I. Provada a existência de doações puras efetuadas em vida pelo inventariado em benefício de não descendentes, devem as mesmas ser relacionadas no inventário, nomeadamente para efeito de eventual redução, por inoficiosidade.
II. A remessa para os meios comuns não se destina à verificação da inoficiosidade; esta faz-se no inventário, mas nos meios comuns já se define a sua sujeição a um certo regime, em função dos factos apurados.
I. Relatório
1. AA instaurou a presente ação declarativa de condenação, com forma de processo comum, contra BB, CC, DD e EE, pedindo a condenação dos quatro Réus a:
«a) ver declarado que, decidido que está, com autoridade de caso julgado nas doutas decisões de 09.11.2015 e no douto acórdão 322/14...., de 27.10.2016, que os bens nos valores descritos acima em nos artigos 8.º e 11 são doações feitas por FF ao R. BB no montante de € 69.240,88; que os valores descritos acima nos artigos 10.º e 12.º são doações feitas por FF aos RR BB e DD no montante de € 92.700,00; e que o valor descrito no artigo 18.º é uma doação feita por FF aos quatro Réus, na proporção de 62.500,00 para o 1ª e 2ª RR e 62.500,00 para o 3º e 4ª RR,
a.1) – ver, agora declarado, que se trata de doações puras, no valor global de € 286.940,88 (duzentos e oitenta e seis mil novecentos e quarenta euros e oitenta e oito cêntimos), não oneradas com quaisquer encargos,
a.2) – assim devendo ser consideradas para efeito da determinação do quinhão legitimário da aqui A. na herança aberta por óbito do doador das mesmas, como já peticionado pela A. no inventário que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo Cível ..., sob o número 322/14.3... (anteriormente com o n.º 1...4/1999 do ... Juizo do Tribunal Judicial da Comarca de Amarante), em que A. e RR foram partes para o efeito de aí, em partilha adicional – artº 1129, nº 1 do C.P.C. ser declarado que as doações de que foram beneficiários excedem em € 136.772,94, aquele quinhão legitimário; e
b) verem operada, a consequente redução das doações, tendo em conta a antiguidade das mesmas, e, em consequência, serem os réus condenados a entregar à A. a quantia de € 136.772,94 (cento e trinta e seis mil setecentos e setenta e dois euro e noventa e quatro cêntimos e noventa e quatro cêntimos);
c) mais se requer que, por se terem recusado a fazer imputar na herança as doações acima, quando citados para o inventário como donatários, sejam os réus condenados a pagar os respetivos juros de mora à taxa legal desde a citação para a presente ação e até integral e efetivo pagamento, sobre o valor acima em dívida de € 136.772,94 (cento e trinta e seis mil setecentos e setenta a dois euros e noventa e quatro cêntimos) ou aquele que se vier a determinar como sendo o de redução».
2. Citados, os RR. ofereceram contestação, na qual, por excepção, invocaram a caducidade do direito à acção e a ilegitimidade passiva das RR. CC e EE, tendo passado depois a impugnar parcialmente os factos alegados na petição inicial, a não verificação de caso julgado que possa suportar o pedido da al. a), defendendo, por mais fundamentos invocados, a improcedência da acção.
3. Frustrou-se uma tentativa de conciliação.
4. Teve lugar audiência prévia, na qual o tribunal:
- Fixou o valor processual da causa em € 423.713,82.
- Julgou verificada a existência de nulidade decorrente de erro na forma de processo quanto aos pedidos formulados nas alíneas b) e c) da petição inicial e, em consequência, absolveu os RR. da instância, quanto aos referidos pedidos.
- Julgou improcedentes as invocadas exceções da caducidade da ação e da ilegitimidade das RR.
- Identificou o objeto do litígio como sendo decidir a reclamação apresentada por BB e DD contra a relação de bens apresentada pela cabeça-de-casal no processo de inventário n.º 322/14.3..., que foi instaurado na sequência do óbito de FF.
- Enunciaram-se os seguintes temas de prova:
1º- Circunstâncias em que foram efetuadas as doações invocadas nos art.ºs 8º a 13º da petição inicial;
2ª- Utilização das referidas doações, nos termos alegados no art.º 18º da petição inicial;
3º- Circunstâncias em que foi efetuada a doação invocada nos art.ºs 1º a 23º da petição inicial.
- Pronunciou-se sobre os meios de prova.
5. Na 1ª instância o objecto do litígio foi delimitado:
“Constitui objeto do litígio – na sequência da reclamação dirigida por BB e DD contra a relação de bens apresentada pela cabeça-de-casal no processo de inventário n.º 322/14.3..., instaurado na sequência do óbito de FF; tendo presente o decidido no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-10-2016, proferido no âmbito do processo de inventário n.º 322/14.3..., no qual se determinou «a remessa dos interessados para os meios comuns, a fim de aí, após mais profunda indagação dos factos controvertidos, ser decidido o incidente de reclamação contra a relação de bens»; bem como o alegado na petição inicial que deu origem ao presente processo e a decisão já proferida na audiência prévia, pela qual se julgou verificada a nulidade decorrente de erro na forma de processo quanto aos pedidos formulados nas alíneas b) e c) da petição inicial e, em consequência, foram os Réus absolvidos da instância, quanto aos referidos pedidos – decidir se as verbas 5, 6, 8, 9 e 11 da relação de bens apresentada no âmbito do processo de inventário n.º 322/14.3... deverão ou não ser mantidas.
A questão essencial decidenda é a seguinte: apurar se as verbas 5, 6, 8, 9 e 11 da relação de bens correspondem a doações realizadas por FF a favor de BB e DD.”
6. Teve lugar a audiência final, em duas sessões, após a qual foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a ação e, em consequência:
III. a) Determina-se que a verba 6 seja mantida na relação de bens e que a verba 9 seja mantida na relação de bens, mas com a seguinte redação:
Verba 9 – A quantia de € 17.422,89 (dezassete mil, quatrocentos e vinte e dois euros e oitenta e nove cêntimos), relativa a um depósito a prazo, depositada na conta n.º ...68, domiciliada no Banco Português de Investimento, S. A., Balcão ..., doada por FF a BB e DD, e por estes aceite;
III .b) Determina-se que as verbas 5, 8 e 11 sejam excluídas da relação de bens.
Condenam-se Autora e Réus a pagar as custas, na proporção do respetivo decaimento (art. 527.º do Código de Processo Civil).»
7. Inconformada, recorreu a A., para o Tribunal da Relação, que conheceu do recurso de apelação e delimitou o seu objecto às questões:
1. Nulidade processual por omissão e pronúncia;
2. Erro de julgamento na decisão proferida em matéria de facto;
3. Violação da autoridade do caso julgado;
4. Violação das regras do ónus da prova (verba nº 11);
5. Caraterísticas da doação da verba nº 11 e o dever da sua relacionação, assim como a posição das RR. mulheres relativamente à questão da verba nº 11 da relação de bens.
8. O Tribunal da Relação deu a seguinte resposta a essas questões:
1. Nulidade processual por omissão e pronúncia – procedente, porque:
“Ao não se ter pronunciado sobre as caraterísticas das doações, designadamente se eram doações puras, modais ou mesmo remuneratórias, o tribunal a quo cometeu nulidade da sentença por omissão de pronúncia”
2. Erro de julgamento na decisão proferida em matéria de facto – procedente, porque:
“Este facto, essencialmente, dado como não provado pelo tribunal recorrido, deve transitar para os factos provados, nos seguintes termos:
20-A) FF não visou receber nem recebeu de BB nem de DD, nem dos respetivos cônjuges, qualquer valor, por causa do contrato de «CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL COM COMODATO», designadamente a quantia de € 125.000,00 a que se refere a respetiva cláusula terceira.
Elimina-se o ponto 25 da matéria dada como não provada.”
3. Violação da autoridade do caso julgado – não ocorreu, porque:
“É essa precisamente a decisão da Relação no acórdão de 27.10.2016 ao ordenar a remessa para os meios comuns para que se conheça dos factos controvertido e se decida o incidente de reclamação contra a relação de bens apresentada pelos requeridos apelantes, ou seja, a totalidade da matéria controvertida no âmbito do incidente da reclamação de bens.
Andou bem o tribunal recorrido em conhecer das doações, afirmando ou negando a sua existência e alterando a relação e bens.”
4. Violação das regras do ónus da prova (verba nº 11) – procedente, porque:
“Aqui chegados, será de concluir que a A. cabeça-de-casal, desde logo atenta essa sua qualidade, tem o ónus de provar que determinados bens foram doados pelo inventariado aos RR., e estes, feita a prova das doações, têm o ónus de alegar e demonstrar os factos que os favorecem, designadamente, factos de onde se possa extrair que as doações de que foram donatários não devem ser objeto de redução por inoficiosidade, ou, mais concretamente, que foram doações modais, por exemplo.
A única matéria de facto objeto de impugnação foi o ponto 25 dado como não provado, que passou a ser um facto provado.
Os RR. não só não provaram que o FF recebeu dos RR. um valor relacionado com o preço da cessão da posição contratual, como ficou efetivamente provado que o FF não recebeu de BB nem de DD qualquer valor, por causa do contrato de «CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL COM COMODATO», designadamente a quantia de € 125.000,00 a que se refere a respetiva cláusula terceira, ficando assim atingido o objetivo visado pela recorrente desde logo na decisão proferida em matéria de facto.”
5. Caraterísticas da doação da verba nº 11 e o dever da sua relacionação, assim como a posição das RR. mulheres relativamente à questão da verba nº 11 da relação de bens - procedente, porque:
“A doação em causa é uma doação pura, já que os donatários não se vincularam a qualquer dever de prestar.15
Por conseguinte, deve manter-se a verba nº 11 da relação de bens, com o seguinte teor:
Verba 11 - O montante de 125.000,00, referente ao preço das frações objeto do contrato-promessa --- frações autónomas “AS” e “CV” do imóvel descrito na C. R. Predial ... sob o nº 00539 e inscrito na matriz sob os números 1414-AS e 1414-CV, da freguesia ... -- em que o inventariado cedeu a sua posição de promitente-comprador aos interessados/donatários BB, CC, DD e EE.
Esta doação (liberalidade), realizada em vida do doador está sujeita a redução por inoficiosidade (em tanto quanto for necessário para assegurar que a legítima do herdeiro legitimário, a aqui A., seja preenchida), nos termos dos art.ºs 2168º e 2169º, 2171º, 2173º e 2174º do Código Civil).
Tendo sido feita a doação aos dois sobrinhos do inventariado e cônjuges, todos eles são interessados no inventário, já que todos eles podem ser afetados pela eventual redução por inoficiosidade da liberalidade de que beneficiam, na proporção de € 62.500,00 para cada um dos casais.”
9. O Tribunal da Relação veio a proferir acórdão com o seguinte segmento dispositivo:
“Pelo exposto, de facto e de Direito, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência:
A. Mantêm-se a verba n º 11 da relação de bens, agora com o seguinte teor:
Verba 11 - O montante de 125.000,00, referente ao preço das frações objeto do contrato-promessa --- frações autónomas “AS” e “CV” do imóvel descrito na C. R. Predial ... sob o nº 00539 e inscrito na matriz sob os números 1414-AS e 1414-CV, da freguesia ... -- em que o inventariado cedeu a sua posição de promitente-comprador aos interessados/donatários BB, CC, DD e EE.
B. Estas, assim como as demais doações subsistentes na relação de bens (após o trânsito em julgado deste acórdão) efetuadas pelo inventariado estão, no inventário, sujeitas a redução, por inoficiosidade.”
10. Não se conformando com o acórdão os RR. apresentaram recurso de revista onde formulam as seguintes conclusões (transcrição):
“1 – Por Acórdão proferido em 26 de Janeiro de 2023, foi julgada procedente a Apelação interposta pela A., mantendo-se a Verba nº 11 da Relação de Bens, conferindo-lhe o seguinte teor: “Verba nº 11- O montante de 125.000,00, referente ao preço das fracções objecto do contrato-promessa ---fracções autónomas “AS” e “CV” do imóvel descrito na C. R. Predial ... sob o nº00539 e inscrito na matriz sob os nºs 1414-AS e 1414CV, da freguesia ... – em que o inventariado cedeu a sua posição de promitente-comprador aos interessados/donatários BB, CC, DD e EE.”
2 – Mais decidiu o douto Acórdão que esta e as demais doações subsistentes na relação de bens efectuadas pelo inventariado estão, no inventário, sujeitas a redução por inoficiosidade.
3 – No presente recurso aprecia-se a validade da Sentença proferida em primeira instância e o erro na apreciação da Lei Processual pelo Tribunal Recorrido.
4 - O Tribunal Recorrido, no Acórdão em crise, na esteira do alegado pela A., em sede de Recurso de Apelação, considerou que o Tribunal de Primeira Instância ao não se pronunciar sobre as características das doações cometeu nulidade da Sentença, por omissão de pronúncia.
5 - Os Recorrentes não perfilham do entendimento preconizado pela A., ora Recorrida, corroborado pelo Tribunal da Relação.
6 - Decorre do Despacho Saneador proferido em 20 de Outubro de 2021 e do Despacho proferido em 06 de Dezembro de 2022 que, o Tema/ Objecto deste processo não é “apurar a natureza das doações, se as mesmas foram ou não remuneratórias, se as mesmas devem ou não ser chamadas à colação.” Mas sim, decidir a Reclamação deduzida pelos aqui Recorrentes contra a relação de bens apresentada pelos mesmos no processo de inventário nº 322/14.3..., que foi instaurado na sequência do óbito de FF.
7 - O douto Acórdão proferido em 27 de Outubro de 2016, pelo Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do Processo de Inventário nº 322/14.3..., também contrariamente ao que defende a Recorrida e o douto Acórdão objecto de recurso, não definiu como tema deste processo a averiguação da natureza das doações.
8 - O mencionado aresto proferido pelo Tribunal da Relação em 27 de Outubro de 2016, determinou “a remessa dos interessados para os meios comuns, a fim de aí, após mais profunda indagação dos factos controvertidos, ser decidido o incidente de reclamação contra a relação de bens”.
9 - Não sendo o tema/ objecto deste processo o apuramento da natureza das doações, o Tribunal de Primeira Instância, não tinha que se pronunciar sobre esta questão, por a mesma não assumir qualquer relevância para o desfecho da presente lide.
10 - O apuramento da natureza das doações não constituiu igualmente matéria submetida aos temas da prova.
11 - A ora Recorrida, em momento oportuno, não registou perante o Tribunal de Primeira Instância a sua oposição/não concordância com o decidido no aludido Despacho Saneador mormente no que concerne à averiguação da natureza das doações.
12 - Precludiu assim o seu direito, transitando assim em julgado, ainda que formalmente, o doutamente decidido pela Primeira Instância sobre esta questão.
13 – Não obstante isso, o douto Acórdão em crise, deu provimento à pretensão da então Apelante, ora Recorrida, o que, em face de tudo o que alegado foi, não se aceita.
14 - Não há, pois, qualquer omissão de pronúncia por parte do Tribunal de Primeira Instância, inexistindo, por isso, nulidade da douta Sentença em apreciação, sendo a mesma válida.
15 – O douto Acórdão objecto de recurso decidiu manter a Verba nº 11 na Relação de Bens, dando-lhe a seguinte redacção: “Verba nº 11- O montante de 125.000,00, referente ao preço das fracções objecto do contrato-promessa ---fracções autónomas “AS” e “CV” do imóvel descrito na C. R. Predial ... sob o nº00539 e inscrito na matriz sob os nºs 1414-AS e 1414CV, da freguesia ... – em que o inventariado cedeu a sua posição de promitente-comprador aos interessados/donatários BB, CC, DD e EE.”
16 - O Tribunal de Primeira Instância, em face da prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, considerou como não provado o Ponto 25, dos Factos Não Provados, dando-lhe a seguinte redacção:
“FF não recebeu de BB ou de DD qualquer valor, na sequência do Acordo de «CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL COM COMODATO», supra referido em 18).”E,
17 - Decidiu excluir a Verba nº 11 da Relação de Bens.
18 – Na esteira do decidido pelo Tribunal de Primeira Instância, recaía sobre a A., ora Recorrida, o respectivo ónus da prova, nos termos do disposto no Artigo 342º, nº 1, do C.Civil.
19 - A Recorrida, no decurso de todo o processo, não fez qualquer tipo de prova, documental e/ou testemunhal, relativamente a esta matéria e à demais por si alegada.
20 - As testemunhas arroladas pela A., ora Recorrida, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, não demonstraram ter qualquer conhecimento sobre o teor do aludido Acordo de Cessão da Posição Contratual e sobre se houve ou não pagamentos dos Réus, aqui Recorrentes BB e do DD a FF.
21 - O Tribunal Recorrido, no Acórdão em apreciação, procedeu à alteração da matéria de facto dado como não provada, eliminando o Ponto 25, dos factos não provados, e aditando o Ponto 20-A aos Factos Provados.
22 – O Tribunal Recorrido alicerçou a sua convicção nos depoimentos prestados pelos Réus BB e DD, na parte em que os mesmos não constituíram prova por confissão e no teor das cartas escritas e enviadas pela ex-mulher do falecido FF.
23 - À luz do disposto no Artigo 463º do C.P.Civil, inserto no Capítulo III – “Prova por confissão e por Declaração das Partes”, o depoimento é sempre reduzido a escrito, na parte em que houver confissão do depoente, ou em que este narre factos ou circunstâncias que impliquem indivisibilidade da declaração confessória.
24 - O Tribunal, no que concerne a este tipo de prova, apenas pode valorar o depoimento de parte, quando ocorra confissão dos factos.
25 - Compulsados os depoimentos prestados, em Audiência de Discussão e Julgamento, pelos Réus BB e DD, aqui Recorrentes, e a consequente assentada lavrada após a ocorrência dos mesmos, verifica-se que, quanto a esta matéria não ocorreu qualquer confissão dos factos vertidos no ponto 25 dos Factos não Provados da douta Sentença proferida pela Primeira Instância.
26 – O Tribunal de Primeira Instância, dando estrito cumprimento ao nº 2, do disposto no Artigo 463º do C.P.Civil, após ter redigido a assentada, leu o teor da mesma às partes e aos seus mandatários, não tendo sido por estes apresentada qualquer reclamação.
27 - O tribunal recorrido, desvirtuando as regras da prova por confissão das partes, equiparando-as às regras da prova testemunhal, procedeu à alteração da matéria de facto.
28 - As declarações dos Réus BB e DD, transcritas na Alegação de recurso da então Apelante, ora Recorrida e, por consequência, no Acórdão em apreciação, não podem ser atendidas e valoradas nos moldes efectuados pelo Tribunal da Relação.
29 – As referidas declarações não são susceptíveis de conduzir à alteração da matéria de facto, eliminando o Ponto 25 dos Factos não Provados e aditando o Ponto 20-A aos Factos Provados.
30 - Os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, deverão ser mantidos em sede de recurso.
31 – O uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
32 - O Tribunal da Relação ao ter procedido à alteração da matéria de facto, nos moldes em que o fez, violou os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova.
33 - No caso “sub judice”, o Tribunal Recorrido fundamenta ainda a alteração da matéria de facto nas alegadas contradições significativas dos depoimentos de parte prestados pelos Réus BB e DD.
34 - Em caso de dúvida, face aos depoimentos de parte alegadamente contraditórios entre si, em matéria não confessada, e à total ausência de prova produzida pela Recorrida, deverá prevalecer a decisão proferida pela Primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.
35 - O princípio da imediação é um princípio processual geral a respeitar e as consequências delas extraídas só devem ser afastadas quando tenha sido mal usado, não quando à Relação pareça, ouvida a gravação, que outra é mais plausível.
36 – O Tribunal Recorrido fez uma incorrecta valoração das duas cartas manuscritas pela Dª GG, ex-mulher do falecido FF.
37 - As cartas manuscritas assinadas pela ex-mulher do Senhor FF são manifestamente insuficientes para demonstrar a ocorrência da factualidade dos factos insertos nas alíneas 25º e 26º dos Factos não Provados, da Sentença proferida pela Primeira Instância.
38 - Ao abrigo do disposto no Artigo 341º do Código Civil, as provas têm como função a demonstração da realidade dos factos.
39 - O teor das mencionadas cartas é constituído por meras opiniões da sua subscritora sobre as intenções do falecido FF, não podendo, por isso, ser valorado nos moldes e com a relevância que o Tribunal da Relação o fez.
40 - O teor das mencionadas cartas denota igualmente animosidade entre a sua subscritora e o falecido, à data, ainda seu marido, FF.
41 - Pelo que não demonstram a realidade dos factos, não sendo susceptível de alterar a matéria de facto constante das alíneas 25 e 26 dos Factos Não Provados. E,
42 - Para manter a Verba nº 11 na Relação de Bens, mormente com a redacção que lhe foi dada pelo Acórdão em apreciação.
43 - Compulsada toda a prova produzida em sede de Primeira Instância, não podemos deixar de concluir que foi feita pela mesma uma análise critica e conjugada de todos os meios de prova produzidos.
44 - A argumentação aduzida pelo Tribunal Recorrido não logra pôr em causa a fundamentação deduzida pela Primeira Instância, limitando-se antes a valorar de uma forma diferente os mesmos meios de prova produzidos.
45 - A convicção do julgador de Primeira Instância teve completo apoio nos ditos meios de prova produzidos, sendo, portanto, de manter a factualidade provada e não provada, tal como decidido pelo mencionado Tribunal.
46 - Compulsada toda a prova produzida, tendo em conta as regras do ónus da prova, e conjugando os depoimentos das testemunhas, os depoimentos de parte prestados pelos Réus BB e DD com os demais elementos probatórios atrás referidos, não podem restar dúvidas que os aludidos factos constantes da matéria de facto devem manter-se inalterados, confirmando-se a análise crítica efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância quanto a essa factualidade.
47 - Não existiu, pois, qualquer erro de julgamento na decisão proferida pela Primeira Instância sobre a matéria de facto.
48 - Deverá ser revogado o douto Acórdão da Relação.
49 - Foram violadas, entre outras, as disposições constantes dos artigos 341º e 342º do Código Civil, 463º e 615º do Código do Processo Civil.”
11. Foram apresentadas contra-alegações defendendo que o recurso deve improceder porque manifesta um inconformismo com a decisão e requer a reapreciação da matéria de facto em situações não permitidas por lei – declarações de parte e depoimentos – matérias excluídas do recurso para o STJ, pelo que o recurso nem deve ser admitido.
12. Foi proferido despacho a admitir o recurso no Tribunal recorrido, dizendo-se aí:
“Por ser legalmente admissível, estar em tempo e terem os recorrentes legitimidade, admito o recurso interposto do acórdão desta Relação, que é de revista, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (art.ºs 638º, nº 1, 671º, nº 1 e nº 3, a contrario, 675º, nº 1 e 676º, nº 1, a contrario, do Código de Processo Civil).
Subam os autos ao Supremo Tribunal de Justiça.”
Cumpre analisar e decidir.
II. Fundamentação
De facto
13. Com relevo para a decisão da causa, provaram-se os seguintes factos (já com as alterações introduzidas no facto 20 a) e na eliminação do 25, pelo Tribunal da Relação):
1) AA (ora Autora) é filha de FF.
2) FF faleceu no dia .../.../2011, no estado de divorciado de GG.
3) Em 05-12-2011, na sequência do óbito de FF, AA (ora Autora) outorgou escritura de habilitação, com o teor que consta a fls. 153-153 do presente processo, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida.
4) BB casou com CC no dia ...-08-1983, sem convenção antenupcial.
5) O casamento de BB com CC foi dissolvido por divórcio, por decisão proferida no dia ...-09-2014, transitada em julgado nesse mesmo dia.
6) DD casou com EE no dia ...-12-1995, sem convenção antenupcial.
7) Foi instaurado no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo Local Cível ..., processo de inventário para partilha dos bens deixados pelo falecido FF (processo n.º 322/14.3...).
8) No processo de inventário n.º 322/14.3..., através de requerimento com a refª ...68 (fls. 54-77, 2.º volume, do processo de inventário n.º 322/14.3...), que aqui se dá por integralmente reproduzido, em 05-06-2013, pela cabeça-de-casal AA (ora Autora) foi apresentada relação de bens, na qual – entre o mais – foram relacionadas as seguintes verbas:
«(Verbas Doadas em Vida)
Verba 5 – O montante de € 35.000,00, valor da subscrição da apólice n.º ...77 em 07/08/2009, que reverteu a favor do beneficiário BB;
Verba 6 – O montante de € 60.000,00, representado pelo cheque n.º ...26, de 17 de Julho de 2003, sacado sobre a CCAM ..., ... e ..., depositado na conta n.º ...40, de que era co-titular o donatário BB, correspondente a parte do preço do imóvel vendido pelo inventariado ao sacador do cheque, HH;
Verba 7 – O montante de € 30.000,00 por transferência de liquidação de 600 unidades Millennium BCP subordinadas, em favor da conta n.º ...53, de titularidade do donatário BB;
Verba 8 – O montante de € 34.240,88 por transferência do saldo da conta de depósitos à ordem com o n.º ...71, da qual o inventariado era titular junto do Banco Millennium BCP, em favor da conta n.º ...53, de titularidade do donatário BB;
Verba 9 – O montante de € 32.700,00, depósito a prazo a 366 dias, no Banco BPI, iniciado em 13/08/2009, por débito da conta ...01 da dependência ..., e objeto de expressa doação, aceite pelos donatários BB e DD, por documento produzido em 18/02/2010;
Verba 10 – O montante de € 3.045,00, correspondente ao saldo da conta de depósitos à ordem com o n.º ...01, da qual o inventariado era titular junto do Banco BPI - dependência ...;
Verba 11 – O montante de € 125.000,00 referente ao preço devido pela cessão de posição contratual relativa às fracções autónomas “AS” e “CV” do imóvel descrito na C. R. Predial ... sob o n.º 00539 e inscrito na matriz sob os números 1414-AS e 1414-CV, da freguesia ...».
9) Notificados da relação de bens referida em 8), BB e DD (ora 1.º e 3.º Réus) apresentaram reclamação contra tal relação de bens, sustentando que «não são/foram donatários de quaisquer bens ou quantias por parte do de cuiús», que «não são devedores de quaisquer quantias, nomeadamente a constante da verba 11, aliás como consta do contrato de cessão de posição contratual ali mencionado», que «por não corresponderem à realidade, deverão as verbas 5 a 11 ser removidas da relação de bens junta pela cabeça-de-casal», nos termos que constam do requerimento apresentado em 04-09-2013 no processo de inventário n.º 322/14.3..., a fls. 81-81v, 2.º volume, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido.
10) No processo de inventário n.º 322/14.3..., a fls. 479-486, IV volume, em 09-11-2015, foi proferida sentença – a qual se dá aqui por integralmente reproduzida – que concluiu pela seguinte decisão: «Julgo parcialmente procedente a reclamação da relação de bens, determinando-se a eliminação da verba 7 e a relacionação da verba 11 nos seguintes moldes: “VERBA 11 – O inventariado recebeu 1.500 euros mensais correspondente ao preço devido pela cessão da posição contratual das frações autónomas “AS” e “CV” do prédio descrito sob o n.º 539 ... até 2007, em valor e por períodos não concretamente apurados”».
11) Tendo sido interposto recurso quanto à sentença referida em 10), a fls. 50-59, do apenso E ao processo de inventário n.º 322/14.3..., em 27-10-2016, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto – o qual se dá aqui por integralmente reproduzido –, já transitado em julgado, que concluiu pela seguinte decisão: «Pelo exposto, nos presentes autos de apelação em que são apelantes BB e DD e apelada AA, acordam os Juízes que compõem esta ... Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, em julgar a apelação procedente, determinando a remessa dos interessados para os meios comuns, a fim de aí, após mais profunda indagação dos factos controvertidos, ser decidido o incidente de reclamação contra a relação de bens apresentada pelos requeridos apelantes».
12) Após a morte de seu tio FF, BB e DD receberam a quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), correspondente ao prémio único de um Plano Poupança Reforma constituído por FF, tendo este, na altura da subscrição, indicado BB e DD como seus beneficiários “post mortem”.
13) BB e DD receberam e fizeram sua a quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros), titulada pelo cheque n.º ...26, com data de 17-07-2003, sacado sobre a CCAM ..., ... e ..., à ordem de FF, que foi depositado na conta n.º ...40, domiciliada no Banco Millennium BCP, de que eram co-titulares BB e DD, para que estes beneficiassem daquela quantia a título gratuito.
14) O referido cheque n.º ...26 foi entregue para pagamento de parte do preço do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 185/051288-H, vendido por FF a II (sacador do cheque) e a JJ; destinando-se tal cheque a integrar o património de FF.
15) Em 07-08-2009, por ordem de FF, foi transferida a quantia de € 34.240,88 (trinta e quatro, mil duzentos e quarenta euros e oitenta e oito cêntimos), da conta de depósito à ordem n.º ...71, domiciliada no Banco Millennium BCP, da titularidade de FF, para a conta de depósito à ordem n.º ...53, domiciliada no Banco Millennium BCP.
16) A conta de depósito à ordem n.º ...53, domiciliada no Banco Millennium BCP, tinha como titulares BB e DD, dispondo FF de poderes para movimentar essa conta.
17) Em 18-02-2010, FF deu a BB e DD a quantia de € 17.422,89 (dezassete mil, quatrocentos e vinte e dois euros e oitenta e nove cêntimos) depositada na conta n.º ...68, domiciliada no Banco Português de Investimento, S.A., Balcão ....
18) Em 25-10-2006, FF, GG, BB, CC, DD, EE e KK (este em representação da sociedade S..., Lda.) subscreveram o documento intitulado «CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL COM COMODATO», com o teor que consta do documento 4 apresentado com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
19) No dia 11-09-2009, por escritura pública intitulada «COMPRA E VENDA», conforme documento 5 apresentado com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, LL e MM, na qualidade de gerentes e em representação da em representação da sociedade S..., Lda., declararam, entre o mais, «que a sua representada vende aos segundos outorgantes [BB e DD], em comum e partes iguais, livre de quaisquer ónus ou encargos, e pelo preço global de cento e vinte e cinco mil euros,qe declaram já ter recebido, os seguintes imóveis: […] a fração autónoma designada pelas letras “CV” […]; e […] a fração autónoma designada pelas letras “AS”»;…
20)…Tendo os segundos outorgantes [BB e DD] declarado «que aceitam este contrato nos termos exarados».
20-A) FF não visou receber nem recebeu de BB nem de DD, nem dos respetivos cônjuges, qualquer valor, por causa do contrato de «CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL COM COMODATO», designadamente a quantia de € 125.000,00 a que se refere a respetiva cláusula terceira. (passou do ponto 25 dos factos não provados a provado)
14. Factos não provados com relevo para a decisão da causa:
21) FF era procurador na conta n.º ...40, domiciliada no Banco Millennium BCP, estando autorizado a movimentar esta conta.
22) Em 07-08-2009, BB recebeu a quantia de € 34.240,88 (trinta e quatro mil, duzentos e quarenta euros e oitenta e oito cêntimos) de FF.
23) Sem prejuízo para o supra referido em 17), em 18-02-2010, FF deu a BB e DD a quantia de € 32.700,00 (trinta e dois mil e setecentos euros) depositada na conta n.º ...68, domiciliada no Banco Português de Investimento, S.A., Balcão ....
24) As quantias referidas em 12), 13) e 17) foram utilizadas para satisfação de necessidades de alimentação, vestuário e despesas seja do casal BB e CC, seja do casal DD e EE.
25) (eliminado)
26) BB e DD, na sequência do acordo de «CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL COM COMODATO», supra referido em 18), receberam, sem qualquer contrapartida, o direito à prestação a efetuar por S..., Lda..
De Direito
15. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.
Pelas conclusões do recurso identificamos as seguintes questões:
a) Saber se o Tribunal da Relação procedeu em conformidade com a lei ao alterar a matéria de facto;
b) Saber se o Tribunal da Relação decidiu bem o recurso, nomeadamente quando a declarar a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, definir o ónus da prova e resolver o litígio.
16. A primeira questão que se identificou – alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação – tem ínsita duas problemáticas: saber se o tribunal da Relação observou o regime processual e substantivo imposto na reapreciação da matéria de facto; saber se fez uma avaliação correcta dos meios de prova e definiu os factos provados conforme o direito, atendendo ao valor dos meios de prova convocados pela recorrente na Apelação.
Na primeira problemática os ora recorrentes nada identificam de errado no procedimento do tribunal, ainda que aleguem ter sido violado o princípio da imediação, em conjunto com a circunstâncias de manifestarem a sua discordância com a decisão do Tribunal, pelo que nada há a decidir sobre o ponto, para além do que se dirá de seguida
Já na segunda perspetiva entendem que o tribunal valorou declarações/depoimentos de parte que não podia fazer, por não conterem confissão, e também considerou que certos documentos não foram correctamente apreciados.
Não há dúvidas que o STJ é um tribunal dedicado ao direito e à sua aplicação aos factos provados – art.º 674.º, n.º3 e 682.º, n.º2 do CPC.
Quanto ao depoimento de parte – e admitindo-se que dele (s) não conste confissão – a sua apreciação pelo Tribunal da Relação insere-se no âmbito da sua livre apreciação, não sendo correcta a ideia de que só havendo confissão valem, pelo que porque está excluída a existência de confissão (os recorrentes assim o confirmam) – não pode este tribunal apreciar a decisão recorrida.
O mesmo se pode repetir para os documentos reanalisados – todos sem força probatória tabelada.
A reapreciação da impugnação da matéria de facto empreendida pelo Tribunal a quo obedeceu – ao que se pode constatar pelo acórdão – ao pedido que lhe foi formulado pela apelante, limitada ao facto 25 (dos não provados) e aos meios de prova que esta convocou para o efeito, em linha com as regras processuais e substantivas disposta para o tribunal de recurso – com a imediação possível na fase do recurso, tal como o legislador a definiu.
Improcede a primeira questão do recurso.
17. Quanto a saber se o Tribunal decidiu bem, vejamos as várias questões.
17.1. Quanto ao acórdão da Relação do Porto de 27.10.2016 que, proferido no processo de inventário, relegou as partes para os meios comuns, dando, origem à presente acção:
- O tribunal entendeu que o acórdão indicado determinou claramente “a remessa dos interessados para os meios comuns a fim de aí, após mais profunda indagação dos factos controvertidos, ser decidido o incidente de reclamação contra a relação de bens apresentada pelos requeridos apelantes” – o que incluía a matéria do incidente de reclamação e a questão da natureza remuneratória, ou não, das doações, porque “Sendo controvertida no incidente de reclamação de bens --- os reclamantes negam que se tratou de doações em seu benefício (cf. reclamação certificada e junta à ação em 29.9.20229) ---, ela transita também para o objeto da ação comum, segundo a remessa ordenada no acórdão.”
- por isso a sentença deu cumprimento a esse acórdão e bem quando conheceu das doações, afirmando ou negando a sua existência e alterando a relação e bens.
17.2. Os recorrentes discordam deste entendimento porque consideram que “O douto Acórdão proferido em 27 de Outubro de 2016, pelo Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do Processo de Inventário nº 322/14.3... não definiu como tema deste processo a averiguação da natureza das doações” – e só podia ser aqui tratado o problema da reclamação da relação de bens e não já o da questão da natureza remuneratória das doações.
17.3. No entender deste Tribunal os recorrentes não têm razão.
A remessa dos interessados para os meios comuns não visava só esclarecer os bens a integrar na relação de bens mas também o regime jurídico a que se sujeitariam a partir dessa integração, indagando-se de situações complexas que não tinham possibilidade de serem resolvidas no inventário e tornando-se a decisão em causa útil na justa composição do litígio.
Se a grande dúvida que originou a remessa para os meios comuns foi a da natureza remuneratória das doações, já o âmbito da remessa (e da decisão que a determinou) não se esgota aí, podendo decidir-se se houve doações e qual o regime a que se sujeitam.
18. Saber se houve violação do regime do ónus da prova – art.º 342.º do CC
As regras sobre a repartição do ónus da prova são regras de decisão jurídica de questão suscitada a partir de factos alegados, provados e não provados.
Se os factos forem alegados e provados, não relevarão tais regras, porque se aplica o direito resultante da previsão legal.
Se os factos forem alegados e não provados, há que entrar em linha de conta com o regime do ónus da prova – então, os factos alegados e não provados serão julgados contra aquele que tinha o ónus de o provar e não logrou esse intento.
No acórdão recorrido estava em causa aferir se uma doação era pura ou remuneratória.
Parece ter sido isso mesmo que o Tribunal fez. Depois de explicar estas regras aplicou-as ao caso concreto:
“Aqui chegados, será de concluir que a A. cabeça-de-casal, desde logo atenta essa sua qualidade, tem o ónus de provar que determinados bens foram doados pelo inventariado aos RR., e estes, feita a prova das doações, têm o ónus de alegar e demonstrar os factos que os favorecem, designadamente, factos de onde se possa extrair que as doações de que foram donatários não devem ser objeto de redução por inoficiosidade, ou, mais concretamente, que foram doações modais, por exemplo.
A única matéria de facto objeto de impugnação foi o ponto 25 dado como não provado, que passou a ser um facto provado.
Os RR. não só não provaram que o FF recebeu dos RR. um valor relacionado com o preço da cessão da posição contratual, como ficou efetivamente provado que o FF não recebeu de BB nem de DD qualquer valor, por causa do contrato de «CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL COM COMODATO», designadamente a quantia de € 125.000,00 a que se refere a respetiva cláusula terceira, ficando assim atingido o objetivo visado pela recorrente desde logo na decisão proferida em matéria de facto.
Ao assim decidir, na verdade não houve necessidade em entrar em linha de conta com o regime do art.º 342.º, porque foi feita prova de não pagamento do preço da cessão da posição contratual, determinando que as doações tivessem um regime diverso daqueles que os RR. pretendiam ser-lhes aplicável.
Improcede a questão suscitada.
III. Decisão
Pelos fundamentos indicados é negada a revista e confirmado o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 27 de Abril de 2023
Fátima Gomes (Relatora)
Oliveira Abreu
Nuno Pinto Oliveira