INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
FALTA DE CAUSA DE PEDIR
APERFEIÇOAMENTO
LEGITIMIDADE
ACÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRA SÓCIOS E GERENTES
Sumário

I. A causa de pedir corresponde ao conjunto dos factos concretos e essenciais dos quais emerge o direito que o autor pretende fazer valer.
II. Não sendo invocados tais factos, ocorre ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, porquanto se mostra comprometido o conhecimento do mérito da causa.
III. Sendo a petição inepta, não há lugar a despacho convite ao aperfeiçoamento, porquanto apenas poderão ser superadas, por iniciativa do juiz, as insuficiências/imprecisões na exposição/concretização da matéria de facto que não condicionem o conhecimento do mérito da causa.
IV. É o administrador da insolvência, em representação da massa insolvente, quem, na pendência do processo, tem exclusiva legitimidade para instaurar acções de responsabilidade contra os sócios e gerentes da sociedade devedora – artigo 82.º, n.º 3, al. a), do CIRE.

Texto Integral

Acordam os juízes na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - RELATÓRIO
Por sentença proferida em 26/06/2015, já transitada em julgado, foi a sociedade “D …Lda” declarada insolvente.

Por apenso aos autos de insolvência veio C, na qualidade de sócio da insolvente, propor acção declarativa de condenação contra Massa Insolvente de F/Massa Insolvente de L, R, E, “I…SA”, Banco Espírito Santo/Novo Banco, SA, Caixa Económica Montepio Geral, SA e Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Entre Tejo e Sado, CRL, peticionando a condenação solidária dos réus a entregarem à Massa Insolvente da D …Lda, a quantia global de 22.819.086,07€, acrescida dos respectivos juros vencidos e vincendo, à taxa legal em vigor e até efectivo e integral pagamento, sendo:
“a) €2.314.747,32 (…) por dívida à Fazenda Nacional;
b) €12.339.308,98 (…) por obliteração dos capitais próprios;
c) €6.169.654,49 (…) por desvio de meios financeiros correspondentes a uma segunda contabilidade;
d) €1.995.375,28 (…) por empréstimo a sócios.
E ainda, serem os RR condenados a proceder ao pagamento a favor da massa insolvente da D …Lda, nos montantes que vierem a ser apurados em sede de sentença judicial relativamente a eventuais montantes que tenham sido desviados desde a abertura da actividade desta ora Insolvente e que ainda não estejam contabilizados; assim como no pagamento à Fazenda Nacional dos Impostos que forem apurados e que não estejam ainda contabilizados.
Mais se requer sejam apreendidos os bens dos sócios fundadores F e L, existentes à data da apresentação à insolvência 3384/11.1TBTVD, pois os mesmos foram obtidos pelo esforço da D…Lda, logo, são da respectiva esfera patrimonial, assim como os bens de R, existentes à data da criação da S …Lda, pois os mesmos também foram obtidos pelo esforço da D…Lda, logo, são da respectiva esfera patrimonial.”

Em 18/09/2020, o tribunal a quo proferiu a seguinte DECISÃO:
“(…) Pelo exposto: // III.1 // III.1.a // Quanto à demanda da administração da sociedade, julgo procedente a exceção dilatória da nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial; // III.1.b // No que se refere à demanda de terceiros, julgo procedente a exceção dilatória da ilegitimidade processual ativa do A.; // Em consequência, indefiro liminarmente a petição inicial. (…)”

Inconformado com tal decisão, dela veio o autor interpor RECURSO, apenas quanto ao primeiro desses segmentos, tendo formulado as CONCLUSÕES que aqui se transcrevem:
“1-O ora A./Recorrente intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum com os factos e fundamentos constantes da mesma, que se absterá de descrever por uma questão de economia processual.
2- A susodita acção deu entrada em juízo em 25.10.2019 e, decorrido um ano desde a data de entrada da mesma, o Tribunal “a quo” decidiu indeferir liminarmente a PI.
3- O tribunal “a quo” alegou, em suma, que o A. não identificou os gerentes de facto e de direito e nada disse sobre a deliberação social versando a instauração da acção pela sociedade, que não foram alegados factos para apurar da responsabilidade contratual do gerente da sociedade e entendeu ainda inexistir causa de pedir, declarando a ineptidão da PI, assim como ilegitimidade activa do A.
4- Este Tribunal, tem por hábito indeferir sem mais, as pretensões do ora Recorrente, para além do tempo que demora a proferir meros despachos ou decisões. Veja-se a este propósito, que mediou um ano desde que o Recorrente intentou a acção e o seu indeferimento liminar.
5- Prevê o artigo 27º nº 1 alínea b) do CIRE que no próprio dia da distribuição ou não sendo tal viável, até ao 3º dia útil subsequente, o juiz concede ao requerente, sob pena de indeferimento, o prazo máximo de 5 dias para corrigir os vícios sanáveis da petição, nomeadamente, insuficiências ou impressões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.
6- Também o artigo 590º nº 1 do CPC, prevê que a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram de forma evidente excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente.
7- Mas este não é o caso dos presentes autos, logo cabia ao Tribunal “a quo” convidar o Recorrente a suprir as irregularidades, insuficiências, corrigir vícios, imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, em suma, aperfeiçoar a PI, veja-se a este propósito o nº 3 e 4 do susodito artigo.
8- O Tribunal “a quo” deveria ter privilegiado o aperfeiçoamento da PI ao seu indeferimento, pois que deve ser o objectivo geral do tribunal não coarctar os direitos do Recorrente. O tribunal “a quo” não se mostrou tolerante nem respeitador do direito constitucional do Recorrente do direito ao acesso aos tribunais e à justiça, conforme artigo 20º da CRP e jugulou por completo a acção.
9- Resulta do relatório da sentença, e de acordo com a súmula do mesmo, que o Tribunal “a quo” percebeu a pretensão do A. ora Recorrente, de outro modo, teria que suscitar esclarecimentos ao A. ou pedir para este aperfeiçoar o seu articulado.
10- Os factos são claros, estão devidamente enunciados, assim como o pedido e a causa de pedir.
11- No seu articulado, o A. não faz uma enunciação exaustiva dos factos que alega, nem tem que o fazer, porque tem documentos de suporte para os quais remete e dos quais resultam todos os factos que alega e que os complementam. Cabe ao tribunal “a quo” ler e analisar esses documentos e requerer esclarecimentos ao A. se para tal houver necessidade.
12- O tribunal “a quo” não permitiu ao A. que provar os factos que alegou, articulados com a prova que carreou para os autos e com a demais prova que requereu ao tribunal.
13- Os fundamentos invocados pelo tribunal “a quo” não têm qualquer respaldo na realidade, pois se o tribunal tinha dúvidas deveria solicitar ao seu A. o aperfeiçoamento da PI ou ter proferido despacho de convite ao suprimento de irregularidades, insuficiências ou sobre os imprecisões do articulado nos termos dos nºs 3 e 4 do artigo 590º do CPC, ou solicitar esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito pertinentes pra a boa decisão da causa. A tal impunha também o princípio da cooperação entre os intervenientes processuais previsto no artigo 7º do CPC.
14- O tribunal “a quo” denegou justiça ao Recorrente, violando os artigos 2º do CPC e 20º da CRP, assim como o princípio da igualdade das partes previsto no artigo 4º do CPC, porquanto não facultou ao Recorrente a possibilidade de vir aos autos prestar os esclarecimentos que se afigurassem necessários e que permitissem a descoberta da verdade material.
15- Assim, e por tudo quanto supra se expôs, deverá a decisão da qual se recorre ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento destes autos de apenso, dando ao Recorrente a faculdade de aperfeiçoar a sua PI.
Com tais fundamentos e demais de Direito, contando-se com o douto suprimento de V. Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso e, assim, far-se-á a costumada JUSTIÇA”

Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.

O recurso foi correctamente admitido.

Já nesta Relação, pela Relatora foi proferido despacho pelo qual se concedeu ao recorrente o contraditório quanto a uma possível situação de ilegitimidade activa.
O mesmo usou de tal prorrogativa – defendendo “ter legitimidade activa para intervir nos presentes autos, porquanto tem interesse directo em demandar, por ser sócio da empresa em causa, ainda que tenha adquirido a qualidade de sócio posteriormente, nos termos do artigo 30º do CPC. // 2- Contudo, e perspectivando-se a necessidade da própria administração da D…Lda estar em juízo, na qualidade de A., numa situação de litisconsórcio necessário com o sócio, requer-se nos termos dos artigos 316º e 318º ambos do CPC a intervenção provocada da administração da D…Lda, na pessoa do seu administrador de insolvência.”

Constatando-se que, aquando da admissão do recurso, o tribunal a quo não deu cumprimento ao disposto no artigo 641.º, n.º 7 do CPC, foi ordenada a baixa dos autos à 1.ª instância.
Tal normativo mostra-se agora cumprido.

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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, ressalvadas as questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, sem prejuízo de o tribunal ad quem não estar limitado pela iniciativa das partes, nem estar obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelo recorrente, desde que prejudicados pela solução dada ao litígio - artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC.
Assim, importa decidir:
- Se existe fundamento para o indeferimento liminar da petição inicial por alegada falta de causa de pedir ou, antes, se deveria o tribunal a quo ter proferido despacho convite ao aperfeiçoamento;
- Ocorrendo a segunda hipótese, em face do já consignado no anterior despacho da Relatora, indagar da legitimidade do autor para propor a acção.

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III – FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Para além das incidências fáctico-processuais constantes do relatório que antecede, no caso, importa transcrever o constante da petição inicial (PI), a saber:
1º O A. é sócio da D…Lda desde 6 de Outubro de 2017, data em que adquiriu as quotas desta sociedade à massa insolvente de F e L, vide certidão permanente 1820-7370-0573.
2º Nessa qualidade, e por via de todos os processos conexos com os presentes autos, e cuja grande parte dos mesmos se encontram referenciados nestes autos e bem assim anexos aos mesmos, o A. tomou conhecimento de inúmeros factos ilícitos perpetrados pelos RR e respeitantes à sociedade da qual é agora sócio.
3º Nessa senda, intenta esta acção e todas as demais que se mostrem necessárias, a fim de responsabilizar os culpados pela insolvência culposa desta empresa e com vista a recuperar a mesma.
4º Mas, para obter tal desiderato, mostra-se imprescindível demonstrar a actuação dos RR na condução da D…Lda à insolvência.
5º Atenta a inspecção tributária levada a cabo pela Fazenda Nacional a esta empresa, chegou-se à conclusão que os RR, uns de uma maneira e outros de outra, desviaram meios económicos da esfera jurídica e financeira da D…Lda, mantendo uma dupla contabilidade e locupletando-se com milhões de euros, vide a este propósito o processo-crime 3026/09.5TAALM; Doc.1
6º Os RR no ano de 2012, retiraram desta empresa todos os meios económicos e financeiros e criaram uma outra sociedade, a S…Lda, com os capitais da D…Lda.
7º Simularam o aumento de capital, conforme consta no Apenso G, nestes Autos e nomearam testas-de-ferro, sempre e somente, com a intenção deliberada de afastar os bens da D…Lda, impossibilitando a mesma de continuar com a respectiva actividade comercial; Doc.2
8º Toda esta actuação por parte dos RR foi possível apurar em virtude da Inspecção tributária levada a cabo pela Fazenda Nacional, como consta no documento 1.
Requer-se a junção aos autos do relatório final dessa inspecção.
9º Tais factos conduziram necessariamente à insolvência da D…Lda, e resultaram da actuação dos seus sócios fundadores, gerentes de facto e de direito e de terceiros, todos RR nesta acção.
10º Sendo manifesto que a Fazenda Nacional veio aqui reclamar créditos fiscais no valor de €2.314.747,32 (dois milhões trezentos e catorze mil setecentos e quarenta e sete euros e trinta e dois cêntimos), valor ao qual acrescerão juros. Doc.3
11º Ora, os Réus, supra identificados, são co-responsáveis pelo pagamento desse montante, pois todos, com procedimentos diferentes, agiram de forma concertada para que os montantes já identificados e os que ainda faltam apurar fossem sonegados a esta sociedade.
12º O esquema montando pelos RR permitiu o desvio das receitas demonstradas pela Inspecção Tributária, em Sentença transitada em Julgado, veja-se o Proc.1186/12.7BELRS Doc. 1
13º Mais, estes sócios locupletaram-se com os meios financeiros da D…Lda, seja por apropriação dos mesmos, nas respectivas contas bancárias, seja por utilização de cartões de crédito e débito da mesma, viaturas automóveis, pagamento de viagens de laser e estadia, faltando apurar a totalidade desses gastos ilícitos.
14º Nomearam testas-de-ferro para ocultar os ilícitos e iludir o Administrador de Insolvência e o tribunal, branqueando os meios financeiros e patrimoniais que haviam retirado da esfera desta empresa desde 1998.
15º Criaram uma sociedade de nome S…Lda, a qual foi constituída com os meios financeiros e patrimoniais da D…Lda, sendo descrito em pormenor esta fraude no documento 3.
16º Simularam uma transacção com a sociedade S…Lda, alegando a liquidação dessa fraude através de um cheque que não foi sacado pela D…Lda, sendo o mesmo apreendido pela PJ, no cumprimento de um Mandato de Busca e Apreensão emitida pelo Juiz de Instrução Criminal no NUIPC 3208/11.0TASXL, Doc 4
17º O que é revelador de que tal transacção foi ficcionada porquanto, a impulso da Directora da Divisão da PJ de Setúbal, Dra. Maria, o Banco Montepio Geral, cedente do susodito cheque informou que o mesmo tinha sido dado como roubado/extraviado.
18º Mas e com o intuito de se imiscuírem às responsabilidades, os RR F e L apresentarem-se à insolvência. (Doc.5)
19º Insolvências cuja convicção do Administrador de insolvência respectivo entende serem culposas (Doc.6)
20º Por toda esta actuação tem o A. que concluir que também os Bancos, RR nestes autos, são co-responsáveis pois como demonstrado no documento 1, agiram com conhecimento do esquema montado pelos sócios da D…Lda, violando o artigo 221.º, do código penal, pois permitiram que os pagamentos efectuados nos Terminais de Pagamento Automático fossem direccionados para as segundas contas bancárias, desconhecidas da Contabilidade Oficial; Doc. 1
21º Falsificaram documentos de transacções financeiras quando, emitiam extratos bancários em nome de F e os remetiam para a respectiva morada pessoal, sendo que a titular da conta era a D…Lda,
22º Receberam montantes em numerário, nessas contas não conhecidas da contabilidade oficial que, desde logo, teriam de ser comunicadas às Autoridades competentes para fiscalização das actividades de Branqueamento e de Financiamento ao Terrorismo, o que não sucedeu;
23º Como dali decorre, das respostas dadas pelos Bancos, após o levantamento do sigilo bancário, estes sabiam da existência de contas não reportadas à contabilidade oficial, até porque os saldos das mesmas, sendo o titular a D…Lda, eram reportados em nome de F para a respectiva morada pessoal.
24º Receberam montantes de milhões de euros em contas individuais de F, L e R, provenientes de contas da D…Lda, bem sabendo que os mesmos não haviam efectuado transações que justificassem esses valores;
25º Os testas-de-ferro são co-responsáveis atento o descrito para os sócios fundadores e para os Bancos, não sendo admissível que os mesmos se furtem à responsabilidade solidária advinda do cumprimento dos ilícitos; Doc. 1
26º Mas, para além dos valores reclamados pela Fazenda Nacional, os RR são ainda responsáveis pelo devolução à Massa Insolvente da D…Lda, dos seguintes valores já demonstrados, nomeadamente, os capitais próprios corrigidos a 2019 no valor de €12.339.308,98 (doze milhões trezentos e trinta e nove mil trezentos e oito euros e noventa e oito cêntimos),
25º E de 2011 no valor de €6.015.034,95 (seis milhões quinze mil trinta e quatro euros e noventa e cinco cêntimos); Doc. 12
26º Ora, atenta a taxa mediana dos crescimentos entre os exercícios de 2006 a 2011 ser de 110,81%, a correcção daquele valor fixa o valor do capital próprio em doze milhões trezentos e trinta e nove mil trezentos e oito euros e noventa e oito cêntimos (€12.339.308,9); Doc. 7 a 12
27º Relativamente à segunda contabilidade detectada aquando da inspecção tributária, são os RR responsáveis pela devolução à massa insolvente da D…Lda da quantia de €6.169.654,49 (seis milhões cento e sessenta e nove mil seiscentos e cinquenta e quatro euros e quarenta e nove cêntimos),
28º Pois atento o vertido no relatório das Finanças, documento 1, nos exercícios ali inspeccionados, a Fraude Fiscal e o Branqueamento de Capitais deverá ser superior a cinquenta por cento (50%) do valor apurado.
29º Assim, atento o valor corrigido dos capitais próprios, afectado da rácio de correcção referido (50%), teremos que aos mesmos deverão acrescer seis milhões cento e sessenta e nove mil seiscentos e cinquenta e quatro euros e quarenta e nove cêntimos (€6.169.654,49)
30º Sendo certo que este valor deverá ser corrigido porquanto, em sede de execução de sentença, se encontrará desactualizado.
31º Até porque quando os bancos, RR na presente acção, facultarem os documentos já oportunamente solicitados por despacho da Meritíssima Juiz ( referência citius 28941157), o qual nunca foi cumprido, vide docs. 13, 14 e 15, com todos os movimentos a crédito e débito, e identificação dos respectivos beneficiários se constatará que relativamente a empréstimo a sócios se encontra declarado nos documentos 9, 10 e 11, sendo de €1.995.375,28 (um milhão novecentos e noventa e cinco mil trezentos e setenta e cinco euros e vinte e oito cêntimos
32º Veja-se a este respeito o documento 8, relativo ao IES de 2007, em que o valor de dívida de sócio ascende a €1.601.105,72, verificando-se que este valor corresponde a um capital próprio da D…Lda no valor de €3.921.467,96
33º O mesmo se diga relativamente ao documento 9 relativo ao IES de 2008, em que o valor de dívida de sócio ascende a €1.894.605,72, verificando-se que este valor corresponde a um capital próprio da D…Lda de €4.644.350,59
34º Idem para o documento 10 relativo ao IES de 2009, em que o valor de dívida de sócio ascende a €1.995.375,28, verificando-se que este valor corresponde a um capital próprio da D…Lda de €5.322.977,05.
35º Ao compulsarmos o documento 12, relativo ao IES 2011, verifica-se que aquela verba foi obliterada, sem que os capitais próprios, antes pelo contrário fossem afectados.
36º Ora, é manifesto que existe uma dívida, entre demais, registada na contabilidade, cujo valor é de um milhão novecentos e noventa e cinco mil trezentos e setenta e cinco euros e vinte e oito cêntimos (€1.995.375,28)
37º Assim, com base nestes números poder-se-á dizer que a sociedade S…Lda, certidão permanente XXX, é uma empresa participada a 100% pela D…Lda
38º O mesmo se diga, relativamente à sociedade Y…Lda, com a identificação fiscal XXX, participada em 90% pela aqui Insolvente; Doc. 16
39º Assim como a sociedade W…Lda, com a identificação fiscal XXX, participada em 100% pela aqui Insolvente; Doc. 17
40º E a K …SA, com a identificação fiscal XXX, participada em 100% pela aqui Insolvente; Doc. 8
41º Assim, e por tudo quanto supra se expôs, todos os RR são co- responsáveis pela insolvência da D…Lda e por essa razão deverão ser responsáveis pelo pagamento à massa insolvente desta empresa de todas as verbas já apuradas e das que ainda se vierem a apurar em sede de execução de sentença.”.

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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Foi a acção intentada pelo autor indeferida liminarmente: a) quanto à demanda da administração da sociedade, com fundamento em existir nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial; b) quanto à demanda de terceiros, com fundamento em ilegitimidade processual activa do autor.
No presente recurso apenas o primeiro desses segmentos foi impugnado, pelo que cumpre apenas conhecer se, nessa parte, deverá o decidido ser revogado nos moldes pretendidos pelo apelante.
Para tanto, argumentou a 1.ª instância:
“Percorrida a petição inicial, resulta que o A., invocando a qualidade de sócio da Devedora, instaura ação de responsabilidade contra gerentes, sócios e terceiros, peticionando a condenação solidária no pagamento de indemnização à Massa Insolvente da sociedade.
II.1 Demanda da administração pelo sócio
Contra os gerentes, ut singuli, assim lhe permitiria, em abstrato, o disposto no artigo 77.º do Código das Sociedades Comerciais: (…).
Porém, ao longo do articulado, o A. não identifica os gerentes em causa, de facto ou de direito.
Acresce, a ação do artigo 77.º é subsidiária relativamente à ação da sociedade, prevista no artigo 75.º: “(…)”.
O A. nada diz sobre a deliberação social versando a instauração de ação pela sociedade (requisito negativo da parte final do n.º 1 do artigo 77.º).
Sem prescindir:
Na sentença de declaração de insolvência, reconhece-se E como gerente da sociedade.
No pressuposto de que o A., sócio da Devedora, pretende demandar E enquanto gerente, impõe-se a alegação dos factos constitutivos essenciais da responsabilidade contratual, causa de pedir.
A responsabilidade contratual dispensa a alegação da culpa, presumida nos termos do n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil.
Mas carece da alegação do facto, ou seja, inexecução, ilicitude, nexo de causalidade e dano – artigos 342.º e 798.º, ambos do Código Civil, e artigos 5.º/1, e 552.º/1, al. d), ambos do Código de Processo Civil.
Analisemos a factualidade atribuída aos RR. (que não instituições de crédito):
“(…) os RR, uns de uma maneira e outros de outra, desviaram meios económicos da esfera jurídica e financeira da D…Lda, (…)
6º Os RR no ano de 2012, retiraram desta empresa todos os meios económicos e financeiros e criaram uma outra sociedade, a S…Lda (…)
7º Simularam o aumento de capital, conforme consta no Apenso G, nestes Autos e nomearam testas-de-ferro, sempre e somente, com a intenção deliberada de afastar os bens da D…Lda, (…)
9º Tais factos conduziram necessariamente à insolvência da D…Lda, e resultaram da actuação dos seus sócios fundadores, gerentes de facto e de direito e de terceiros, todos RR nesta acção. (…)
11º Ora, os Réus, supra identificados, são co-responsáveis pelo pagamento desse montante, pois todos, com procedimentos diferentes, agiram de forma concertada para que os montantes já identificados e os que ainda faltam apurar fossem sonegados a esta sociedade. (…)
13º Mais, estes sócios locupletaram-se com os meios financeiros da D…Lda, seja por apropriação dos mesmos, nas respectivas contas bancárias, seja por utilização de cartões de crédito e débito da mesma, viaturas automóveis, pagamento de viagens de laser e estadia, faltando apurar a totalidade desses gastos ilícitos.
14º Nomearam testas-de-ferro para ocultar os ilícitos e iludir o Administrador de Insolvência e o tribunal, branqueando os meios financeiros e patrimoniais que haviam retirado da esfera desta empresa desde 1998.
15º Criaram uma sociedade de nome S…Lda, a qual foi constituída com os meios financeiros e patrimoniais da D…Lda, sendo descrito em pormenor esta fraude no documento 3.
16º Simularam uma transacção com a sociedade S…Lda, alegando a liquidação dessa fraude através de um cheque que não foi sacado pela D…Lda, (…)
(…)
25º Os testas-de-ferro são co-responsáveis atento o descrito para os sócios fundadores e para os Bancos, não sendo admissível que os mesmos se furtem à responsabilidade solidária advinda do cumprimento dos ilícitos; Doc. 1 (…)
41º Assim, e por tudo quanto supra se expôs, todos os RR são co- responsáveis pela insolvência da D…Lda e por essa razão deverão ser responsáveis pelo pagamento à massa insolvente desta empresa de todas as verbas já apuradas e das que ainda se vierem a apurar em sede de execução de sentença.”.
Compulsado o alegado, resulta não especificado o facto, ou seja, a(s) conduta(s) violadora(s) de deveres legais (cfr. artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais), ou contratuais, adotadas pelo(s) visado(s) gerente(s), identificadas no tempo e no espaço.
Assim afirmamos relativamente a E. Mas também quanto aos demais RR., no pressuposto da sua demanda na qualidade de gerentes, de direito ou de facto.
Doutra parte, caso se entenda que a demanda de sócios resulta da designação feita, nos termos do artigo 83.º do Código das Sociedades Comerciais, impõe-se a sua indicação.
Há falta de causa de pedir.”
Vejamos se tal entendimento é passível de censura.
De acordo com o disposto no artigo 186.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do CPC, ocorrerá nulidade de todo o processo quando a petição inicial for inepta, sendo que assim sucederá quando “falte ou seja ininteligível a indicação (…) da causa de pedir".
Por seu turno, o conceito de causa de pedir resulta do n.º 4 do artigo 581.º do mesmo código, correspondendo ao facto jurídico de que procede a pretensão deduzida.
Será em face da concreta e real facticidade que as partes tiverem carreado para o processo (factos constitutivos da situação jurídica que se pretende ver reconhecida e que integram a previsão das normas jurídicas que justificam tal pretensão) que será delimitado o objecto deste último, sobre o qual o tribunal se irá pronunciar.
A ineptidão da PI, excepção dilatória de conhecimento oficioso, conduz à abstenção do conhecimento do mérito da causa e à absolvição dos réus da instância – cfr. artigos 196.º, 200.º, n.º 2, 1.ª parte, 278.º, n.º 1, al. b), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b), e 578.º, todos do CPC.
Segundo o n.º 1 do artigo 590.º do CPC, “Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando (…) ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente (…)”, acrescentando, no entanto, no seu n.º 4 que “Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
A ineptidão manifesta-se através da falta de alegação de factos essenciais[1] à causa de pedir – como exigido pela al. d) do n.º 1 do artigo 552.º e pelo artigo 5.º, n.º 1, ambos do CPC -, mas já não existirá quando a PI se revele apenas insuficiente, imprecisa ou incompleta.
Na primeira hipótese, o vício não é susceptível de ser sanado (é insuprível), pelo que apenas no segundo caso deverá a PI ser alvo de despacho convite ao seu aperfeiçoamento – como previsto pelo artigo 590.º, n.º 2, al. b), e n.º 4. 
Como se escreveu no acórdão do STJ de 07/06/2022[2], “Sabemos que a petição inicial tem de formular um silogismo que estabeleça um nexo lógico entre as suas premissas (as razões de facto e de direito expostas) e a conclusão (o pedido deduzido), significando a sua falta uma inexistência de objeto do processo. Porém, dizer isto não resolve a concreta apreciação que em cada caso, em cada processo, é necessário realizar para concluir se a alegação consistente na causa de pedir é feita em termos genéricos tais que não ilustre e evidencie em factos concretos o objeto do litígio, ou se essa generalidade, ou deficiência por escassez ou falta de inteligibilidade, permite sem esforço de imaginação acrescentada pelo julgador compreender qual é a causa de pedir, de forma que em si mesma e mesmo sem aperfeiçoamento, autoriza um julgamento e uma decisão sobre o mérito da causa.
Nos termos dos art.ºs 5 nº 1 e 552 nº 1 al. d) do Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e as exceções, sendo na petição inicial (não em momento posterior) que devem ser articulados e constar os concretos factos que preenchem a previsão da norma jurídica na qual a parte funda o seu direito. Isto é, o autor está obrigado à alegação e prova dos factos que, segundo a norma substantiva aplicável, servem de pressuposto ao efeito jurídico por ele pretendido.”
Segundo este aresto, e que aqui se subscreve, “a questão é sempre saber se, objetivamente, existe ou não causa de pedir, ainda que deficiente ou com pouca inteligibilidade, que permita um julgamento do mérito do pedido. E esta problemática prende-se com (…) a de definir a extensão da previsão do poder/dever do julgador convidar ao aperfeiçoamento da petição inicial.”
E, continua, “O poder de convidar ao aperfeiçoamento dos articulados, para serem supridas insuficiências ou imprecisões na exposição e concretização da matéria de facto alegada (art.º 590 nº 4 do CPC), tem de ser entendido em rigorosos limites e isto porque esta invitação pode apenas ter lugar quando existam insuficiências ou imprecisões que possam ser resolvidas com esclarecimentos, aditamentos ou correções. Ou seja, anomalias que não ponham em causa, em absoluto, o conhecimento da questão jurídica e a decisão do seu mérito, mas que permitam que este conhecimento e decisão (com o convite, se aceite) sejam realizados de forma mais eficaz. Não deve assim convidar-se a aperfeiçoar uma petição inepta, mas apenas a que seja deficiente, sendo o critério decisivo para distinguir, como antes apontámos, o que define se a petição permite ou não, como foi apresentada, o conhecimento e decisão sobre o mérito do pedido – vd. ac. STJ de 17-11-2021 no proc. 5870/20.3T8VNG.P1.S1 in dgsi.pt por confronto com o ac. do STJ de 16-12-2020 no proc. 656/14.7T8LRS.LL.S1, admitindo-se neste último a possibilidade de convite ao aperfeiçoamento se a petição for insuficiente sem porém se abordar se a insuficiência reporta ou pode reportar a factos essenciais, constitutivos da causa de pedir.
Em reforço do que defendemos, tem-se presente como importante que a não aceitação, por parte do Autor, do convite ao aperfeiçoamento que lhe tenha sido feito não determina que o processo termine (não pode convidar-se a aperfeiçoar e subsequentemente, determinar a ineptidão), o que provocaria, nessa situação, que a ação prosseguisse sem factos essenciais ao conhecimento do direito. A verificação da ineptidão da petição inicial determina a imediata absolvição da instância, sem possibilidade de permitir esse aperfeiçoamento.” (sublinhados nossos)
Mais acrescentando: “É neste âmbito – o da possibilidade de conhecer ou não do mérito com os factos alegados – que se questiona no recurso se, a terem sido alegados alguns factos essenciais, mas não todos, deve ou não haver convite ao aperfeiçoamento. E a questão, assim enunciada, não terá cabimento legal. A causa de pedir como conjunto de factos concretos (em maior ou menor número) donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer, pode desdobrar-se segundo a taxonomia normativa do art.º 5 nº 1 do CPC em factos essenciais que são precisamente, por indicação deste preceito, os que “constituem a causa de pedir” e que por isso mesmo têm de ser alegados pelo demandante na sua totalidade. Pela própria definição, sendo essenciais, a falta de um deles implica a incompletude da causa de pedir e por isso mesmo a ineptidão da mesma, não podendo argumentar-se que enunciando apenas alguns factos essenciais deixará de existir ineptidão e apenas uma situação de deficiência que imporia ao julgador o convite ao aperfeiçoamento. Não, a falta de um facto que seja essencial compromete o conhecimento do mérito da causa, porque a essencialidade se afere em função da importância decisiva que desempenha para o desfecho da ação.”
E, continua mais à frente:
“Numa delimitação clara, Lopes do Rego - Comentário ao CPC, p. 201 - escreve que “factos instrumentais definem-se, por contraposição aos factos essenciais, como sendo aqueles que nada têm a ver com substanciação da ação e da defesa e, por isso mesmo, não carecem de ser incluídos na base instrutória, podendo ser livremente investigados pelo juiz no âmbito dos seus poderes inquisitórios de descoberta da verdade material”, enquanto que “factos essenciais, por sua vez, são aqueles de que depende a procedência da pretensão formulada pelo autor e da exceção ou da reconvenção deduzidas pelo réu”. E num igual registo de clareza, com especial atualidade para a presente decisão, Teixeira de Sousa alerta para que “(…) nunca se entendeu o (agora) disposto no art.º 590.º, n.º 2, al. b), e 4, CPC como permitindo suprir a inexistência ou insuficiência da causa de pedir; logo, não se pode admitir que os factos complementares que sejam alegados na sequência do convite ao aperfeiçoamento sejam factos integrantes da causa de pedir. Esta causa petendi tem de constar da petição inicial, sob pena de ineptidão deste articulado (art.º 186.º, n.º 2, al. a), nCPC); assim, se a petição não é inepta por conter uma causa de pedir, nenhum facto que seja adquirido durante a tramitação da causa pode integrar essa mesma a causa de pedir. O que já está completo na petição inicial não pode ser completado por nenhum outro facto.” - In Blog do IIPC.ippc.blogspot. pt/2014/07/factos-complementares-e-causa-de-pedir.html.
Com a explicação de serem essenciais os factos que integrarem, naturalisticamente, os institutos jurídicos que servem de base à ação ou à exceção e com a distinção dos que, mesmo sendo complementares (ou concretização dos que as partes alegaram), não constituem os elementos típicos do direito que se pretende fazer valer em juízo, concluímos que a ausência de um facto essencial determina sempre a ineptidão da petição mesmo que outros factos essenciais tenham sido alegados. A ineptidão não é impedida por se terem alegado alguns faltando outros porque a importância dos factos (que faltem) está na sua natureza essencial. Isto é, não pode haver convite a aperfeiçoamento da petição para serem incluídos factos essenciais uma vez que a sua alegação cabe em exclusivo a quem tem o ónus de os introduzir em juízo.
A invocação dos art.ºs 4º, 5º, 6º e 7º do CPC no sentido de ativar o julgador no poder/ dever de procurar a realização da justiça material não lhe impõe qualquer dever universal de intervenção que o obrigue ao convite ao aperfeiçoamento.
O princípio da igualdade das partes do art.º 4º do CPC não visa substituir a responsabilidade da iniciativa daqueles a quem a lei comete o dever de alegar e provar os factos essenciais e tão pouco o princípio da cooperação, em qualquer das leituras que dele se faça, permite igual substituição. Por outro lado, o princípio da gestão processual introduzido no art.º 6 do CPC, atribuindo ao juiz o poder de exercer influência sobre o processo, quer ao nível do procedimento propriamente dito quer ao nível do processo, ou seja, do pedido e da causa de pedir e das provas - Vd. Miguel Mesquita “A flexibilização do princípio do pedido à luz do direito processual civil” in RLJ ano 143, nº 3983, p. 145 – carece ser respeitado dentro dos limites que fixa.”
Vigorando no nosso ordenamento jurídico o princípio da auto-responsabilidade das partes, corolário do princípio do dispositivo, incumbe às partes decidir quais os factos que pretendem invocar e qual a estratégia processual que pretendem adoptar, sendo que, no entanto, terão igualmente de assumir as consequências que daí lhes poderá advir.
E, não tendo as mesmas carreado para os autos todos os factos essenciais à pretensão visada, não poderá tal falha ser suprida mediante a intervenção do tribunal.
A ineptidão da PI por falta de causa de pedir é insanável[3], pelo que nem sequer de impõe recorrer o disposto no artigo 6.º do CPC (dever de gestão processual) porquanto o juiz apenas pode providenciar pelo suprimento de pressupostos processuais susceptíveis de sanação.[4]
O despacho convite ao aperfeiçoamento apenas será de se impor naquelas situações nas quais, não obstante a PI padeça de alguma imprecisão/insuficiência ao nível da alegação da factualidade, nem por isso comprometa a sua aptidão, não obstando ao conhecimento do mérito da acção (conhecimento esse que será, contudo, facilitado no caso de o referido convite ser acatado/satisfeito).
Essencial, é, desde logo, que o julgador entenda o que vai ter de decidir.
Daí que, como referido no acórdão desta Relação de 01/06/2010[5], “a idoneidade do objecto da acção implica a indicação e inteligibilidade da causa de pedir e do pedido, bem como a existência de um nexo lógico formal não excludente entre aqueles dois termos da pretensão, por forma a permitir um pronunciamento de mérito positivo ou negativo. Em contraponto, não se verificará tal idoneidade quando: “a)- não seja indicado qualquer efeito-prático jurídico pretendido; b)- seja indicado um efeito pretendido em termos ininteligíveis ou tão vagos que, mesmo com o recurso aos fundamentos da acção, não permitam formular qualquer juízo de mérito positivo ou negativo; c)- não sejam alegados os factos estruturantes da causa de pedir; d)- sejam alegados meros conceitos de direito ou factualidades abstractas que não permitam sequer reconduzir o julgado a uma situação de facto real, em termos de evitar mais tarde a repetição de causas idênticas; e)- seja alegada uma mole de factos sem qualquer leitura possível, positiva ou negativa, na óptica do pedido (ininteligibilidade de facto), ou que não permitam descortinar um quadro normativo aplicável (ininteligibilidade de direito), nomeadamente quando, tratando-se de causa de pedir complexa, esta se mostre de tal modo truncada que não se divise como dali possa decorrer o efeito pretendido; f)- ocorra uma relação de exclusão formal recíproca entre a causa de pedir invocada e o pedido, entre duas causas de pedir ou entre vários pedidos cumulados, que se traduza num dizer ou desdizer simultâneos. Em qualquer das situações enunciadas, o objecto da acção será manifestamente inidóneo para uma apreciação de mérito (…).”
Ora, lida a PI apresentada ter-se-á de concluir que a mesma é, na realidade, omissa quanto à alegação dos factos que seriam essenciais para que a pretensão do recorrente pudesse proceder.
Igualmente nenhuma referência é feita quanto ao enquadramento jurídico que sustentaria tal pretensão – sendo que sempre os concretos factos jurídicos que têm de ser alegados ter-se-ão de enquadrar numa determinada qualificação legal.
Sem prejuízo de assim ter sucedido, importa referir o seguinte:
Segundo o artigo 72.º do CSC (sob a epígrafe Responsabilidade de membros da administração para com a sociedade),1 - Os gerentes ou administradores respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por actos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa. 2 - A responsabilidade é excluída se alguma das pessoas referidas no número anterior provar que actuou em termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial. (…)”.
Já o artigo 75.º, n.º 1, estatui que “A acção de responsabilidade proposta pela sociedade depende de deliberação dos sócios, tomada por simples maioria, e deve ser proposta no prazo de seis meses a contar da referida deliberação; para o exercício do direito de indemnização podem os sócios designar representantes especiais.”.
E, por fim, estatui o artigo 77.º (sob a epígrafe Acção de responsabilidade proposta por sócios) que “1 - Independentemente do pedido de indemnização dos danos individuais que lhes tenham causado, podem um ou vários sócios que possuam, pelo menos, 5% do capital social, ou 2% no caso de sociedade emitente de acções admitidas à negociação em mercado regulamentado, propor acção social de responsabilidade contra gerentes ou administradores, com vista à reparação, a favor da sociedade, do prejuízo que esta tenha sofrido, quando a mesma a não haja solicitado. (…) 4 – Quando a acção social de responsabilidade for proposta por um ou vários sócios nos termos dos números anteriores, deve a sociedade ser chamada à causa por intermédio dos seus representantes. (…)“
Tratando-se de acção proposta por sócio (acção social ut singuli), para além de se exigir que o mesmo seja detentor da percentagem de capital social a que alude o artigo 77.º, necessário é que a própria sociedade não tenha exigido a indemnização devida pelos administradores (razão pela qual a acção prevista neste artigo é subsidiária da que poderia ser proposta, e não foi, pela sociedade, nos termos do artigo 75.º - acção social ut universi).
Se tais pressupostos estiverem verificados, desnecessário é demonstrar a culpa dos administradores, porquanto o sócio que propõe a acção (o qual, diga-se, exerce em nome próprio um direito pertencente à sociedade[6]) irá beneficiar da presunção prevista no n.º 1 do artigo 72.º.
Mas terá já esse sócio que alegar a demais factualidade constitutiva da responsabilidade contratual.
Com efeito, os administradores/gerentes respondem civilmente para com a sociedade relativamente a danos que a esta sejam causados por factos próprios e violadores de deveres legais e/ou contratuais e, por isso, ilícitos, na modalidade de responsabilidade contratual a título de culpa, que beneficia de presunção legal (incumbindo àqueles ilidir a presunção de culpa que sobre sobre os mesmos impende).
Como escreveram Raul Ventura e Brito Correia[7], para “a acção social ut singuli poder ser considerada procedente é necessário que o autor alegue e prove que o administrador é responsável para com a sociedade, mas a acção deve basear-se em qualquer dos factos constitutivos dessa responsabilidade: acto ou omissão, acto próprio ou acto de outrem, doloso ou negligente, ilegal ou antiestatutário, etc.”
Sendo a causa de pedir consubstanciada pelos factos que integram os pressupostos jurídico-societários da responsabilidade perante a sociedade, no caso, para além de, como referido na decisão recorrida, não ter o recorrente identificado os gerentes da sociedade (bem como se o foram de facto ou de direito), igualmente não resulta do articulado inicial quais os concretos factos (ilícitos e culposos) que entende que terão sido praticados (apenas se efectuando alegações genéricas e sem qualquer possibilidade de identificação) e quais as normas legais ou estatutárias que terão sido violadas – seja com referência aos deveres fundamentais consagrados no artigo 64.º, n.º 1, seja com referência às demais disposições do CSC.
Nem sequer é possível estabelecer, em face do alegado na PI, qualquer nexo de causalidade entre os supostos actos/omissões (não concretizados) que teriam alegadamente sido praticados pelos gerentes e o dano que a sociedade terá alegadamente sofrido.[8]
Por fim, acrescentar-se-á que igualmente não alegou o autor qual a sua participação na sociedade devedora.
E, ao contrário do defendido pelo recorrente, não poderá a sua falha ser colmatada pelo constante dos documentos que juntou com a PI.
Como sumariado no acórdão desta Relação de 09/11/2006[9], “O ónus de alegação não pode nem deve ser substituído pela mera junção de documentos, para onde a parte remeta depois no seu articulado, exigindo-se antes a descrição dos factos caracterizadores desses documentos (génese, conteúdo essencial e significado dos mesmos), podendo então relegar-se o seu restante teor, alcance e sentido para os próprios documentos juntos com o respectivo articulado.
Também no acórdão do STJ de 07/06/2022 se refere que a exigência de alegação dos factos constituintes da causa de pedir na PI, “não se satisfaz sequer com a simples junção de documentos em que tais factos possam eventualmente ser mencionados ou de onde se possam extrair, desde que não seja feita menção de tais factos na petição inicial. Caso se entendesse o contrário, por absurdo, bastaria que o autor indicasse a identidade do réu e que pedido formula, juntando depois a esmo os documentos de onde, com maior ou menor atenção e dificuldade, se pudesse eventualmente concluir a causa de pedir. A exigência de as partes apresentarem nos seus articulados os factos essenciais da causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções (art.º 5 nº 1 CPCivil) não tem respaldo na possibilidade de elas apresentarem documentos em substituição da alegação, porquanto os documentos servem para a prova dos factos, mas não para sua alegação (art.º 362, 363 nº 1, 371 nº 1 e 376 nº 1 do CCivil).
Não possui, pois, a PI o núcleo mínimo dos factos essenciais e necessários a permitirem a percepção das razões de facto e de direito que estão subjacentes à instauração da acção e aos pedidos deduzidos – reiterando-se que, para além de não estarem alegados os factos essenciais (factos concretos) para integrar a causa de pedir, o autor também não alega o direito em que assentam os seus pedidos.
Tal omissão afecta, sem margem para dúvida, que seja feito um julgamento do mérito de tais pedidos.
Consequentemente, bem andou o tribunal a quo ao julgar a mesma inepta por falta de causa de pedir, não havendo lugar a qualquer despacho convite ao aperfeiçoamento.
Acresce que, ao contrário do invocado, a 1.ª instância não denegou justiça ao Recorrente, não tendo violado os artigos 2.º do CPC e 20.º da CRP, assim como o princípio da igualdade das partes previsto no artigo 4.º do CPC.
Como defendido no acórdão desta Relação de 07/11/2019, “Segundo o n.º 1 do artigo 2.º do Código de Processo Civil (CPC), a protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo (…). Daí se infere que o direito à jurisdição, genérica e abstractamente proclamado e garantido no artigo 20º, nº 1, da Constituição da República, se realiza mediante o exercício do direito de acção concretamente adequado a reconhecer em juízo o singular direito subjectivo (ou interesse legalmente protegido) que se pretende fazer valer, a prevenir ou reparar a sua violação ou a realizá-lo coercivamente, como deflui da noção constante do n.º 2 do citado artigo 2.º do CPC. Por isso mesmo, o exercício do direito de acção requer a verificação de requisitos formais quanto aos respectivos sujeitos e objecto - designados por pressupostos processuais relativos à acção -, cuja falta obsta ao conhecimento de mérito, determinando a absolvição do réu da instância. Um desses requisitos incide sobre a delimitação do próprio objecto da acção, o qual tem se mostrar idóneo em termos de permitir delinear o âmbito de cognição do tribunal e da formulação do respectivo juízo de mérito, dentro dos parâmetros traçados nos artigos 608º, nº 2 e 609º, n.º 1, e 5º do CPC, bem como definir os limites objectivos do caso julgado material, em conformidade com o disposto nos artigos 619.º e 621.º, com referência ao artigo 581º, n.ºs 3 e 4, do mesmo diploma.“ (sublinhado nosso)

Não obstante o acabado de defender, mesmo que assim se não entendesse, sempre estaríamos perante uma situação de ilegitimidade activa do recorrente para intentar a presente acção.
Constituindo a legitimidade um pressuposto processual referente às partes, revela-se o mesmo imprescindível para a admissibilidade e para o prosseguimento de qualquer acção pelo que, não se verificando, configura excepção dilatória que acarreta a absolvição da instância – cfr. artigos 278.º, n.º 1, al. d), 576.º, n.º 1 e 2 e 577.º, al. e), todos do CPC.
Segundo o artigo 30.º, n.º 1, do CPC, de que se socorre o apelante, o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar (exprimindo-se tal interesse pela utilidade derivada da procedência da acção). Acrescentando o seu n.º 3 que, “Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.”. Ou seja, será parte legítima quando, atenta a relação jurídica que invoca, surge nela como sujeito susceptível de beneficiar directamente do efeito jurídico pretendido (isto é, quando retira utilidade/vantagem da procedência da acção).[10]
Existem, no entanto, casos nos quais o legislador identifica quem detém legitimidade activa (ou passiva), sendo que, quando assim sucede, tal indicação prevalecerá sobre o que, nessa matéria, o autor tenha alegado.
Prescreve o artigo 82.º, n.º 3, al. a), do CIRE, que “Durante a pendência do processo de insolvência, o administrador da insolvência tem exclusiva legitimidade para propor e fazer seguir: a) As acções de responsabilidade que legalmente couberem, em favor do próprio devedor, contra os fundadores, administradores de direito e de facto, membros do órgão de fiscalização do devedor e sócios, associados ou membros, independentemente do acordo do devedor ou dos seus órgãos sociais, sócios, associados ou membros; (…)”
Estamos, assim, perante uma legitimidade exclusiva do AI.[11]
Exclusiva e extraordinária, na medida em que é atribuída ao AI para propor acções que, em situações de não insolvência da sociedade, caberia à própria devedora (por si ou por intermédio de um qualquer sócio).
Segundo Susana Margarida Marques Gonçalves[12], “(…) na pendência do processo de insolvência, o n.º 3 do art.º 82.º impõe desvios relativamente à disciplina jurídico-societária da responsabilidade civil, nomeadamente no tocante à legitimidade activa para proposição ou seguimento deste tipo de acções. Durante este processo, a sociedade, os sócios e os credores da sociedade estão privados de legitimidade activa para propor a acção social de responsabilidade contra os administradores de facto ou de direito. Cabendo a legitimidade exclusiva ao administrador da insolvência, evita-se uma multiplicação de acções com identidade de sujeitos e de objecto.
E, continua, “A consagração desta legitimidade exclusiva do administrador da insolvência justifica-se, na medida em que este assume “a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessam à insolvência”, já que o insolvente fica imediatamente privado, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do art.º 81.”
Já segundo Manuel A. Carneiro da Frada[13], “Há certamente toda a vantagem em apreciar no contexto do processo de insolvência as actuações dos administradores societários que são susceptíveis de conduzir à sua responsabilidade, ou perante sociedade insolvente, ou face à generalidade dos credores. Por outro lado, a solução da concentração da legitimidade no administrador manifesta a centralidade do seu desempenho. Ela evita que a propositura de acções de responsabilidade pelos mais diversos credores — potencialmente muito numerosas — se reflicta no processo de insolvência e introduza um factor de complexificação, desigualdade e atraso na satisfação dos credores da entidade insolvente.
O n.º 2 do art.º 82 contempla aquelas acções que são (e devam ser) em benefício directo da generalidade dos credores ou então, em prol do devedor e, por via disso, susceptíveis de aproveitar, reflexa ou indirectamente, à generalidade desses mesmos credores. Estes interesses dos credores são individuais, mas homogéneos. No caso da al. b), a homogeneidade resulta meridianamente do fundamento da acção, sendo também que, face à al. a), a vantagem susceptível de resultar para os credores da respectiva acção se repercute com igualdade pelos credores.
Pode concluir-se que as acções destinadas a satisfazer interesses meramente singulares (não comuns) de reparação de danos por parte dos credores da sociedade insolvente contra os seus administradores são autónomas. Do mesmo modo, as acções dos sócios contra esses mesmos administradores.”.
No caso, o apelante alega ser sócio da insolvente e peticiona a condenação solidária dos réus no pagamento de diversas quantias à Massa Insolvente.
Ora, como resulta do supra exposto, é ao AI que, em representação da massa insolvente, incumbe propor a acções que, para tanto, se mostrem adequadas e necessárias à salvaguarda dos interesses da massa (e dos próprios credores em geral).[14]
Se é certo que o CPC, no seu artigo 30.º, define os moldes em que as partes são consideradas legítimas, não se poderá ignorar que o artigo 82.º do CIRE, enquanto norma excepcional (consubstanciadora de desvio às regras processuais gerais), sempre sobre aquela prevalecerá.
Acrescentar-se-á, ainda, que, não obstante a natureza da acção em apreço, sempre será a massa insolvente (e, por arrasto, os credores da insolvência), quem beneficiaria dos efeitos da pretendida condenação.
Nesses termos, é o AI (em representação da massa insolvente) quem poderá instaurar a mesma na pendência do processo de insolvência.[15]
Por fim, ao contrário do referido pelo recorrente aquando da resposta ao despacho da relatora, mostra-se inviável fazer intervir, nos termos dos artigos 316º e 318º ambos do CPC, a administração da D…Lda, na pessoa do seu administrador de insolvência.
Com efeito, não estamos perante qualquer situação de litisconsórcio, sendo a legitimidade activa do AI exclusiva.[16]
E, uma vez que a situação sempre corresponderá a um caso de ilegitimidade singular, é a mesma insuprível – como referem Castro Mendes e Teixeira de Sousa[17], “A lei não prevê nenhum mecanismo de sanação da ilegitimidade singular.

***
IV - DECISÃO
Perante o exposto, acordam os Juízes desta Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação e, nessa sequência, manter a decisão recorrida.

Custas pelo apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que o mesmo beneficia.

Lisboa, 04 de Julho de 2023
Renata Linhares de Castro
Nuno Teixeira
Rosário Gonçalves
_______________________________________________________
[1] Como escreveu ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3.ª edição, 1981, Coimbra Editora, págs. 351/352, “A narração há-de conter, pelo menos, os factos pertinentes à causa e que sejam indispensáveis para a solução que o autor quer obter; os factos necessários e suficientes para justificar o pedido. (…) os factos verdadeiramente relevantes. (…) Omitir factos essenciais, factos essenciais para a procedência do pedido, é comprometer irremediavelmente o êxito da acção (…)”. O mesmo autor, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 1945, pág. 372, escreveu ainda: “Importa, porém, não confundir a petição inepta com a petição simplesmente deficiente (…) Quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite factos ou circunstâncias necessárias para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a acção naufraga.
[2] Proc. n.º 3786/16.7T8BRG.L1.S3, relator Manuel Capelo, disponível in www.dgsi.pt, como todos os demais que vierem a ser invocados.
[3] Tal vício apenas poderá ser superado na concreta situação a que alude o n.º 3 do artigo 186.º do CPC.
[4][4] Como se escreveu no sumário do acórdão desta Relação de Lisboa de 07/11/2019 (Proc. n.º 14013/17.0T8LSB.L1-6, relator Manuel Rodrigues), “I – O princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, que não comporta o suprimento, por iniciativa do juiz, da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir. II – O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir. III – Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada. IV – As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC).”   
[5] Proc. n.º 405/07.6TVLSB.L1-7, relator Tomé Gomes.
[6] Como referido no acórdão desta Relação de 15/02/2018 (Proc. n.º 4318/15.0T8LES.L1-6, relator Manuel Rodrigues), com relação à acção social ut singuli, “(…) Como diz PEREIRA DE ALMEIDA, (ob. cit., p. 133), trata-se de uma acção social e não de uma acção pessoal, porque os sócios vão pedir a condenação dos gerentes ou administradores na indemnização dos prejuízos causados à sociedade e não directamente a eles próprios. É uma acção social, da iniciativa de algum ou alguns dos sócios, que aproveita directamente à sociedade e por via disso, indirectamente a todos os sócios e não apenas àqueles que a propuseram. Nesta acção e uma vez que é proposta no interesse da sociedade, a lei exige a intervenção desta na acção (art.º 77.º, n.º 4 do CSC). Pois o sócio ou sócios que propõem a acção, fazem-no como meros substitutos processuais. Mas trata-se de uma substituição imprópria, em que se exige a presença simultânea do substituto processual e da parte substituída – Ac. do STJ, de 03.05.2000, na CJ-STJ, Tomo II, pág. 41. (…). A lei concede aos sócios que reúnam as condições referidas no n.º 1 do art.º 77.º legitimidade para instaurarem a acção uti singuli, não só no interesse da sociedade, como no seu próprio interesse, na medida em que este ficaria indirectamente lesado por a sociedade não intentar a acção social ut universi. A indemnização que por este meio seja obtida ingressará no património da sociedade, pois, como expressamente refere o art.º 77.º, n.º 1, a acção tem em vista a “reparação, a favor da sociedade, do prejuízo que esta tenha sofrido” (COUTINHO DE ABREU e ELIZABETE RAMOS, Responsabilidade Civil de Administradores e de Sócios Controladores, pág. 17).”, sublinhado nosso.
[7] In Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades Anónimas e dos Gerentes de Sociedades por Quotas, Suplemento aos BMJ n.ºs 192.º a 195.º., pág.435.
[8] Tanto mais que os danos sofridos pela sociedade que são susceptíveis de ressarcimento por meio de indemnização por parte dos administradores/gerentes, serão aqueles que apenas ocorreram, de forma directa, em consequência de uma concreta conduta ilícita (e que, de outra forma, não ocorreriam) – cfr. artigo 563.º do CC (princípio da causalidade adequada).
[9] Proc. n.º 1200/2005-6, relator José Eduardo Sapateiro.
[10] Já ALBERTO DOS REIS, aludindo ao então artigo 27.º do CPC (actual artigo 30.º) referia tratar-se de uma norma que “exige que o interesse seja directo. Não basta, pois, um interesse indirecto ou reflexo; não basta que a decisão da causa seja susceptível de afectar, por via de repercussão ou por via reflexa, uma relação jurídica de que a pessoa seja titular. Noutros termos: não basta que as partes sejam sujeitos de uma relação jurídica conexa com a relação litigiosa; é necessário que sejam os sujeitos da própria relação litigiosa.”, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 1982, 3.ª edição, reimpressão, pág. 84.
[11] Cfr. SOVERAL MARTINS, in Boletim de Ciências Económicas, Homenagem ao Prof. Doutor António José Avelãs Nunes, Vol. LVII, tomo II (2014), Faculdade de Coimbra, pág. 2072, referindo-se ao administrador de insolvência, escreve: “Tem legitimidade exclusiva para propor e fazer seguir certas ações (as que estão previstas no art.º 82.º, 3) e para exigir os pagamentos mencionados no art.º 82.º, 4, aos sócios, associados ou membros do devedor.”
[12] Dissertação de Mestrado A causalidade na determinação da responsabilidade dos administradores pela insolvência: verificação necessária ou simples presunção?, Universidade Católica de Lisboa, 2013, págs. 22-23.
[13] A responsabilidade dos administradores na insolvência, Revista da Ordem dos Advogados, 2006, disponível in www.portal.oa.pt., em cuja nota 25, se consignou: “a acção de sócios e trabalhadores está, face ao art.º 82 do CIRE, fora do processo de insolvência (enquanto não estiverem em causa simples créditos deles contra a sociedade).”
[14] Não se cingindo tal actuação à figura da resolução do negócio em benefício da massa insolvente (artigo 120.º e ss. do CIRE).
[15] Note-se que o autor nada alegou com relação a um qualquer interesse directo no desfecho da acção, designadamente para os efeitos previstos no artigo 78.º do CSC.
[16] Como se refere na nota de referência 4 ao acórdão da Relação de Coimbra de 29/01/2019 (Proc. n.º 2705/18.0T8LRA.C1, relator Barateiro Martins), “Como claramente resulta do art.º 316.º do CPC, invocado pela requerente, a intervenção principal provocada é dirigida às situações de litisconsórcio – em que a parte que já está na causa tem legitimidade (embora não possa porventura estar sozinha, por se tratar duma situação de litisconsórcio necessário) – e não às situações em que alguém, que não tem legitimidade, pretende que aquele que possui legitimidade intervenha na concreta causa que ele intentou sem legitimidade (se fosse assim, estava encontrado o meio de todos acabarmos por ter legitimidade para todas as acções, enfim, para esvaziar o pressuposto processual da legitimidade).
[17] Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL editora, 2022, pág. 340.