ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
CULPA DA ENTIDADE PATRONAL
Sumário

Se uma parede em terra não tem barreiras de segurança nem tábuas a escorar as terras, por o solo se afigurar sólido, não obstante de tratar de uma vala com 2,70 m de profundidade, e na sequencia de uma chuva acaba por haver um deslizamento de terra ou pedra que fere o sinistrado ao trabalhar dentro da mesma, o evento tem lugar por falta de entivação da vala, medida adequada a obstar a verificação do infortúnio, sendo a empregadora responsável por não observar as devidas condições de segurança.

(Elaborado pelo relator)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


RELATÓRIO


Sinistrado: AAA
Responsáveis civis (adiante designadas por RR.):
Crédito Agrícola Seguros - Companhia de Seguros de Ramos Reais, SA
J. Dinis, Construções, Lda.

O A. demandou as RR. na presente acção especial emergente de acidente de trabalho com fundamento em acidente de trabalho sofrido ao serviço da J. Dinis, Lda., pedindo a final a condenação da ré seguradora a pagar-lhe:
-Uma pensão anual e vitalícia no valor de 898,35€ com início no dia seguinte ao da alta, a qual é obrigatoriamente remível no montante de 12.633,50€ (taxa 14.063);
-Compensação no valor de 20€ referentes aos gastos que teve com transporte por deslocação ao Tribunal para actos no processo, bem como outros que venha a suportar na fase contenciosa da acção;
-Juros de mora, vencidos e vincendos, sobre todas as antecedentes prestações, à taxa anual legal, desde a data dos respectivos vencimentos e até integral pagamento.

A R. seguradora aceitou: que a responsabilidade por acidentes de trabalho em relação ao A. estava para si transferida com referência ao total anual de 10.308,12 €. Porém, afirmou que o acidente resultou da violação das normas de segurança por parte da entidade patronal, isto é, pela ausência de entivação da vala onde aquele se achava e que era indispensável dada a constituição do solo; em qualquer caso, o A. não podia ter ignorado, como fez, esse risco acrescido quando executava a tarefa, o que, nos termos do art.º 14º da Lei nº 98/2009, de 04.09 (adiante abreviadamente de LAT), lhe nega do direito à reparação; de todo o modo, não concorda com o proposto em laudo singular como incapacidade permanente parcial (IPP).

E, nesses termos, concluiu:
- Deverá a presente acção ser julgada totalmente improcedente contra a ora R., ou em conformidade com a prova que vier a produzir-se, nos termos do art.º 342º, nº 1, do Código Civil, considerando-se sempre o aqui alegado;
Requereu a intervenção da entidade patronal do A., a J. Dinis Construções, Lda., nos termos do disposto nos art.º 18º da LAT e 127º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho e pediu a  condenação da entidade patronal nos termos do disposto no art.º 18º, nº 1, da LAT, devendo, concomitantemente, a R. ser condenada nos termos do disposto no art.º 79º, n.º 3, declarando-se o seu direito de regresso.

A Empregadora aceitou a verificação de um acidente de trabalho, mas não a violação de normas de segurança e a sua relação causal com o acidente, já que apenas realizou os trabalhos de cofragem e descofragem (de acordo com os projectos aprovados para a moradia em questão); o terreno era composto de terra compacta, sem risco de deslizamento, conforme avaliação prévia que fez; não houve qualquer deslizamento de terra, tendo-se dado o acidente pela queda de uma pedra do topo da muralha, isto é, do lado oposto à parede de terra. E concluiu pela sua absolvição à luz do nº 3 do art.º 79º.

Saneados os autos e feito o desdobramento do processo para a fixação da incapacidade em separado, foi proferida decisão em 03.11.2022 onde se concluiu que o A. padece 9,7318% de IPP desde a data da alta.

Realizado o julgamento o tribunal proferiu sentença nestes termos:
“Declara-se que, em 03.06.2020, o senhor AAA sofreu um acidente de trabalho que lhe determinou uma IPP de 9,7318%, desde o dia imediato ao da alta (ou seja, 04.12.2020), e, em consequência, decide-se condenar:
A título principal:
- A J. Dinis Construções, Lda., a pagar-lhe:
1.O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de 1.003,17€, devido desde o dia imediato ao da alta e acrescido de juros de mora à taxa legal supletiva de 4% ao ano (ou outra que vier a vigorar como taxa supletiva legal) até efectivo e integral pagamento;
2.Uma indemnização por incapacidade temporária para o trabalho pela quantia global de 1.435,22€, acrescida de juros de mora à referida taxa de 4% ao ano desde o dia seguinte ao do vencimento de cada prestação e até efectivo e integral pagamento;
3.A quantia de 20€ a título de despesas de transporte, acrescida de juros de mora à mesma taxa legal desde 18.10.2021 até efectivo e integral pagamento.
A título meramente subsidiário:
- A Crédito Agrícola Seguros - Companhia de Seguros de Ramos Reais, SA, a pagar-lhe, caso não se consiga o pagamento através do Empregador e excutido que seja o património deste, sem prejuízo do direito de regresso sobre aquele:
4.O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de 702,22€, devido desde o dia imediato ao da alta e acrescido de juros de mora à taxa legal supletiva de 4% ao ano (ou outra que vier a vigorar como taxa supletiva legal) até efectivo e integral pagamento;
5.A quantia de 20€ a título de despesas de transporte, acrescida de juros de mora à mesma taxa legal desde 18.10.2021 até efectivo e integral pagamento”.
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Inconformada, a responsável civil J. Dinis recorreu, concluindo:
(…)
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O sinistrado contra-alegou, pedindo a improcedência do recurso e concluindo:
(…)
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Também a ré seguradora contra alegou, pedindo a improcedência do recurso e concluindo:
(…)
*
*
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO

É sabido que o objeto dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 639/1 e 2, e 663, todos do Código de Processo Civil.
Importa apurar se há erro quanto à decisão da matéria de facto e se houve ou não violação das regras de segurança por parte da empregadora.
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Da decisão da matéria de facto
(…)
Face ao exposto entende-se que a decisão de facto não merece censura.
*
*
O Tribunal a quo deu por assente a seguinte factualidade:
1.A 03.06.2020, por volta as 9h30, o A. encontrava-se numa obra de construção civil localizada no Milharado (Mafra).
2.O A. trabalhava então sob orientação e direcção de J. Dinis Construções, Lda., desempenhando ali as funções de ajudante de pedreiro,
3.Pela retribuição anual de 10.308,12€.
4.Nessa altura, quando procedia à tarefa de descofragem de uma parede de betão, ladeada por uma outra de terreno natural, portanto no interior de uma vala com cerca de um metro de largura e 2,70m de altura em ambos os lados, passando as tábuas para o colega que estava por cima, houve um deslizamento de parte da terra que compunha a parede em terra e o A. foi embatido no cotovelo direito por um torrão ou uma pedra que assim se desprendeu.
5.Do que resultou ao A.:
- Fractura luxação de Monteggia direita (pessoa dextra);
- Fractura do rádio + cúbito 3º fragmento com luxação tacícula.
6.Com os seguintes períodos de incapacidade temporária (IT):
- IT absoluta entre 04.06.2020 e 16.11.2020;
- IT parcial de 20% de entre 17.11.2020 e 03.12.2020.
7.Com alta em 03.12.2020.
8.O A. deslocou-se a Tribunal por duas vezes ainda na fase conciliatória, para exame médico e tentativa de conciliação, com o que despendeu a quantia de 20€ e que ali reclamou (18.10.2021) da Seguradora e do Empregador.
9.O Empregador tinha nessa data a sua responsabilidade infortunística em relação aos seus trabalhadores, incluindo assim o A., transferida para a R., pela apólice n.º 01697507, pela referida retribuição anual.
10.A Seguradora pagou ao A. a quantia de 3.348,85€ a título de indemnização pelos períodos de IT.
11.O A. nasceu a 06.01.1973.
12.Em exame singular de 30.09.2021, foi considerado ao A.:
- Sequelas de fractura de Monteggia direita com défices da flexo extensão (cerca de 10 a 15 graus) e rigidez
aquilose da pronossupinação; mantém de valgo de carga; sem alterações de conflito da goteira do cubital.
13.Já em exame objectivo realizado a 07.10.2022, o A. apresentou:
- Limitação da mobilidade do cotovelo/antebraço direito (-20º de extensão e 120º de flexão; últimos 10º de pronação e limitação grave da supinação, fazendo cerca de 5º. 14.
14.Por decisão proferida no apenso «A», de 03.11.2022:
«ponderado o teor do referido auto de exame por Junta Médica, que aqui se dá por reproduzido, com fundamentação clara, e as demais informações clínicas constantes dos autos sobre a natureza, gravidade e sequelas das lesões suportadas pelo A., bem como a idade deste e a sua profissão, decide-se aderir ao laudo pericial. De facto, tendo em conta o resultado do Exame Objectivo realizado e a resposta dada aos quesitos pela Junta Médica, por unanimidade, não oferece dúvida em concluir pela atribuição ao A. de uma IPP de 9,7318% pela subsunção das suas sequelas ao previsto Cap. I 5.2.2. f), Cap. I. 7.2.2.3 a) e Cap. I. 7.2.2.4 b) da TNI, conforme proposto. Assim, considera-se o A. acometido de IPP de 9,7318% desde a data da alta».
15.À data do início dos trabalhos de cofragem, a parede em terra exibia-se rígida e compacta.
16.Essa parede não tinha barreiras de segurança a escorar, nem tábuas a escorar as terras.
17.Na noite anterior chovera.
18.O referido deslizamento deu-se pela ausência de entivação da vala.
19.O Empregador apenas realizou os trabalhos de cofragem e de descofragem, o que fez de acordo com os projectos aprovados para a moradia em construção.
20.O Empregador celebrara em 23.10.2010 com a Segurihigiente – Saúde no Trabalho, SA, um acordo para a prestação por esta do serviço de Medicina do Trabalho, cujo conteúdo [com a sua contestação] se dá por reproduzido.
21.O Empregador fornece aos seus trabalhadores capacete, botas, luvas, coletes, protecção auditiva e vestuário de trabalho.
22.O Empregador preencheu em 03.06.2020 e fez seguir para a Seguradora a sua participação nestes termos: «escorregou na terra e caiu no buraco da obra; tirava madeira da muralha; desequilibro».
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O Tribunal a quo considerou não provados:

A.A vala possuía 3,50m - 4m de altura/ profundidade.
B.O A. actuou contra as orientações do Empregador.
C.Previamente ao início dos trabalhos, o Empregador efectuou as diligências necessárias com vista ao apuramento da natureza geológica do terreno.
D.Em locais em que verificou a existência de risco de desprendimento, o que não sucedia no local em que o A. se encontrava, o Empregador procedeu à estabilização e remoção de objectos que ofereciam risco de desprendimento;
E.Tendo ainda procedido à criação de um talude natural, de forma a garantir que nenhum deslizamento de terras ocorria e que pudesse colocar em causa os seus trabalhadores e os trabalhos que estavam a ser realizados.
F.Os trabalhos foram acompanhados pelo Técnico do Empregador.
G.No local existia um muro que permitia afastar mais o topo da escavação do local onde seria efectuada a cofragem da parede de betão.
H.O A. foi atingido por uma pedra que caiu do topo da muralha para o local em que o A. se encontrava.
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De Direito

Entendeu a sentença recorrida que existe violação das mais elementares normas de segurança por parte da entidade patronal, nos seguintes termos:
“Está em causa a aplicação ao caso do disposto no art.º 8º, onde se diz que, caso o acidente resulte de falta de observação pelo empregador das regras sobre segurança e saúde no trabalho, o sinistrado recebe uma indemnização correspondente à totalidade do dano, e a seguradora beneficia do direito de regresso previsto no art.º 79º, nº 3.

Tal pressupõe, desse modo, à luz da teoria da causalidade adequada, que o facto cuja causalidade se discute seja uma das condições do dano, isto é, que se tenha provado que o facto integrou o processo causal que conduziu ao dano (no caso, ao acidente).

E, por isso, «o ónus de alegação e prova dos factos que integram a violação de regras de segurança e o nexo de causalidade entre a violação e o acidente impende sobre a parte que invoca o direito às prestações agravadas, nos termos do nº 1 do art.º 342º do Código Civil, por tais factos se apresentarem, face ao disposto no art.º 18º, nº 1, da LAT, como constitutivos do direito invocado ou à entidade seguradora, neste caso, porque surgem como factos modificativos, nos termos do art.º 37º, nº 2, da LAT, da obrigação emergente do contrato de seguro — e do direito que lhe corresponde —, cabendo, assim, na previsão do n.º 2 do citado art.º do Código Civil» - acórdão do STJ de 12.11.2009, processo nº 330/04.2TTABT.S1. E, no caso, diz a R., «era indispensável a entivação do solo, dado a sua constituição (não se tratava de uma escavação em rocha ou em argilas duras) e a profundidade da escavação».

Está em causa, assim, atenta a disposição transitória do art.º 29º do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 20.10, o Decreto n.º 41.821, de 11.08.1958 (Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil), designadamente no artigo 67º onde se diz: «é indispensável a entivação do solo nas frentes de escavação», com excepção das escavações em rocha e argilas duras.

E aqui, como se lê no último acórdão citado, «à R. empregadora competia, para além de impugnar os fundamentos do pedido, querendo defender-se por excepção, alegar e provar factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito accionado pelo trabalhador, entre os quais se conta o de se tratar de escavações em rocha e/ou argilas duras, bem como aqueles que integram a desnecessidade de escoramento dos muros, factos esses que a própria lei trata como excepção, dele fazendo decorrer a dispensa das atinentes obrigações» (ou como contraexcepção, se invocada pela Seguradora).

Ora, está provado:
- O A. procedia à tarefa de descofragem de uma parede de betão;
- Fazia-o no interior de uma vala com cerca de um metro de largura e 2,70m de altura em ambos os lados;
- Esta vala era ladeada por parede de terreno natural;
- Essa parede não tinha barreiras de segurança a escorar, nem tábuas a escorar as terras;
- Houve um deslizamento de parte dessa parede;
- O A. foi embatido por um torrão ou uma pedra que assim se desprendeu. É ainda certo que:
- À data do início dos trabalhos de cofragem, a parede em terra da vala exibia-se rígida e compacta;
- No dia anterior, chovera.

Pois bem, se é certo que se sabe ser a parede de terra rígida e compactada à data do início dos trabalhos do Empregador, como por si alegado, cumpre (…) notar que não foram provadas as concretas características do solo, por exemplo, se era formado por rocha e argila dura com forte resistência à escavação (que por regra obriga a que se lance mão de processos mecânicos de escavação) ou por argila misturada com areia e cascalho, cujo equilíbrio depende do grau de humidade a que se encontram (que pode já ser escavado com recurso a picareta).

Mais importa notar a altura da vala que, não correspondendo exactamente ao alegado pela R., ascendia a 2,70m. Tudo conjugado, somos a concluir que a Seguradora nisto provou o que lhe competia; já o Empregador, ao não provar (em boa verdade nem alegou) tratar-se ali de uma escavação em rocha e/ou argila dura, não o fez. Em conclusão, as regras definidas pelo art.º 67º não estavam a ser cumpridas.

E a quem cabia o seu cumprimento? É certo que se desconhece quem, em concreto, procedeu à abertura da vala. No entanto, não há dúvida que competia ao Empregador proceder aos trabalhos de cofragem e subsequente descofragem, naturalmente através do seu pessoal.

E, nos termos do art.º 281º, nº 2, do Código do Trabalho (e também dos art.º 5º, 15º e 20º da Lei nº 102/2009, de 10.09) cabia àquele o dever de assegurar-lhes condições de segurança e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta os princípios gerais de prevenção.

Aliás, o Empregador aceitou nos autos esse seu dever, ao alegar (ainda que sem sucesso, diga-se) «ter efectuado as diligências necessárias com vista ao apuramento da natureza geológica do terreno» ou «procedeu à estabilização e remoção de objectos que ofereciam risco de desprendimento» ou «à criação daquilo que frequentemente se chama de talude natural, de forma a garantir que nenhum deslizamento de terras ocorria».

Certo é que não cumpriu satisfatoriamente o seu dever, pois a parede de terra não foi estivada de alguma forma, sendo que «o empregador não se pode alhear das condições concretas de segurança em que efectivamente os seus trabalhadores exercem actividade, limitando-se a confiar no cumprimento dessas obrigações a terceiros ou a confiar que nada sucederá (acórdão do STJ de 15.9.2021, processo 559/18.6T8VIS.C1.S1).

E, talvez por alguma má consciência, participou o sinistro à Seguradora como «escorregou na terra e caiu no buraco da obra».
Assente a violação de regra de segurança e pelo Empregador, cumpre responder se esta foi causal do acidente dos autos.

Aqui, salvo melhor opinião, impõe-se uma resposta afirmativa, já que a entivação se destina, precisamente, a evitar o perigo de deslizamento de terra como no caso sucedeu.

Em alegações, se bem entendemos, foi dito que este perigo não era previsível.

Respeitosamente, discordamos.

É certo, é invulgar chover em Junho; porém, não se sabe ao certo qual a influência desse facto no deslizamento que ocorreu.

Isto porque, além de se desconhecer a quantidade de precipitação, também se desconhece quais eram em concreto as características do solo, nos termos narrados, não sendo lícito ao Empregador beneficiar de eventual avaliação precariamente empírica da natureza do solo que tenha feito no início dos trabalhos (se é que a fez).

Porém, temos para nós que uma vala com uma altura de 2,70m sempre exigiria outro cuidado por parte do Empregador, isto é, que representasse como possível o resultado ocorrido.

Em qualquer caso, note-se que o previsto no art.º 18º inclui também a dita negligência inconsciente, isto é, quando o agente infringe o dever de cuidado (no caso, de segurança) imposto pelas circunstâncias, não pensando sequer na possibilidade de ocorrência do resultado.

Ora, se tal regra tivesse sido cumprida o acidente e as suas consequências (dano) não teriam ocorrido.

Em conclusão, o Empregador é o responsável principal pela reparação do acidente, limitando-se a Seguradora a responder subsidiariamente pelas prestações que seriam devidas não houvesse actuação culposa (artigo 79º, nº 3, da LAT)”.
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Entende a ré que “como resultaria já dos factos provados e não provados constantes da sentença” a subsunção efectuada em correta (art.º 20 das aleg.) e o sinistro não resultou de falta de entivação, não tendo havido qualquer deslizamento de terras, estando a frente de escavação munida de todas as condições de segurança.

A isto responde o sinistrado, patrocinado pelo Ministério Público, que “para o caso, nos termos em que o foram, terá pouco relevo se as terras laterais eram rígidas ou “fixes”, tanto por tal percepção assentar apenas numa aparência visual e sem qualquer estudo geológico do terreno, tanto por qualquer obra realizada no exterior dever ter em conta todas as condições atmosféricas, designadamente, de chuva, como ocorrera na véspera, com o inerente enfraquecimento da sustentação do solo, e de qualquer modo, nada nos diz que fossem de granito ou de argila dura. E tanto é assim, que não teria ocorrido o acidente com as lesões que resultaram para o sinistrado, se tal elementar dispositivo tivesse sido colocado”.

Tendo em conta a legislação referida na sentença recorrida, na parte acima transcrita, e os termos da discussão, há simplesmente três pontos a averiguar: o acidente ocorreu devido a um deslizamento de parte da terra que compunha a parede de terra? Tal não teria ocorrido se tivesse havido entivação do solo? A ré devia ter procedido a essa entivação?

Quanto ao primeiro, basta verificar os factos ocorridos: houve um deslizamento de parte da terra quando o autor se encontrava na vala a proceder à descofragem de uma parede de betão, na sequência  do que o autor foi embatido no cotovelo direito por um torrão ou uma pedra que assim se desprendeu (cfr. n.º 4 dos factos provados).

Relativamente ao segundo, o facto contido em 18 mostra que assim é. Na verdade, tal até resulta virtualmente da sequência dos factos, uma vez que o sinistrado foi atingido por terra ou pedra vinda, obviamente, de um plano superior, coisa que não teria acontecido se a parede tivesse sido entivada.

Quanto ao terceiro, face ao disposto no referido art.º 67 do Decreto n.º 41821, de 11/08/1958, que contém o regulamento de segurança da construção civil, do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de outubro, a resposta é inequivocamente afirmativa: enquanto empregadora a ré devia ter procedido à entivação, de modo a evitar eventos como este.

Assim sendo, existe efectiva violação de regra de segurança por parte da recorrente.

O que acarreta a improcedência do recurso.
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DECISÃO

Pelo exposto, o Tribunal julga improcedente o recurso e confirma a sentença recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.


Lisboa, 31 de maio de 2023


Sérgio Almeida
Alves Duarte
Francisca Mendes