Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CASAMENTO
PROCURAÇÃO
NULIDADE DO CASAMENTO
TERMO DE AUTENTICAÇÃO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO
Sumário
I - O recurso da decisão que julga improcedente a arguida irregularidade de mandato – pelo seu objeto – integra-se nas decisões cuja impugnação apenas no recurso da decisão final se revela absolutamente inútil – vide al. h) do nº 2 do artigo 644º do CPC. A impor o seu recurso imediato e em separado, para subir autonomamente. II - Sendo a vontade de contrair casamento estritamente pessoal em relação a cada um dos nubentes (vide artigo 1619º do CC), pode um dos nubentes fazer-se representar por procurador na celebração do casamento (vide artigo 1620º nº 1 do CC). Procuração esta que deve conter “poderes especiais para o ato, a designação expressa do outro nubente e a indicação da modalidade do casamento.” – nº 2 do mesmo artigo 1620º do CC. E que deve ser conferida por documento particular assinado pelo representado com reconhecimento presencial da assinatura ou por documento autenticado ou instrumento público. III - A falta de indicação do lugar onde o termo de autenticação foi lavrado pode ser sanada nos termos da al. a) do nº 2 do artigo 70º do C. Not., o qual remete para o nº 7 do artigo 132º. IV – A anexação ao termo de autenticação elaborado por advogado, de um print trocado do registo informático exigido pelo artigo 38º do DL 76-A/2006 de 29/03, permite a retificação de tal lapso mediante o averbamento desta ocorrência e a junção do print do registo informático correto e em tempo realizado. Não sendo tal lapso sancionado com a nulidade.
Texto Integral
Processo nº 998/16.7T8AVR.P1 3ª Secção Cível Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade Adjunta - Juíza Desembargadora Eugénia Cunha Adjunta - Juíza Desembargadora Fernanda Almeida Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Jz. de Família e Menores de Aveiro Apelante/ AA Apelados/ BB e outros.
Sumário (artigo 663º n.º 7 do CPC).
………………………………
………………………………
………………………………
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I- Relatório AA instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra BB; “2.ª CONSERVATÓRIA DO REGISTO CIVIL, PREDIAL E COMERCIAL DE VAGOS”; CC; DD e EE; “INSTITUTO DOS REGISTOS E DO NOTARIADO, I.P.” e ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo Digmo. Magistrado do Ministério Público (junto do competente tribunal),peticionando que a ação seja julgada procedente, por via disso:
a) se declarando a inexistência do casamento documentado pelo assento de casamento n.º 15 do ano de 2016 da Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial de Vagos (Processo n.º 49/2016); ou
b) declarando-se a nulidade do mesmo casamento;
c) ordenando-se o cancelamento do respetivo registo;
d) condenando-se solidariamente todos os Réus a indemnizar a Autora por todos os prejuízos de natureza moral ou patrimonial que esta vier a sofrer por força da celebração e registo daquele ato.
Mais requereu que, nos termos e para os efeitos previstos na alínea q) do n.º 1 do Artigo 1.º do Código do Registo Civil, se ordene à Conservatória agora 2.ª Ré o averbamento da propositura e pendência da presente ação ao identificado assento de casamento.
Para tanto e em suma alegou:
- ser filha e única descendente e herdeira de FF, falecido às 15 horas e 20 minutos do dia 25/01/2016;
- ter sido lavrado no mesmo dia 25/01/2016, assento de casamento entre seu falecido pai e a 1ª R. BB, sendo neste referida como hora do casamento 14 horas e 15 minutos desse mesmo dia 25/01/2016;
- tendo assim sido verificado o óbito do dito nubente 65 minutos depois da celebração do mencionado casamento, o qual não foi precedido de processo preliminar (nem o mesmo foi posteriormente realizado);
- como consequência do óbito tendo depois sido averbada a dissolução do casamento no respetivo assento;
- tal casamento foi realizado sem intervenção pessoal do nubente que assim não manifestou a sua vontade, sendo no ato representado por procurador – o aqui 5º R. EE;
- a procuração ao abrigo da qual o 5º R. interveio, foi apresentada para autenticação ao 4º R., DD o qual lavrou o correspondente termo de autenticação;
- O termo de autenticação da procuração cuja autoria é atribuída ao Pai da Autora é nulo, por omissão do lugar onde foi efetuado (assim sendo igualmente nula a procuração);
- Mesmo que assim não acontecesse, acresce que sempre aquele ato carece de validade, uma vez que não foi registado no sistema informático da Ordem dos Advogados.
- Ademais, as assinaturas que ao pai da autora lhe são atribuídas quer na procuração quer no termo de autenticação documentados não foram pelo mesmo apostas e são falsas, já que seu pai esteve ininterruptamente internado no IPO ... em estado terminal de 07/01/2016 a 25/01/2016, data do seu óbito.
- A nulidade da procuração e respetivo termo de autenticação extrai-se, sendo ostensiva e notória, do próprio documento que o corporiza,
Sendo assim sendo perfeitamente sindicáveis pela 3.ª Ré, a qual, salvo sempre o devido respeito, atuou com inadmissível ligeireza, praticando um erro grosseiro.
Pelo que e por total ausência de qualquer declaração de vontade do Pai da ora Autora, o casamento ora ajuizado é inexistente – cfr. Artigo 85.º, n.º 1, a) do Cód. Reg. Civil. Ou nulo
- A legitimidade das 2.ª, 3.ª, 6.º e 7.º Réus decorre, para além da sua conexão com o ato ora impugnado, a exigir a sua intervenção para que a impugnação possa ter efeito útil, de terem atuado, por si ou representante, com negligência grosseira.
- A legitimidade da 1.ª, 4.º e 5.º Réus resulta, para além do facto de conhecerem todos os vícios que inquinam, formalmente, a documentada procuração e respetivo termo de autenticação, serem, ainda, sabedores de que o Pai da Autora não assinou a procuração nem o respetivo termo de autenticação, e, mesmo assim, conscientemente, terem feito uso daqueles documentos com o intuito manifesto de prejudicarem patrimonialmente a Autora, para conferirem à 1.ª Ré a possibilidade de concorrer à Herança aberta com o óbito iminente do Pai da Autora.
- Da conduta de todos os Réus podem resultar para a Autora danos de conteúdo patrimonial que, para já, a Autora não sabe se já ocorreram ou virão efetivamente a ocorrer.
Mas para já causaram à A. danos não patrimoniais para cujo ressarcimento peticiona a condenação solidária de todos os RR. na quantia de € 25.000,00.
*
Devidamente citados, contestaram os RR..
Contestou o R. Estado em suma impugnando o alegado e concluindo pela total improcedência do pedido formulado contra si, entre o mais pelo facto de só ser responsável pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas cometidas com culpa leve pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.
Titulares de órgãos, funcionários e agentes que por sua vez são responsáveis pelos que resultem de ações ou omissões ilícitas por eles cometidas com dolo ou com diligência de zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo.
Não aceitando nem admitindo que a 3ª R. CC tenha atuado com culpa leve e muito menos com dolo ou com diligência de zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontrava obrigada em razão do seu cargo de Conservadora.
Contestaram os 2ª, 3ª e 6º RR. - A Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial de Vagos, a Sr.ª Conservadora Dr.ª CC e o IRN, IP – em suma alegando:
- a Conservatória demandada carece de personalidade jurídica, inexistindo previsão legal para efeitos de extensão da personalidade judiciária. Igualmente carecendo de capacidade judiciária.
- A jurisdição competente para apreciar a al. d) do pedido é a administrativa, pelo que deve ser julgada procedente a exceção de incompetência absoluta deste tribunal;
- A ilegitimidade passiva dos 2ª, 3ª e 6º RR. para o pedido nos autos formulado;
- No mais impugnaram os RR. o alegado, com exceção do teor dos documentos com força probatória plena.
Tendo ainda descrito os moldes em que foi organizado e instruído o processo preliminar de publicações, bem como celebrado o casamento.
Termos em que concluíram: “a) deve ser julgada procedente a exceção de falta de personalidade jurídica e judiciária da Ré Conservatória do Registo Civil de Vagos e, consequentemente, declarada a sua absolvição da instância ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos b) Sem conceder, deve ser julgada provada e procedente a incompetência material absoluta e, em consequência, declarada a absolvição da instância, nos termos dos artigos 99.º n.º 1, 576.º, n.º 2 e 577.º al a) do CPC. c) Caso assim se não entenda, deve ser julgada procedente a exceção de falta de legitimidade passiva dos 2.ª, 3.ª e 6.º Réus que, em consequência, devem ser absolvidos da instância; d) Caso assim se não entenda, e sem conceder, deve a presente ação ser julgada improcedente por não provada e, consequentemente, absolverem-se os Réus do pedido;”.
Contestaram os RR. BB, EE e DD, alegando em suma:
- Os réus DD e EE, para além de não serem titulares da relação materialmente controvertida efetiva, também não são sujeitos de tal relação controvertida.
Não têm estes RR. interesse direto em contradizer na presente ação pois a decisão final que venha a ser proferida na presente ação não os afeta juridicamente pois nenhum deles foi nubente no casamento, pelo que devem ser declaradas partes ilegítimas no presente processo, o que se requer;
- No mais impugnaram parcialmente o alegado; pugnaram pela validade e regularidade do termo de autenticação aposto no documento particular autenticado. Este último não sujeito às regras dos instrumentos notariais, ao contrário do entendimento da A..
Tendo a final concluído pela procedência da “invocada exceção da ilegitimidade dos 4º e 5º réus com as legais consequências. Caso assim não se entenda, deve a presente ação se julgada totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se os réus do pedido.”
Agendada e realizada audiência prévia, foi no seu decurso proferido despacho saneador.
Tendo sido decidido: - “(…) nos termos dos artigos 96, alínea, a), 97º, nº1, 98, 99º, nº1, 576º, nº2 e 577º, alínea a), todos do Código de Processo Civil e artigo 4º, alínea g) do ETAF, julgo este Tribunal incompetente em razão da matéria e absolvo: - os réus Conservatória do Registo Predial Civil, Predial e Comercial de Vagos, a Sr.ª Conservadora Dr.ª CC e o IRN, IP e Estado Português da Instância. -os réus Sr. Dr. DD, EE e BB da instância quanto ao pedido formulado pela autora de serem condenados solidariamente a indemnizar a autora por todos os prejuízos patrimoniais e morais que esta vier a sofrer por força da celebração e registo daquele ato.”
- julgar (no mais) os RR. DD e EE partes legítimas.
Foi identificado o objeto do litígio e elencados os temas da prova.
E oportunamente agendada audiência de discussão e julgamento.
*
Por requerimento de 29/11/2019, suscitou a A. e aqui recorrente “O IMPEDIMENTO DO CO-RÉU DR. DD, ILUSTRE ADVOGADO, PARA O EXERCÍCIO DO MANDATO FORENSE RELATIVAMENTE AOS DEMAIS CO-RÉUS, porquanto, 1. Atenta a factualidade em causa na presente ação, no modesto entender da Autora não podem restar dúvidas de que existe manifesto conflito de interesses entre aquele Ilustre Causídico (atenta a sua posição de Réu) e os demais Co-Réus, 2. Assim incorrendo na previsão da regra estabelecida no Artigo 99.º do Estatuto da Ordem dos Advogados que estatui a proibição de patrocínio, 3. Constituindo a citada regra legal a consagração de um princípio de ordem pública, cuja infração é causa de nulidade e de conhecimento oficioso. Assim, não pode o Co-Réu Exmo. Sr. Dr. DD exercer o mandato forense relativamente aos demais Co-Réus, por manifesta ilegalidade e irregularidade, o que expressamente e sem conceder se invoca e, inclusivamente, pode/deve ser declarado oficiosamente (por se tratar de princípio de ordem pública), com as legais consequências, designadamente, a invalidação, por nulidade, dos atos praticados no exercício daquele mandato.”
No exercício do contraditório respondeu o R. DD, nos seguintes termos: “3º Na presenta ação o respondente assume a posição de réu, e o seu próprio patrocínio judiciário, bem assim como o patrocínio dos demais co-réus. 4º Ora, atento o objeto dos autos confrontado com o disposto no art. 99º do EOA, não se alcança qual o conflito de interesses que possa existir entre o réu respondente e os demais co-réus. 5º Na verdade, inexiste risco de violação de sigilo profissional pois o documento que é colocado em causa pela autora (termo de autenticação elaborado pelo respondente enquanto advogado titulador) é um documento público e as posições defendidas por todos os co-réus são as mesmas e visam a improcedência da ação. 6º Assim, nada impede do co-réu respondente de exercer o mandato forense relativamente aos demais co-réus na presente ação, por não existir qualquer conflito de interesses, e em consequência inexiste a invocada nulidade e irregularidade alegada pela AA.”
Apreciando o requerido foi proferida a seguinte decisão em 16/12/2019: «“Cumpre apreciar e decidir” O artigo 99º do Estatuto da Ordem dos Advogados menciona que: “1 - O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária. 2 - O advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado. 3 - O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes. 4 - Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito. 5 - O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente. 6 - Sempre que o advogado exerça a sua atividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer à associação quer a cada um dos seus membros.” Ora neste caso, não se verifica nenhuma situação a que alude o artigo 99º do Estatuto, pois não existe conflito de interesses entre o réu Sr. Dr. DD e os demais co-réus, tendo todos tido a mesma defesa no processo e requereram a improcedência da ação. O réu sr. Dr. DD como advogado pode se representar não tendo que constituir advogado (neste sentido veja-se o parecer nº 26/PP/2012-G, da Ordem dos Advogados e o parecer nº 11/PP/2009-G, de 31/08/2009, do Conselho Geral). Sobre este assunto explana o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23/04/2013 que: “I- O nº 7 do art. 1º da Lei nº 49/2004, de 24.8, ao procurar definir o sentido e alcance dos atos próprios dos advogados e solicitadores, não exclui desse elenco aqueles atos que sejam praticados por esses advogados e solicitadores na defesa de interesses próprios, ainda que sujeitos aos limites previstos no Estatuto e na legislação processual; II- Não havendo conflito de interesses que o desaconselhe, nada obsta que os autores numa causa, mulher e marido: se façam ambos patrocinar pela primeira que é também advogada; ou se façam patrocinar por um outro mandatário judicial que aos dois represente; ou, ainda, se faça cada um deles representar por diferente mandatário, no que sempre caberá a possibilidade do A. marido conferir o patrocínio à co-A. que é também advogada.” Portanto, neste caso, sendo a defesa dos co-réus conjunta e formulado o mesmo pedido que é a improcedência da ação, não existe nenhum conflito de interesses, não se aplicando o artigo 99º do Estatuto da Ordem do Advogados. Face ao exposto, indefiro o requerido pela autora, prosseguindo os autos os seus termos, estando já designada audiência de julgamento. Aliás, a questão ora colocada é extemporânea, porque no saneador, já foi apreciada.»
*
Realizada audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença decidindo julgar: “improcedente a ação intentada pela autora AA, e absolvo os réus BB, Dr. DD e EE do pedido.”
***
Do assim decidido e conjuntamente do decidido em 16/12/2019, apelou a A., oferecendo alegações e formulando as seguintes CONCLUSÕES DA DECISÃO DE 16/12/2019 “I. Sendo o Co-Réu Dr. DD Ilustre Advogado e, nessa qualidade, tendo sido, com os demais Co-Réus BB e EE Co-Autor dos atos ilegais por estes praticados e que constituem a causa de pedir da presente ação, está vedado àquele Ilustre Co-Réu o patrocínio destes, juntamente com o patrocínio de si próprio, na presente ação, II. Pois desse modo (para além do aspeto desprestigiante) pode beneficiar-se processualmente pelo estreito e confidencial contacto com os Co-Réus que representa, assim obtendo informação privilegiada, III. E podendo condicionar em seu benefício a atuação processual daqueles Co-Réus, inibindo-os de relatarem com plena verdade os factos que praticaram e os atos e situações em que se envolveram, IV. Assim, e em benefício próprio, podendo inviabilizar a descoberta da verdade e a realização da Justiça; V. Por consequência, o patrocínio dos demais Co-Réus pelo Co-Réu Sr. Dr. DD ofende princípio de ordem pública, estando incurso na proibição de patrocínio estabelecida no Artigo 99.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, VI. Sendo nulos todos os atos praticados em ofensa daquela disposição legal, VII. Aliás, também violada no douto Despacho recorrido, tratando-se de disposição de conhecimento oficioso. Termos em que, e melhores de direito, que desde já se consideram supridos pela habitual proficiência de V. Exas., pede seja dado provimento ao presente recurso, anulando-se todos os atos praticados nestes Autos em violação daquela disposição legal, com as legais consequências, — como é de Justiça!”
*
CONCLUSÕES (do recurso da sentença final) “I. No presente recurso a Apelante pretende impugnar e ver alterada a douta Decisão de Facto, com reapreciação da prova gravada. II. Os concretos factos da Douta Decisão de Facto que se consideram incorretamente julgados e que, por via do presente recurso, e reapreciação da prova gravada, se pretende sejam alterados, são os enunciados no elenco dos Factos Não Provados, assim se considerando não provado que 1-Não houve declaração de vontade por parte do nubente FF para se casar com a Ré BB, 2-As assinaturas que são atribuídas a FF, quer na procuração, quer no termo de autenticação indicados nos factos 7 e 8, não foram por ele apostos nesses documentos; 3- O termo de autenticação não foi lido a FF, em 23de janeiro no Instituto Português de Oncologia ..., III. Entendendo a Apelante que tais factos devem ser considerados provados porque tal resulta • Dos esclarecimentos do Perito GG, prestados na Sessão de 17/01/2020 da Audiência Final, e gravado das 14h51m56s às 15h08m56s, conforme registado na Ata daquela Sessão; • Dos esclarecimentos da Perita HH, prestado na mesma Sessão da Audiência Final, e gravado das 15h09m18s às 15h33m25s, conforme registado na respetiva Ata; • Dos esclarecimentos prestados pela Perita II, prestado na mesma Sessão da Audiência Final, e gravado das 15h34m30s às 15h48m39s, conforme registado na respetiva Ata; • Do depoimento da testemunha JJ, prestado na Sessão de 13/02/2020 da Audiência Final, gravado das 09h55m24s às 11h01m12s, conforme registado na Ata daquela Sessão; • Do depoimento da testemunha KK, prestado na Sessão de 13/02/2022 da Audiência Final, gravado das 11h03m13s às 13h00m48s, conforme registado na respetiva Ata; • Do depoimento da testemunha LL, prestado na Sessão de 19/02/2022, gravado das 14h43m18s às 15h39m40s, conforme registado na respetiva Ata; • Do depoimento da testemunha MM, prestado na Sessão de 19/02/2020, gravado das 15h41m30s às 16h11m49s, conforme registado na respetiva Ata, e • Do depoimento da testemunha NN, prestado na Sessão de 09/11/2020, gravado das 11h31m30s às 12h03m03s, conforme registado na respetiva Ata, Nas partes precedentemente transcritas e decisivas para a formação da convicção no sentido de que, ao invés do decidido na douta Sentença recorrida, aqueles factos deverão ser considerados provados, em consequência se revogando igualmente a douta Decisão de Direito, consequentemente se julgando provada a ação e procedente o pedido, com as legais consequências; IV. Mesmo que assim não venha a entender-se, deverá ser revogada a douta Sentença recorrida, porquanto, fundamentando-se a mesma, essencialmente, nos factos elencados de 1 a 15, todos eles com suporte documental, o Pai da Apelante não interveio pessoalmente no casamento documentado, sendo representado pelo Co-Réu EE, que interveio no uso dos poderes pretensamente conferidos pelo Pai da Apelante mediante procuração pretensamente por ele outorgada, reproduzida e incorporada na certidão que se encontra a fls. 23 a 26 destes Autos, supostamente (a avaliar pelo respetivo termo de autenticação) elaborada pelo Pai da Apelante em computador e supostamente (a avaliar pelo respetivo termo de autenticação) posteriormente apresentada ao Co-Réu Dr. DD para autenticação, o qual lavrou o correspondente “termo de autenticação”, reproduzido e incorporado na certidão precedentemente referida e documentada nos Autos de fls. 23 a 26). V. Mas. Não constando daquela procuração o lugar onde foi elaborada, emitida e assinada, nem, do respetivo termo de autenticação, constando o lugar onde esse ato foi lavrado, nem que tenha sido assinado na presença e juntamente desse Co-Réu com o Pai da Autora, VI. Acrescendo não ter sido cumprido o disposto legalmente para a inserção dos atos notariais de advogados no sistema informático da Ordem dos Advogados, VII. Acrescendo, no caso e naqueles documentos, e conforme anteriormente alegado, em consonância com esses documentos a ausência de referência ao lugar em que aqueles documentos foram lavrados, os mesmos são nulos por violação do disposto no n.º 1 da alínea a) do Artigo 46.º do Código do Notariado, como se extrai do disposto na alínea a) do n.º 1 do Artigo 70.º do mesmo Diploma Legal, VIII. Tendo sido igualmente violadas na elaboração daqueles documentos as disposições do n.º 3 do Artigo 38.º do DL 76-A/2006, de 29 de março e do Artigo 1.º e Artigo 3.º da Postaria n.º 657-B/2006, de 29 de junho, por falta de indicação do número de registo e descrição sumária do ato, a fim de o identificar, no local próprio do respetivo formulário informático, IX. Por tais razões sendo nulos aquele procuração e respetivo termo de autenticação. X. São igualmente nulos ou inválidos os averbamentos apostos em 15 de abril de 2016 em certidão (e, não, no original) daquela procuração e termo de autenticação, com vista a sanar os apontados vícios e causa das nulidades apontadas, e que enviou à Conservatória onde fora celebrado o casamento e onde, supostamente, estavam arquivados os originais daquela procuração e daquele termo, para que os ditos averbamentos fossem averbados naqueles originais, pois a. Aqueles averbamentos, confessadamente, foram apostos não no original da procuração e termo de autenticação, b. Mas numa sua certidão. c. Além disso, resulta obviamente daqueles documentos que os averbamentos não foram efetuados pelo oficial do serviço público onde se encontra o original do documento, d. Mas pelo seu mero autenticador no uso dos poderes equivalentes aos de notário e que, aliás, deles se reclama na sua douta contestação, e. Tanto bastando para que aqueles averbamentos levados a efeito apenas depois que os Co-Réus foram citados para a presente ação, não tenham qualquer valor, pois f. Só no original do documento poderiam ser efetuados os averbamentos. g. Assim se compreende que só o oficial público da repartição ou serviço onde se encontrava o original do documento poderia efetuá-lo. h. Aqueles averbamentos, foi efetuado pelo Co-Réu DR. DD, i. Ou seja, foi efetuado oficiosamente. j. Para essa hipótese dispõe o n.º 1 do Artigo 134.º do Código do Notariado que «Quando o averbamento deva ser feito oficiosamente em cartório notarial diferente daquele onde foi lavrado o ato a averbar, o notário que lavrou este último deve facultar ao cartório notarial competente os elementos necessários ao averbamento». k. Ou seja: a partir do momento em que o documento saiu do escritório e da posse do Co-Réu DR. DD, este deixou de ter competência para lavrar qualquer averbamento, l. Apenas podendo facultar à Conservatória e à Exma. Senhora Conservadora os elementos necessários aos averbamentos, pois passou a ser ela (Exma. Senhora Conservadora) a detentora da competência para os averbamentos. m. Dir-se-á que Exma. Senhora Conservadora não é notária, nem a Conservatória é um Cartório Notarial. n. Se assim se entender, tanto pior, pois nem ela nem o Co-Réu DR. DD têm competência para os averbamentos, que já não podiam nem podem ter lugar, pois o documento foi lançado em circulação e utilizado no fim a que se destinava, assim mesmo se esgotando. o. Mas nem só por isso são inválidos os averbamentos. É que o n.º 7 do Artigo 132.º do Código do Notariado dispõe que «A omissão do dia, mês e ano ou do lugar em que o ato foi lavrado ou a inexatidão da sua data podem ser oficiosamente supridas ou retificadas por averbamento se, pelo texto do instrumento ou pelos elementos existentes no cartório, for possível determinar a data ou o lugar da sua celebração». p. Nada disto se verifica no caso presente. q. Desde logo porque do termo de autenticação não se extrai que tenha sido elaborado e dactilografado no escritório do Co-Réu DR. DD, pois ali apenas se lê que este Ilustre Advogado tem escritório no lugar mencionado no termo, não mais do que isso (e não mais do que isso se refere ou admite nos artigos 15.6., 15.7. e 15.8. da petição inicial), sendo aquela menção a mera referência do domicílio profissional daquele Ilustre Co-Réu. r. Para além disso, o documento invocado para determinar o local da celebração do ato é uma mera declaração de internamento, e não mais do que isso, nada podendo inquestionavelmente dizer quanto ao lugar da celebração do ato, s. Uma vez que aquele documento é independente e totalmente separado do termo de autenticação e da procuração ajuizados. Aliás, e salvo sempre o devido respeito, sobretudo o Co-Réu DR. DD entra em notória contradição ao referir que a lei se basta com a referência ao local onde o documento foi lavrado ou assinado, valendo a menção de qualquer deles mesmo sem menção do outro para que seja cumprido o requisito legal da indicação do lugar. t. Desde logo, como já dito, do documento não se extrai que o termo tenha sido lavrado no escritório daquele Ilustre Co-Réu, nem da declaração de internamento se extrai que tenha sido assinado no hospital. u. Mas, além disso, conforme refere Lopes de Figueiredo no seu “Código do Notariado”, Coimbra, Almedina, 1991, pág. 131, em anotação à alínea a) do n.º 1 do Artigo 62.º do Código do Notariado então vigente (de teor idêntico à alínea a) do n.º 1 do atual Artigo 46.º) «se o ato for celebrado fora do cartório (ou secretaria) é necessário indicar o local concreto da realização do ato». v. E, atento o princípio da continuidade dos atos consagrado no Artigo 70.º da referida versão do Código do Notariado (de teor idêntico ao Artigo 53.º da versão atual) diz o mesmo Autor, ob. cit., pág. 202: «A celebração de ato lavrado por instrumento compreende a leitura, explicação, outorga e assinatura do ato. São estas formalidades que a lei manda serem efetuadas em ato continuado. Isto é, efetuada a leitura, podem os outorgantes solicitarem alterações ao texto; se não pretendem que o texto seja alterado, o notário explica o conteúdo do ato; os seus efeitos. Podem ainda os outorgantes solicitarem alterações de elementos ou cláusulas. Estando o ato de acordo com a sua vontade, deve ser assinado de seguida. (...) A unidade do ato abrange, quanto a nós, igualmente o lugar. Se determinado ato é iniciado num lugar e concluído noutro lugar, na mesma data ou em data diferente, deve igualmente, quanto a nós, mencionar-se o local onde o ato foi concluído e o motivo por que não foi concluído no local inicialmente previsto». w. Quer isto dizer que, além do mais, os averbamentos não respeitam o princípio essencial da continuidade do ato, de que a indicação do local concreto é uma expressão essencial, não se tratando de uma questão meramente formal. x. Além de que, como já referido e demonstrado, os averbamentos nem sequer podiam ser elaborados, y. Acrescendo que não está alegado nem demonstrado que aqueles averbamentos tenham sido efetivamente levados aos originais da procuração e respetivo termo de autenticação depositados na Conservatória. XI. Os documentos a que se reportam e reproduzem os números 7 a 15 dos Factos Provados não suprem nem arredam as invocadas nulidades da procuração e respetivo termo de autenticação, assim violando a douta Decisão de Direito as citadas disposições legais. XII. O facto n.º 16 deve ser declarado não provado, pois como decorre da regulamentação do registo de atos notariais de advogados no sistema informático da Ordem dos Advogados, o ato apenas pode ser identificado pela sua descrição sumária em campo específico para esse fim existente no formulário informático – sendo certo quem como se vê de fls. 83, do documento aí reproduzido não consta qualquer identificação, por breve descrição do mesmo, do ato a que se refere. XIII. Assim não se entendendo, na douta Sentença recorrida foram violados todos os preceitos legais citados. Termos em que, e melhores de direito, que desde já se consideram supridos pela habitual proficiência de V. Exas., pede seja dado provimento ao presente recurso, por consequência se revogando a douta Sentença recorrida e julgando-se procedente a ação, com as legais consequências. Justiça!”
*
Contra-alegaram os RR. recorridos BB, DD e EE, tendo:
- Quanto ao recurso da decisão de 16/12/2019 pugnado pela sua improcedência face ao bem decidido pelo tribunal a quo.
- Quanto ao recurso da decisão final, igualmente tendo pugnado pela sua improcedência, face ao bem decidido pelo tribunal a quo tanto em sede de decisão de facto como de direito.
*
***
Os recursos foram admitidos pelo tribunal a quo como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo (o recurso da decisão interlocutória) e suspensivo (o recurso da decisão final).
*
Foram colhidos os vistos legais.
***
II- Âmbito do(s) recurso(s).
Delimitados como estão os recursos pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pela apelante serem questões a apreciar: 1) Do recurso da decisão de 16/12/2019
- Violação da proibição de patrocínio do 4º R. em relação aos 1ª e 5º RR.. Como questão prévia – tempestividade do recurso interposto. 2) Do recurso da decisão final: a) Erro na decisão de facto – em causa os pontos I a III dos factos não provados e o ponto 16 dos factos provados [vide conclusões I a III e XII]. b) Erro na decisão de direito.
*
***
III- Fundamentação Foram julgados provados os seguintes factos: “1-Autora AA é filha de FF (certidão de assento de nascimento de folhas 16) 2-Foi lavrado na Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial de Vagos, o assento de casamento nº 15, onde consta que no dia 25 de janeiro de 2016, pelas 14 horas e 15 minutos, FF casou com a Ré BB, na Conservatória do Registo Civil de Vagos (certidão de assento de casamento de folhas 18) 3-Consta no assento de casamento que a identidade dos nubentes foi verificada pela exibição dos respetivos documentos de identificação. Declaração prestada perante oficial público. Interveio como procurador de FF, EE (assento de casamento de folhas 18) 4-No dia 25 de janeiro de 2016, pelas 15 horas e 20 minutos, faleceu FF, em Coimbra (assento de óbito de folhas 21). 5-Em consequência do óbito de FF, em 27 de janeiro de 2016, foi averbado no assento de casamento referido em 2), a dissolução daquele casamento (assento de casamento de folhas 18). 6- O pai da autora FF esteve ininterruptamente internado no Instituto Português de Oncologia ..., desde o dia 7 de janeiro de 2016 até ao seu falecimento em 25 de janeiro de 2016 (documento do Instituto Português de Oncologia ..., folhas 27). 7-Consta dos autos a folhas 23 a Procuração, com o seguinte teor “FF, NIF ..., divorciado, natural da freguesia e concelho ..., residente na Rua ..., freguesia ..., concelho de Santiago do Cacém, portador do cartão de cidadão nº ... válido até 21/11/2017 emitido pela República Portuguesa, declara que constitui seu bastante procurador EE, casado, NIF ..., natural da dita de freguesia ..., residente na Urbanização ..., Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., a quem, com a faculdade de substabelecer, concede poderes para iniciar o processo de casamento junto da Conservatória do Registo Civil e bem assim para o representar na celebração do casamento civil que pretende realizar com BB, divorciada, natural da freguesia e concelho de Oeiras, residente na ..., ..., freguesia ... e que será realizado segundo o regime de separação de bens nos termos do disposto no artigo 1720º, nº1, alínea b) do Código Civil, assinando e outorgando tudo o que necessário seja ao indicado fim. ..., 23 de janeiro de 2016” 8- Consta dos autos a folhas 24 o termo de autenticação da procuração referida em 7, pelo advogado DD, com o seguinte teor “"TERMO DE AUTENTICAÇÃO No dia vinte e três de janeiro de dois mil e dezasseis, perante mim, DD, advogado, com escritório na Rua ... Sala ..., na ..., titular da Cédula Profissional nº ..., compareceu FF, NIF ..., divorciado, natural da freguesia e concelho ..., residente na Rua ..., freguesia ..., concelho de Santiago do Cacém, portador do cartão de cidadão n.º ... válido até 21/11/2017 emitido pela República Portuguesa. Verifiquei a identidade do outorgante por exibição do documento de identificação acima mencionado. O signatário apresentou-me para fins de autenticação a presente procuração e declarou, depois de a ter lido, que a mesma reflete, na íntegra, a sua vontade e que está perfeitamente inteirado do seu conteúdo. Este termo foi lido e explicado ao interessado na sua presença. Nos termos previstos na Portaria nº 657-B/2006 de 29 de junho, foi atribuído a este ato no sistema de registo de autenticações da ordem dos advogados o seguinte nº de registo ...” 9- A folhas 25 consta o documento, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido: "ORDEM DOS ADVOGADOS REGISTO ONLINE DOS ACTOS DOS ADVOGADOS Artigo 38º do Decreto-Lei N.º 76-A72006, de 29-03 Portaria n.º 657-B/2006 de 29-06 Dr.(a) DD CÉDULA PROFISSIONAL: ... IDENTIFICAÇÃO DA NATUREZA E ESPÉCIE DO ACTO Reconhecimento simples IDENTIFICAÇÃO DOS INTERESSADOS FF Cartão de Cidadão nº ... BB Cartão de Cidadão nº ... EXECUTADO A: 2016-01-23 18:31 REGISTADO A. 2016-01-23 18:35 COM O Nº ... Poderá consultar este registo em ... usando o código ..." 10- A folhas 83 foi junto aos autos o documento, cujo conteúdo se dá por reproduzido: "ORDEM DOS ADVOGADOS REGISTO ONLINE DOS ACTOS DOS ADVOGADOS Artigo 38º do Decreto-Lei N.º 76-A72006, de 29-03 Portaria n.º 657-B/2006 de 29-06
Dr.(a) DD CÉDULA PROFISSIONAL: ... IDENTIFICAÇÃO DA NATUREZA E ESPÉCIE DO ACTO Autenticação de documentos particulares IDENTIFICAÇÃO DOS INTERESSADOS FF Cartão de Cidadão nº ... EXECUTADO A: 2016-01-23 18:31 REGISTADO A. 2016-01-23 18:33 COM O Nº ... Poderá consultar este registo em ... usando o código ..." 11- A folhas 81 verso consta o documento, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido: "ORDEM DOS ADVOGADOS REGISTO ONLINE DOS ACTOS DOS ADVOGADOS Artigo 38º do Decreto-Lei N.º 76-A72006, de 29-03 Portaria n.º 657-B/2006 de 29-06 Dr.(a) DD CÉDULA PROFISSIONAL: ... IDENTIFICAÇÃO DA NATUREZA E ESPÉCIE DO ACTO Autenticação de documentos particulares IDENTIFICAÇÃO DOS INTERESSADOS FF Cartão de Cidadão nº ... Registo de averbamento nº 1 ao termo de autenticação que foi registado na plataforma informática sob o nº ... de 23/01/2016 com o código de acesso ... EXECUTADO A: 2016-04-15 12:01 REGISTADO A. 2016-04-15 12:04 COM O Nº ... Poderá consultar este registo em ... usando o código ...". 12- A folhas 82 consta o documento, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido: "ORDEM DOS ADVOGADOS REGISTO ONLINE DOS ACTOS DOS ADVOGADOS Artigo 38º do Decreto-Lei N.º 76-A72006, de 29-03 Portaria n.º 657-B/2006 de 29-06 Dr.(a) DD CÉDULA PROFISSIONAL: ... IDENTIFICAÇÃO DA NATUREZA E ESPÉCIE DO ACTO Autenticação de documentos particulares IDENTIFICAÇÃO DOS INTERESSADOS FF Cartão de Cidadão nº ... Registo de averbamento nº 2 ao termo de autenticação que foi registado na plataforma informática sob o nº ... de 23/01/2016 com o código de acesso ... EXECUTADO A: 2016-04-15 12:12 REGISTADO A. 2016-04-15 12:14 COM O Nº ... Poderá consultar este registo em ... usando o código ..." 13- Em 15 de Abril de 2016, o advogado Sr. Dr. DD efetua na certidão do termo da autenticação da procuração o averbamento número um com o seguinte teor "Averbamento n.º 1 Retifica-se o presente instrumento no sentido de que o ato foi registado com a natureza de autenticação de documentos particulares na Plataforma informática de Registo online dos atos de advogados com o número ..., no dia 23/01/2016, pelas 18h 33m, consultável em ... com o código ... e não sob o ato número ..., como por lapso consta no print informativo junto ao presente termo. Arquivo print informático do registo online ... ..., 15 de abril de 2016 O Advogado Ato registado nos termos da Portaria 657-B/2006 de 29/06 sob o nº 475466/923, junto a folhas 80 cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido. 14- O advogado Sr. Dr. DD efetua na certidão do termo da autenticação da procuração o averbamento número dois, com o seguinte teor :“Averbamento n.º 2: Sendo o termo de autenticação omisso quanto à indicação do lugar onde o mesmo foi lido, consigna-se que este foi lavrado no escritório do advogado subscritor do Termo de autenticação e que o mesmo foi lido ao outorgante, na mesma data, no Instituto Português de Oncologia ..., sito na Avenida ..., em Coimbra, onde o outorgante se encontrava internado, conforme documento emitido por aquele Instituto em 22/01/2016 que arquivo.”... 15 de Abril de 2016 O Advogado: Ato registado nos termos da Portaria 657/B/2006 de 29/06 sob o n.º 475462/924., que consta a folhas 80, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido. 15- Em 18 de Abril de 2016, o Sr. Dr. DD envia uma carta a Srª Conservadora, junta a folhas 83 verso, cujo conteúdo se dá por reproduzido e que se passa a transcrever “..., 18 de abril de 2016 Registada Assunto: Averbamentos ao original do termo de autenticação que se encontra arquivado no processo de casamento n.º 49, maço 1, doc. 49 dessa Conservatória.
Exma. Senhora Conservadora
Venho pela presente remeter a Vª Exª, nos termos do art. 134º, do Código do Notariado, os averbamentos que efetuei na certidão do termo de autenticação que foi extraída do original arquivado no processo de casamento n.º 49, maço 1, doc. 49 dessa Conservatória, para que sejam averbados ao original do referido termo de autenticação. Junta: original da certidão com dois averbamentos O Advogado DD". 16- O ato referido em 8) foi registado no Sistema da Ordem dos Advogados no dia 23/01/2016, associado ao nº ... referido em 10).”
Julgou ainda o tribunal a quo não provados os seguintes factos: “Não se provou mais nenhum facto com relevância para a decisão da causa, nem que: I- Não houve declaração de vontade por parte do nubente FF, para se casar com a Ré BB. II- As assinaturas que são atribuídas a FF, quer na procuração, quer no termo de autenticação indicados nos factos 7 e 8, não foram por ele apostas nesses documentos. III- O termo de autenticação não foi lido a FF, em 23 de janeiro no Instituto Português de Oncologia ... IV- O ato referido em 8) foi registado no Sistema da Ordem dos Advogados no dia 23/01/2016, associado ao nº 894 referido em 9.”
* ***
Apreciando e conhecendo.
Em função das vicissitudes processuais acima enunciadas cumpre analisar o objeto do recurso seguindo as supra elencadas questões, procedendo à sua apreciação de acordo com o prejuízo que a eventual procedência poderá implicar para as demais (vide 608º nº 2 do CPC). 1) Do recurso da decisão de 16/12/2019
Objeto do recurso da decisão em menção – a regularidade do mandato conferido pelos 1ª e 5ª RR. ao 4º R..
A recorrente alegou estar vedado ao 4º R. patrocinar os demais 1ª e 5º RR. juntamente com o seu próprio patrocínio, porquanto estando em causa nos autos a imputação a si e aos demais RR. que patrocina a prática de atos ilegais, poderia este 4º R. beneficiar-se processualmente, pela obtenção de informação privilegiada dos demais em seu benefício.
Assim inviabilizando a descoberta da verdade e a realização da justiça.
Por tal incorrendo na proibição do patrocínio estabelecida no artigo 99º do EOA.
A questão colocada pela recorrente respeita, portanto, à validade/regularidade do mandato conferido ao 4º R. pelos 1ª e 5º RR. por referência ao previsto no artigo 99º do EOA.
A sanção para a falta, insuficiência ou irregularidade do mandato estão processualmente previstas no artigo 48º do CPC e quando verificada determina a notificação da parte para suprir a falta ou corrigir o vício e ratificar o processado, sob cominação de ficar sem efeito tudo o praticado pelo mandatário, no caso de falta de procuração da parte do R. ficando sem efeito a sua defesa (vide artigos 41º e 48º do CPC).
Assim tem sido entendido pela jurisprudência, que assinala não acarretar tais vícios a inexistência ou nulidade dos atos praticados [por não ser essa a sanção prevista], mas antes a consequência de que decorre dos artigos citados [no sentido da inexistente sanção da nulidade e/ou recurso ao previsto no artigo 48º do CPC, cfr. Ac. TRC de 30/01/2007, nº de processo 382-A/2002; Ac. TRC de 23/09/2008, nº de processo 138-D/1991.C1; mais recentemente Ac. STJ de 23/09/2020, nº de processo 15/10.0TTPRT-B.P1.S2; Ac. TRG de 23/09/2021, nº de processo 875/19.0T8GMR.G1, todos in www.dgsi.pt].
A ter sido julgada procedente a exceção deduzida pela recorrente, a consequência seria a de não prossecução dos autos até que a questão fosse devidamente sanada, atenta a gravidade do vício à mesma subjacente. Ou, no não saneamento da questão, a aplicação das sanções processuais acima citadas.
Ora a recorrente, devidamente notificada da decisão na altura não reagiu, permitindo a prossecução do normal desenrolar processual que a seu ver estaria inquinado do vício por si arguido com o prejuízo da defesa também por si invocado então plenamente concretizado.
Valem estes considerandos para justificar o entendimento de que o recurso da decisão que julga improcedente a arguida irregularidade de mandato – pelo seu objeto – integra-se nas decisões cuja impugnação apenas no recurso da decisão final se revela absolutamente inútil – vide al. h) do nº 2 do artigo 644º do CPC.
A impor o seu recurso imediato e em separado, para subir autonomamente.
Não tendo oportunamente sido interposto o competente recurso, está esta questão expressamente já apreciada pelo tribunal a quo e julgada improcedente devidamente transitada pelo que não pode agora ser por nós apreciada/reapreciada. Termos em que se conclui pelo não conhecimento do recurso atenta a sua extemporaneidade.
Custas pela recorrente.
Notifique. 2) Do recurso da decisão final. A) Cumpre em primeiro lugar apreciar do invocado erro da decisão de facto.
Na reapreciação da decisão de facto, importa ter presente os seguintes pressupostos: 1- Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC): “a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No caso de prova gravada, incumbindo ainda ao recorrente [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Sendo ainda ónus do recorrente apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que as conclusões têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC. Pelo que das conclusões é exigível que no mínimo das mesmas conste de forma clara quais os pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do mesmo.
Podendo os demais requisitos serem extraídos do corpo alegatório.
Analisadas as conclusões de recurso acima reproduzidas, das mesmas extrai-se quer os pontos concretamente impugnados; quer o sentido decisório pugnado pela recorrente; quer a indicação dos meios probatórios que a seu ver impõem decisão diversa.
Do corpo alegatório mais resulta observado o ónus imposto pelo nº 2 al. a) do artigo 640º do CPC, pelo que cumpre, sem mais, reapreciar a decisão de facto por forma a aferir se a mesma padece de erro de julgamento em função da prova produzida que imponha decisão diversa.
Para tanto tendo presente ainda: i- na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do artigo 662º do CPC - a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão.
Cabendo ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis.
Sem prejuízo de e quanto aos factos não objeto de impugnação, dever o tribunal de recurso sanar mesmo oficiosamente e quando para tal tenha todos os elementos, vícios de deficiência, obscuridade ou contradição da factualidade enunciada, tal como decorre do disposto no artigo 662º n.º 2 al. c) do CPC.
Assim e sem prejuízo das situações de conhecimento oficioso que impõem ao tribunal da Relação, perante a violação de normas imperativas, proceder a modificações na matéria de facto, estão estas dependentes da iniciativa da parte interessada tal como resulta deste citado artigo 640º do CPC.
Motivo por que e tal como refere António S. Geraldes in “Recursos no Novo Código do Processo Civil, já supra citado, em anotação ao artigo 662º do CPC, p. 238 “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para circunscrever o objeto do recurso. Assim o determina o princípio do dispositivo (…)”.
Sobre a parte interessada na alteração da decisão de facto recai, portanto, o ónus de alegação e especificação dos concretos pontos de facto que pretende ver reapreciados; dos concretos meios de prova que impõem tal alteração e da decisão que a seu ver sobre os mesmos deve recair, sob pena de rejeição do recurso.
Tendo presente que o princípio da livre apreciação das provas continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.os 341º. a 396º. do Código Civil (C.C.) e 607.º, n.os 4 e 5 e ainda 466.º, n.º 3 (quanto às declarações de parte) do C.P.C.], cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis. Fazendo ainda [vide António S. Geraldes in “Recursos no Novo Código do Processo Civil, 2ª ed. 2014, anotação ao artigo 662º do CPC, págs. 229 e segs. que aqui seguimos como referência]:
- uso de presunções judiciais – “ilações que a lei ou julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido” (vide artigo 349º do CC), sem prejuízo do disposto no artigo 351º do CC, enquanto mecanismo valorativo de outros meios de prova;
- ou extraindo de factos apurados presunções legais impostas pelas regras da experiência em conformidade com o disposto no artigo 607º n.º 4 última parte (aqui sem que possa contrariar outros factos não objeto de impugnação e considerados como provados pela 1ª instância);
- levando em consideração, sem dependência da iniciativa da parte, os factos admitidos por acordo, os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito por força do disposto no artigo 607º n.º 4 do CPC (norma que define as regras de elaboração da sentença) ex vi artigo 663º do CPC (norma que define as regras de elaboração do Acórdão e que para o disposto nos artigos 607º a 612º do CPC remete, na parte aplicável).
Por fim de realçar que embora não exigida na formação da convicção do julgador uma certeza absoluta, por via de regra não alcançável, quanto à ocorrência dos factos que aprecia, é necessário que da análise conjugada da prova produzida e da compatibilização da matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (vide artigo 607º nº 4 do CPC) se forme no espírito do julgador a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade os factos em análise ocorreram.
Neste contexto e na dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, resolvendo o tribunal a mesma contra a parte à qual o facto aproveita, tal como decorre do disposto nos artigos 414º do CPC e 346º do C.C..
*
Impugnou a recorrente, numa primeira parte o decidido quanto aos pontos I a III dos factos não provados, defendendo que os mesmos deverão passar para os factos provados.
Consigna-se ter-se procedido à audição da prova gravada.
É o seguinte o teor dos factos não provados I a III “I- Não houve declaração de vontade por parte do nubente FF, para se casar com a Ré BB. II- As assinaturas que são atribuídas a FF, quer na procuração, quer no termo de autenticação indicados nos factos 7 e 8, não foram por ele apostas nesses documentos. III- O termo de autenticação não foi lido a FF, em 23 de janeiro no Instituto Português de Oncologia ...”
*
Decorre do disposto no artigo 363º do CC a definição legal de documentos autênticos e autenticados: “1. Os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares. 2. Autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de atividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares. 3. Os documentos particulares são havidos por autenticados, quando confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais”.
O poder de autenticação dos documentos particulares previsto no nº 3 deste artigo 363º foi alegado pelo DL 76-A/2006 de 29/03 entre outros aos advogados [vide artigo 1º nº 1 al. f) e artigo 38º [“1 - Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, (…) 2 - Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efetuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais atos tivessem sido realizados com intervenção notarial. (…)].
O formalismo a que a autenticação está submetida encontra-se definido nos artigos 150º a 152º e 46º (por remissão do 151º nº 1) do C. Notariado [questão a que oportunamente voltaremos].
Por ora e no que releva, importa realçar que o instrumento com base no qual foi celebrado o casamento é um documento autenticado [procuração autenticada] cujo valor probatório está definido no artigo 371º por remissão do nº 3 do artigo 363º já citado.
Consequentemente o mesmo faz prova plena dos factos referidos como praticados pela autoridade respetiva, assim como dos factos neles atestados com base nas perceções da entidade documentadora.
A eficácia probatória “reporta-se apenas ao conteúdo extrínseco das declarações ou seja ao facto histórico que as partes proferiram declarações com aquele teor perante o oficial público documentador”[1]
E esta força probatória plena dos documentos autênticos (ou autenticados) apenas pode ser afastada com base na sua falsidade, ou seja, quando se alega que o no documento atestado como tendo sido objeto da perceção da autoridade na realidade se não verificou (vide artigo 372º do CC).
Já no que respeita ao foro interno dos outorgantes e que assim não pode ser percecionado pela entidade documentadora, não está o mesmo abrangido por tal força probatória e assim pode ser impugnado e demonstrado sem necessidade de arguir a falsidade do documento.
É o caso dos vícios da vontade, pois a “força probatória plena do documento autêntico não abrange a veracidade e/ou sinceridade das declarações prestadas perante a entidade documentadora nem demonstra a inexistência de vícios de vontade”[2]
Expressa a força probatória dos documentos autênticos ou autenticados e o modo de impugnar a sua força probatória plena por via da falsidade, relembra-se agora os termos em que a A. fundamentou o seu pedido: para além de irregularidade/nulidades (formais) que imputou ao instrumento lavrado – procuração e termo de autenticação, alegou ainda a inexistência de manifestação de vontade de seu falecido pai na celebração do casamento, neste representado por procurador. Bem como a falsidade das assinaturas apostas no dito instrumento – procuração e termo de autenticação.
Porquanto claramente não invocou a A. vícios da vontade na emissão da declaração, forçoso é entender que a alegada inexistente declaração de vontade, bem como a falsidade de assinatura no documento aposta e imputada a seu falecido pai respeitam, enquadram-se e serão analisadas na perspetiva de uma afirmada falsidade do documento, praticada pela entidade documentadora, in caso o 4º R. DD que procedeu à autenticação do documento.
Declarando este que o signatário (o falecido FF) declarou depois de lhe ter apresentado a procuração para fins de autenticação, depois de a ter lido que a mesma reflete na integra a sua vontade que está perfeitamente inteirado do seu conteúdo. Tendo o termo de autenticação sido lido e explicado ao interessado na sua presença. Termo do qual constam após duas assinaturas – a imputada ao falecido declarante e ao autenticador (vide doc. de fls. 23/24).
À recorrente incumbia, portanto, ter feito prova de que a assinatura que consta como imputada a seu falecido pai no termo de autenticação lavrado pelo 4º R. era falsa e que a própria declaração que o 4º R. declarou ter sido perante si feita não existiu. Ainda que a assinatura aposta na procuração e igualmente imputada a seu falecido pai era igualmente falsa.
A falsidade das assinaturas – vide facto não provado II - é questão que claramente não foi demonstrada pela aqui autora e pela prova que aos autos ofereceu.
Foram realizadas duas perícias à letra dos documentos em questão, para tanto tendo sido apresentados os documentos questionados, bem como outros cujas assinaturas não foram questionadas – nestes se incluindo documentos contidos num período temporal de 1976 a 2016 – e em ambas a resposta foi a de impossibilidade de ser apresentada uma qualquer conclusão quanto às assinaturas suspeitas.
O que foi justificado pelos Srs. Peritos (e reiterado em esclarecimentos) com a falta de qualidade da escrita das assinaturas “grau de ilegibilidade das assinaturas, escassez de elementos personalizantes e fraca qualidade gráfica nas assinaturas contestadas” (vide relatório do LEDEM de 23/01/2018 e esclarecimentos de 13/03/2018 subscrito por GG e HH); de igual forma com o “traçado lento, irregular, sem espontaneidade nem fluência das assinaturas questionadas”, bem como “o traço variável da escrita de comparação remetida”, concluindo que “a qualidade e quantidade das semelhanças e diferenças registadas no confronto das escritas suspeitas das assinaturas (…) com as dos autógrafos (…) bem como as limitações referidas em Nota não permitem obter resultados conclusivos” (vide relatório do LPC de 10/05/2019 e esclarecimentos de 29/07/2019, subscritos por II e OO).
Srs. Peritos que uma vez ouvidos em julgamento [GG; HH e II] reiteraram precisamente estas mesmas conclusões, explicando ser impossível chegar a uma qualquer conclusão.
E expressamente questionados sobre a possibilidade de a fraca qualidade gráfica das assinaturas questionadas permitir a conclusão de poderem ser não verdadeiras, reiteraram os Srs. Peritos o entendimento de que os elementos disponíveis não permitem tal conclusão.
Explicando a Sra. Perita HH que não pode comparar o que é ilegível e acrescentando também que o facto de o visado estar sentado ou deitado não altera a génese das caraterísticas da letra; explicando a Sra. Perita II que entre as assinaturas analisadas dada a sua irregularidade não pode dizer que entre duas há um padrão em que possam assentar para comparar. Assim reafirmando a impossibilidade de resultados conclusivos.
Em suma, perante os resultados das perícias realizadas e explicações claras, coincidentes e justificativas apresentadas é claro que a A. não logrou provar a imputada falsidade de tais assinaturas.
Ainda assim, admitir-se-ia como possível e em abstrato chegar a esta mesma conclusão caso tivesse sido apresentada prova de que o falecido pai da A. estava incapaz à data e atento o seu estado de saúde de mover os seus membros superiores, de pelo seu próprio punho fazer uma assinatura.
Mas de tal não foi feita qualquer prova (nem alegado). Inexiste sequer nos autos um qualquer relatório médico sobre a condição física ou mental à data do Sr. FF.
Estado mental, acrescenta-se, que a A. não alegou como fundamento de uma eventual incapacidade para expressar a sua vontade.
Não sendo aliás fundamento da ação, como já mencionámos supra, um qualquer vício da vontade.
Concluindo, no que à falsidade de assinaturas nos documentos que corporizaram a manifestação da vontade do falecido pai da autora concerne, está a mesma afastada nos termos analisados.
Pelo que se decide manter o ponto II nos factos não provados.
Quanto à alegada inexistente declaração de vontade ou não leitura do termo de autenticação, tão pouco desta factualidade foi feita prova cabal.
É bem certo que as testemunhas (pela recorrente invocadas) JJ; KK sobrinho e cuja ligação próxima com o tio foi sobejamente confirmada; LL ou MM vieram em suma afirmar que o falecido pai da autora reiteradamente afirmava que nunca mais se casaria; ou que só tinha tido uma mulher e não queria mais nenhuma; ou ainda que depois de ter regressado da Austrália, foi este efetivamente viver com a R. BB para o Alentejo uns tempos, mas que depois veio viver para a ... onde tinha casa e onde depois arranjou uns negócios. Sendo que a partir de então já não queria com a mesma casar ou até manter uma relação.
Todas mencionaram a estranheza no desconhecimento da realização do casamento, envolto “em secretismo” que não conseguem entender nem explicar, atendendo à sua invocada proximidade de relacionamento.
Casamento de que só tomaram conhecimento com a publicação do edital do falecimento em que é identificada a aqui R. como esposa.
Mas também foi relatado que inicialmente o falecido FF acreditava que se ia salvar e tinha vontade de lutar, mesmo quando foi operado e nada fizeram atendendo à dimensão do tumor segundo foi relatado, tendo sido opção dos médicos avançar antes com tratamentos primeiro.
Igualmente foi relatada a existência de uma lista feita pelo próprio falecido de pessoas que não teriam autorização para o visitar deixada na receção do hospital – justificada com problemas com familiares do mesmo FF. Nomeadamente irmãos, pai e sobrinho. O que demonstra que mesmo doente permanecia capaz de tomar as suas decisões de acordo com a sua vivência.
Capacidade de tomar decisões (embora esta não questionada como já dito) que o próprio sobrinho KK confirmou, já que também ele teria combinado com o tio levar uma notária ao Hospital para outorgar uma procuração para resolver questões relacionadas com as sociedades que ambos haviam constituído. Combinação que partiu, conforme relatado, do próprio tio uma semana antes do falecimento e por estar preocupado em deixar a posição do sobrinho salvaguardada. Estando combinada a deslocação da notária ao Hospital (conforme afirmado) para o próprio dia do falecimento e que não chegou a ocorrer.
Esta ocorrência permite, no entanto [tal como a questão da ata assinada por FF já estando internado e mencionada pela testemunha PP] perceber que mesmo internado o falecido continuou a tomar as suas decisões evidenciando preocupação em deixar resolvidos os assuntos da sua vida pendentes e que terá entendido como relevantes.
Neste contexto surgem as declarações de QQ, casada com o co-R EE – este primo direito da R. BB, por esta via tendo sido justificada a relação próxima com a R. BB e a testemunha. Testemunha que atestou ter recebido da boca do falecido FF a comunicação de que teria pedido a R. BB em casamento, quando já sabia que estava doente, mas não sabia ainda a gravidade da doença (em novembro ou dezembro).
Tendo sido já no hospital que o falecido FF pediu ao marido da testemunha para o representar no casamento porque não queria deixar “namorada, mas viúva”.
Este mesmo relato foi confirmado pelo co-R EE que explicou idêntico contexto em que aceitou o pedido do falecido FF.
As testemunhas RR e SS, amigos da R. BB e também do FF, o primeiro tendo afirmado que conhecia o FF já há mais de 30 anos, vieram confirmar a relação mantida entre os dois como casal, com os mesmos tendo mantido relacionamento.
Sem prejuízo de terem confirmado que nunca ouviram o falecido FF dizer que ia casar com a R. BB.
A testemunha SS confirmou ainda que a R. BB foi para cima para poder acompanhar o falecido FF, para isso tendo – segundo julga - metido baixa após as férias letivas do natal.
O acompanhamento da R. BB foi também confirmado pela testemunha QQ e por via indireta pelas demais testemunhas que foram visitar o falecido, na medida em que fizeram referências a ela lá estar. Veja-se o caso da testemunha TT, LL, ou mesmo da testemunha KK, referindo até que se sentiam a mais ou controlados quando estavam ao mesmo tempo que a R. BB.
Uma inexistente ou não desejada relação não era compatível com um acompanhamento próximo assim descrito. Não sendo verosímil que não fosse desejado pelo falecido FF. Mantendo a sua capacidade de tomar decisões e de escolher quem o visitaria ou não, com toda a facilidade transmitiria a vontade de não querer ser acompanhado pela R. BB. Seja ao pessoal hospitalar, seja às visitas e mesmo à testemunha KK em quem confiava, tal como o relato deste o evidenciou.
R. BB que também foi mencionada pela testemunha UU, casado com uma prima direita do FF e que o foram visitar no dia 23/01 pela tarde. Tendo ali permanecido durante todo o horário das visitas desse dia.
Tendo esta testemunha relatado que quando telefonou de manhã para o IPO para perguntar se podia visitar o doente, ouviu dizer que a “acompanhante” não estava, face ao que insistiu e pediu para perguntar diretamente ao FF se o podia ir visitar, tendo ouvido este responder que viesse sim.
E tendo chegado à hora da visita afirmou que o FF manifestou alegria por os ver (ele e mulher) e conversaram.
No decurso da visita tiveram de sair a pedido do pessoal de enfermagem, tendo chegado no entretanto a R. BB, após o que entraram os 3 juntos e passado algum tempo saíram os 3 a pedido da BB. Após o que chegaram 2 Srs. que entraram e ali permaneceram por 20/30 minutos. E quando saíram a R. BB pediu à testemunha se ali podia ficar enquanto ia comer com o primo.
Embora não tenha identificado os 2 Srs., no contexto dos demais depoimentos e nomeadamente dos co-RR. EE e DD, conclui-se que se tratava destes dois co-RR.
Tendo a testemunha UU mencionado ainda que após a saída destes dois Srs., o FF estava mais prostrado, tendo dormitado. Falando já quase no fim quando vieram embora.
Este depoimento, associado às declarações dos co-RR. e testemunho da QQ corroboram a versão de que efetivamente o R. DD se deslocou naquele dia ao IPO para praticar o ato de autenticação da procuração tal como o mesmo o descreveu.
Tendo este co-R. de forma clara, segura e com aparente isenção descrito nas suas declarações os atos que praticou e o modo como decorreu a conversa mantida com FF.
O que se afirma sem prejuízo de algumas incoerências detetadas nos depoimentos deste e da testemunha UU quanto às entradas e saídas do quarto.
No entanto e no que releva, a prova produzida e acima mencionada conduz ao juízo formulado pelo tribunal a quo quanto à resposta negativa dos pontos I e III dos factos não provados.
Dos quais na verdade não foi feita prova cabal, como à A. incumbia. A implicar a manutenção nos factos não provados dos pontos I e III.
Finalmente, impugnou a recorrente a resposta positiva do ponto 16 dos factos provados.
Ora tal está provado documentalmente. O registo está feito.
A questão suscitada pela recorrente prende-se com a validade formal do ato.
Mas tal é questão a apreciar em sede de direito.
Em suma, julga-se totalmente improcedente a impugnação aduzida à matéria de facto.
A qual assim se mantém na integra.
*
Do direito.
Alegou a recorrente como fundamento do recurso com vista a alterar a decisão do tribunal a quo e assim ver julgada procedente a peticionada declaração da nulidade do casamento:
1- a falsidade do ato de autenticação [sustentada na afirmada inexistente declaração de vontade e falsidade das assinaturas apostas na procuração e termo de autenticação];
2- nulidade da procuração outorgada porquanto da mesma não consta o lugar onde foi elaborada, emitida e assinada; tão pouco constando tal do termo de autenticação ou que tenha sido assinada na presença e juntamente com o Co-R pelo pai da autora;
3- não ter sido observado o disposto legalmente para a inserção dos atos notariais no sistema informático da OA, incluindo o local em que foram lavrados os documentos como exigido pelo artigo 46º nº 1 al. a) e 70º nº 1 al. a) do CNot.; bem como a não indicação do número de registo e descrição sumária do ato a fim de o identificar no local próprio do respetivo registo informático;
4- nulidade dos averbamentos por apostos numa certidão e não no original e por quem para tanto não tinha competência (o aqui 4º R.) – em violação do previsto no artigo 134º nº 1 e 132º nº 7 do C. Not..
No que à falsidade do ato concerne, o mesmo estava dependente da alteração da decisão de facto pugnada pela recorrente e em sede própria já apreciada.
Julgada improcedente na totalidade a alteração pretendida, resulta claramente improcedente a arguida falsidade do ato de autenticação praticado.
Analisemos agora se assiste razão quanto às objeções suscitadas sobre a procuração outorgada.
Nos termos do artigo 1616º al. a) do CC é indispensável para a celebração do casamento a presença “dos contraentes, ou de um deles e do procurador do outro”.
E sendo a vontade de contrair casamento estritamente pessoal em relação a cada um dos nubentes (vide artigo 1619º do CC), pode um dos nubentes fazer-se representar por procurador na celebração do casamento (vide artigo 1620º nº 1 do CC).
Procuração esta que deve conter “poderes especiais para o ato, a designação expressa do outro nubente e a indicação da modalidade do casamento.” – nº 2 do mesmo artigo 1620º do CC.
Em consonância com o assim prescrito, dispõe o artigo 44º do C. R. Civil que “No ato da celebração do casamento só um dos nubentes pode fazer-se representar por procurador.” (nº 1), a qual deve “individualizar o outro nubente e indicar a modalidade do casamento” (nº 2).
Se os anteriores artigos especificam o conteúdo exigido para a validade da procuração, já o artigo 43º, depois de no nº 1 especificar (igualmente) que a parte se pode fazer representar por procurador com poderes especiais para o ato, o nº 2 define os formalismos que a mesma está sujeita: “2- A procuração pode ser outorgada por documento assinado pelo representado, com reconhecimento presencial da assinatura, por documento autenticado ou por instrumento público.”
Assim sendo, no que concerne ao conteúdo do documento, tem de constar do mesmo a concessão específica de poderes para o procurador representar o nubente no casamento a realizar, a identificação do outro nubente e a modalidade do casamento a realizar”.
No que respeita ao conteúdo da procuração temos assim como certo que a procuração conferida pelo falecido FF ao seu procurador aqui co-R EE observa todas as exigências legais mencionadas.
Já no que respeita ao formalismo, decorre do previsto no artigo 43º do CRC citado – o qual encontra paralelo no exigido pelo artigo 116º do C. Notariado[3] - que a procuração pode ser conferida por documento particular assinado pelo representado com reconhecimento presencial da assinatura ou por documento autenticado ou instrumento público.
Analisada uma vez mais a procuração outorgada é certo que da mesma não consta o reconhecimento presencial da assinatura na mesma aposta.
Contudo o interessado optou pela autenticação do documento.
E assim o que importa aferir é se o termo de autenticação padece de algum vício.
Na certeza de que a falta de indicação do lugar onde foi elaborada a procuração, emitida e assinada, ou a falta de menção à sua assinatura na presença do co-R. DD não é fundamento de qualquer irregularidade, na medida em que o formalismo seguido foi o da autenticação e não o do reconhecimento presencial da assinatura (a este respeita o artigo 153º nºs 4 e 5 do C. Notariado).
Improcede com estes fundamentos a arguida nulidade da procuração.
Como consequência do acima exposto, importa agora aferir se o termo de autenticação padece de nulidade, por não observância dos formalismos legais [em causa os argumentos elencados supra nos pontos 3 e 4].
Decorre do disposto no artigo 363º do CC a definição legal de documentos autênticos e autenticados: “1. Os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares. 2. Autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de atividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares. 3. Os documentos particulares são havidos por autenticados, quando confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais”.
Deste artigo 363º nº 3 decorre a exigência de os documentos particulares serem “confirmados pelas partes perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais” para que possam ser havidos como autenticados.
O DL 76-A/2006 de 29/03 veio adotar medidas de simplificação e eliminação de atos e procedimentos registrais e notariais, entre os quais – artigo 1º nº 1 al. f) “O alargamento das entidades que podem reconhecer assinaturas em documentos e autenticar e traduzir documentos, permitindo que tanto os notários como os advogados, os solicitadores, as câmaras de comércio e indústria e as conservatórias possam fazê-lo;”
Assim tendo no seu artigo 38º conferido entre outros, aos advogados e solicitadores, competência para reconhecimentos de assinaturas, autenticação e tradução de documentos e conferência de cópias, nos seguintes termos: “1 - Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, (…) 2 - Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efetuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais atos tivessem sido realizados com intervenção notarial. 3 - Os atos referidos no n.º 1 apenas podem ser validamente praticados pelas câmaras de comércio e indústria, advogados e solicitadores mediante registo em sistema informático, cujo funcionamento, respetivos termos e custos associados são definidos por portaria do Ministro da Justiça. (…)”
O formalismo a que a autenticação está submetida encontra-se definido nos artigos 150º a 152º e 46º (por remissão do 151º nº 1) do C. Notariado.
Destes artigos decorre que os documentos particulares, adquirem a natureza de documentos autenticados:
- desde que as partes confirmem o seu conteúdo perante o notário (ou qualquer umas das entidades identificadas no artigo 38º da Portaria acima identificada (nº 1 do artigo 150º)
- a autenticação deve ser reduzida a termo (nº 2 do artigo 150º).
Por sua vez, o termo de autenticação, deve:
- respeitar os requisitos previstos no artigo 46º nº 1 als. a) a n) do CN [nº 1 do artigo 151º];
- conter a declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade [al. a) do nº 1 do artigo 151º];
- A ressalva das emendas, entrelinhas, rasuras ou traços contidos no documento e que neste não estejam devidamente ressalvados [al. b) do nº 1 do artigo 151º do CN].
Entre os requisitos do artigo 46º nº 1 als. a) a n) constam: “(…) c) O nome completo, estado, naturalidade e residência habitual dos outorgantes, bem como das pessoas singulares por estes representadas, a identificação das sociedades, nos termos da lei comercial, e das demais pessoas coletivas que os outorgantes representem, com menção, quanto a estas últimas, das suas denominações, sedes e números de identificação de pessoa coletiva; d) A referência à forma como foi verificada a identidade dos outorgantes, das testemunhas instrumentárias e dos abonadores; (…) l) A menção de haver sido feita a leitura do instrumento lavrado, ou de ter sido dispensada a leitura pelos intervenientes, bem como a menção da explicação do seu conteúdo; m) A indicação dos outorgantes que não assinem e a declaração, que cada um deles faça, de que não assina por não saber ou por não poder fazê-lo; n) As assinaturas, em seguida ao contexto, dos outorgantes que possam e saibam assinar, bem como de todos os outros intervenientes, e a assinatura do funcionário, que será a última do instrumento.”
Finalmente disciplina o artigo 70º do CN os vícios formais que ferem os atos notariais de nulidade, por falta dos requisitos nele indicados.
Dispõe este artigo: “1 - O ato notarial é nulo, por vício de forma, apenas quando falte algum dos seguintes requisitos: a) A menção do dia, mês e ano ou do lugar em que foi lavrado; b) A declaração do cumprimento das formalidades previstas nos artigos 65.º e 66.º; c) A observância do disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 41.º; d) A assinatura de qualquer intérprete, perito, leitor, abonador ou testemunha; e) A assinatura de qualquer dos outorgantes que saiba e possa assinar; f) A assinatura do notário. g) A observância do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 46.º. 2 - As nulidades previstas nas alíneas a), b), d), e), f) e g) do número anterior consideram-se sanadas, conforme os casos: a) Se, em face da omissão do dia, mês, ano ou lugar da celebração do ato, for possível proceder ao averbamento nos termos previstos no n.º 7 do artigo 132.º; b) Se as partes declararem, por forma autêntica, que foram cumpridas as formalidades previstas nos artigos 65.º e 66.º; c) Se os intervenientes acidentais, cujas assinaturas faltam, se encontrarem devidamente identificados no ato e declararem, por forma autêntica, ter assistido à sua leitura, explicação e outorga e que não se recusaram a assiná-lo; d) Se os outorgantes, cujas assinaturas faltam, declararem, por forma autêntica, que estiveram presentes à leitura e explicação do ato, que este representa a sua vontade e que não se recusaram a assiná-lo; e) Se o notário cuja assinatura está em falta declarar expressamente, através de documento autêntico, que esteve presente no ato e que, na sua realização, foram cumpridas todas as formalidades legais; f) Se em face da inobservância do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 46.º, ou da incorreta menção dos requisitos nele exigidos, for comprovado, mediante exibição da certidão de registo ou do correspondente código de acesso, que a mesma já existia à data da celebração do ato.”
De todos os normativos invocados resulta possível distinguir 3 fases ou momentos no processo de autenticação, assim elencadas no Ac. TRP de 23/01/2017, nº de processo 4871/14.5T8LOU-A.P1 in www.dgsi.pt: “(…) num primeiro momento esse documento é outorgado e assinado pelas respetivas partes, sendo que o advogado - enquanto entidade autenticadora - não outorga nem subscreve o documento. Poderá, quando muito, não como entidade autenticadora mas enquanto profissional habilitado e no exercício da sua função de aconselhamento técnico-jurídico, auxiliar as partes na redação do documento ou redigir ele próprio o documento que depois será assumido e assinado apenas pelas partes. Num segundo momento, o documento particular assinado pelas partes é apresentado ao advogado para autenticação, sendo que no exercício dessa função exige-se, como se notou, que as partes confirmem perante ele o conteúdo do documento particular, devendo subsequentemente o termo de autenticação ser lavrado com observância dos requisitos estabelecidos nos citados arts. 150º e 151º do Cód. do Notariado, contendo, nomeadamente, a declaração das partes de que procederam à leitura do documento ou estão inteiradas do seu conteúdo e que o mesmo exprime a vontade nele declarada. Finalmente, num terceiro momento, deve ser efetuado o registo informático em conformidade com o que se mostra estabelecido na citada Portaria nº 657-B/2006, de 29.06”
Em todas estas fases e tal como decorre destes mesmos normativos, resulta a exigência legal de na autenticação intervirem os outorgantes.
Estes (outorgantes) devem perante a entidade que efetua a autenticação confirmar o seu conteúdo; e do termo a ser lavrado tem de constar não só a declaração das partes de que já leram o documento ou do seu conteúdo estão inteiradas e que este exprime a sua vontade, como a sua identificação e assinatura.
Todas estas exigências foram observadas no ato de autenticação.
Nos termos da al. a) do nº 1 do artigo 70º é exigida ainda a menção do dia, mês e ano ou do lugar em que foi lavrado o ato.
Do termo consta o dia, mês e ano.
O mesmo é efetivamente omisso quanto ao local, elemento igualmente exigido.
Como resulta do nº 1, os requisitos exigidos e especificados nas diversas alíneas são todos para ser observados sob pena de nulidade. Assim o “ou” empregue na al. a) não tem a função de conjunção alternativa. Antes significa que a falta de qualquer um dos elementos identificados – dia, ano, mês ou lugar são fundamento de nulidade.
A falta de indicação do lugar onde o termo de autenticação foi lavrado pode ser sanada nos termos da al. a) do nº 2 do artigo 70º do C. Not., o qual remete para o nº 7 do artigo 132º.
Dispõe este artigo que “A omissão do dia, mês e ano ou do lugar em que o ato foi lavrado ou a inexatidão da sua data podem ser oficiosamente supridas ou retificadas por averbamento se, pelo texto do instrumento ou pelos elementos existentes no cartório, for possível determinar a data ou o lugar da sua celebração.”
Naturalmente que a remissão para o cartório tem no caso de ser considerada por referência ao escritório do advogado e assim ao autenticador – in casu o Exmo. Sr. Advogado aqui co-R.. E a competente rubrica compete ao próprio advogado que executa o ato de autenticação (nº 8 do mesmo artigo devidamente adaptado).
O Exmo. Sr. Advogado lavrou averbamento de retificação de omissão, explicando que o termo de autenticação foi lavrado no escritório do advogado subscritor e lido ao outorgante na mesma data no IPO onde o mesmo se encontrava internado conforme documento emitido pelo mesmo instituto que arquivou (sendo que a morada do escritório já constava inicialmente no termo) – vide fp’s 8 e 14.
A omissão do lugar foi sanada, seguindo os formalismos exigidos.
Por último questiona ainda a recorrente o registo informático levado a cabo pelo co-R.
Alega não ter sido observado o exigido para a inserção de tal ato no sistema informático da OA.
A validade dos atos de autenticação praticados pelos advogados ao abrigo do permitido pelo DL 76-A/2006 de 29/03 – artigo 1º nº 1 al. f) e 38º - está dependente do “registo em sistema informático, cujo funcionamento, respetivos termos e custos associados são definidos por portaria do Ministro da Justiça. (…)” (vide nº 3 deste artigo 38º).
A Portaria 657-B/2006 de 29/06 veio regular este procedimento, deferindo para os atos praticados por advogados a competência do desenvolvimento e gestão do sistema informático para registo destes atos à OA.
Dos factos provados resulta que o registo teve efetivamente lugar – vide factos provados 8 e 16.
E nesta perspetiva improcede a arguida nulidade.
O que ocorreu foi a anexação ao termo de um print do registo trocado. E uma vez notada tal troca, foi efetuado um averbamento à certidão de tal termo a dar nota de tal incorreção. Para comunicação à conservatória onde o original havia sido entregue.
A anexação ao termo de autenticação elaborado por advogado, de um print trocado do registo informático exigido pelo artigo 38º do DL 76-A/2006 de 29/03, permite a retificação de tal lapso mediante o averbamento desta ocorrência e a junção do print do registo informático correto e em tempo realizado.
Não sendo tal lapso sancionado com a nulidade.
Estando em causa um instrumento destinado a ser entregue aos interessados uma vez lavrado (à semelhança do instrumento público avulso – vide artigo 103º do C. Not.), as retificações de que seja alvo têm de ser feitas pelo seu autor – o aqui 4º Co R e não por outra entidade, ao contrário do que alega a recorrente. E já não estando na posse desse instrumento, pode para o efeito recorrer o seu autor a uma cópia certificada para registar o averbamento.
Após comunicando tais averbamentos à entidade onde o documento foi arquivado – in casu a competente conservatória como lhe competia.
A recorrente questionou, com efeito este procedimento – da validade dos averbamentos registados, não diretamente no termo de autenticação, mas antes numa sua certidão.
Como decorre dos autos, o original havia já sido entregue aos interessados e arquivado na competente conservatória onde foi celebrado o casamento.
Competindo ao autor do termo da autenticação fazer a competente retificação, apenas poderia seguir a metodologia adotada.
No fundo fazendo um paralelismo com a previsão contida no nº 4 do artigo 132º ou mesmo do nº 4 do artigo 133º.
Após, remetendo à entidade onde se encontrava arquivado o original a certidão com a anotação do averbamento para arquivo conjunto.
Por último cumpre-nos afastar o argumento da violação do princípio da continuidade dos atos convocado pela recorrente.
Nos termos do artigo 53º do C. Notariado: “1 - A leitura, explicação, outorga e assinatura dos instrumentos devem realizar-se em ato continuado. 2 - Se a leitura, explicação e outorga se não concluírem no dia em que tiverem início, deve consignar-se no instrumento, antes das assinaturas, o dia e a hora da sua conclusão.”
O termo de autenticação foi lido, explicado e assinado em ato continuado, tal qual se extrai do seu teor.
O registo informático foi lavrado no exato mesmo dia em que foi lavrado o termo em questão.
O ato foi concluso observando o princípio da continuidade do ato convocado pela recorrente.
Posteriormente foram lavrados dois averbamentos registados igualmente no sistema informático nos termos que acima já deixámos assinalados e analisados.
Mas o ato mantém-se o mesmo.
Improcede, portanto, a invocada violação do princípio da continuidade do ato.
Em suma e pelo exposto conclui-se também pela não verificação dos vícios de nulidade que a recorrente imputou quer à procuração quer ao termo de autenticação.
E assim pela total improcedência do recurso interposto, com a consequente manutenção da decisão recorrida.
***
IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em confirmar a decisão recorrida, julgando o recurso totalmente improcedente.
Custas pela recorrente.
Porto, 2023-02-27.
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida ______________ [1] Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa in “Direito Probatório Material” comentado, ed. Almedina 2017, p. 136. [2] Mesmo autor in ob. cit., p. 138. [3] Cujo nº 1 aqui se deixa reproduzido: “Procurações e substabelecimentos 1 - As procurações que exijam intervenção notarial podem ser lavradas por instrumento público, por documento escrito e assinado pelo representado com reconhecimento presencial da letra e assinatura ou por documento autenticado. (…)”.