e que a sentença proferida no âmbito de um procedimento cautelar comum não é título executivo bastante para ser executada oficiosamente pelo tribunal e não por impulso do requerente, violando manifestamente o disposto no artigo 626.º do CPC.
25. Tal decisão, nos termos em que foi proferida e ordenada, através do despacho que ora se recorre, viola o disposto nos artigos 3.º, n.º 3, 4.º, 13.º, 704.º, 650.º, 641.º, 648.º, 149.º, n.º 1, 193.º, 638.º, n.º 1 e n.º 5, 626.º e 628.º, todos do Código de Processo Civil.»
Não foi apresentada resposta ao recurso.
Por despacho de 06-06-2023, foi proferido o seguinte despacho:
«Considerando que o recurso da decisão final foi já admitido e fixado o respetivo efeito - não suspensivo -, notifique no sentido de esclarecer se mantém interesse neste apenso.»
O recorrente pronunciou-se por requerimento de 09-06-2023 no sentido positivo.
Os presentes autos foram remetidos a esta Relação de Évora.
Foram colhidos os vistos.
II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do recurso
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões apresentadas, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), as questões a decidir no recurso são as seguintes:
- Questões prévias: (i) indeferimento da providência cautelar e convolação do procedimento cautelar; (ii) exigibilidade de uma execução autónoma em face do título executivo; (iii) atribuição do efeito do recurso da sentença proferida no procedimento cautelar e admissão e tramitação do pedido de prestação de caução;
- Exequibilidade imediata da sentença que decretou a providência cautelar.
B- De Facto
Os factos e as ocorrências processuais relevantes para apreciação do recurso constam do antecedente Relatório.
C- Conhecimento das questões colocadas no recurso
1. O Apelante suscita as questões prévias supra identificadas: (i) indeferimento da providência cautelar e convolação do procedimento cautelar; (ii) exigibilidade de uma execução autónoma em face do título executivo; (iii) atribuição do efeito do recurso da sentença proferida no procedimento cautelar e admissão e tramitação do pedido de prestação de caução.
Sucede, porém, que todas essas questões não podem ser apreciadas neste recurso.
A convolação do procedimento de restituição provisória de posse para procedimento cautelar comum foi oficiosamente determinada ao abrigo do artigo 376.º, n.º 3, do CPC, por despacho autónomo proferido em 13-09-2022, o qual não foi impugnado, encontrando-se transitado em julgado (artigos 619.º e 620.º do CPC). De qualquer modo, mesmo admitindo-se que só poderia ser impugnado com a sentença final por dele não caber recurso autónomo (cfr. artigo 644.º, n.º 2, do CPC), era no âmbito do recurso da sentença final que a questão teria de ser colocada e decidida.
Nunca no âmbito deste recurso que tem por objeto um despacho que não se pronuncia sobre tal questão.
No que concerne à suscitada questão de ser ou não passível de execução a decisão final proferida no procedimento cautelar no âmbito do mesmo processado ou, ao invés, dever ser instaurada uma ação executiva para esse efeito, também essa questão teria de se colocada e decidida previamente pelo tribunal a quo e só depois, da mesma ser apreciada e decidida, poderia a parte reagir contra o que assim fosse decidido.
Mas não existe qualquer decisão sobre essa concreta questão, nem o despacho recorrido se pronuncia sobre a mesma, pelo que também não cabe a sua apreciação no objeto do presente recurso.
Em relação à atribuição do efeito do recurso da sentença proferida no procedimento cautelar, admissão e tramitação do pedido de prestação de caução, decorre dos artigos 641.º, n.ºs 1 e 5, 647.º, n.º 4 e 648.º a 650.º do CPC, que o efeito do recurso é atribuído aquando da admissão do mesmo, ou seja, quando o juiz se pronuncia sobre o requerimento de interposição do recurso, sendo nesse momento também apreciado o pedido de prestação de caução com vista a obter-se o efeito suspensivo do recurso.
A decisão que admite o recurso, fixa a espécie e atribuiu o efeito não é definitiva na medida em que o tribunal ad quem pode decidir não conhecer do recurso, corrigir-lhe a espécie, o modo de subida ou alterar-lhe o efeito, uma vez que não está vinculado pelo decidido no tribunal a quo (artigos 653.º a 655.º do CPC).
De qualquer modo, a competência inicial para proferir o despacho de admissão do recurso, fixar a espécie, o modo de subida, e atribuir o efeito, bem como para decidir sobre a prestação de caução, é da 1.ª instância, a exercer aquando da pronúncia sobre a admissão do recurso. O que significa que estas questões não podem ser suscitadas, na perspetiva da sua impugnação, fora da tramitação do respetivo recurso e muito menos na alegação de um outro recurso que venha a ser interposto, ainda que relacionado com aquele, como é o caso presente.
Consequentemente, também esta questão não pode conhecida neste recurso.
2. Passamos agora à análise da questão que efetivamente pode ser apreciada no presente e recurso e que se prende com a exequibilidade imediata da sentença que decretou a providência cautelar.
O trânsito em julgado da sentença só ocorre, como estipula o artigo 628.º do CPC, quando a mesma já não seja suscetível de recurso ordinário ou reclamação.
Em regra, a exequibilidade da sentença, enquanto título executivo, só se verifica após o trânsito em julgado (artigos 703.º, n.º 1, alínea a), e 704.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPC).
Porém, a força executiva de uma sentença não se confunde com o seu valor de caso julgado, uma vez que pode ser dotada de coercibilidade antes do trânsito em julgado da sentença se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo, ou seja, não suspensivo ( artigo 704.º, n.º 1, parte final, do CPC.)
O recurso de apelação tem, por regra, efeito meramente devolutivo (artigo 647.º, n.º 1, do CPC), assistindo ao recorrente a faculdade de requerer a atribuição de efeito suspensivo, quando interpõe o recurso, desde que alegue que a execução da decisão lhe causa prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efetiva prestação de caução no prazo fixado pelo tribunal (artigos 647.º, n.º 4, e 704.º, n.º 5, do CPC).
Assim, proferida uma sentença recorrível cujo efeito, por regra, é meramente devolutivo, a exequibilidade imediata depende de não ser atribuído efeito suspensivo ao recurso e de não ter sido requerida, admitida e prestada a caução pelo recorrente.
A exequibilidade, ainda assim, é meramente provisória (cfr. artigo 704.º, n.º 2, do CPC).
Como refere RUI PINTO (Código de Processo Civil Anotado, Almedina, Vol. II, p. 427,anotação 2.), «O efeito meramente devolutivo significa que o recurso tem apenas por efeito a devolução de competência para o tribunal ad quem, sem que seja tolhida a eficácia do título decisório; será, porém, uma eficácia provisória, sujeita a confirmação ou revogação pelo tribunal ad quem.»
O que significa que a exequibilidade da sentença para efeitos de execução provisória só se encontra estabilizada quando for decidido o efeito do recurso e decidido o incidente de prestação de caução.
Sendo assim, é crucial saber se foi interposto recurso da decisão com pedido de atribuição de efeito suspensivo e pedido de prestação de caução.
Ou seja, há que aguardar que se esgotem os prazos de interposição do recurso previstos no n.º 1 do artigo 629.º do CPC, bem como o prazo de resposta da contraparte, e que seja proferido despacho de admissão do recurso com fixação do respetivo efeito.
Estas regras também se aplicam aos procedimentos cautelares (cfr. RUI PINTO, ob. cit. p. 430, anotação 4. IV.) não obstante estarem em causa processos urgentes, uma vez que a urgência reflete-se no modo como se contam os prazos e, no caso dos recursos, no encurtamento do prazo de interposição e de resposta (artigos 138.º, n.º 1, e 638.º, n.ºs 1 e 5, do CPC) e não na questão da exequibilidade das decisões.
Entendendo-se, ademais, que a regra hoje estabelecida do efeito meramente devolutivo do recurso (salvo nos casos previstos, v.g., nos artigos 647.º, n.º 2 e 3, 629.º, n.º 3, alíneas a) e b) e quando esteja em causa a posse ou propriedade de casa de habitação) não deve afastar a solução interpretativa acima acolhida, porquanto podendo ser afastado o efeito meramente devolutivo na sequência da interposição do recurso e da prestação de caução, seria um ato inútil enveredar pela imediata exequibilidade da decisão para posteriormente se discutir, se afinal de contas, a execução devia ou não prosseguir (independentemente da mesma ter sido veiculada em execução autónoma ou em requerimento apresentados nos autos onde foi proferida a decisão, conforme os casos).
Para além da inutilidade do ato e da correspondente proibição face ao disposto no artigo 130.º do CPC, ainda haveria que resolver a questão de, em alguns casos, a execução imediata ter causado prejuízo considerável à parte recorrente, efeito nocivo que a prestação de caução pretende arredar, acabando também por pôr em causa a utilidade e eficácia da mesma.
No caso em apreciação, o que se verifica é que a sentença final proferida no procedimento cautelar foi proferida em 23-04-2023, notificada às partes no dia seguinte; o recurso da mesma foi interposto em 02-05-2023 (muito antes do esgotamento do prazo de 15 dias previsto no artigo 638.º, n.º 1, do CPC), tendo o recorrente na interposição do recurso requerido a atribuição de efeito suspensivo ao recurso e oferecido a prestação de caução.
O tribunal a quo proferiu o despacho recorrido em 08-05-2023, ou seja, quando já estava interposto o recurso e formulados o pedido de atribuição do efeito suspensivo e de prestação de caução, indeferindo a suspensão da execução.
Mas mal, porque nenhum dos fundamentos aduzidos permitia a decisão de indeferimento. Primeiro, porque argumentar que o efeito do recurso ainda não estava atribuído não era motivo para, avisadamente, não suspender o agendamento da diligência já designada, mas sim para o suspender até ser proferido despacho a fixar o efeito ao recurso. Só nessa altura, poderia decidir se o recurso tinha efeito meramente devolutivo ou suspensivo, o que determinaria se a diligência seria ou não levada a cabo.
Segundo, porque erradamente menciona que não foi oferecida caução, tendo-o sido (independentemente de vir a ser admitida, pois essa questão dependia da apreciação do requerido).
Em suma, os fundamentos aduzidos para o indeferimento da pretensão do Requerente da providência relativamente à suspensão da execução não são juridicamente atendíveis para fundamentar o decidido.
Sucede, porém, que em 23-05-2023, foi admitido o recurso da decisão final proferida no procedimento cautelar e foi atribuído ao recurso dela interposto efeito meramente devolutivo.
Ora, a atribuição do efeito meramente devolutivo àquele recurso permite a execução provisória da decisão recorrida, como decorre do artigo 704.º, n.º 1, parte final, do CPC.
Sem prejuízo da mesma se extinguir ou modificar em conformidade com a decisão definitiva comprovada por certidão, como estipula o n.º 2 do mesmo artigo 704.º.
Sendo assim, a execução provisória da decisão final proferida no procedimento cautelar, passou a ter apoio na lei posteriormente à prolação do despacho recorrido.
Ora, nesta situação revogar o despacho recorrido seria perfeitamente inútil, por o ato de execução provisória da sentença final, já poder ser praticado após a prolação do despacho recorrido, em consequência do efeito meramente devolutivo fixado ao recurso interposto da decisão final.
A fim de evitar essa inutilidade, proibida por lei (artigo 130.º do CPC), e considerando, ainda, o princípio de atendibilidade de factos jurídicos supervenientes subjacente ao disposto no artigo 611.º do CPC, entende-se que, no caso, não deve ser revogado o despacho recorrido, sem prejuízo da exequibilidade da sentença final proferida no procedimento cautelar estar sujeita ao regime previsto no artigo 704.º, n.º 2, do CPC, como supra referido.
Por esta razão, improcede a apelação.
III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, mantendo o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente (artigo 527.º do CPC).
Évora, 28-06-2023
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
Francisco Xavier (1.º Adjunto)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)