I. A alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação é não só uma possibilidade que lhe assiste mas até um dever, sobretudo quando da reapreciação que faça (dos pedidos) detecte situações que justifiquem a intervenção, como contradições entre factos provados.
II. Nesta acção o A. pretende não só ver reconhecido que o R. não é inventor como também retirar a ilação correspondente de alteração do status quo jurídico que a situação criou, pedindo que o nome do R. seja eliminado do registo, pelo que a presente ação é uma acção declarativa constitutiva e não uma acção de simples apreciação negativa.
III. Nesta acção o ónus da prova de que o Reu não é o inventor incumbe ao A.
IV. Os direitos do inventor são direitos da propriedade industrial ainda que este possa não ser o titular da patente, distinguindo a lei a protecção de cada sujeito em face da especificidade da situação.
I. Relatório
1. A INDASA-INDÚSTRIA DE ABRASIVOS, S.A., intentou uma acção declarativa comum contra AA, pedindo que seja proferida decisão declarando que o Réu não foi inventor da invenção protegida pela patente europeia n.º 3040160 e que seja notificado o Instituto Nacional da Propriedade Industrial para remover o nome do Réu da lista de inventores associados ao pedido de patente nacional n.º 107454 e da parte portuguesa da patente europeia n.º 3040160.
Alegou, em síntese, que:
- A A. é uma sociedade fundada em 1979 que se dedica ao desenvolvimento, produção e comercialização de abrasivos flexíveis (comummente conhecidos por lixas), de sistemas de lixagem e de produtos relacionados, tendo, no exercício da sua actividade, requerido a protecção como patente da invenção de um ‘prato com rasgos para discos de lixa multifuros’, a qual foi concedida em 23.08.2017 como patente europeia nº 3040160 validada em diversos países incluindo Portugal com reivindicação da prioridade do pedido de patente portuguesa nº 107454, apresentado junto do INPI em 6.02.2014 relativamente à mesma invenção.
- Em ambos os referidos pedidos de patente nacional nº 107454 e europeia nº3040160 foram indicados como inventores BB, CC e AA. No entanto este rol não está correcto no que respeita à designação dos dois últimos, os quais não contribuíram para a concepção ou desenvolvimento da invenção, como o primeiro já reconheceu por escrito, negando-se, porém, o R. a fazer outro tanto.
- Com efeito, o R., licenciado em Gestão de Marketing e com licença para trabalhar com o programa Autocad® e admitido ao serviço da A. em 23.02.2004 como técnico de desenho/desenhador técnico, limitou-se a reproduzir para Autocad® desenhos concebidos por outrem, designadamente pelo Eng.º BB, Responsável de Desenvolvimento de Produto da A., não tendo concebido os elementos novos e inventivos do prato com rasgos para discos de lixagem multifuros, nomeadamente: ‘a peça intermédia incluir rasgos de aspiração delimitados por umas paredes sobrelevadas; a peça inferior, com uma forma tronco cónica, e na qual irá encaixar a peça intermédia, incluir uns rasgos e um furo central, e uns rasgos de aspiração que estão dispostos segundo anéis, concêntricos e equidistantes entre eles; e a dimensão de cada um dos rasgos aumentar do centro para a periferia’.
- Não obstante, o R. arrogou-se co-inventor da invenção em causa em recente litígio laboral com a A., na sequência do despedimento de que foi alvo, vindo a reclamar o pagamento de uma remuneração avultada devido ao seu alegado contributo.
- A declaração judicial de que o R. não é inventor da invenção patenteada permitirá a correcção no INPI dos correspondentes registos.
2. O Réu contestou, excepcionando a inexistência de um dos registos cuja correcção
se requer – pedido de patente nacional nº 107454, entretanto recusada por já existir patente europeia válida para a mesma invenção – e impugnando a invocada falta de contribuição inventiva na invenção em causa, sustentando, ao invés, que todos os processos de pré-prototipagem para alcançar o objectivo último de criar um prato de lixagem nos termos em que foi feito, foram levados a cabo pelo R., que desenhou e criou os ficheiros adequados a tornar a ideia inicial possível em termos técnicos e a invenção patenteável.
3. Em sede de audiência prévia foi proferido despacho saneador, no qual foi relegado para final o conhecimento da matéria da excepção.
4. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença julgando a acção procedente, declarando que
“O R. AA não foi inventor da invenção protegida pela patente europeia nº 3040160, devendo proceder-se à notificação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial para remover o nome do R. da lista de inventores associados ao pedido de patente nacional nº 107454 e da parte portuguesa da patente europeia nº 3040160”.
5. Inconformado com a sentença dela apelou o Réu AA, tendo o recurso sido conhecido pelo TRL e que indicou como seu objecto as questões a decidir:
- impugnação do despacho datado de 19.03.2019;
- impugnação da matéria de facto (factos provados n.ºs 4, 10, 11, 38 e 47, e factos não provados F, G, D, E, H, J, K, Q e R);
- erros de julgamento.
6. O Tribunal da Relação veio a proferir acórdão com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, acordam em, julgando o recurso procedente, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a acção intentada pela Indasa – Indústria de Abrasivos, SA contra AA.”
7. INDASA – Indústria de Abrasivos, S.A., Autora/Recorrida, tendo sido notificada do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 26.10.2022, o qual julgou procedente o recurso interposto pelo Réu/Recorrente e, assim, julgou improcedente a acção proposta pela Autora/Recorrida, e com o mesmo não se conformando, veio, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 671.º, n.º 1, e 674.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil interpor, recurso de revista, indicando que deverá subir nos próprios autos, nos termos do artigo 675.º, n.º 1, do CPC, com efeito meramente devolutivo, nos termos do artigo 676.º, n.º 1, a contrario, do CPC.
Formula as seguintes conclusões (transcrição):
“A. O Tribunal da Relação incorreu num vasto conjunto de erros flagrantes na aplicação da lei processual e substantiva que ferem o acórdão recorrido e que impõem a sua revogação.
Em primeiro lugar,
B. O Tribunal da Relação violou a lei de processo em virtude de ter
(i) alterado a redacção do facto provado 12 sem que tal tenha sido requerido pelo Réu no recurso por si interposto da decisão do Tribunal de 1.ª instância; e
(ii) aditado à matéria de facto provada a informação contida nos pontos 49 a 51, a qual, porém, não se reconduz a factos, antes representando meros juízos conclusivos.
C. O n.º 1 do artigo 674.º do CPC estabelece os fundamentos admissíveis do recurso de revista, entre os quais se encontra, na alínea b), a “violação ou errada aplicação da lei de processo”, pelo que a apreciação dos mencionados vícios cabe na competência do Supremo Tribunal de Justiça.
D. A Indasa não pretende requerer ao Supremo Tribunal de Justiça que reaprecie a prova produzida nos autos, nem que altere a fixação dos factos materiais da causa em conformidade com essa reapreciação.
E. O que a Indasa pretende é que o Supremo corrija a errada aplicação da lei de processo feita pelo Tribunal da Relação e que resultou nos dois vícios acima mencionados – trata-se de questões de direito (em particular, de direito processual), não obstante se repercutiram nos factos materiais do processo.
F. Para além de resultar, inequivocamente, do regime legal literal que a matéria em apreço é da competência do Supremo Tribunal de Justiça, tanto é também corroborado, de modo consistente, nos planos jurisprudencial e doutrinal (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.02.2015, processo n.º 14434/05.0TBMAI.P2.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.01.2021, processo n.º 10416/18.0T8PRT.L1.S1; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Anotação ao art. 662.º, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 3.ª edição, Almedina, 2022, p. 177; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.03.2007, processo n.º 06S1824; e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.02.2016, processo n.º 1320/05.3TBCBR.C1.S1).
Relativamente ao facto 12,
G. O Tribunal da Relação decidiu, por sua exclusiva iniciativa, introduzir na sua redacção a locução “na sua opinião”.
H. No recurso de apelação que interpôs, o Réu impugnou, cumprindo o ónus de impugnação imposto pelo artigo 640.º, n.º 1, do CPC, o julgamento feito pelo Tribunal de 1.ª instância sobre os factos 4, 10, 11, 38 e 47 dos factos provados e F, G, D, E, H, J, K, Q e R dos factos não provados, não se incluindo o facto provado 12 neste elenco de factos impugnados.
I. No artigo 295.º das suas alegações de recurso de apelação, o Réu refere-se a um conjunto alargado de factos, entre os quais o facto provado 12, afirmando que impugna “qualquer interpretação que o Tribunal a quo possa ter efectuado que conduza à conclusão de que o ora Recorrente, por ser menos ou, nalguns casos, lateralmente mencionado nos factos dados com provados pelo Tribunal, não é inventor do invento em causa”.
J. O que o Réu sustenta neste artigo (erroneamente, porém, mas não é esse o ponto no presente momento) é que dos factos que elenca não se pode extrair determinada ilação – trata-se, portanto de uma alegação de direito através da qual o Réu procura afastar uma interpretação de direito passível de ser retirada dos factos dados como provados.
K. Com o que afirma, o Réu não só não põe em causa os factos provados, como, ao invés (alegando, como alega, que dos factos provados não se possa retirar uma certa interpretação jurídica), pressupõe, justamente, que tais factos se tenham considerado provados.
L. O Réu não indicou, assim, o facto 12 entre o conjunto de factos que incluiu na sua impugnação de facto e (coerente e consequentemente) não cumpriu as mais elementares formalidades a observar em sede de impugnação de facto, não cumprindo, designadamente, nenhum dos ónus constantes dos n.ºs 1 e 2 do artigo 640.º do CPC.
M. Impõe-se, consequentemente, concluir que o Réu não impugnou o julgamento do Tribunal de 1.ª instância sobre o facto provado 12.
N. Apesar disso, o Tribunal da Relação decidiu, oficiosamente, alterar a redacção do mesmo, suportando-se no artigo 662.º, n.º 1, do CPC para o fazer.
O. Sucede que o n.º 1 do artigo 662.º do CPC não confere ao Tribunal da Relação poderes para alterar oficiosamente a decisão sobre a matéria de facto. A actuação da Relação no âmbito do n.º 1 do artigo 662.º do CPC encontra-se limitada pelo cumprimento do ónus de impugnação pelo recorrente previsto no artigo 640.º do CPC.
P. Este entendimento não só decorre claramente da letra do artigo, que não faz qualquer referência à actuação oficiosa, como se encontra, também, plenamente confirmado pela doutrina e pela jurisprudência (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.12.2017, processo n.º 2185/14.0T8OER.L1-7; António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição actualizada, Almedina, 2022, pp. 340-341;José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2022, p. 169; e Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, Volume I, AAFDL Editora, 2020, p. 304).
Q. A Relação tem poderes de actuação oficiosa no que respeita à decisão sobre a matéria de facto ao abrigo do n.º 2 do mesmo artigo 662.º do CPC.
R. No entanto, não só a Relação nunca invocou ou tentou fundamentar a sua actuação recorrendo ao n.º 2 do artigo 662.º do CPC, como a mera leitura dessa norma torna evidente que a alteração operada pela Relação no facto 12 dos factos provados não se enquadra em nenhuma das suas quatro alíneas.
S. Acresce que, ao introduzir a locução “na sua opinião” no facto 12, o Tribunal a quo pretendeu, declaradamente (e sem para isso ter poderes), que este facto passasse a reflectir “uma colaboração activa de ambos [o Eng.º BB e o Réu]” que, no entender da Relação, existiu durante o processo que conduziu à invenção.
T. Contudo, a factualidade referente a essa suposta “colaboração activa” estava alegada no facto não provado N que respeita essencialmente à mesma matéria que o facto provado 12, apenas tendo o plus, face a este último, de afirmar que a decisão sobre a furação do prato resultou de “uma actuação coordenada dos dois inventores”.
U. O Réu não impugnou o julgamento feito sobre o facto não provado N, nem sobre o facto provado 12, significando, assim, que se conformou com o entendimento de que a furação do prato não resultou de “uma actuação coordenada” entre ele e o Eng.º BB.
V. Portanto, ao alterar o facto 12 nos termos já mencionados, o Tribunal da Relação excedeu os seus poderes, actuou contra legem, alterando matéria cuja revisão não havia sido requerida pelas partes – a matéria da colaboração entre o Eng.º BB e o Réu –, assim contrariando frontalmente a vontade das partes de não verem essa matéria reapreciada e os limites legalmente estabelecidos à actuação do Tribunal a quo.
W. De acordo com o exposto, é manifesto que, ao alterar o facto 12 da matéria de facto provada sem que tal lhe houvesse sido requerido pelo Réu no recurso de apelação que interpôs, o Tribunal da Relação violou o artigo 662.º, n.º 1, do CPC, conjugado com o artigo 640.º, n.º 1, do CPC, violando, também, o princípio do dispositivo.
X. Por outro lado, a interpretação das normas contidas nos artigos 662.º, n.º 1, e 640.º, n.º 1, do CPC, no sentido de que o Tribunal da Relação pode alterar a redacção de um facto julgado provado em primeira instância sem que tanto lhe seja requerido (sem que o recorrente tenha impugnado esse ponto da matéria) e sem que tenham sido cumpridos os ónus legalmente impostos de impugnação da matéria de facto julgada provada, viola, também, o direito a um processo equitativo previsto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, bem como o direito à tutela jurisdicional efectiva e ao acesso aos tribunais, plasmados no artigo 20.º da CRP, inconstitucionalidade que ora expressamente se invoca.
Y. Assim, deve o facto 12 dos factos provados voltar a ter a redacção que lhe havia sido dada pelo Tribunal de 1.ª instância, eliminando-se a locução “na sua opinião” indevidamente aditada pelo Tribunal da Relação.
Relativamente à matéria dos pontos 49 a 51 dos factos provados,
Z. No recurso de apelação que interpôs, o Réu requereu ao Tribunal da Relação que alterasse o juízo proferido pela 1.ª instância sobre os pontos D, E, H, J, K e Q da matéria não provada.
AA. No acórdão ora recorrido, o Tribunal da Relação decidiu que os factos D, E, H e J da matéria de facto não provada deveriam ser considerados provados, tendo-os transposto, com algumas alterações, para os factos provados 49 a 51. Quanto aos factos K e Q, o Tribunal recorrido entendeu que “devem ser eliminados por conterem apenas matéria conclusiva”.
BB. O Tribunal da Relação andou bem ao julgar conclusivos os factos K e Q, mas errou grosseiramente ao considerar factual a matéria dos factos D, E, H e J que fez constar dos pontos 49 a 51dos factos provados, uma vez que não se descortinam diferenças de natureza entre estes dois blocos de factos.
CC. Os n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma, impõem que, na sua decisão, o Tribunal discrimine os factos que considera provados e os factos que considera não provados, devendo a decisão sobre a matéria de facto ser expurgada de locuções genéricas ou conclusivas ou de valorações jurídicas.
DD. A natureza genérica e conclusiva do teor dos pontos 49 a 51 é gritante.
EE. O Réu deveria ter alegado e provado (e não alegou, nem provou) os concretos factos em que se materializaram as suas actuações e de que forma é que eles contribuíram para o desenvolvimento da invenção e para a sua patenteabilidade. Tais factos concretos (se provados) é que permitiriam chegar às conclusões que constam dos mencionados pontos 49 a 51.
FF. Os pontos 49 a 51 estão, aliás, carregados de adjectivos qualificativos que denunciam o juízo (meramente conclusivo) que encerram e a sua natureza valorativa: contribuiu “de forma activa”; desenvolvimento “técnico e operacional”; ideias “possíveis”; invenção “patenteável”; “melhores formas” de realizar o objectivo; solução técnica “mais adequada”.
GG. Com o aditamento ilegal desta informação meramente conclusiva à matéria provada, o Tribunal da Relação responde à questão jurídica central deste pleito – a de saber se o Réu deve ou não ser considerado inventor da invenção em causa –, sendo que a matéria de facto não deve conter afirmações ou valorações que se insiram na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, respondendo a estas (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 28.06.2018, processo n.º 170/16.6T8MMN.E1).
HH. Afirmar que o Réu “contribuiu de forma activa para o desenvolvimento” da invenção e para “a sua patenteabilidade” (ponto 49); que os seus desenhos tornaram “as ideias possíveis em termos técnicos” e permitiram “que a invenção fosse patenteável”(ponto 50); e que este contribuiu “com as suas competências no sentido de descobrir as melhores formas de realizar o objectivo” da Indasa e “alcançar a solução técnica mais adequada” (ponto 51) é, na realidade, o mesmo que afirmar que o Réu foi efectivamente inventor da invenção.
II. Esse é um juízo conclusivo, de direito, que deve ser feito pelo juiz com base nos factos provados; não é um facto em si mesmo que deva constar da matéria de facto provada.
JJ. Constava dos autos a matéria plasmada nos pontos I, L, M, N, O e P da matéria não provada que encerrava em si alguns factos correspondentes à suposta actuação concreta do Réu no desenvolvimento da invenção e que, se provados, poderiam permitir concluir que o Réu “contribuiu de forma activa” para o desenvolvimento da invenção. No entanto, o Tribunal de 1.ª instância julgou todos estes factos não provados e esse julgamento não foi sequer posto em causa pelo Réu no recurso de apelação que interpôs.
KK. Impõe-se concluir que, atendendo ao seu teor claramente genérico e valorativo, os pontos 49 a 51 aditados pelo Tribunal da Relação à matéria de facto provada devem ser considerados conclusivos e, consequentemente, devem ser tidos por não escritos (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.04.2015, processo n.º 306/12.6TTCVL,C1.S1 e acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21.12.2017, processo n.º 1840/16.4T8PTM.E1).
LL. O Tribunal da Relação violou, assim, os n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma, ao aditar à matéria de facto provada afirmações de natureza genérica, valorativa e conclusiva –no caso, os pontos 49 a 51.
MM. Por outro lado, a interpretação dos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º do CPC (aplicável por remissão do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma) no sentido de que é admissível incluir matéria meramente conclusiva no âmbito do julgamento da matéria de facto, além de ilegal, ofende, também, o direito ao processo equitativo, previsto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, bem como o direito à tutela jurisdicional efectiva e ao acesso aos tribunais, plasmados no artigo 20.º da CRP. Inconstitucionalidade que ora expressamente se alega.
Em segundo lugar,
NN. O Tribunal da Relação deu razão ao Réu quanto à questão da qualificação da acção (tendo-a considerado uma acção declarativa constitutiva) e quanto à questão da distribuição do ónus da prova (que entendeu recair sobre a Indasa).
OO. Ao chegar a estas conclusões, o Tribunal da Relação incorreu em vícios representativos da violação da lei de processo e vícios consubstanciadores da violação da lei substantiva, os quais se enquadram nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 674.º do CPC.
Quanto à qualificação da presente acção,
PP. A fundamentação do Tribunal recorrido, a este respeito, é exígua, limitando-se a referir que, “de acordo com o registo da patente, o R. foi, de facto, inventor. Beneficia da presunção de que o é, derivada do registo pedido pela titular da patente”, afirmando ainda, um pouco mais à frente, que “A pretensão da A. nesta acção tem por fim a obtenção de uma mudança na ordem jurídica existente”
QQ. Resta, pois, à ora Recorrente Indasa tentar conjecturar qual o raciocínio do Tribunal recorrido, parecendo ser de assumir que a presunção a que o Tribunal se refere é a do artigo 4.º, n.º 2, do CPI, donde, por sua vez, decorre, atendendo à previsão da norma, que, no entendimento do Tribunal, os direitos que o Réu invoca correspondem a direitos de propriedade industrial que se constituem com o registo.
RR. De acordo com J. P. Remédio Marques, a acção que o putativo inventor intenta para ver reconhecida a sua paternidade sobre o invento é uma acção de simples apreciação positiva, pelo que, evidentemente, a acção espelho, i.e., a acção intentada com o objectivo de determinar a falta de paternidade do putativo inventor, tem de ser uma acção de simples apreciação negativa (cfr. J. P. Remédio Marques, Código da Propriedade Industrial Anotado, Coord. Luís Couto Gonçalves, Almedina, Coimbra, 2021, pp. 410-411).
SS. Os direitos invocados pelo Réu no presente processo são o direito à indicação do nome como inventor e o direito a uma remuneração especial, previstos, respectivamente, nos artigos 60.º, n.º 1, e 58.º, n.º 2, do CPI.
TT. Os direitos de propriedade industrial podem ser definidos como “monopólios (de exploração de criações ou de uso de sinais distintivos), que restringem a margem de liberdade dos empresários e a dose de competição económica existente no mercado” (cfr. Pedro Sousa e Silva, Direito Industrial, Noções Fundamentais, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, p. 27).
UU. Estes direitos caracterizam-se pela sua tipicidade – existindo apenas aqueles que, como tal, são especificamente previstos por lei –, exclusividade – na medida em que atribuem ao seu titular a faculdade de proibir terceiros de exercer qualquer actividade sobre o objecto dos mesmos – e territorialidade – na medida em que se delimitam pelo território nacional.
VV. Do ponto de vista formal, os direitos à indicação do nome como inventor e à remuneração especial não estão identificados pela lei enquanto direitos de propriedade industrial e, tratando-se as normas que conferem direitos de propriedade industrial de excepções, estas não admitem aplicação analógica.
WW. Do ponto de vista substancial, os direitos à indicação do nome como inventor e à remuneração especial não se revestem de nenhuma das apontadas características típicas dos direitos de propriedade industrial, uma vez que não correspondem a uma permissão de exploração exclusiva num espaço territorialmente delimitado.
XX. Assim, ao contrário do que o Tribunal recorrido parece ter entendido, os direitos invocados pelo Réu não são direitos de propriedade industrial.
YY. O CPI consagra o princípio do efeito constitutivo do registo dos direitos privativos de propriedade industrial, o qual, no caso do direito de patente, decorre do artigo 102.º, n.º 1, do CPI.
ZZ. Não sendo os direitos invocados pelo Réu direitos de propriedade industrial, não se constituem com o registo da patente.
AAA. O registo da patente apenas constitui o direito de propriedade industrial correspondente (o direito de patente), atribuindo ao seu titular, no caso, a Indasa, o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português (nos termos do artigo 102.º do CPI).
BBB. O registo da patente não constitui o direito do inventor a ver o seu nome mencionado nesse mesmo registo – o que seria, evidentemente, um absurdo e uma impossibilidade lógica, já que o direito à indicação do nome como inventor precede a concessão da patente, devendo o mesmo ser indicado no pedido de patente (cfr. artigo 61.º, n.º 1, alínea c), do CPI).
CCC. De igual o modo, o registo da patente também não constitui o direito do inventor à remuneração especial prevista no artigo 58.º, n.º 2, do CPI, que tem como únicos pressupostos a circunstância de o requerente da remuneração especial ser efectivamente o inventor e de a actividade inventiva não estar já especialmente remunerada, não se exigindo que o nome do inventor conste do registo.
DDD. Isto porque o que realmente constitui os direitos inerentes à condição de inventor, nomeadamente aqueles invocados pelo Réu, não é qualquer registo, mas sim o exercício de efectiva e real actividade inventiva, i.e., a circunstância de ter contribuído inventivamente para a invenção em causa.
EEE. É por assim ser que J. P. Remédio Marques defende que a acção que o inventor pode intentar para ver reconhecida a sua autoria relativamente a um invento é uma acção de simples apreciação positiva e não uma acção declarativa constitutiva (cfr. J. P. Remédio Marques, Código da Propriedade Industrial Anotado, Coord. Luís Couto Gonçalves, Almedina, Coimbra, 2021, pp. 410-411).
FFF. É que a mencionada acção limita-se a declarar – daí o seu carácter meramente declarativo, não constitutivo – a qualidade de inventor do autor, mas não a constitui. O autor seria inventor desde o momento em que praticou a actividade inventiva, circunstância que a sentença apenas declararia, não constituiria.
GGG. Desta forma, a indicação, pela Indasa, do nome do Réu no registo da patente em causa nos presentes autos não o constituiu como inventor do invento. Sob esse ponto de vista, a ordem jurídica manteve-se absolutamente inalterada antes e depois do registo daquela patente.
HHH. Uma vez que o Réu não é (nem nunca foi) efectivo inventor, nunca se constituiu na sua esfera jurídica qualquer direito inerente àquela condição, independentemente da indicação do seu nome como inventor no registo da patente.
III. Por conseguinte, a procedência da presente acção não extinguirá qualquer direito do Réu, uma vez que não é possível extinguir aquilo que nunca existiu.
JJJ. Impõe-se concluir que a presente acção não é uma acção constitutiva, mas sim uma acção de simples apreciação negativa, uma vez que o Tribunal apenas declara judicialmente a inexistência da condição de inventor do Réu, o que não altera nem extingue quaisquer direitos de que este fosse titular.
KKK. Ao contrário do que o Réu já argumentou no presente processo, a declaração da condição de não inventor do Réu não é meramente instrumental, mas sim a principal pretensão da Indasa nesta acção, por ser aquela que, verdadeiramente, protege os seus interesses.
LLL. Uma vez que quaisquer eventuais direitos do Réu decorrentes da sua pretensa condição de inventor adviriam não do registo, mas sim da efectiva verificação dessa qualidade, basta à Indasa obter a declaração judicial de que o Réu não é inventor para que as suas pretensões fiquem inteiramente satisfeitas.
MMM. A alteração do registo da patente em decorrência da procedência da acção surge não tanto como uma necessidade da Indasa, mas sim como uma exigência do ordenamento jurídico, por forma a garantir a correspondência entre a realidade registal e a efectiva realidade substantiva.
NNN. Por outro lado, não existe qualquer impedimento legal à alteração do registo requerida pela Indasa.
OOO. Isto mesmo é evidenciado por J. P. Remédio Marques, num excerto do CPI anotado citado no acórdão recorrido, onde o autor afirma que o INPI está habilitado a alterar a menção ao nome de um inventor, sem que para tal seja preciso o acordo deste, se resultar de uma acção judicial destinada a dirimir a atribuição da qualidade de inventor que o mesmo não é verdadeiro inventor (cfr. J. P. Remédio Marques, Código da Propriedade Industrial Anotado, Coord. Luís Couto Gonçalves, Almedina, Coimbra, 2021, p. 413).
PPP. O n.º 2 da Regra 21 do Regulamento de Execução da CPE prevê a possibilidade de remoção total do nome do inventor indevidamente designado e inscrito no registo da patente, sendo que não resulta do Regulamento que apenas o consentimento do inventor permitiria proceder a essa remoção.
QQQ. Assim, também não é a remoção do nome do Réu do registo que extingue qualquer direito; consequentemente, não é também esta componente da acção que lhe confere o carácter constitutivo que, como já está mais do que demonstrado, esta não tem.
RRR. No que respeita às acções de simples apreciação negativa, cumpre ainda salientar que é entendimento comum o de que o que justifica o recurso às mesmas é a arrogância extrajudicial, por parte do réu, da titularidade de um direito ou da existência de um facto, arrogância essa que pode causar prejuízo ao autor da acção.
SSS. O que justificou o recurso à presente acção pela Indasa foi, precisamente, a circunstância de o Réu se arrogar – no documento n.º 1 junto pelo Réu com a Contestação (facto provado 41) – a qualidade de inventor da invenção patenteada e a titularidade dos direitos inerentes a essa qualidade, pelo que, para prevenir o potencial dano daí adveniente, a Indasa intentou a presente acção requerendo a declaração da inexistência dessa qualidade e desses direitos do Réu.
TTT. A circunstância de a informação constante do registo da patente, de acordo com o qual o Réu foi indicado como inventor, ter sido aí introduzida pela Indasa não invalida o que se disse: é que, como já ficou claro, esse registo não é constitutivo de qualquer direito do Réu e, conforme resulta dos autos e se concluirá no âmbito do presente recurso, independentemente do facto de o seu nome constar da patente, a verdade é que o Réu não é inventor da invenção em causa.
UUU. Assim, foi o Réu que, por se ter arrogado a qualidade de inventor na sequência do conflito laboral com a Indasa, substancialmente não o sendo, e a titularidade de direitos inerentes a essa qualidade, veio gerar a situação de incerteza quanto a potenciais danos futuros da Indasa, a qual legitima e determina o recurso à presente acção.
VVV. Em suma, o Tribunal da Relação, ao considerar que os direitos invocados pelo Réu são direitos de propriedade industrial e se constituem com o registo da patente, violou o princípio da tipicidade dos direitos de propriedade industrial e o artigo 102.º, n.º 1, do CPI, dos quais se extrai que os direitos invocados pelo Réu não são direitos de propriedade industrial e não se constituem pelo registo da patente
WWW. O Tribunal da Relação errou, também, ao aplicar o artigo 10.º, n.º 3, alínea c), do CPC, qualificando a presente acção como uma acção declarativa constitutiva sem que estivessem verificados os pressupostos dessa qualificação.
XXX. Por outro lado, a interpretação da norma contida no artigo 10.º, n.º 3, alínea c), do CPC no sentido de que a acção a propor quando se pretende demonstrar que alguém (que alega a qualidade de inventor) não é inventor é uma acção constitutiva viola, também, o direito ao processo equitativo, previsto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, bem como o direito à tutela jurisdicional efectiva e ao acesso aos tribunais, plasmados no artigo 20.º da CRP, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais.
YYY. De igual modo, a interpretação da norma contida no artigo 102.º, n.º 1, do CPI no sentido de que os direitos que o Réu invoca são direitos de propriedade industrial e se constituem com o registo da patente viola, também, o direito ao processo equitativo, previsto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, bem como o direito à tutela jurisdicional efectiva e ao acesso aos tribunais, plasmados no artigo 20.º da CRP, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais.
ZZZ. O Supremo Tribunal de Justiça deverá, assim, no âmbito do presente recurso, considerar que os direitos invocados pelo Réu na acção não se constituem com o registo da patente mas sim com a efectiva actividade inventiva, qualificando, consequentemente, a presente acção como uma acção de simples apreciação negativa nos termos da alínea a) do n.º 3 do mesmo artigo 10.º do CPC.
Quanto à questão da distribuição do ónus da prova,
AAAA. O Tribunal recorrido entendeu, erradamente, que o ónus da prova recaía sobre a Indasa e invocou uma presunção derivada do registo que beneficiaria o Réu, que só pode ser a presunção prevista no artigo 4.º, n.º 2, do CPI.
BBBB. O artigo 343.º, n.º 1, do CC introduz uma especialidade na repartição do ónus da prova nas acções de simples apreciação negativa, como a presente: nestas, é ao réu que compete a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.
CCCC. Parte da doutrina e da jurisprudência vem considerando que esta especialidade na distribuição do ónus da prova só deve operar quando o réu se arrogou o direito em discussão na acção (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22.03.2011, processo n.º 158/09.3TBVZL.C1; Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e actualizada de acordo com o Dec.- Lei 242/85, Coimbra Editora, 1985, pp. 460-461; Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1981, p. 125).
DDDD. O Réu efectivamente arrogou-se a qualidade de inventor da invenção em causa na acção e a titularidade do direito à remuneração especial (documento n.º 1 junto pelo Réu com a Contestação – facto provado 41), pelo que, mesmo na perspectiva de que o artigo 343.º, n.º 1, do CC só se aplica quando o autor demonstre que o réu se arrogou o direito que se quer ver declarado inexistente na acção, esse ónus foi cumprido pela Indasa na presente acção, já que esta alegou e demonstrou essa arrogância.
EEEE. Não tem sustentação na letra da lei, além de ser incompatível com a função da réplica plasmada no artigo 584.º, n.º 2, do CPC, a tese minoritária, já invocada pelo Réu nestes autos, de acordo com a qual, nas acções de simples apreciação negativa, cabe ao autor demonstrar a inexistência do direito invocado ou o facto impeditivo, modificativo ou extintivo da situação jurídica, e, somente perante esta prova, teria o réu de fazer prova do facto constitutivo dessa situação.
FFFF. Até autores que simpatizam com a tese minoritária acima referida reconhecem que tal posição só assume relevo de jure constituendo e não de jure constituto (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, p. 204).
GGGG. Assim, por não ter qualquer correspondência na letra da lei, deve ser rejeitada a mencionada posição minoritária, antes se aplicando ao caso o direito constituído, isto é, a norma do artigo 343.º, n.º 1, do CC, que impõe que, nas acções de simples apreciação negativa, ainda para mais num caso – como o presente – em que o autor demonstrou que o réu se arrogou os direitos que o autor pretende ver declarados inexistentes pelo Tribunal, o ónus da prova dos direitos que se arroga recaia sobre o réu.
HHHH. Donde, era ao Réu que cabia, nos presentes autos, demonstrar que foi inventor da invenção em causa nos autos.
IIII. O Tribunal da Relação, no acórdão recorrido, afirma que o Réu “beneficia da presunção de que o é [inventor], derivada do registo pedido pela titular da patente”, sendo que a única presunção a que o Tribunal se poderá estar a referir é aquela que decorre do artigo 4.º, n.º 2, do CPI e que havia sido invocada pelo Réu no seu recurso de apelação.
JJJJ. Se o Réu beneficiasse da referida presunção de que é inventor, estaria, ao abrigo dos artigos 350.º, n.º 1, e 344.º, n.º 1, do CC, dispensado de fazer prova desse facto, cabendo à Indasa demonstrar o contrário.
KKKK. O artigo 4.º, n.º 2, do CPI prevê que “a concessão de direitos de propriedade industrial implica mera presunção jurídica dos requisitos da sua concessão” (realce nosso).
LLLL. Contudo, os direitos invocados pelo Réu – o direito à menção do nome como inventor e o direito à remuneração especial de inventor – não são direitos de propriedade industrial, pelo que, com a concessão da patente, não foi concedido ao Réu qualquer direito de propriedade industrial.
MMMM. Não sendo o Réu titular de qualquer direito de propriedade industrial decorrente do registo da patente, é evidente que a sua situação não se enquadra na previsão da referida norma, não beneficiando este de qualquer presunção dela decorrente.
NNNN. Acresce que a presunção – ilidível – consagrada neste artigo faz presumir apenas que o titular da patente beneficia de todos os requisitos legais para a concessão da patente (previstos nos artigos 50.º, n.º 1, e 54.º do CPI – que são os requisitos da novidade, da actividade inventiva e da aplicação industrial), não fazendo presumir as “qualidades” dos que figurem nos respectivos títulos, em concreto, a qualidade de inventor dos aí identificados como tal.
OOOO. O Tribunal da Relação errou, assim, ao aplicar a presunção decorrente do artigo 4.º, n.º 2, do CPI, bem como os artigos 350.º, n.º 1, e 344.º, n.º 1, do CC.
PPPP. Por outro lado, a interpretação da norma constante do artigo 4.º, n.º 2, do CPI no sentido de que, quando alguém invoque os direitos do inventor, tal como invocados pelo Réu, beneficia da presunção constante dessa norma, ofende, também, o previsto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, bem como o direito à tutela jurisdicional efectiva e ao acesso aos tribunais, plasmados no artigo 20.º da CRP. Inconstitucionalidade que desde já se invoca para todos os efeitos legais.
QQQQ. Em razão da qualificação da presente acção como sendo uma acção de simples apreciação negativa, deverá considerar-se aplicável ao caso o artigo 343.º, n.º 1, do CC, donde decorre que o ónus da prova recai sobre o Réu e não sobre a Indasa.
Por fim, e em suma,
RRRR. Conforme demonstrado, o Tribunal da Relação julgou improcedente a presente acção (i)com fundamento num acervo factual que continha matéria inadmissível;(ii) tendo reconhecido que não ficou demonstrado na acção em que medida é que o Réu contribuiu, com actividade criativa, para o desenvolvimento da invenção (cfr. p. 75 do ficheiro pdf do acórdão recorrido onde se lê: “Não resultando demonstrado com segurança qual o grau de participação do R. no processo criativo que conduziu à invenção”); e (iii) com base nos pressupostos de que a presente acção é uma acção declarativa constitutiva, de que o ónus da prova recai sobre a Indasa e de que o Réu beneficia de uma presunção legal de que é inventor – tudo pressupostos errados que inquinaram irremediavelmente o acórdão recorrido.
SSSS. O conceito de inventor não tem definição legal no nosso ordenamento jurídico, pelo que há que recorrer ao trabalho desenvolvido pela jurisprudência e doutrina, nacional e estrangeira, no sentido de densificar este conceito.
TTTT. Não se tem registado nos presentes autos grande discordância relativamente ao conceito de inventor.
UUUU. De acordo com a melhor doutrina e jurisprudência, inventor ou coinventor é aquele que contribui, com actividade criativa, para a concepção da invenção, i.e., para a concepção da solução técnica que é incluída nas reivindicações da patente, pois são estas que definem o âmbito de protecção da invenção.
VVVV. Sendo um mero colaborador aquele que se limitou a contribuir para a invenção sob as indicações e instruções de terceiro, nomeadamente em tarefas de desenho ou experimentação.
WWWW. Depois de expurgada a matéria de facto das alterações indevidamente introduzidas pela Relação, verifica-se que os únicos factos referentes à contribuição do Réu para a invenção são os factos provados 10, 11, 12, 14 e 16 a 22.
XXXX. Dos referidos factos provados o que decorre, relativamente à actividade concretamente desenvolvida pelo Réu, é, apenas, que o Réu (i) elaborou desenhos do prato de lixar a pedido do Eng.º BB, desenhos esses que foram sofrendo alterações, (ii) trocou mensagens electrónicas essencialmente com o mencionado Eng.º BB a propósito desses desenhos e (iii) participou numa reunião em 09.09.2013.
YYYY. Destes factos claramente não se pode extrair que o Réu contribuiu com actividade inventiva para a concepção da solução técnica que é incluída nas reivindicações da patente.
ZZZZ.O Réu apenas demonstrou que elaborou desenhos, sendo que essa actividade, por si só, como frisa o Supremo Tribunal Federal alemão, não tem carácter inventivo (cfr. BGH 20.06.1978, X ZR 49/75, “Chain saw”, para. 23).
AAAAA. Mesmo admitindo-se que a actividade de elaborar os desenhos pode, em tese, ter natureza inventiva, teria de se ter apurado, concretamente, que o Réu, através dos desenhos, concebeu as características inventivas da invenção.
BBBBB. Contudo, do elenco de factos provados não consta um único facto que especifique em que termos é que, com os seus desenhos, o Réu contribuiu para as características inovadoras do invento.
CCCCC. Ao invés, a actividade do Réu insere-se claramente no conceito de mero colaborador ou assistente, uma vez que o Réu apenas contribuiu com actos materiais ou tarefas executivas para a consecução do invento – no caso, essencialmente a elaboração de desenhos do invento –, não tendo uma contribuição criativa para a invenção.
DDDDD. É de notar que constavam do processo alguns factos que, se provados, poderiam eventualmente contribuir para que a actividade do Réu pudesse ser qualificada como inventiva – veja-se os factos I, L, M, N, O e P da matéria não provada –, sendo, contudo, que, por não corresponderem à realidade, estes factos foram julgados não provados pelo Tribunal de 1.ª instância, julgamento esse que não foi contestado pelo Réu no recurso de apelação que interpôs.
EEEEE. Assim, atendendo à matéria factual apurada no processo, impõe-se concluir que a contribuição do Réu para a invenção em causa nos autos não teve carácter inventivo.
FFFFF. Por conseguinte, deve ser julgado procedente o presente recurso e, assim, julgada, também, procedente a presente acção, declarando-se que o Réu não é inventor da invenção protegida pela patente europeia n.º 3040160.
GGGGG. Ainda que, por hipótese, o Tribunal ficasse numa situação de dúvida insanável relativamente aos factos em causa ou se viesse a concluir não terem sido alegados os factos devidos, sempre a decisão a proferir redundaria contra o Réu, pois, nos termos do artigo 343.º, n.º 1, do CC, sendo a presente uma acção de simples apreciação negativa, era sobre este que impendia o ónus de alegar e provar os factos dos quais decorresse inequivocamente a titularidade dos direitos que invoca, i.e., os factos dos quais decorresse que a sua participação no desenvolvimento do invento foi, efectivamente, criativa.
HHHHH. Consequentemente, caso o Tribunal entenda que os factos apurados no processo não são suficientemente esclarecedores, encontrando-se em situação de dúvida insuperável sobre a intervenção do Réu no desenvolvimento do invento – no que não se concede –, é contra o Réu que a dúvida deve ser resolvida.
IIIII. Pelo que, também nesse cenário, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, deve a presente acção ser julgada procedente, declarando-se que o Réu não é inventor da invenção protegida pela patente europeia n.º 3040160.”
8. Foram apresentadas contra-alegações, onde se conclui:
“A. A Recorrente pretende que este Supremo Tribunal altere a decisão do Tribunal da Relação, requerendo a alteração da redação do Facto Provado 12 e a eliminação dos Factos Provados 49 a 51 (cf., respetivamente, Conclusões Y e KK das alegações de recurso).
B. Por regra, a fixação dos factos materiais da causa, baseados na prova livremente apreciada pelo julgador nas instâncias, não cabe no âmbito do recurso de revista, limitando-se o Supremo Tribunal de Justiça a aplicar o direito aplicável aos factos definitivamente fixados pelo Tribunal recorrido (art. 674.º. n.º 3 do CPC).
C. A única excepção a tal regra é a existência de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova para a existência do facto.
D. Dito de outro modo, o Supremo Tribunal de Justiça só pode conhecer do juízo de prova levado a cabo pelo Tribunal da Relação quando tenha sido dado por provado um facto sem que tivesse sido produzida a prova que a lei declare indispensável para a demonstração da sua existência ou tiverem sido violadas as normas reguladoras da força de alguns meios de prova.
E. As situações apontadas pela Recorrente nas alegações de recurso não são reconduzíveis às situações de excepção em que a lei admite a sindicância pelo Supremo Tribunal de Justiça da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, havendo assim que concluir pela irrecorribilidade da decisão sobre a matéria de facto.
F. Em qualquer caso, no que diz respeito ao Facto Provado 12, o Tribunal intercalou apenas a expressão «na sua opinião», a qual consta ipsis verbis do documento 7 junto a fls. 78-80 dos autos, sendo que o Tribunal de 1.ª Instância, no Facto Provado 12, não apenas remeteu para o documento em causa, como o deu por reproduzido.
G. Ao proceder à intercalação da referida expressão, o Tribunal da Relação apenas conferiu maior clareza ou coerência ao Facto Provado 12, sendo que as alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 662.º do CPC autorizam a Relação a apreciar pontos da matéria de facto mesmo que não expressamente impugnados com a finalidade de evitar contradições.
H. Assim, a intercalação da expressão «na sua opinião» no Facto Provado 12 não merece censura, seja pela circunstância deoFactoProvado12 ter sido objecto de impugnação (ainda que “em geral”), seja pela circunstância de a mesma intercalação visar apenas impedir qualquer contradição ou incompletude do texto do Facto Provado 12 com o teor do documento dado por reproduzido no mesmo Facto Provado.
I. No que diz respeito aos Factos Provados 49 a 51, a matéria que o Tribunal da Relação neles fez constar não tem natureza genérica e conclusiva, nem, muito menos, tal alegada natureza é «gritante», correspondendo a alegação da Recorrente a esse respeito a uma clara tentativa de, em subversão da regra da irrecorribilidade da decisão da matéria de facto, alterar a livre apreciação da prova feita pelo Tribunal da Relação e com a qual a Recorrente pura e simplesmente não se conforma.
J. O Tribunal recorrido não deu como FACTO provado que o Réu, ora Recorrente, foi inventor: deu apenas como provada – e inequivocamente provada, face à prova produzida – a contribuição do Réu para a invenção dos autos (designadamente, consubstanciada na criação de desenhos) e a dimensão de tal contribuição, só depois fazendo o juízo valorativo, em sede de aplicação do Direito, de que, perante tais FACTOS, teria forçosamente de improceder o pedido de declaração formulado nos autos de que o Réu não foi inventor.
K. A adjetivação que a Recorrente imputa aos Factos Provados 49 a 51 ajuda a densificar e concretizar uma realidade de facto – a contribuição do Réu, ora Recorrido, para a invenção –, não sendo tal contribuição suscetível de quantificação, nem exigível que o Tribunal incluísse no descritivo dos factos provados uma análise comparativa da intervenção das várias pessoas envolvidas no processo de invenção.
L. Mesmo que se considerasse, e sem conceder, que os pontos 49 a 51 teriam parcialmente natureza conclusiva, nunca a decisão do Tribunal da Relação mereceria a censura propugnada pela Recorrente, nem tais pontos poderiam ser simplesmente eliminados da matéria provada.
M. Citando Miguel Teixeira de Sousa, tal como os temas da prova «não têm de (…) ser enunciados fora de qualquer enquadramento jurídico, também a resposta do tribunal à prova realizada pela parte não tem de ser juridicamente asséptica ou neutra, sob pena de se cair num inaceitável formalismo”. Portanto, «se o tribunal considerar provados os factos que preenchem uma determinada previsão legal, é absolutamente irrelevante que os apresente com a qualificação que lhes é atribuída por essa previsão».
N. No mesmo sentido, veja-se o Acórdão deste Supremo Tribunal de 14.07.2021, processo 19035/17.8PRT.P1.S1 e as citações de outras decisões do mesmo constantes, disponível em www.dgsi.pt, no qual se pode ler que «o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, obrigando-o a sintetizar ou a separar os materiais que lhe são apresentados através das provas. Insiste-se: o que a lei veda ao julgador da matéria de facto é a formulação de juízos sobre questões de direito, sancionando a infração desta proibição com o considerar tal tipo “[de juízos] como não escritos (…) Importa, pois, verificar se o facto mesmo com uma componente conclusiva, não tem ainda um substrato relevante para o acervo dos factos que importam para uma decisão justa».
O. No que se refere à questão da espécie da presente ação, e ao contrário do sustentado pela Recorrente, a presente ação é uma ação declarativa constitutiva e não uma ação de simples apreciação negativa, não merecendo a decisão recorrida qualquer censura também a este respeito.
P. A pretensão deduzida pela Autora, ora Recorrente, tem por finalidade obter uma mudança na ordem jurídica existente, não se reconduzindo à mera obtenção da declaração da inexistência de um direito ou de um facto.
Q. Como bem decidiu o Tribunal Recorrido, «[q]ue o R. é (co)inventor da invenção objecto da patente consta já do respetivo registo promovido pela A. em 2015, não se tendo o R. arrogado essa qualidade (…). O R. não criou qualquer incerteza quanto ao facto de ser ou não inventor, ele consta como tal da patente. É a A. quem pretende agora com esta ação demonstrar que, afinal, o R. não foi inventor e obter uma decisão judicial que permita a alteração daquele registo».
R. A ação de simples apreciação negativa visa obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto (art. 10.º, n.ºs 2 e 3 do CPC).
S. É pressuposto do recurso à ação de simples apreciação uma incerteza real, séria e objetiva, sendo exemplo de escola de uma situação de incerteza o caso em que “A.” ande a alardear que é filho de “B”.
T. O Réu, ora Recorrido, não se andou a “alardear” de que é inventor; pelo contrário, é o registo, o qual foi efetuado voluntariamente pela Autora, ora Recorrente, que “alardeia” a qualidade de inventor do Réu.
U. O Réu apenas exerceu o respetivo direito à remuneração especial pela atividade inventiva, nos termos do artigo 58.º, n.º 2, do CPI, algo que, efetivamente, decorre da lei, e que tem como substrato um facto registado e, portanto, declarado pela Autora: o do que o Réu é um dos inventores do invento patenteado.
V. Assim, e neste contexto, não se compreende como pode um registo público, inscrito pela própria Autora, suscitar uma situação de “incerteza real, séria e objetiva” que conforme uma ação de simples apreciação negativa.
W. Ademais, não se compreende como pode o exercício de um direito regulado nos termos da lei, o qual é conferido a quem se encontre mencionado no registo (público, constitutivo e inscrito pela Autora) com a qualidade de inventor, constituir uma arrogância do Réu provocadora de uma situação de “incerteza real, séria e objetiva”, quando se trata, efetivamente, de uma condição que é do conhecimento público e, concretamente, da Autora, a qual promoveu o seu registo em 06.02.2014.
X. Os efeitos pretendidos pela Autora, ora Recorrente – os quais têm cobro no segundo pedido efetuado em sede de petição inicial – extravasam largamente os limites de uma ação de simples apreciação.
Y. Não pretende a Autora, ora Recorrente, que o por si peticionado se esgote na simples declaração judicial – meramente instrumental – de que o Réu não é inventor da patente, pretendendo a Autora, na verdade, introduzir uma modificação na ordem jurídica existente, removendo do registo da patente, que é constitutivo, a menção de que o Réu é inventor da mesma, com todas as consequências que daí advêm, designadamente, a perda do direito a ser mencionado no título da patente e a perda a uma remuneração especial pela atividade inventiva, a qual teria de ser paga pela Autora, titular da patente.
Z. A remoção do registo da menção de inventor nunca teria como fim uma mera retificação acessória.
AA. O n.º 1 do artigo 58.º do CPI determina que «[s]e a invenção for feita durante a execução de contrato de trabalho em que a atividade inventiva esteja prevista, o direito à patente pertence à respetiva empresa», mas o n.º 2 do mesmo artigo acautela a tutela dos trabalhadores-inventores, como o Réu, dispondo que «se a atividade inventiva não estiver especialmente remunerada, o inventor tem direito a remuneração, de harmonia com a importância da invenção».
BB. Não havendo dúvida de que a titularidade da patente é da Autora, ora Recorrente, também dúvida não há de que o Réu, ora Recorrido, tem sempre o direito a figurar como inventor (assim como os demais inventores).
CC. Tal Direito é não só de natureza moral, mas tem igualmente repercussões patrimoniais na esfera dos inventores que exerçam o respetivo direito à remuneração especial pela atividade inventiva.
DD. Num sistema que estabelece o registo dos títulos de propriedade intelectual como sendo registos constitutivos, mal andaria o legislador se concebesse o sistema de forma a que a menção de inventor da patente (o criador material) não acompanhasse o mesmo racional atribuído ao título de propriedade industrial que o enforma.
EE. Assim, a remoção do registo da menção de inventor conferida ao Réu assumiria um alcance muito mais profundo na ordem jurídica do que uma mera retificação assessória.
FF. Na esfera da Autora, significaria que esta não teria de pagar uma remuneração especial pela atividade inventiva e que, enquanto titular da patente, veria diminuir o elenco de inventores do invento.
GG. Na esfera do Réu, significaria que este perderia esse direito à remuneração especial pela atividade inventiva, bem como a componente moral da condição de inventor.
HH. Ou seja, a remoção teria um alcance análogo na esfera do Réu, inventor, ao alcance que teria a anulação da própria patente na esfera da Autora, titular da patente, e de todos os co-inventores, sendo que é sabido que as ações de anulação da patente são ações declarativas constitutivas.
II. O pedido de remoção do nome do Réu do rol de inventores [alínea b) do pedido da Autora] nunca seria uma consequência meramente declarativa do pedido de declaração de que o Réu não é inventor [alínea a) do pedido da Autora], não apenas pelas razões apontadas nas Conclusões antecedentes, mas também pelas regras ínsitas na Convenção sobre a Patente Europeia (CPE).
JJ. De acordo com a Regra 19 do Regulamento de Execução da CPE «uma designação errada do inventor só pode ser retificada por requerimento acompanhado do consentimento da pessoa designada por erro e, se o pedido não for apresentado pelo requerente ou o titular da patente europeia, do consentimento de um e de outro».
KK. O “erro” referido na citada Regra 19 do Regulamento de Execução da CPE protege meros lapsos e não é destinado a dar cobro a (convenientes) alterações da vontade do titular da patente.
LL. Uma interpretação teleológica da Regra 19 aponta no sentido de que, por “erro”, deve entender-se erros de escrita ou outros detalhes, ou a circunstância em que alguém devia ter sido mencionado, mas não o foi, e a pessoa cujo nome, por lapso (reforce-se: puro lapso), foi indevidamente incluído.
MM. Tal interpretação teleológica aponta neste sentido de “erro” justamente pela lógica preventiva da norma, que pretende mediar o evidente conflito de interesses entre o titular da patente e o inventor, quando não são a mesma pessoa, como no caso vertente.
NN. O referido conflito de interesses surge por ser de grande conveniência para o titular da patente remover o inventor quando este exerce o seu direito legalmente previsto a uma remuneração especial pela atividade inventiva, precisamente o caso dos presentes autos.
OO. Para proteger o tipo de situações descritas, a referida Regra 19 do Regulamento de Execução da CPE assenta na exigência do consentimento da pessoa designada, o inventor e, ao fazê- lo, previne que o titular da patente possa fazer correções materiais erróneas e/ou que altere (ou suprima) a seu bel-prazer, o inventor designado.
PP. Doutra forma, subsumindo ao caso vertente, não fosse a proteção conferida pela Regra 19 ao inventor, teria a Autora, ora Recorrente, enquanto titular da patente, resolvido o incómodo administrativamente, suprimindo a designação do Réu, ora Recorrido, do registo.
QQ. A Regra 21 do Regulamento de Execução da CPE segundo a qual a retificação de uma “designação errada” é “igualmente inscrita” no Boletim Europeu de Patentes, deve ser interpretada de harmonia com a Regra 19, estando sempre dependente das regras de conformação à Regra 19.
RR. Mesmo a eventual procedência da alínea a) do pedido da Autora não seria apta a alterar a correção do registo do Réu como inventor.
SS. Na medida em que, no caso vertente, (i) não está em causa um “erro” da Autora, titular da patente, no registo do Réu como inventor e (ii) a Autora, titular da patente, sempre precisaria do consentimento do Réu para operar a remoção do Réu, inventor, do registo, uma decisão judicial que julgasse procedente a alínea a) do pedido da Autora não seria apta a alterar a realidade registal, nos termos da Regra 19 do Regulamento de Execução da CPE ex vi artigo 123.º, n.º 1, da CPE, e, por conseguinte, por este ser um registo constitutivo, a procedência ou improcedência da alínea a) do pedido da Autora (“[d]eve ser proferida decisão declarando que o Réu não foi inventor”) não alteraria a designação de inventor (e o consequente direito a uma retribuição pela atividade inventiva).
TT. Embora não decorra diretamente do artigo 10.º, n.º 3, alínea c) do CPC, alguma doutrina tem afirmado que as ações declarativas constitutivas estão relacionadas com o exercício de um direito potestativo por parte do respetivo autor.
UU. É justamente o que acontece no presente caso, na medida e que a ação proposta pela Autora tem como único fim produzir uma mudança na ordem jurídica, mediante a remoção da menção no registo (constitutivo) de que o Réu, ora Recorrido, é inventor.
VV. Em situações normais, a Autora estaria impossibilitada de remover a designação de inventor do registo sem o consentimento do Réu, nos termos da Regra 19 do Regulamento de Execução da CPE.
WW. A menção no registo da patente dos respetivos inventores assume a natureza de direito, nos termos do artigo 60.º, n.º 1, do CPI, que tem como epígrafe “direitos do inventor” e que dispõe que «[s]e a patente não for pedida em nome do inventor, este tem o direito de ser mencionado, como tal, no requerimento e no título da patente».
XX. O mesmo decorre do artigo 62.º da CPE: «[o] inventor tem direito, em relação ao titular do pedido de patente europeia ou da patente europeia, a ser designado como tal perante o Instituto Europeu de Patentes».
YY. Aplicando os conceitos e a definição de direito potestativo ao caso vertente, tem-se que a Autora, titular da patente, propôs a ação judicial em causa (cuja procedência corresponde a um “ato de uma autoridade pública”) contra o Réu, um dos inventores da mesma patente, com vista a produzir efeitos jurídicos (remoção do registo da designação de inventor do Réu) que inelutavelmente se impõem na esfera do Réu (perda do direito a ser designado e consequente perda do direito a solicitar à Autora uma remuneração especial pela atividade inventiva e respetiva dimensão moral da designação de inventor).
ZZ. É evidente que a remoção do nome do Réu do registo por consequência da declaração judicial de que não é inventor opera uma modificação (ou uma extinção) da relação jurídica em causa.
AAA. A questão relativa à distribuição do ónus da prova mostra-se inútil face à decisão sobre matéria de facto.
BBB. Considerando a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal da Relação, e considerando ainda que a mesma não pode mais ser objecto de qualquer alteração, impõe- se concluir que não foi feita a prova de que o Réu não foi inventor do invento em causa nos autos e que, pelo contrário, foi feita a prova de que o Réu foi (co)inventor do referido invento.
CCC. Ora, perante tal circunstância, afigura-se inútil a questão suscitada pela Recorrente a propósito do ónus da prova pois, independentemente de saber sobre quem este recaía (se sobre a Autora, se sobre o Réu), a prova produzida não pode deixar de conduzir necessariamente à improcedência da ação.
DDD. De resto, as regras do ónus da prova devem ser acionadas quando o julgador está perante situações de dúvida. São, pois, normas de auxílio da decisão para os casos de dúvida, sendo que, da leitura do Acórdão recorrido, resulta que o Tribunal da Relação não teve quaisquer dúvidas quanto a concluir que o Réu, ora Recorrido, foi (co)inventor.
EEE. De qualquer modo, a regra sobre ónus da prova prevista no artigo 343.º, n.º 1 do CC, segundo a qual nas ações de simples apreciação compete ao Réu a prova dos factos constitutivos do seu direito, não tem aplicação ao caso dos autos.
FFF. Desde logo, porque a presente ação não é de simples apreciação negativa, mas também porque o Réu não deu causa à ação.
GGG. A regra própria da construção da ação de simples apreciação negativa de que compete ao Réu a prova dos factos constitutivos do seu direito só tem aplicação quando o réu previamente se arrogue injustificadamente de certo direito.
HHH. O Réu, ora Recorrido, nunca se arrogou do direito a ser designado como inventor, na medida em que foi a Autora, enquanto titular da patente, que o inscreveu no registo, nem tão-pouco se arrogou “injustificadamente” do direito à remuneração especial pela atividade inventiva, porquanto esse é um direito legalmente conferido àqueles que figurem como inventores no registo do título de patente.
III. Citando Rita Lynce de Faria, «quando o réu nada tenha a ver com a incerteza criada, caberá ao autor a prova da inexistência do direito, através dos competentes factos impeditivos, modificativos ou extintivos, ou mesmo, através da prova do contrafacto negativo, traduzido na simples impugnação do direito».
JJJ. Ainda que se entendesse, e novamente sem conceder, que a presente ação seria de simples apreciação e que seria aplicável a regra prevista no artigo 343.º, n.º 1, ainda assim, por força do disposto no artigo 344.º, n.º 1 do CC, não caberia ao Réu, ora Recorrido, o ónus da prova da presente ação.
KKK. Decorre do citado artigo 344.º, n.º 1 do CC que «as regras dos artigos anteriores», como a regra do artigo 343.º, n.º 1, «invertem-se quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei determine».
LLL. O artigo 350.º, n.º 1, do CC determina que «quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz» e o artigo 4.º, n.º 2, do CPI determina que «(..) a concessão de direitos de propriedade industrial implica mera presunção jurídica dos requisitos da sua concessão».
MMM. Ao contrário do que alega a Recorrente, os direitos do inventor são, a par dos direitos do titular (quando um e outro não coincidam), direitos privativos sobre / conferidos por (na aceção dos arts. 1.º e 4.º, n. 1 do CPI) patentes, previstos no CPI, que conferem aos respetivos titulares, ainda que em diferente medida, uma permissão de exploração exclusiva (“exclusividade”), num espaço territorialmente delimitado (“territorialidade”), da patente registada.
NNN. Ou seja, e por outras palavras, os direitos do inventor (previstos, designadamente, nos arts. 57.º a 59.º e 60.º do CPI e no art. 62.º da CPE) são direitos de propriedade industrial que beneficiam da presunção prevista no artigo 4.º, n.º 2 do CPI;
OOO. Direitos estes que, tendo em conta a sua natureza, se constituíram, necessária e logicamente, com o registo da patente, ao contrário do que defende a Recorrente.
PPP. No momento da propositura da ação, para justificar a competência do Tribunal da Propriedade Intelectual, a Recorrente entendia que os direitos do inventor, que estão na base da sua principal pretensão, são direitos de propriedade industrial; agora, para evitar a aplicação, em seu desfavor, da presunção prevista no artigo 4.º, n.º 2 do CPI, vem, convenientemente, defender o oposto.
QQQ. Assim, nos termos do artigo 350.º, n.º 1, do CC, o Réu, ora Recorrido, tendo a presunção do registo de que é inventor (decorrente do mencionado art. 4.º, n.º 2 do CPI), não tem o ónus de provar “o facto que a ela [presunção] conduz”, i.e., que é inventor.
RRR. Mesmo na hipótese, que não se admite, de vir a ser desconsiderada a matéria considerada provada pelo Tribunal da Relação nos termos propugnados pela Recorrente, ainda assim sempre a presente ação teria que ser julgada improcedente, considerando a regra operativa para resolver as situações non liquet consagrada no artigo 414.º do CPC, o qual dispõe que «[a] dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita».
SSS. Da matéria considerada provada, mesmo desconsiderando a alteração efetuada pelo Tribunal da Relação, não resultou a prova de que o Réu não foi (co)inventor da invenção dos autos.
TTT. Estando, como se viu, o ónus da prova do lado da Autora, ora Recorrente, e não logrando esta provar que o Réu, ora Recorrido, não é inventor, este último, nos termos do artigo 414.º do CPC, como parte não onerada, sempre beneficiaria da ficção do facto contrário do factum probandum, conduzindo, por conseguinte, à improcedência da ação.
UUU. Neste contexto, importa ainda referir que, mesmo que se considerasse, por qualquer motivo, que o ónus da prova estaria do lado do Recorrido e não tivesse ficado demonstrado que o mesmo é co(inventor) da invenção em apreço, ou que, estando do lado da Recorrente, tivesse ficado demonstrado que aquele não é co(inventor)– o que não se concede, mas por exacerbada cautela de patrocínio se pondera –, a presente ação – e, consequentemente, o presente recurso –, sempre estaria, como o Recorrido tem vindo a pugnar (cf. arts. 200.º a 223.º da Contestação), condenada ao insucesso, por configurar um caso típico de abuso de direito (cf. artigo 334.º do CC), na modalidade de venire contra factum proprium.
VVV. Isto porque, a Recorrente, que sempre assumiu / reconheceu o Recorrido como inventor, tanto que o indicou como tal aquando dos pedidos de registo de patente nacional em 06.02.2014 e europeu em 15.01.2015 (sem nunca ter equacionado a correção do rol de inventores), quando interpelada para remunerar especialmente o Recorrido, i.e., para cumprir a lei, veio invocar que, afinal, não considerava o Recorrido inventor, propondo a presente ação com o objetivo de lhe retirar (entre outros) tal direito.
WWW. Há, portanto, uma manifesta contradição de comportamentos por parte da Recorrente, subsumível à previsão do artigo 334.º do CC.
XXX. Sustenta a Recorrente que, por força da alteração do Facto Provado 12 e da inclusão dos Factos Provados 49 a 51, bem como pelo facto de o Tribunal da Relação ter entendido existir uma presunção a favor do Recorrido decorrente do artigo 4.º, n.º 2 do CPI, teriam sido ofendidos o direito a um processo equitativo, previsto no artigo 32.º, n.º 1 da CRP, e o direito à tutela jurisdicional efetiva e ao acesso aos tribunais, previsto no artigo 20.º da CRP (cf. Conclusões X, MM e PPPP das alegações de recurso).
YYY. A mera observação da marcha processual dos presentes autos (referida nos relatórios e demais segmentos das decisões da 1.ª e da 2.ª instância) permite concluir, sem margem para hesitações, que a Recorrente teve plenamente assegurados os direitos constitucionais em causa, tendo intervindo processualmente sempre que entendeu conveniente e a lei lho permitiu, designadamente apresentando articulados, requerendo e produzindo prova e proferindo alegações.
ZZZ. A tese da Recorrente, de resto desprovida de quaisquer indicações concretas de que tais preceitos constitucionais teriam sido violados, não tem qualquer sustentação e visará unicamente tentar enxertar nestes autos um qualquer expediente que lhe permita ainda um recurso adicional para o Tribunal Constitucional, caso haja a confirmação, como se peticiona, por todos os fundamentos expostos ao longo das presentes conclusões, do Acórdão Recorrido.”
Cumpre analisar e decidir.
II. Fundamentação
De Facto
9. Das instâncias vieram provados os seguintes factos (a negrito os alterados pelo TR)
1. A A. é uma sociedade fundada em 1979 que se dedica ao desenvolvimento, produção e comercialização de abrasivos flexíveis (comummente conhecidos por lixas), de sistemas de lixagem e de produtos relacionados, cfr. docs. 1 da p.i. e 3 do requerimento de 15.012019 da A. (ref.ª ...19), juntos a fls. 1521v e 199v-200 dos autos que se dão por reproduzidos.
2. A A. conta-se entre os líderes europeus no sector dos abrasivos de alta performance, com sete filiais em Espanha, França, Inglaterra, Alemanha, Polónia, Brasil e Estados Unidos da América, para quem a investigação e desenvolvimento de novos produtos e processos é uma área fundamental, procurando produzir e desenvolver produtos de maior valor acrescentado, incluindo soluções de lixagem tecnologicamente avançadas.
3. O R., licenciado em Gestão de Marketing, com formação em Autocad® e licença própria para trabalhar com este programa, foi admitido ao serviço da A. em 23.02.2004, cfr. doc. 6, junto a fls. 76v dos autos que se dá por reproduzido, tendo desempenhado entre essa data e Outubro de 2015 as funções de técnico de desenho/desenhador técnico ao serviço desta.
4. Competia designadamente ao R. desenhar peças, elaborar desenhos técnicos com utilização de software de desenho (v.g. Inventor3D) e pesquisar fornecedores para execução de ferramentas de corte e peças para o efeito, em apoio ao sector de manutenção de equipamentos da A.
5. Em 2011, a A. sentiu necessidade de dar resposta a uma exigência de mercado – alto rendimento no processo de lixagem, com menor impacto para a saúde e ambiente (pois a lixagem liberta poeiras que são nefastas para a saúde e para o ambiente), numa altura em que também os seus concorrentes estavam a desenvolver soluções próprias avançadas nessa área.
6. Tendo iniciado um projecto com vista à criação de um prato de máquina de lixar com aspiração que permitisse resultados superiores aos até então conseguidos, quer em termos de rendimento (maior área lixada e maior durabilidade da lixa), quer de menor impacto para o ambiente e saúde dos utilizadores, nomeadamente com menor produção de resíduos e de poeiras aquando da sua utilização.
7. A A. avançou internamente com o referido projecto (ponto 6 do presente enunciado de factos) a partir de Dezembro de 2011, disponibilizando os conhecimentos, os recursos financeiros, logísticos e materiais para a realização da invenção visada.
8. O projecto foi coordenado superiormente pela Eng.ª DD, na qualidade de Directora de Investigação e Desenvolvimento (I&D) da A., com o apoio do Eng.° EE, enquanto Product Manager da A., ficando o seu desenvolvimento técnico e operacional a cargo do Eng.° BB, Responsável de Desenvolvimento de Produto da A., e que nessa qualidade reportava àqueles dois responsáveis da A..
9. No âmbito do desenvolvimento do projecto, a Eng.ª DD e o Eng.° BB, iam solicitando a intervenção de vários trabalhadores da A., em função das respectivas áreas de trabalho e das necessidades que iam surgindo.
10. No decurso da concepção e desenvolvimento do projecto, foram concebidos pelo Eng.° BB vários esboços dos pratos de lixar com sistema de aspiração, tendo este solicitado a intervenção do R., enquanto técnico de desenho com licença Autocad®, para reproduzir os referidos esboços em formato mais adequado e gerar desenhos técnicos à escala, de acordo com as finalidades do projecto.
11. Por mensagem de correio electrónico de 16.12.2011, o Eng.° BB remeteu ao R. um ficheiro Excel com a seguinte mensagem: “AA, aqui vão os desenhos…” - cfr. docs. 7 da p.i. junto a fls. 77-77v que se dá por reproduzido.
12. Por mensagem de correio electrónico de 9.01.2012, o R. remeteu ao Eng.° BB quatro desenhos de prato de lixar, indicando como área do prato com velcro (argola) 16.152,955 mm2, tendo este respondido que, na sua opinião, podiam avançar com a furação do prato neles representada, cfr. doc. 7 a fls. 78-80 dos autos, que se dá por reproduzido.
13. Entre Novembro de 2012 e Janeiro de 2014 foram realizados uma série de ensaios comparativos (testes) da capacidade de aspiração e lixagem de vários modelos do projectado prato multifuros, relativamente a outros sistemas existentes, cfr. doc. 7 do requerimento de 15.012019 da A. (ref.ª ...19) junto a fls. 202v-211v dos autos, que se dá por reproduzido.
14. Por mensagem de correio electrónico de 15.03.2013, o R. remeteu ao Eng.° BB desenhos relativos à montagem do prato de lixar, cfr. doc. 7 junto a fls.80v-81 dos autos, que se dá por reproduzido.
15. Por mensagem de 18.03.2013 relativa a ‘Desenhos do Prato Multifuros Indasa’, o Eng.° BB remeteu ao Eng° FF da A., a solicitação deste, desenhos do referido prato de lixar (pontos 11, 12 e 14 do presente enunciado de factos), que o referido Eng.° FF reencaminhou por correio electrónico do mesmo dia para uma fornecedora da A., V..., com a mensagem ‘Como combinado en la feria de Madrid anexo los dibujos del platô’, cfr. doc. 7 junto a fls. 81v-82 dos autos, que se dá por reproduzido.
16. Por mensagem de correio electrónico de 19.03.2013, GG da dita fornecedora solicitou ao Eng.° FF o envio de uma cópia da imagem junta à referida mensagem deste de 18.03.2013 (ponto 15 do presente enunciado de factos) à escala 1:1, se possível em formato JPG, PDF ou DWG1, tendo este reencaminhado a dita mensagem ao Eng.° BB por correio electrónico do mesmo dia com a mensagem ‘Por favor responder. Obrigado’, o qual por sua vez a reencaminhou pela mesma via ao R., que respondeu por correio electrónico de 25.03.2013 endereçado ao Eng.° BB, remetendo desenhos do prato multifuros e respectiva montagem à escala 1:1 e formatos DXF e PDF com a mensagem ‘Tenta ver, junto do fornecedor, se os desenhos em anexo são suficientes.’, cfr. doc. 7 junto a fls. 81v-82 dos autos, acima dado por reproduzido.
17. Por mensagens de correio electrónica de 2.05.2013 relativas a ‘Desenhos Discos patente’, o R. remeteu ao Eng.º BB vários desenhos de pratos e discos multifuros em formato JPG, cfr. doc. 10 junto a fls. 215v-224v dos autos, que se dá por reproduzido.
18. Em 9.09.2013, o R. acompanhou o Eng.º BB a uma reunião que teve lugar nas instalações da empresa de prototipagem rápida D... 2, com vista à construção de ‘alguns protótipos de pratos de lixagem (em plástico)’ que a A. estava a desenvolver, cfr. troca de mensagens de 4 e 5 de Setembro de 1 Tradução livre do original inglês: ‘Could you please send us a copy of the enclosed picture at a scale of 1:1, if possible in JPG, PDF or DWG format’. 2013 entre o referido Eng.º BB e HH, Business Development Officer da dita empresa, juntas como doc. 8 a fls. 212-213 dos autos, que se dá por reproduzido.
19. O R. remeteu por mensagem de correio electrónico de 7.10.2013 ao referido HH da D... 2, com cópia ao Eng.º BB, desenhos rectificados em razão de um pequeno erro detectado em desenhos anteriores, como anunciado por este em mensagem dirigida na mesma data ao referido HH, com cópia ao R., cfr. doc. 9 junto a fls. 213v-215 dos autos, que se dá por reproduzido.
20. Por mensagem de correio electrónico de 10.10.2013, o Eng.º BB enviou à referida Eng.ª DD, Directora de I&D da A. e coordenadora do projecto (ponto 8 do presente enunciado de factos), o correspondente relatório ‘concluído e formatado’, incluindo os desenhos acrescentados a seu pedido pelo R., igualmente destinatário da mensagem, cfr. doc. 11 junto a fls. 225-226 dos autos, que se dá por reproduzido.
21. Por mensagem de correio electrónico de 9.01.2014, o Eng.° BB solicitou ao R. o envio em PDF do desenho da parte B, informando que o queria enviar com o pedido de orçamento escrito para não haver dúvida do que pretendiam, nos termos constantes do doc. 7 junto a fls. 82v dos autos, que se dá por reproduzido.
22. Por mensagem de 14.01.2014 relativa a ‘Cotação 0031SM2014 para “mais peças DT2NC 1046” :: INDASA – Indústria de Abrasivos, SA’, o referido HH da D... 2 (ponto 18 do presente enunciado de factos) remeteu ao Eng.° BB o solicitado orçamento (ponto 16 do presente enunciado de factos), perguntando se conseguia enviar uma imagem do canal que estava “tapado” ou indicá-lo no desenho, tendo o Eng.° BB reencaminhado a mensagem pela mesma via ao R. com o pedido de identificação no desenho do canal que estava “tapado”, e este respondido por correio electrónico de 16.01.2014 dirigido ao Eng.° BB que se tratava de uma confusão e que afinal o ‘SuporteInferior_02” não apresentava qualquer problema para execução’, cfr. doc. 7 junto a fls. 83-83v dos autos, que se dá por reproduzido.
23. Em 6.02.2014, a A., representada pelo mandatário II, apresentou junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) o pedido de patente nacional n° 107454 para proteger a invenção alcançada no âmbito do referido projecto (pontos 6-10 do presente enunciado de factos), intitulada ‘PRATO COM RASGOS PARA DISCOS DE LIXAGEM MULTIFUROS’, indicando como inventores BB, CC e o R., cfr. doc. 1 do requerimento de 15.01.2019 da A. (ref.ª ...19) junto a fls. 193v-194 dos autos, que se dá por reproduzido.
24. A organização e entrega ao mandatário da informação necessária para instruir o referido pedido de patente nacional n° 107454 (ponto 23 do presente enunciado de factos) foi feita pela Eng.ª DD, que sugeriu ao Eng.º BB pôr também como co-inventores o R. e o referido CC, em razão da respectiva participação no projecto, ao que o Eng.º BB não se opôs.
25. Em 15.01.2015, a A., representada pelo mandatário JJ, apresentou junto do Instituto Europeu de Patentes (EPO) um pedido de patente europeia para a mesma invenção (ponto 23 do presente enunciado de factos), solicitando a prioridade do pedido de patente nacional (6.02.2014) e indicando como inventores os mesmos CC, BB e o R., vindo a patente europeia a ser concedida em 23.11.2017 com o n° EP 3040160 e data de prioridade 6.02.2014, validada para Portugal em 23.11.2017 sob o n° PT 3040160 e epígrafe ‘PRATO COM RASGOS PARA DISCOS DE LIXAGEM MULTIFUROS’, cfr. doc. 2 junto a fls. 22-67v dos autos, que se dá por reproduzido.
26. Com data de 25.06.2015, a A. facturou à firma Indasa – Abrasives (UK) Ltd. pratos e discos Ultravent, cfr. doc, 2 do requerimento de 15.012019 da A. (ref.ª ...19) junto a fls. 194v-199 dos autos, que se dá por reproduzido.
27. Em 8.07.2015 a referida Indasa - Abrasives (UK) através do seu Director Comercial KK informou a A. na pessoa do seu Director Executivo LL sobre problemas detectados de vibração acrescida no prato Ultravent, cfr. mensagem de correio electrónico junta como doc. 12 a fls. 226v dos autos que se dá por reproduzida.
28. Por mensagem de correio electrónico de 21.03.2016, o Eng.º BB comunicou à Directora de I&D da A., Eng.ª DD, e ao Eng.º FF os ensaios que iam ser efectuados pela Universidade ... para despistar a questão da vibração dos pratos Ultravent, para realização dos quais pedia que estes solicitassem à V... diversos pratos com a especificação do tipo de material de que eram constituídos e respectivas densidade e características mecânicas, cfr. doc. 14 junto a fls. 227v dos autos que se dá por reproduzido.
29. Por mensagem de correio electrónico de 22.03.2016, o Eng.º FF solicitou à V..., com cópia aos ditos Eng.º BB e Eng.ª MM, os pratos e correspondentes especificações necessários à realização dos referidos ensaios pela Universidade ... (ponto 28 do presente enunciado de factos), cfr. doc. 16 junto a fls. 229 dos autos, que se dá por reproduzido.
30. A solicitação do Eng.º BB, o Prof. NN da Universidade ... comunicou o resultado dos ensaios efectuados aos pratos, concluindo designadamente que ‘Na globalidade, o prato de espuma preta continua a ter o melhor comportamento vibratório embora o prato modificado 118g_pu7mm se aproxime bastante desse comportamento’, cfr. doc. 15 junto a fls. 228 dos autos, que se dá por reproduzido.
31. Por mensagem de correio electrónico de 31.03.2016, foi comunicado por OO da Indasa –Abrasives (UK) que o Eng.º BB e PP da A. viajariam ao Reino Unido para participar em testes de vibração a ter lugar na quinta-feira 7/4 em paralelo com uma abordagem mais científica levada a cabo pela Universidade ..., que concordou em assisti-los, cfr. doc. 13 junto a fls. 227 dos autos, que se dá por reproduzido.
32. A primeira reivindicação e única independente da patente europeia n° 3040160 reivindica o seguinte, nos termos constantes do doc. 2 junto a fls. 22-67v dos autos, supra dado como reproduzido (ponto 25 do presente enunciado de factos):
‘Prato (1) com rasgos para discos de lixagem multifuros, constituído por 3 peças, superior, intermédia e inferior, unidas entre si por um sistema de fixação, no qual a peça superior (2), com uma forma tronco cónica, inclui uns furos (7) de aspiração e um furo central (8), caracterizado por - a peça intermédia (3) incluir rasgos (5) de aspiração, furo central (8) e na face posterior uns canais (6) de aspiração delimitados por umas paredes (10) sobrelevadas; e - a peça inferior (4), com uma forma tronco cónica, e na qual irá encaixar a peça intermédia (3), incluir uns rasgos (11) de aspiração inferior que estão dispostos segundo anéis, concêntricos e equidistantes entre eles, e a dimensão de cada um dos rasgos de aspiração inferior (11) aumentar do centro para a periferia.’
33. As principais características que foram inventadas e desenvolvidas no âmbito do projecto foram as seguintes:
- a peça intermédia incluir rasgos de aspiração, furo central e na face posterior uns canais de aspiração delimitados por umas paredes sobrelevadas;
- a peça inferior, com uma forma tronco cónica, na qual irá encaixar a peça intermédia, incluir uns rasgos e um furo central, e uns rasgos de aspiração que estão dispostos segundo anéis, concêntricos e equidistantes entre eles;
- a dimensão de cada um dos rasgos aumentar do centro para a periferia.
34. A A. comercializa a invenção patenteada (ponto 25 do presente enunciado de factos) sob a marca ULTRAVENT, cujo registo como marca da União Europeia n° 15397656 solicitou em 2.05.2016 e lhe foi concedido em 19.10.2016, cfr. doc. 5 junto a fls. 75-76 dos autos, que se dá por reproduzido.
35. Em 5.12.2016, o R. preparou e comunicou por mensagem de correio electrónico ao Eng.º FF da A. o relatório da sua visita à V..., no âmbito da solicitação endereçada a esta de materiais e especificações com vista aos ensaios a efectuar na Universidade ... para ultrapassar problemas de vibração detectados no prato de lixagem (pontos 27-29 do presente enunciado de factos), cfr. doc. 5 junto a fls. 131v-132 dos autos, que se dá por reproduzido.
36. Em 30.09.2017, o R. solicitou junto do INPI, em seu próprio nome, o registo da marca nacional n° 589228 ULTRAVENT para assinalar designadamente ‘lixas’ e ‘discos de lixagem para uso em ferramentas para operar manualmente’ nas classes 7 e 8 da Classificação de Nice, pedido que viria a retirar em 30.11.2017, cfr. doc. 19 junto a fls. 260v-265 dos autos, que se dá por reproduzido.
37. Por mensagem de correio electrónico de 20.10.2017, em que procurava explicar os motivos do seu aludido pedido de registo de marca (ponto 36 do presente enunciado de factos), o R. comunicou aos responsáveis e administradores da A., designadamente, que tinha estado ‘ligeiramente envolvido no projecto ultravent’, nos termos constantes do doc. 8 junto a fls. 84-85v dos autos, que se dá por reproduzido.
38. Em 12.01.2018 o R. foi despedido pela A. com fundamento em justa causa motivada pelo facto de o R., sem que tal estivesse nas suas funções e sem autorização ou informação da A., ter apresentado, em seu nome e por sua iniciativa, o aludido pedido de registo de marca nacional da marca ULTRAVENT (ponto 36 do presente enunciado de factos), apresentando-se como titular da marca que sabia ser utilizada pela A., designadamente para comercializar a invenção patenteada.
39. Por despacho de 3.04.2018, publicado no Boletim da Propriedade Industrial (BPI) de 3.04.2018, o mencionado pedido de patente nacional n° 107454 foi recusado nos termos do artigo 73°, n° 1, al. g) do Código da Propriedade Industrial (CPI) então em vigor, por ter sido concedida para a mesma invenção a patente europeia EP 3040160, validada em Portugal sob o n° PT 3040160 (adiante também designada ‘patente europeia n° 3040160’ ou ‘patente EP 3040160’), nos termos do doc. 3 junto a fls. 68-73v dos autos, que se dá por reproduzido.
40. O A. impugnou a regularidade e licitude do seu despedimento, em acção que intentou no Juízo do Trabalho ... (Proc. N° 378/18....), a qual correu terminou por transacção alcançada e homologada em sede de audiência de julgamento ocorrida em 9.07.2018, nos termos constantes do doc. 3 junto a fls. 124-125 dos autos, que se dá por reproduzido.
41. Na sequência dessa acção, o R, interpelou a A. através do seu mandatário para o pagamento o ‘pagamento do montante de EUR 699.059,80 […] a título de remuneração especial pela actividade inventiva nos termos e para os efeitos do nº 2 do artigo 59º do Código da propriedade Industrial’, cfr. carta datada de 5.09.2018 junta como doc. 1 a fls. 119v-121v dos autos, que se dá por reproduzido.
42. Em resposta a tal interpelação, a A. informou que iria interpor uma acção judicial destinada a apreciar a paternidade da invenção, nos termos constantes da carta de 3.10.2018 junta como doc. 2 a fls. 122v-123 dos autos, que se dá por reproduzido.
43. O técnico da A. CC, igualmente indicado como inventor nos referidos pedidos e registo de patente (pontos 23 e 25 do presente enunciado de factos) e que participou no projecto de desenvolvimento da invenção protegida pela patente europeia nº 3040160 intitulada ‘Prato com rasgos para discos de lixagem multifuros’, reconheceu não ter sido inventor da invenção objecto da dita patente e aceitou a sua remoção do respectivo rol de inventores, bem como do pedido de patente portuguesa nº 107454, cfr. declaração com eficácia retroactiva junta aos autos como doc. 4 a fls. 74 dos autos, que se dá por reproduzido.
44. Além dos supramencionados pedidos de patente nacional e europeia (pontos 23 e 25 do presente enunciado de factos), a A., representada pelo aludido mandatário II, havia já apresentado em 25.09.2009 o pedido de patente nacional n° 104763 relativo a ‘SISTEMA DE DISCO DE LIXA E PRATO DE FIXAÇÃO PARA LIXADORAS’, o qual foi recusado em 14.03.2012 por falta dos requisitos de patenteabilidade e inobservância das formalidades legais, cfr. doc. 6 junto a fls. 133-138 dos autos, que se dá por reproduzido.
45. A A. foi titular do registo de modelo de utilidade n° 7786, solicitado em 25.06.1986 e concedido em 1.06.1987 para ‘DISCO ABRASIVO AUTOCOLANTE’, até à expiração deste em 1.06.2011, cfr. doc. 7 junto a fls. 139144v dos autos, que se dá por reproduzido.
46. A invenção objecto da referida patente europeia nº 3040160 é a única de que a A. é titular e que se encontra patenteada.
47. O Eng.º BB, Responsável de Desenvolvimento de Produto da A., concebeu as ideias iniciais para a invenção objecto dos referidos pedidos e registo de patente (pontos 23 e 25 do presente enunciado de factos).
48. O mandatário II, que consta do referido pedido de patente nacional nº 107454 apresentado em 6.02.2014 (ponto 23 do presente enunciado de factos), pertence ao Gabinete de Marcas e Patentes ....
49. O R. contribuiu de forma activa para o desenvolvimento técnico e operacional da invenção e para o próprio resultado da invenção e a sua patenteabilidade, sendo o trabalho conjunto com este que permitiu à A. alcançar tal resultado.
50. O R. dedicou-se à criação de desenhos que tornassem as ideias possíveis em termos técnicos e que permitissem que a invenção fosse patenteável.
51. O R. contribuía com as suas competências no sentido de descobrir as melhores formas de realizar o objectivo inicialmente gizado pela A. e alcançar a solução técnica mais adequada, que foi sendo desenvolvida pelas pessoas envolvidas na invenção.
52. As funções efectivamente exercidas pelo R. extrapolavam as funções que, oficialmente, lhe eram acometidas.
53. O R. sempre esteve envolvido no desenvolvimento interno de soluções técnicas de relevância para a A., assim como na transformação de abrasivos.
10. Factos não provados:
A. O R. arrogou-se co-inventor da invenção em causa no âmbito da acção laboral referida supra (ponto 40 do elenco de factos provados).
B. O pedido de patente nacional nº 107454 é um objecto inexistente.
C. O desenvolvimento técnico e operacional da invenção foi acometido a uma equipa de trabalhadores da A., da qual fazia parte o R..
I. Todos os processos de pré-prototipagem, para alcançar o objectivo último de criar um prato de lixagem nos termos em que foi feito, foram levados a cabo pelo R., que desenhou e criou os ficheiros adequados a tornar a ideia inicial possível.
L. Foi por esse motivo, e por estar envolvido no processo de pré-prototipagem e prototipagem do desenvolvimento da invenção, que o R. participou em reuniões de trabalho com todos os restantes intervenientes no projecto, assim como encetou contactos com fornecedores para atingir o mesmo efeito.
M. O R. e o Eng.º BB colaboravam no sentido de obter uma solução técnica viável para o resultado que, em último reduto, se pretendia atingir, coordenando-se os dois inventores para a realização dos protótipos.
N. Foi o R. o responsável pela definição das áreas de aspiração nos desenhos remetidos ao Eng.º BB com a mencionada mensagem de 9.01.2013, não cabendo a este, mas sim a uma actuação coordenada dos dois inventores, a decisão sobre a furação do prato representada na resposta à dita mensagem, junta como doc. 7 a fls. 78-80 dos autos e supra dada como reproduzida (ponto 12 do presente enunciado de factos).
O. O Eng.º BB e o R. desenvolviam coordenadamente a invenção protegida pela patente europeia nº 3040160, actuando este com capacidade inventiva por desenvolver os processos de pré-prototipagem e de prototipagem dos desenhos identificados nos desenhos do requerimento da patente e ter de oferecer resposta a dificuldades técnicas que íam surgindo.
P. Os contributos do R. e do Eng.º BB complementaram-se para confluir no resultado da invenção, sem que qualquer deles, desprendido do outro tivesse permitido atingir os elementos novos e inventivos do prato com rasgos para discos de lixagem multifuros ou o funcionamento do prato.
R. Na referida mensagem de correio electrónico de 20.10.2017 (ponto 37 do elenco de factos provados supra), o R. está a referir-se ao envolvimento, no exercício das funções de gestor de produto, do projecto comercial do produto ‘ULTRAVENT’, e não ao desenvolvimento da invenção em si.
S. O ligeiro envolvimento do R. na parte comercial do projecto ‘ULTRAVENT’ deu ao R. a possibilidade de investir mais tempo no desenvolvimento da invenção e, assim, de ‘inventivamente tornar uma teoria em negócio’.
T. O R. contribuiu, de forma criativa e inventiva, para as características de cada uma das peças (superior, intermédia e inferior) do prato com rasgos para discos de lixagem multifuros, bem como para o sistema de fixação das peças.
De Direito
11. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.
12. Objecto do recurso:
1. Saber se o Tribunal recorrido violou a lei ao conhecer da impugnação da matéria de facto, nomeadamente alterando o facto 12, que não havia sido solicitado na apelação, e aditando os pontos 49 a 51, que a recorrente entende serem meramente conclusivos.
2. Saber se a acção em causa é de simples apreciação ou acção declarativa de condenação – tendo o tribunal optado pela segunda solução;
3. Saber a quem compete o ónus da prova da qualidade de inventor/não inventor, que o Tribunal entendeu ser da A.
4. Saber se a acção deve ser julgada procedente, como entende a A.
Analisando cada uma das questões.
13. Saber se o Tribunal recorrido violou a lei ao conhecer da impugnação da matéria de facto, nomeadamente alterando o facto 12, que não havia sido solicitado na apelação, e aditando os pontos 49 a 51, que a recorrente entende serem meramente conclusivos.
13.1. Argumentos da recorrente sobre o facto 12:
- No recurso de apelação que interpôs, o Réu impugnou, cumprindo o ónus de impugnação imposto pelo artigo 640.º, n.º 1, do CPC, o julgamento feito pelo Tribunal de 1.ª instância sobre os factos 4, 10, 11, 38 e 47 dos factos provados e F, G, D, E, H, J, K, Q e R dos factos não provados, não se incluindo o facto provado 12 neste elenco de factos impugnados.
- A Relação tem poderes de actuação oficiosa no que respeita à decisão sobre a matéria de facto ao abrigo do n.º 2 do mesmo artigo 662.º do CPC.
- No entanto, não só a Relação nunca invocou ou tentou fundamentar a sua actuação recorrendo ao n.º 2 do artigo 662.º do CPC, como a mera leitura dessa norma torna evidente que a alteração operada pela Relação no facto 12 dos factos provados não se enquadra em nenhuma das suas quatro alíneas.
- Acresce que, ao introduzir a locução “na sua opinião” no facto 12, o Tribunal a quo pretendeu, declaradamente (e sem para isso ter poderes), que este facto passasse a reflectir “uma colaboração activa de ambos [o Eng.º BB e o Réu]” que, no entender da Relação, existiu durante o processo que conduziu à invenção.
- Contudo, a factualidade referente a essa suposta “colaboração activa” estava alegada no facto não provado N que respeita essencialmente à mesma matéria que o facto provado 12, apenas tendo o plus, face a este último, de afirmar que a decisão sobre a furação do prato resultou de “uma actuação coordenada dos dois inventores”.
- Por outro lado, a interpretação das normas contidas nos artigos 662.º, n.º 1, e 640.º, n.º 1, do CPC, no sentido de que o Tribunal da Relação pode alterar a redacção de um facto julgado provado em primeira instância sem que tanto lhe seja requerido (sem que o recorrente tenha impugnado esse ponto da matéria) e sem que tenham sido cumpridos os ónus legalmente impostos de impugnação da matéria de facto julgada provada, viola, também, o direito a um processo equitativo previsto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, bem como o direito à tutela jurisdicional efectiva e ao acesso aos tribunais, plasmados no artigo 20.º da CRP, inconstitucionalidade que ora expressamente se invoca.
13.2. Em resposta a esta argumentação diz o recorrido:
A Recorrente pretende que este Supremo Tribunal altere a decisão do Tribunal da Relação, requerendo a alteração da redação do Facto Provado 12 e a eliminação dos Factos Provados 49 a 51 (cf., respetivamente, Conclusões Y e KK das alegações de recurso).
Por regra, a fixação dos factos materiais da causa, baseados na prova livremente apreciada pelo julgador nas instâncias, não cabe no âmbito do recurso de revista, limitando-se o Supremo Tribunal de Justiça a aplicar o direito aplicável aos factos definitivamente fixados pelo Tribunal recorrido (art. 674.º. n.º 3 do CPC).
A única excepção a tal regra é a existência de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova para a existência do facto.
Dito de outro modo, o Supremo Tribunal de Justiça só pode conhecer do juízo de prova levado a cabo pelo Tribunal da Relação quando tenha sido dado por provado um facto sem que tivesse sido produzida a prova que a lei declare indispensável para a demonstração da sua existência ou tiverem sido violadas as normas reguladoras da força de alguns meios de prova.
As situações apontadas pela Recorrente nas alegações de recurso não são reconduzíveis às situações de excepção em que a lei admite a sindicância pelo Supremo Tribunal de Justiça da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, havendo assim que concluir pela irrecorribilidade da decisão sobre a matéria de facto.
Em qualquer caso, no que diz respeito ao Facto Provado 12, o Tribunal intercalou apenas a expressão «na sua opinião», a qual consta ipsis verbis do documento 7 junto a fls. 78-80 dos autos, sendo que o Tribunal de 1.ª Instância, no Facto Provado 12, não apenas remeteu para o documento em causa, como o deu por reproduzido.
Ao proceder à intercalação da referida expressão, o Tribunal da Relação apenas conferiu maior clareza ou coerência ao Facto Provado 12, sendo que as alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 662.º do CPC autorizam a Relação a apreciar pontos da matéria de facto mesmo que não expressamente impugnados com a finalidade de evitar contradições.
Assim, a intercalação da expressão «na sua opinião» no Facto Provado 12 não merece censura, seja pela circunstância deoFactoProvado12 ter sido objecto de impugnação (ainda que “em geral”), seja pela circunstância de a mesma intercalação visar apenas impedir qualquer contradição ou incompletude do texto do Facto Provado 12 com o teor do documento dado por reproduzido no mesmo Facto Provado.
13.3. Que dizer?
Em primeiro lugar importa reafirmar que o STJ só conhece de Direito e nesse conhecimento pode estar em causa saber se o Tribunal da Relação violou as disposições legais relativas à impugnação da matéria de facto e do julgamento que sobre elas efectuou na apelação – o que parece ser o objecto do pedido da recorrente nesta revista.
A recorrente entende que o Tribunal não podia alterar o facto 12 por não lhe ter sido pedida a sua reapreciação na apelação, pedido que limita a intervenção do Tribunal.
Não tem razão.
A norma do art.º 662.º, n.º1 do CPC admite a alteração da matéria de facto, mesmo sem um pedido explícito, embora, cremos, que a alteração sem pedido deve ser fundamentada explicitando o porquê da alteração – o que o Tribunal recorrido fez de forma tabelar com a afirmação “Assim, ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º1 do CPC, a redacção do ponto 12 da matéria de facto provada deve ser alterada da seguinte forma:”, após ter explicitado a convicção a que chegou e que resultou da análise do pedido de alteração do feito na apelação (nomeadamente do ponto 11), que obrigou o Tribunal a analisar o teor dos emails trocados, os depoimentos prestados e os documentos existentes e a concluir que o ponto 12 tinha uma imprecisão – e tão só isso – correspondendo ao acréscimo da expressão “na sua opinião”, e que não envolve uma alteração substancial do facto provado, mas ajuda a esclarecer o sentido do mesmo e da actuação do R. no processo de criação da invenção.
Isto mesmo é afirmado pelo recorrido na sua defesa nas contra-alegações.
Importa também dizer que a alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação é não só uma possibilidade que lhe assiste mas até um dever, sobretudo quando da reapreciação que faça (dos pedidos) detecte situações que justifiquem a intervenção, como contradições entre factos provados.
Havendo possibilidade de eliminar contradições seria razoável limitar o poder do tribunal a tornar mais claro e correspondente com a prova aquilo que se apura ter sido demonstrado quando a alteração que se fez pode ser justificada nos moldes que o recorrido fez? (a mesma intercalação visar apenas impedir qualquer contradição ou incompletude do texto do Facto Provado 12 com o teor do documento dado por reproduzido no mesmo Facto Provado.)
Não cremos.
Improcede a questão suscitada.
13.4. Vejamos agora os argumentos da recorrente para considerar erradamente julgadas as alterações sobre os pontos 49 a 51:
- O Tribunal da Relação violou, assim, os n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma, ao aditar à matéria de facto provada afirmações de natureza genérica, valorativa e conclusiva –no caso, os pontos 49 a 51.
- Por outro lado, a interpretação dos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º do CPC (aplicável por remissão do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma) no sentido de que é admissível incluir matéria meramente conclusiva no âmbito do julgamento da matéria de facto, além de ilegal, ofende, também, o direito ao processo equitativo, previsto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, bem como o direito à tutela jurisdicional efectiva e ao acesso aos tribunais, plasmados no artigo 20.º da CRP. Inconstitucionalidade que ora expressamente se alega.
13.5. Em resposta a esta argumentação diz o recorrido:
- a matéria que o Tribunal da Relação neles fez constar não tem natureza genérica e conclusiva, nem, muito menos, tal alegada natureza é «gritante», correspondendo a alegação da Recorrente a esse respeito a uma clara tentativa de, em subversão da regra da irrecorribilidade da decisão da matéria de facto, alterar a livre apreciação da prova feita pelo Tribunal da Relação e com a qual a Recorrente pura e simplesmente não se conforma.
- A adjetivação que a Recorrente imputa aos Factos Provados 49 a 51 ajuda a densificar e concretizar uma realidade de facto – a contribuição do Réu, ora Recorrido, para a invenção –, não sendo tal contribuição suscetível de quantificação, nem exigível que o Tribunal incluísse no descritivo dos factos provados uma análise comparativa da intervenção das várias pessoas envolvidas no processo de invenção.
- Acórdão deste Supremo Tribunal de 14.07.2021, processo 19035/17.8PRT.P1.S1 e as citações de outras decisões do mesmo constantes, disponível em www.dgsi.pt, no qual se pode ler que «o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, obrigando-o a sintetizar ou a separar os materiais que lhe são apresentados através das provas. Insiste-se: o que a lei veda ao julgador da matéria de facto é a formulação de juízos sobre questões de direito, sancionando a infração desta proibição com o considerar tal tipo “[de juízos] como não escritos (…) Importa, pois, verificar se o facto mesmo com uma componente conclusiva, não tem ainda um substrato relevante para o acervo dos factos que importam para uma decisão justa».
13.6. Que dizer?
Os pontos 49 a 51 dizem:
49. O R. contribuiu de forma activa para o desenvolvimento técnico e operacional da invenção e para o próprio resultado da invenção e a sua patenteabilidade, sendo o trabalho conjunto com este que permitiu à A. alcançar tal resultado.
50. O R. dedicou-se à criação de desenhos que tornassem as ideias possíveis em termos técnicos e que permitissem que a invenção fosse patenteável.
51. O R. contribuía com as suas competências no sentido de descobrir as melhores formas de realizar o objectivo inicialmente gizado pela A. e alcançar a solução técnica mais adequada, que foi sendo desenvolvida pelas pessoas envolvidas na invenção.
Da leitura dos factos resulta que os mesmos contêm elementos factuais em sentido estrito, em sentido amplo e elementos conclusivos, mas sem que estes se autonomizem daqueles e independentemente de se considerar que poderia ser encontrada outra formulação mais descritiva d actuação do R. e dos trabalhos por este desenvolvidos; destaca-se que dali resulta que:
- a intervenção do reu foi activa, tendo sido desenvolvida na vertente de desenvolvimento técnico, operacional e em termos de resultado (facto 49);
- o resultado (invenção) foi obtido por via conjunta de colaboração entre A e R. (facto 49);
- o R. criou desenhos; os desenhos permitiram que as ideias fossem possíveis em termos técnicos ((facto 50);
- a função do Réu era descobrir formas de realizar o objectivo gizado pela A e encontrar a solução técnica adequada (facto 51).
O que significa que estes factos mesmo que contenham uma componente conclusiva, tem ainda um substrato relevante para o acervo dos factos que importam para uma decisão, não se podendo exigir o seu depuramento completo de juízos, ainda que ao aplicar o Direito o julgador deva abstrair deles.
Improcede a questão suscitada.
14. Procuremos agora saber se a acção em causa é de simples apreciação ou acção declarativa de condenação.
14.1. O tribunal optou pela segunda solução.
O recorrente discorda, porquanto:
- De acordo com J. P. Remédio Marques, a acção que o putativo inventor intenta para ver reconhecida a sua paternidade sobre o invento é uma acção de simples apreciação positiva, pelo que, evidentemente, a acção espelho, i.e., a acção intentada com o objectivo de determinar a falta de paternidade do putativo inventor, tem de ser uma acção de simples apreciação negativa (cfr. J. P. Remédio Marques, Código da Propriedade Industrial Anotado, Coord. Luís Couto Gonçalves, Almedina, Coimbra, 2021, pp. 410-411).
- Do ponto de vista substancial, os direitos à indicação do nome como inventor e à remuneração especial não se revestem de nenhuma das apontadas características típicas dos direitos de propriedade industrial, uma vez que não correspondem a uma permissão de exploração exclusiva num espaço territorialmente delimitado.
- Assim, ao contrário do que o Tribunal recorrido parece ter entendido, os direitos invocados pelo Réu não são direitos de propriedade industrial
- Não sendo os direitos invocados pelo Réu direitos de propriedade industrial, não se constituem com o registo da patente.
- O registo da patente apenas constitui o direito de propriedade industrial correspondente (o direito de patente), atribuindo ao seu titular, no caso, a Indasa, o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português (nos termos do artigo 102.º do CPI).
- O registo da patente não constitui o direito do inventor a ver o seu nome mencionado nesse mesmo registo – o que seria, evidentemente, um absurdo e uma impossibilidade lógica, já que o direito à indicação do nome como inventor precede a concessão da patente, devendo o mesmo ser indicado no pedido de patente (cfr. artigo 61.º, n.º 1, alínea c), do CPI).
- De igual o modo, o registo da patente também não constitui o direito do inventor à remuneração especial prevista no artigo 58.º, n.º 2, do CPI, que tem como únicos pressupostos a circunstância de o requerente da remuneração especial ser efectivamente o inventor e de a actividade inventiva não estar já especialmente remunerada, não se exigindo que o nome do inventor conste do registo.
- Isto porque o que realmente constitui os direitos inerentes à condição de inventor, nomeadamente aqueles invocados pelo Réu, não é qualquer registo, mas sim o exercício de efectiva e real actividade inventiva, i.e., a circunstância de ter contribuído inventivamente para a invenção em causa.
- É por assim ser que J. P. Remédio Marques defende que a acção que o inventor pode intentar para ver reconhecida a sua autoria relativamente a um invento é uma acção de simples apreciação positiva e não uma acção declarativa constitutiva (cfr. J. P. Remédio Marques, Código da Propriedade Industrial Anotado, Coord. Luís Couto Gonçalves, Almedina, Coimbra, 2021, pp. 410-411).
- Desta forma, a indicação, pela Indasa, do nome do Réu no registo da patente em causa nos presentes autos não o constituiu como inventor do invento. Sob esse ponto de vista, a ordem jurídica manteve-se absolutamente inalterada antes e depois do registo daquela patente.
- O Tribunal da Relação errou, também, ao aplicar o artigo 10.º, n.º 3, alínea c), do CPC, qualificando a presente acção como uma acção declarativa constitutiva sem que estivessem verificados os pressupostos dessa qualificação.
- Por outro lado, a interpretação da norma contida no artigo 10.º, n.º 3, alínea c), do CPC no sentido de que a acção a propor quando se pretende demonstrar que alguém (que alega a qualidade de inventor) não é inventor é uma acção constitutiva viola, também, o direito ao processo equitativo, previsto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, bem como o direito à tutela jurisdicional efectiva e ao acesso aos tribunais, plasmados no artigo 20.º da CRP, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais.
14.2. Em resposta a esta argumentação diz o recorrido:
- a presente ação é uma ação declarativa constitutiva e não uma ação de simples apreciação negativa
- A pretensão deduzida pela Autora, ora Recorrente, tem por finalidade obter uma mudança na ordem jurídica existente, não se reconduzindo à mera obtenção da declaração da inexistência de um direito ou de um facto.
- Como bem decidiu o Tribunal Recorrido, «[q]ue o R. é (co)inventor da invenção objecto da patente consta já do respetivo registo promovido pela A. em 2015, não se tendo o R. arrogado essa qualidade (…). O R. não criou qualquer incerteza quanto ao facto de ser ou não inventor, ele consta como tal da patente. É a A. quem pretende agora com esta ação demonstrar que, afinal, o R. não foi inventor e obter uma decisão judicial que permita a alteração daquele registo».
- A ação de simples apreciação negativa visa obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto (art. 10.º, n.ºs 2 e 3 do CPC).
- É pressuposto do recurso à ação de simples apreciação uma incerteza real, séria e objetiva, sendo exemplo de escola de uma situação de incerteza o caso em que “A.” ande a alardear que é filho de “B”.
- O Réu, ora Recorrido, não se andou a “alardear” de que é inventor; pelo contrário, é o registo, o qual foi efetuado voluntariamente pela Autora, ora Recorrente, que “alardeia” a qualidade de inventor do Réu.
- Os efeitos pretendidos pela Autora, ora Recorrente – os quais têm cobro no segundo pedido efetuado em sede de petição inicial – extravasam largamente os limites de uma ação de simples apreciação.
- Não pretende a Autora, ora Recorrente, que o por si peticionado se esgote na simples declaração judicial – meramente instrumental – de que o Réu não é inventor da patente, pretendendo a Autora, na verdade, introduzir uma modificação na ordem jurídica existente, removendo do registo da patente, que é constitutivo, a menção de que o Réu é inventor da mesma, com todas as consequências que daí advêm, designadamente, a perda do direito a ser mencionado no título da patente e a perda a uma remuneração especial pela atividade inventiva, a qual teria de ser paga pela Autora, titular da patente.
- A remoção do registo da menção de inventor nunca teria como fim uma mera retificação acessória.
- O n.º 1 do artigo 58.º do CPI determina que «[s]e a invenção for feita durante a execução de contrato de trabalho em que a atividade inventiva esteja prevista, o direito à patente pertence à respetiva empresa», mas o n.º 2 do mesmo artigo acautela a tutela dos trabalhadores-inventores, como o Réu, dispondo que «se a atividade inventiva não estiver especialmente remunerada, o inventor tem direito a remuneração, de harmonia com a importância da invenção».
- Não havendo dúvida de que a titularidade da patente é da Autora, ora Recorrente, também dúvida não há de que o Réu, ora Recorrido, tem sempre o direito a figurar como inventor (assim como os demais inventores).
- Num sistema que estabelece o registo dos títulos de propriedade intelectual como sendo registos constitutivos, mal andaria o legislador se concebesse o sistema de forma a que a menção de inventor da patente (o criador material) não acompanhasse o mesmo racional atribuído ao título de propriedade industrial que o enforma.
- O pedido de remoção do nome do Réu do rol de inventores [alínea b) do pedido da Autora] nunca seria uma consequência meramente declarativa do pedido de declaração de que o Réu não é inventor [alínea a) do pedido da Autora], não apenas pelas razões apontadas nas Conclusões antecedentes, mas também pelas regras ínsitas na Convenção sobre a Patente Europeia (CPE).
- De acordo com a Regra 19 do Regulamento de Execução da CPE «uma designação errada do inventor só pode ser retificada por requerimento acompanhado do consentimento da pessoa designada por erro e, se o pedido não for apresentado pelo requerente ou o titular da patente europeia, do consentimento de um e de outro».
- O “erro” referido na citada Regra 19 do Regulamento de Execução da CPE protege meros lapsos e não é destinado a dar cobro a (convenientes) alterações da vontade do titular da patente.
- Uma interpretação teleológica da Regra 19 aponta no sentido de que, por “erro”, deve entender-se erros de escrita ou outros detalhes, ou a circunstância em que alguém devia ter sido mencionado, mas não o foi, e a pessoa cujo nome, por lapso (reforce-se: puro lapso), foi indevidamente incluído.
- Tal interpretação teleológica aponta neste sentido de “erro” justamente pela lógica preventiva da norma, que pretende mediar o evidente conflito de interesses entre o titular da patente e o inventor, quando não são a mesma pessoa, como no caso vertente.
- O referido conflito de interesses surge por ser de grande conveniência para o titular da patente remover o inventor quando este exerce o seu direito legalmente previsto a uma remuneração especial pela atividade inventiva, precisamente o caso dos presentes autos.
- Para proteger o tipo de situações descritas, a referida Regra 19 do Regulamento de Execução da CPE assenta na exigência do consentimento da pessoa designada, o inventor e, ao fazê- lo, previne que o titular da patente possa fazer correções materiais erróneas e/ou que altere (ou suprima) a seu bel-prazer, o inventor designado.
- Doutra forma, subsumindo ao caso vertente, não fosse a proteção conferida pela Regra 19 ao inventor, teria a Autora, ora Recorrente, enquanto titular da patente, resolvido o incómodo administrativamente, suprimindo a designação do Réu, ora Recorrido, do registo.
- A Regra 21 do Regulamento de Execução da CPE segundo a qual a retificação de uma “designação errada” é “igualmente inscrita” no Boletim Europeu de Patentes, deve ser interpretada de harmonia com a Regra 19, estando sempre dependente das regras de conformação à Regra 19.
- Mesmo a eventual procedência da alínea a) do pedido da Autora não seria apta a alterar a correção do registo do Réu como inventor.
- A menção no registo da patente dos respetivos inventores assume a natureza de direito, nos termos do artigo 60.º, n.º 1, do CPI, que tem como epígrafe “direitos do inventor” e que dispõe que «[s]e a patente não for pedida em nome do inventor, este tem o direito de ser mencionado, como tal, no requerimento e no título da patente».
- O mesmo decorre do artigo 62.º da CPE: «[o] inventor tem direito, em relação ao titular do pedido de patente europeia ou da patente europeia, a ser designado como tal perante o Instituto Europeu de Patentes».
- Aplicando os conceitos e a definição de direito potestativo ao caso vertente, tem-se que a Autora, titular da patente, propôs a ação judicial em causa (cuja procedência corresponde a um “ato de uma autoridade pública”) contra o Réu, um dos inventores da mesma patente, com vista a produzir efeitos jurídicos (remoção do registo da designação de inventor do Réu) que inelutavelmente se impõem na esfera do Réu (perda do direito a ser designado e consequente perda do direito a solicitar à Autora uma remuneração especial pela atividade inventiva e respetiva dimensão moral da designação de inventor).
- É evidente que a remoção do nome do Réu do registo por consequência da declaração judicial de que não é inventor opera uma modificação (ou uma extinção) da relação jurídica em causa.
14.3. Que dizer?
A solução indicada pelo Tribunal recorrido afigura-se correcta.
Nesta acção o A. pretende não só ver reconhecido que o R. não é inventor como também retirar a ilação correspondente de alteração do status quo jurídico que a situação criou, pedindo que o nome do R. seja eliminado do registo. E até explicou porque pretende essa alteração da situação jurídica – considera que não tem de retribuir o inventor que reclama uma retribuição por o ser no momento em que deixou de ter relação laboral com a A.
Por esta via o A. pretende obter o resultado que a lei lhe facultaria pela invalidação do registo, nomeadamente pelos artigos que se indicam:
Artigo 33.º
Anulabilidade
1 - As patentes, os modelos de utilidade e os registos são total ou parcialmente anuláveis quando o titular não tiver direito a eles, nomeadamente:
a) Quando o direito lhe não pertencer;
b) Quando tiverem sido concedidos com preterição dos direitos previstos nos artigos 57.º a 59.º, 123.º, 124.º, 156.º, 157.º, 180.º, 181.º e 212.º
2 - Nos casos previstos na alínea b) do número anterior, o interessado pode, em vez da anulação e se reunir as condições legais, pedir a reversão total ou parcial do direito a seu favor.
Artigo 34.º
Processos de declaração de nulidade e de anulação
1 - A declaração de nulidade ou a anulação de patentes, de certificados complementares de proteção, de modelos de utilidade e de topografias de produtos semicondutores só podem resultar de decisão judicial.
2 - A declaração de nulidade ou a anulação de registos de desenhos ou modelos, de marcas, de logótipos, de denominações de origem, de indicações geográficas e de recompensas resulta de decisão do INPI, I. P., salvo quando resulte de um pedido reconvencional deduzido no âmbito de uma ação que corra termos no tribunal.
3 - Têm legitimidade para intentar as ações judiciais referidas no número anterior o Ministério Público ou qualquer interessado, devendo ser citados, para além do titular do direito registado, todos os que, à data da publicação do averbamento previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 29.º, tenham requerido o averbamento de direitos derivados no INPI, I. P., e, ainda, o Ministério Público sempre que este atue em representação do Estado ou de ausentes.
4 - Têm legitimidade para apresentar os pedidos referidos na primeira parte do n.º 2 qualquer interessado, devendo ser citados ou notificados, para além do titular do direito registado, todos os que, à data da publicação do averbamento previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 29.º, tenham requerido o averbamento de direitos derivados no INPI, I. P.
5 - Nos casos previstos no n.º 1, quando a decisão definitiva transitar em julgado, a secretaria do tribunal remete a mesma ao INPI, I. P., sempre que possível por transmissão eletrónica de dados ou em suporte considerado adequado, para efeito de publicação do respetivo texto e correspondente aviso no Boletim da Propriedade Industrial, bem como do respetivo averbamento.
6 - Sempre que sejam intentadas as ações judiciais referidas no n.º 1 e na parte final do n.º 2, o tribunal deve comunicar esse facto ao INPI, I. P., se possível por transmissão eletrónica de dados, para efeito do respetivo averbamento.
7 - As ações judiciais de anulação e os pedidos de anulação apresentados no INPI, I. P., devem ser intentados ou apresentados no prazo de cinco anos a contar do despacho de concessão das patentes, dos modelos de utilidade e dos registos a que respeitam.
Artigo 35.º
Efeitos da declaração de nulidade ou da anulação
A eficácia retroativa da declaração de nulidade ou da anulação não prejudica os efeitos produzidos em cumprimento de obrigação, de sentença transitada em julgado, de transação, ainda que não homologada, ou em consequência de atos de natureza análoga.
Deve por isso entender-se que estamos perante uma acção declarativa de condenação, para os devidos efeitos legais.
É desprovido de sentido o objectivo de aplicar o raciocínio desenvolvido por Remédio Marques para uma acção em que o suposto inventor pretende ver reconhecida a patermidade numa lógica de a contrario sensu, ou espelho, quando as situações não são comparáveis.
Aqui o A. pretende retirar do registo e do título a menção ao inventor, que dele fez constar e que só agora, perante a reclamação de direitos patrimoniais pelo R., entende não corresponder à realidade.
15. Quanto à questão de saber a quem compete o ónus da prova da qualidade de inventor/não inventor, disse o Tribunal a mesma incumbiria ao A.
15.1. A recorrente não acompanha a decisão, porque:
- O artigo 343.º, n.º 1, do CC introduz uma especialidade na repartição do ónus da prova nas acções de simples apreciação negativa, como a presente: nestas, é ao réu que compete a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.
- Parte da doutrina e da jurisprudência vem considerando que esta especialidade na distribuição do ónus da prova só deve operar quando o réu se arrogou o direito em discussão na acção (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22.03.2011, processo n.º 158/09.3TBVZL.C1; Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e actualizada de acordo com o Dec.- Lei 242/85, Coimbra Editora, 1985, pp. 460-461; Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1981, p. 125).
- O Réu efectivamente arrogou-se a qualidade de inventor da invenção em causa na acção e a titularidade do direito à remuneração especial (documento n.º 1 junto pelo Réu com a Contestação – facto provado 41), pelo que, mesmo na perspectiva de que o artigo 343.º, n.º 1, do CC só se aplica quando o autor demonstre que o réu se arrogou o direito que se quer ver declarado inexistente na acção, esse ónus foi cumprido pela Indasa na presente acção, já que esta alegou e demonstrou essa arrogância.
- era ao Réu que cabia, nos presentes autos, demonstrar que foi inventor da invenção em causa nos autos.
- Por outro lado, a interpretação da norma constante do artigo 4.º, n.º 2, do CPI no sentido de que, quando alguém invoque os direitos do inventor, tal como invocados pelo Réu, beneficia da presunção constante dessa norma, ofende, também, o previsto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, bem como o direito à tutela jurisdicional efectiva e ao acesso aos tribunais, plasmados no artigo 20.º da CRP. Inconstitucionalidade que desde já se invoca para todos os efeitos legais.
15.2. Em resposta a esta argumentação diz o recorrido:
- A questão relativa à distribuição do ónus da prova mostra-se inútil face à decisão sobre matéria de facto;
- não foi feita a prova de que o Réu não foi inventor do invento em causa nos autos e que, pelo contrário, foi feita a prova de que o Réu foi (co)inventor do referido invento.
- as regras do ónus da prova devem ser acionadas quando o julgador está perante situações de dúvida. São, pois, normas de auxílio da decisão para os casos de dúvida, sendo que, da leitura do Acórdão recorrido, resulta que o Tribunal da Relação não teve quaisquer dúvidas quanto a concluir que o Réu, ora Recorrido, foi (co)inventor
- a regra sobre ónus da prova prevista no artigo 343.º, n.º 1 do CC, segundo a qual nas ações de simples apreciação compete ao Réu a prova dos factos constitutivos do seu direito, não tem aplicação ao caso dos autos
- A regra própria da construção da ação de simples apreciação negativa de que compete ao Réu a prova dos factos constitutivos do seu direito só tem aplicação quando o réu previamente se arrogue injustificadamente de certo direito.
- O Réu, ora Recorrido, nunca se arrogou do direito a ser designado como inventor, na medida em que foi a Autora, enquanto titular da patente, que o inscreveu no registo, nem tão-pouco se arrogou “injustificadamente” do direito à remuneração especial pela atividade inventiva, porquanto esse é um direito legalmente conferido àqueles que figurem como inventores no registo do título de patente.
- Citando Rita Lynce de Faria, «quando o réu nada tenha a ver com a incerteza criada, caberá ao autor a prova da inexistência do direito, através dos competentes factos impeditivos, modificativos ou extintivos, ou mesmo, através da prova do contrafacto negativo, traduzido na simples impugnação do direito».
- Ainda que se entendesse, e novamente sem conceder, que a presente ação seria de simples apreciação e que seria aplicável a regra prevista no artigo 343.º, n.º 1, ainda assim, por força do disposto no artigo 344.º, n.º 1 do CC, não caberia ao Réu, ora Recorrido, o ónus da prova da presente ação.
- Decorre do citado artigo 344.º, n.º 1 do CC que «as regras dos artigos anteriores», como a regra do artigo 343.º, n.º 1, «invertem-se quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei determine».
- O artigo 350.º, n.º 1, do CC determina que «quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz» e o artigo 4.º, n.º 2, do CPI determina que «(..) a concessão de direitos de propriedade industrial implica mera presunção jurídica dos requisitos da sua concessão».
- Ao contrário do que alega a Recorrente, os direitos do inventor são, a par dos direitos do titular (quando um e outro não coincidam), direitos privativos sobre / conferidos por (na aceção dos arts. 1.º e 4.º, n. 1 do CPI) patentes, previstos no CPI, que conferem aos respetivos titulares, ainda que em diferente medida, uma permissão de exploração exclusiva (“exclusividade”), num espaço territorialmente delimitado (“territorialidade”), da patente registada.
- Ou seja, e por outras palavras, os direitos do inventor (previstos, designadamente, nos arts. 57.º a 59.º e 60.º do CPI e no art. 62.º da CPE) são direitos de propriedade industrial que beneficiam da presunção prevista no artigo 4.º, n.º 2 do CPI;
- Direitos estes que, tendo em conta a sua natureza, se constituíram, necessária e logicamente, com o registo da patente, ao contrário do que defende a Recorrente.
- No momento da propositura da ação, para justificar a competência do Tribunal da Propriedade Intelectual, a Recorrente entendia que os direitos do inventor, que estão na base da sua principal pretensão, são direitos de propriedade industrial; agora, para evitar a aplicação, em seu desfavor, da presunção prevista no artigo 4.º, n.º 2 do CPI, vem, convenientemente, defender o oposto.
- Da matéria considerada provada, mesmo desconsiderando a alteração efetuada pelo Tribunal da Relação, não resultou a prova de que o Réu não foi (co)inventor da invenção dos autos.
- Neste contexto, importa ainda referir que, mesmo que se considerasse, por qualquer motivo, que o ónus da prova estaria do lado do Recorrido e não tivesse ficado demonstrado que o mesmo é co(inventor) da invenção em apreço, ou que, estando do lado da Recorrente, tivesse ficado demonstrado que aquele não é co(inventor)– o que não se concede, mas por exacerbada cautela de patrocínio se pondera –, a presente ação – e, consequentemente, o presente recurso –, sempre estaria, como o Recorrido tem vindo a pugnar (cf. arts. 200.º a 223.º da Contestação), condenada ao insucesso, por configurar um caso típico de abuso de direito (cf. artigo 334.º do CC), na modalidade de venire contra factum proprium.
- Isto porque, a Recorrente, que sempre assumiu / reconheceu o Recorrido como inventor, tanto que o indicou como tal aquando dos pedidos de registo de patente nacional em 06.02.2014 e europeu em 15.01.2015 (sem nunca ter equacionado a correção do rol de inventores), quando interpelada para remunerar especialmente o Recorrido, i.e., para cumprir a lei, veio invocar que, afinal, não considerava o Recorrido inventor, propondo a presente ação com o objetivo de lhe retirar (entre outros) tal direito.
- Há, portanto, uma manifesta contradição de comportamentos por parte da Recorrente, subsumível à previsão do artigo 334.º do CC
15.3. Que dizer?
Como já se disse que a acção aqui em análise não é de simples apreciação, o que faz cair a defesa do recorrente sobre a alteração do ónus da prova.
Tentar desvirtuar a solução dada ao processo com a invocação de que os direitos do inventor não são direitos da propriedade industrial é outra falácia.
É certo que, no caso dos autos, porque o inventor não é o titular da patente ele não tem os mesmos direitos que o beneficiário do registo. Mas tem direitos.
E esses resultam do próprio CPC, o que em certo sentido os transforma em direitos de propriedade industrial, com as especificidades constantes da lei.
A própria CRP consagra o direito à invenção como um direito, liberdade e garantia pessoal, através do seu art.º 42.º, sendo fundamento do sistema de patentes o respeito da pessoa humana - p. 50, Luis Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, Almedina, 2005.
Dispõe essa norma:
Artigo 42.º - (Liberdade de criação cultural)
1. É livre a criação intelectual, artística e científica.
2. Esta liberdade compreende o direito à invenção, produção e divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a protecção legal dos direitos de autor.
Para que a invenção seja protegida pelo regime da propriedade industrial – através da patente - é necessário que a mesma cumpra os requisitos indicados no CPI – novidade, originalidade e susceptibilidade de aplicação industrial (art.º55.º).
E essa protecção é feita em favor de certos sujeitos: em regra o direito à patente pertence ao inventor ou seus sucessores (art.º 58.º, n.º1 do CPI). Sendo dois ou mais os autores da invenção, qualquer um tem direito a requerer a patente em benefício de todos (art.º 58.º, n.2).
Por outro lado, o direito sobre a invenção reveste um duplo conteúdo – pessoal e patrimonial - p. 78, Luis Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, Almedina, 2005.
No aspecto pessoal significa que o inventor tem o direito ser considerado autor da invenção.
A situação pode apresentar contornos de especialidade na invenção laboral.
As disposições legais relevantes são as seguintes:
Artigo 57.º
Regra geral sobre o direito à patente
1 - O direito à patente pertence ao inventor ou seus sucessores por qualquer título.
2 - Se forem dois, ou mais, os autores da invenção, qualquer um tem direito a requerer a patente em benefício de todos
Artigo 58.º
Regras especiais sobre titularidade da patente
1 - Se a invenção for feita durante a execução de contrato de trabalho em que a atividade inventiva esteja prevista, o direito à patente pertence à respetiva empresa.
2 - No caso a que se refere o número anterior, se a atividade inventiva não estiver especialmente remunerada, o inventor tem direito a remuneração, de harmonia com a importância da invenção.
3 - Independentemente das condições previstas no n.º 1:
a) Se a invenção se integrar na sua atividade, a empresa tem direito de opção à patente mediante remuneração de harmonia com a importância da invenção e pode assumir a respetiva propriedade, ou reservar-se o direito à sua exploração exclusiva, à aquisição da patente ou à faculdade de pedir ou adquirir patente estrangeira;
b) O inventor deve informar a empresa da invenção que tiver realizado, no prazo de três meses a partir da data em que esta for considerada concluída;
c) Se, durante esse período, o inventor chegar a requerer patente para essa invenção, o prazo para informar a empresa é de um mês a partir da apresentação do respetivo pedido no INPI, I. P.;
d) O não cumprimento das obrigações referidas nas alíneas b) e c), por parte do inventor, implica responsabilidade civil e laboral, nos termos gerais;
e) A empresa pode exercer o seu direito de opção, no prazo de três meses a contar da receção da notificação do inventor.
4 - Se nos termos do disposto na alínea e) do número anterior, a remuneração devida ao inventor não for integralmente paga no prazo estabelecido, a empresa perde, a favor daquele, o direito à patente referida nos números anteriores.
5 - As invenções cuja patente tenha sido pedida durante o ano seguinte à data em que o inventor deixar a empresa consideram-se feitas durante a execução do contrato de trabalho.
6 - Se, nas hipóteses previstas nos n.os 2 e 3, as partes não chegarem a acordo, a questão é resolvida por arbitragem.
7 - Salvo convenção em contrário, é aplicável às invenções feitas por encomenda, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.os 1, 2, 4 e 5.
8 - Salvo disposição em contrário, os preceitos anteriores são aplicáveis à Administração Pública e, bem assim, aos seus trabalhadores e colaboradores a qualquer título, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
9 - Os direitos reconhecidos ao inventor não podem ser objeto de renúncia antecipada
Artigo 59.º
Atividades de investigação e desenvolvimento
1 - Pertencem à pessoa coletiva pública em cujo escopo estatutário se incluam atividades de investigação e desenvolvimento, as invenções realizadas pelos seus trabalhadores ou colaboradores em consequência das suas atividades de investigação.
2 - As invenções referidas no número anterior devem ser notificadas no prazo de três dias à pessoa coletiva pública a que o trabalhador ou colaborador pertença pelo autor do invento.
3 - O inventor terá, em todo o caso, o direito de participar nos benefícios económicos auferidos pela pessoa coletiva pública na exploração ou na cessão dos direitos de patente, sendo as modalidades e os termos desta participação previstos pelos estatutos ou os regulamentos de propriedade intelectual destas pessoas coletivas.
4 - A pessoa coletiva pública poderá transmitir a titularidade das invenções referidas no n.º 1 ao inventor, podendo reservar-se o direito de ficar titular de uma licença de exploração não exclusiva, intransmissível e gratuita.
5 - Se, no caso previsto no número anterior, o inventor obtiver benefícios económicos da exploração de uma invenção referida no n.º 1, a pessoa coletiva pública terá direito a uma percentagem desses benefícios, nos termos previstos nos seus estatutos ou no regulamento de propriedade intelectual da respetiva instituição
6 - Quando o trabalhador ou colaborador obtenha a invenção durante e por causa da execução de um contrato com ente privado ou público diferente da pessoa coletiva pública de que é trabalhador ou colaborador, este contrato deve prever quem fica titular da patente respeitante a essa invenção.
7 - A participação do trabalhador ou colaborador nos benefícios económicos resultantes da exploração das invenções referidas nos n.os 2 a 6 não tem natureza retributiva ou salarial. 8 - O disposto no presente artigo é aplicável sem prejuízo de estipulação ou disposição em contrário.
Artigo 60.º
Direitos do inventor
1 - Se a patente não for pedida em nome do inventor, este tem o direito de ser mencionado, como tal, no requerimento e no título da patente
2 - Se assim o solicitar por escrito, o inventor pode não ser mencionado, como tal, nas publicações a que o pedido der lugar
Daqui resulta o seguinte:
- Tratando-se de invenção resultante da execução de trabalho em que a actividade inventiva seja prevista e especialmente remunerada – o direito à patente pertence à entidade patronal;
- Tratando-se invenção resultante da execução de trabalho em que a actividade inventiva seja prevista mas não especialmente remunerada – o direito à pertence à entidade patronal;
- o inventor, que não tenha direito à patente, tem de ser mencionado no requerimento de patente e no título;
- se a atividade inventiva não estiver especialmente remunerada, o inventor tem direito a remuneração, de harmonia com a importância da invenção – art.º 58.º, n.º2
Estando protegida a invenção – isto é, havendo patente – dela decorre um regime de protecção regulado no art.º102.º do CPI.
Artigo 102.º
Direitos conferidos pela patente
1 - A patente confere o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português.
2 - A patente confere ainda ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento:
a) O fabrico, a oferta, a armazenagem, a colocação no mercado ou a utilização de um produto objeto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados;
b) A utilização do processo objeto da patente ou, se o terceiro tem ou devia ter conhecimento de que a utilização do processo é proibida sem o consentimento do titular da patente, a oferta da sua utilização;
c) A oferta, a armazenagem, a colocação no mercado e a utilização, ou a importação ou posse para esses fins, de produtos obtidos diretamente pelo processo objeto da patente.
3 - A patente confere também ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, a oferta ou a disponibilização a qualquer pessoa que não tenha o direito de explorar a invenção patenteada dos meios para executá-la no que se refere a um seu elemento essencial, se o terceiro tem ou devia ter conhecimento de que tais meios são adequados e destinados a essa execução.
4 - O disposto no número anterior não se aplica se os meios forem produtos que se encontram correntemente no mercado, salvo se o terceiro induzir a pessoa a quem faz a entrega a praticar os atos previstos no n.º 2.
5 - Para os efeitos previstos no n.º 3, as pessoas que pratiquem os atos previstos nas alíneas a) a d) do artigo seguinte não são consideradas pessoas habilitadas a explorar a invenção.
6 - O titular da patente pode opor-se a todos os atos que constituam violação da sua patente, mesmo que se fundem noutra patente com data de pedido ou data de prioridade posterior, sem necessidade de impugnar os títulos, ou de pedir a anulação das patentes em que esse direito se funde.
7 - Os direitos conferidos pela patente não podem exceder o âmbito definido pelas reivindicações.
8 - O titular de uma patente pode solicitar ao INPI, I. P., mediante o pagamento de uma taxa, a limitação do âmbito da proteção da invenção pela modificação das reivindicações.
9 - Se, do exame, se concluir que o pedido de limitação está em condições de ser deferido, o INPI, I. P., promove a publicação do aviso da menção da modificação das reivindicações, sendo, em caso contrário, o pedido indeferido e a decisão comunicada ao requerente.
Sendo diferentes os direitos do titular da patente e do inventor, ambos têm direitos.
Improcede a questão suscitada.
16. Saber se a acção deve ser julgada procedente, como entende a A.
16.1. São estes os argumentos do A.:
- do elenco de factos provados não consta um único facto que especifique em que termos é que, com os seus desenhos, o Réu contribuiu para as características inovadoras do invento.
- Ao invés, a actividade do Réu insere-se claramente no conceito de mero colaborador ou assistente, uma vez que o Réu apenas contribuiu com actos materiais ou tarefas executivas para a consecução do invento – no caso, essencialmente a elaboração de desenhos do invento –, não tendo uma contribuição criativa para a invenção.
- atendendo à matéria factual apurada no processo, impõe-se concluir que a contribuição do Réu para a invenção em causa nos autos não teve carácter inventivo.
- Consequentemente, caso o Tribunal entenda que os factos apurados no processo não são suficientemente esclarecedores, encontrando-se em situação de dúvida insuperável sobre a intervenção do Réu no desenvolvimento do invento – no que não se concede –, é contra o Réu que a dúvida deve ser resolvida.
16.2. Em resposta a esta argumentação o recorrido reafirma o que já havia indicado – os factos provados apontam para a relevância da sua actividade na obtenção da invenção; existe um registo e um título onde consta o seu nome como inventor; o A. não provou o contrário da presunção derivada do registo.
16.3. Que dizer?
Na Fundamentação da sua decisão o Tribunal da Relação disse:
“Da matéria de facto que resultou provada, com as alterações agora introduzidas, não resulta demonstrado que o R. não seja, como consta do registo, inventor, juntamente com BB, do prato com rasgos para discos de lixagem multifuros objecto da patente europeia n.º 3040160.
A sentença considerou que o R. não foi inventor da invenção protegida pela patente por não ter ficado demonstrado o seu envolvimento enquanto inventor na concepção de alguma das características inovadoras do prato objecto da patente. As quais, no essencial, constavam dos desenhos e respectivo cálculo de áreas inicialmente concebidos por BB, responsável pelo desenvolvimento técnico e operacional do projecto e por ele remetidos ao R. no ficheiro Excel por email de 16.12.2011.
O que, da análise feita da prova produzida e da consequente alteração da matéria de facto, não resultou efectivamente demonstrado.
Como vimos, em parte alguma do email se refere o envio de qualquer cálculo de áreas e sim, apenas, de desenhos que, mesmo que fossem os desenhos feitos à mão que BB referiu ter enviado (o que não resultou demonstrado), deles não resultam evidenciadas (não foi sequer objecto de prova nesse aspecto) as características inovadoras do prato objecto da patente.
Também não resulta da matéria de facto provada que a A. tenha incluído o R. na lista dos inventores do pedido de patente por ter decidido aí incluir os que haviam “participado no projecto” (em que termos? BB também participou, desde logo como responsável pelo Departamento de Desenvolvimento de Produto da A., a quem esta confiou o desenvolvimento técnico e operacional do projecto referido no ponto 6 da matéria de facto), “talvez por falta de experiência, uma vez que se trata da primeira invenção patenteada de que a A. é titular”.
Ora, não é a titularidade da patente que confere a experiência necessária para a indicação do nome dos inventores (uma das menções obrigatórias no pedido de patente, nos termos do art. 61.º, n.º1 al. c) do CPI), sendo que não era a primeira vez que a A. pedia um registo de patente, como a própria expressamente admitiu na audiência e consta da respectiva acta.
A área de formação do R. em Gestão de Marketing – sendo que resultou provado que as funções por si efectivamente exercidas extrapolavam as que oficialmente lhe eram acometidas, tendo estado sempre envolvido no desenvolvimento interno de soluções técnicas de relevância para a A., assim como na transformação de abrasivos - bem como o facto de CC, trabalhador da A. e o terceiro inventor indicado no registo, ter aceitado a remoção do seu nome, não podem relevar como prova (sequer como indício) da incorrecção da menção do R. como inventor.
A A. pretende com esta acção a declaração de que o R., que consta como tal do registo da patente, não foi afinal (co)inventor da invenção. O que não logrou demonstrar. Alegou como facto essencial que o R. se limitou a gerar desenhos técnicos, reproduzindo, pelos meios e com os programas mais adequados, os esboços dos pratos de lixar com sistema de aspiração que no decurso da concepção e desenvolvimento da invenção foram sendo gizados, o que não resultou provado. E sim, antes, que o R. contribuiu de forma activa para o desenvolvimento técnico e operacional da invenção e para o próprio resultado da invenção e a sua patenteabilidade, sendo o trabalho conjunto com este que permitiu à A. alcançar tal resultado. Tendo-se dedicado à criação de desenhos que tornassem as ideias possíveis em termos técnicos e que permitissem que a invenção fosse patenteável, contribuindo com as suas competências no sentido de descobrir as melhores formas de realizar o objectivo inicialmente gizado pela A. e alcançar a solução técnica mais adequada, que foi sendo desenvolvida pelas pessoas envolvidas na invenção. Ou seja, e ao contrário do afirmado na sentença, não se limitou a prestar assistência no âmbito do projecto da A. tendo contribuído de forma activa para o desenvolvimento da invenção e para o resultado final, dando o seu contributo para alcançar a solução técnica adequada.
Pelo que o presente recurso deve ser considerado procedente e a sentença revogada, julgando-se a acção improcedente.
Após análise das diversas questões suscitadas no recurso – todas improcedentes – e com a matéria de facto demonstrada, a decisão recorrida não enferma de erro de direito.
Na falta de prova de que o R. não teve intervenção suficiente para se considerar inventor da patente – prova que incumbiria ao A. – a acção terá de improceder.
17. Inconstitucionalidades
Em todas os praticamente todas as questões suscitadas no recurso a recorrente invoca a inconstitucionalidade da solução que não lhe seja favorável.
Não se acompanha essa posição, nem a técnica de considerar que basta invocar um preceito constitucional para se vincular o tribunal a conhecer das supostas inconstitucionalidades.
As inconstitucionalidades teriam de ser de normas jurídicas – mas quais e porquê?
E teriam de ser justificadas à luz dos preceitos constitucionais, que não com uma simples referência. Não basta invocar que se violou o direito a um processo equitativo. Há que fundamentar o coartar do suposto direito, explicando-o e dizendo em que medida de uma norma jurídica concreta resulta que o mesmo foi suprimido, eliminado coartado, quando a CRP não o permitisse.
Assim:
- Não se descortina qualquer inconstitucionalidade na interpretação efectuada do art.º 662.º do CPC, nem da mesma resulta que fosse violado o direito a um processo equitativo previsto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, bem como o direito à tutela jurisdicional efectiva e ao acesso aos tribunais, plasmados no artigo 20.º da CRP;
- Não se descortina qualquer inconstitucionalidade na interpretação efectuada da norma contida nos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º do CPC (aplicável por remissão do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma) no sentido de que é admissível incluir matéria meramente conclusiva no âmbito do julgamento da matéria de facto, nem se ofende o direito ao processo equitativo, previsto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, bem como o direito à tutela jurisdicional efectiva e ao acesso aos tribunais, plasmados no artigo 20.º da CRP;
- Não se descortina qualquer inconstitucionalidade na interpretação efectuada da norma contida no artigo 10.º, n.º 3, alínea c), do CPC no sentido de que a acção a propor quando se pretende demonstrar que alguém (que alega a qualidade de inventor) não é inventor é uma acção constitutiva viola, também, o direito ao processo equitativo, previsto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, bem como o direito à tutela jurisdicional efectiva e ao acesso aos tribunais, plasmados no artigo 20.º da CRP;
- Não se descortina qualquer inconstitucionalidade na interpretação efectuada da norma constante do artigo 4.º, n.º 2, do CPI no sentido de que, quando alguém invoque os direitos do inventor, tal como invocados pelo Réu, beneficia da presunção constante dessa norma, ofende, também, o previsto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, bem como o direito à tutela jurisdicional efectiva e ao acesso aos tribunais, plasmados no artigo 20.º da CRP.
Improcedem as invocadas inconstitucionalidades.
III. Decisão
Pelos fundamentos indicados é negada a revista e confirmado o acórdão recorrido.
Custa pela recorrente.
Lisboa, 27 de Abril de 2023
Fátima Gomes (Relatora)
Oliveira Abreu
Nuno Pinto Oliveira