RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
DECISÃO MAIS FAVORÁVEL
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO SUBORDINADO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
EQUIDADE
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODERES DE COGNIÇÃO
CRITÉRIO DE QUANTIFICAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
Sumário


I - Uma decisão benéfica nunca pode ser considerada disforme da anterior para efeitos do disposto no n.º 3 do art. 671.º do CPC, e a “desconformidade” será meramente literal ou aparente.
II - A verificação de dupla conforme é impedimento do recurso de revista, mesmo em relação ao recurso subordinado. Assim o decidiu o AUJ de 27-11-2019, proferido no proc. n.º 1086/09.8TJVNF.G1.S1-A, com o seguinte segmento uniformizador: “O recurso subordinado de revista está sujeito ao n.º 3 do art. 671.º do CPC, a isso não obstando o n.º 5 do art. 633.º do mesmo Código.”.
III - Na indemnização com base na equidade, devem ser observados os padrões de indemnização seguidos pela prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do art. 8.º do CC.
IV - As indemnizações a atribuir por danos não patrimoniais não podem ser meramente simbólicas, devendo antes mostrar-se adequadas ao fim a que se destinam, ou seja, atenuar a dor sofrida pelo lesado e também reprovar, no plano civilística, a conduta do agente.
V - Na determinação do montante da justa indemnização destinada a ressarcir danos futuros, perante a constatação da impossibilidade de averiguar o valor concreto dos danos, tem a jurisprudência recorrido ao juízo de equidade a que se reporta o art. 566.º, n.º 3, do CC, a partir dos elementos de facto apurados, conjugados com diversos critérios de cálculo de natureza instrumental.
VI - Em caso de julgamento segundo a equidade, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, aquelas regras.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.

AA veio propor a presente ação de processo comum contra Lusitânia - Companhia de seguros, S.A. pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €250.000,00, referente ao défice físico-psíquico, ou dano biológico, de que ficou a padecer, de €100.000.00, referente aos danos não patrimoniais e de €126.511,66, referente aos danos patrimoniais; e ainda a indemnizá-la dos danos patrimoniais e não patrimoniais, previsíveis (danos futuros), que fossem consequência direta do acidente, a liquidar em execução de sentença ou incidente de liquidação e a pagar-lhe, em dobro, os juros de mora, calculados à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a citação até pagamento.

Para tanto, alegou em síntese que era passageira de um veículo automóvel, seguro na Ré, quando o seu condutor causou um acidente de viação, do qual foi o único culpado e que, em consequência, sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais.

Regularmente citada a Ré veio contestar invocando a litigância de má-fé da Autora, confessando parte da factualidade relativa à ocorrência do sinistro e impugnando grande parte da factualidade referente aos danos.

Mais alegou ter dúvidas sobre a legitimidade da Autora para pedir o pagamento das perdas salariais tidas pela sua mãe, e que aquela nunca lhe apresentou qualquer pedido de indemnização, tendo, ainda assim, solicitado o envio de documentação, para lhe apesentar uma proposta de indemnização, ao que a Autora não deu satisfação, razões pelas quais, não chegou a apresentar-lhe proposta de indemnização, não sendo devidos juros de mora ao dobro da taxa legal, como pretendido pela Autora.

A Autora respondeu pugnando pela improcedência da litigância de má-fé e da ilegitimidade, invocadas pela Ré.

Foi proferido despacho saneador e despacho a identificar o objeto do processo e a enunciar os temas da prova.

Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:

Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, e, em consequência:

a) Condeno a R. a pagar à A., a quantia de € 71.859,66 (setenta e um mil oitocentos e cinquenta e nove euros e sessenta e seis cêntimos);

b) Condeno ainda a R., a pagar à A., juros de mora, à taxa legal, contados sobre a quantia de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), desde a data da presente decisão até integral pagamento e, contados sobre a quantia remanescente de 6.859,66 (seis mil oitocentos e cinquenta e nove euros e sessenta e seis cêntimos), desde a citação da R. até integral pagamento;

c) Mais condeno a R. a pagar à A., a quantia ilíquida, relativa ao que a mesma gastar com a aquisição de analgésicos;

d) Absolvo a R. do demais peticionado;

e) E absolvo a A. da pretendia condenação como litigante de má fé.

Custas a cargo de A. e R., na proporção dos respetivos decaimentos (sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza a A.) - art. 527º, do C.P.C.

Reduzo o pagamento do remanescente da taxa de justiça em 90% (noventa por cento) - havendo a pagar apenas 10% - , por se verificarem os pressupostos aludidos no art. 6º, n º 7, do RCP, que tal redução justificam (não dispenso, porém, o pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça porquanto, tal não pagamento está previsto para as situações em que o processo termine antes de concluída a fase de instrução - art. 6º, n º 8, do R.C.P., situação que tem que ser distinguida daquela em que, terminada a fase de instrução, foi proferida sentença, pois que, nesta situação, houve um acréscimo significativo de serviço prestado às partes, que justifica então, um pagamento acrescido; sob pena de assim não sendo, se poder estar a violar o princípio constitucional da igualdade que, se impõe que situações iguais ou idênticas sejam objeto de igual ou idêntico tratamento, também impõe que, situações significativamente distintas sejam objeto de distinto tratamento - como são aquelas em que, um processo termina antes de acabar a fase da instrução e aquele em que terminada a instrução, é proferida uma sentença, peça processual que implica um acréscimo significativo de serviço).

Registe - art. 153º, n º 4, do C.P.C. Notifique - art. 220º, n º 1, do C.P.C.

Inconformadas, apelaram a Autora e a Ré, sendo decidido pelo Tribunal da Relação, após deliberação:

“Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em:

1) Julgar totalmente improcedente o recurso da Ré Lusitânia-Companhia de seguros, S.A.;

2) Julgar parcialmente procedente o recurso da Autora AA e, consequentemente, revogar parcialmente a sentença recorrida condenando a Ré Lusitânia-Companhia de seguros, S.A. a pagar à Autora AA:

2.1)      A quantia de €40.000,00 (quarenta mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4%, contados desde a presente data;

2.2)A quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros) a título de dano patrimonial futuro (dano biológico na sua dimensão patrimonial), acrescida dos juros de mora, à taxa anual de 4%, contados desde a presente data;

3) Confirmar no mais a sentença recorrida.

As custas do recurso da Autora e da ação são da responsabilidade da Autora (sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia) e da Ré na proporção do respetivo decaimento e as custas do recurso da Ré são integralmente da responsabilidade desta (artigo 527º do Código de Processo Civil).

Inconformada com o decidido pela Relação, interpõe recurso de Revista para este STJ a Ré, interpondo recurso subordinado a Autora.


*


A ré “Lusitânia – Companhia de Seguros SA” formula as seguintes conclusões:

“I.A Recorrente intenta o presente recurso de Revista por entender que os Meritíssimos e Ilustres Senhores Juízes Desembargadores não efectuaram uma correcta apreciação do direito, designadamente ao conceder parcial provimento ao recurso interposto pela aqui Recorrida, no entanto, a Recorrente não pode concordar com o douto Acórdão recorrido, uma vez que o mesmo não consubstancia uma solução que consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso “sub judice” das normas legais e dos princípios jurídicos

II.O Acórdão recorrido, no que concerne à condenação da ora Recorrida no montante de € 50.000,00 referente a indemnização por dano biológico e de € 40.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais é manifestamente excessivo, pelo que, conforme já alegado em sede própria, impõe-se a sua redução.

III.Não se pode aceitar a condenação da Recorrente no montante global de €90.000,00, acrescida de juros de mora.

IV.Desde logo, atente-se no montante em que foi condenada a Recorrente no que concerne a indemnização por danos não patrimoniais, no montante de € 40.000,00, o qual é manifestamente exagerada.

V. Após análise detalhada da jurisprudência proferida em acidentes similares ao que se encontra em apreço nos autos, entende a Recorrente que a decisão proferida propendeu para uma flagrante situação de enriquecimento despropositado da lesada.

VI.Na fixação do quantum indemnizatório, em sede de responsabilidade civil por actos ilícitos, será conveniente ter-se particular cuidado com vista ao cumprimento de um regime jurisprudencial de segurança, igualdade e equidade na realização da justiça, na perspectiva dos danos não patrimoniais.

VII.O tribunal fixou em € 40.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais, o qual é manifestamente excessivo e desatende às circunstâncias do caso concreto e apuradas nos autos.

VIII. Não podemos perder de vista que, a Recorrida sofreu ferimentos, designadamente, traumatismos vários e fractura no terço superior do úmero esquerdo, Défice Temporário Parcial entre 316 e 322 dias, e sequelas que resultaram num défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos.

IX. Da matéria de facto apurada, em conjugação com os critérios jurisprudenciais, decorre que o montante indemnizatório fixado a este propósito é arbitrário e assente em critérios subjectivos.

X.Constitui entendimento pacífico no seio da Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que os valores a fixar, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 496.º do Código Civil, variam em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente das lesões sofridas, da intensidade das dores sofridas, do período de tempo durante a qual as dores se prolongam e do eventual pressentimento da morte.

XI.Veja-se, a este propósito, o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 28.11.2013.

XII.Mal andaram os Senhores Juízes Desembargadores ao arbitrarem uma indemnização de € 40.000,00, que é manifestamente desproporcionada e violadora do princípio da igualdade e da equidade, impondo-se a sua redução para valor não superior a € 15.000,00, o que desde já se peticiona, com todas as consequências legais.

XIII.A equidade constitui critério de quantificação do montante a arbitrar a título de indemnização por danos não patrimoniais, devendo atender-se à gravidade e extensão dos danos causados, ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica do lesado e às demais circunstâncias do caso que se justifique atender, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 496.º do Código Civil.

XIV.Atente-se por exemplo, na decisão proferida pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Maio de 2014,        processo n.º 1040/11.4TBVNG.P1.S1, e na decisão proferida pelo Acórdão do Tribunal  da Relação de Évora, processo n.º 1057/3.0T2STC.E1.

XV. Da análise jurisprudencial colhe-se que a orientação da indemnização pelos danos não patrimoniais se situa, em regra, em valores que oscilam entre os € 12.000,00 e os € 15.000,00, pelo que o valor indemnizatório decorrente dos danos não patrimoniais pelo Tribunal de 1.ª instância em €25.000,00 é, no            caso concreto, desadequado, desajustado e desapropriado, e extravasou a margem de liberdade consentida pelo recurso à equidade.

XVI. Em consequência, deve ser substancialmente reduzida, considerando as circunstâncias apuradas nos autos, os critérios estatuídos no artigo 496.º, n.º 3, do Código Civil, e, bem assim, os critérios orientadores da mais recente jurisprudência, para valor não superior a € 15.000,00.

XVII.   No Acórdão agora proferido, o Tribunal da Relação de Guimarães fixou o valor de € 50.000,00 a título de dano biológico, o que se encontra manifestamente desajustado.

XVIII.  A valoração dos danos futuros, decorrentes da incapacidade permanente geral, assenta num critério de equidade, conforme decorre do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil, dada a impossibilidade de se averiguar o valor exacto dos danos.

XIX. Os critérios e os valores fixados na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 23 de Agosto, apesar de não serem vinculativos para os tribunais, poderão ser tidos em consideração pelo julgador, designadamente, em se tratando da determinação, com recurso à equidade, de montantes indemnizatórios.

XX.Também aqui devemos atender aos valores fixados jurisprudencialmente, para uma determinação do valor, designadamente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Março de 2014, processo n.º 404/11.3TJVNF.S1, no Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 21 de Fevereiro de 2013, e na decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça em 10 de       Outubro de 2012, processo n.º 388/08.9TCGMR.G1.S1.

XXI. Entende a Recorrente que o valor indemnizatório decorrente do dano biológico da Recorrida fixado pelo Tribunal da 2.ª instância em € 50.000,00 é, no caso concreto, desadequado, desajustado e desapropriado, e extravasou a margem de liberdade consentida pelo recurso à equidade, tanto mais que, a Recorrida, à data, não exercia qualquer actividade profissional.

XXII. Em consequência, deve ser substancialmente reduzida, considerando as circunstâncias apuradas nos autos, os critérios estatuídos no artigo 496.º, n.º 3, do Código Civil, e, bem assim, os critérios orientadores da mais recente jurisprudência, para valor não superior a € 25.000,00.

XXIII. Assim, deverá o Acórdão recorrido ser revogado e, em consequência, ser substituído por outro que faça uma correcta apreciação e interpretação do direito, que, embora condenada a Recorrente, o faça de forma mais justa e equitativa e conforme as circunstâncias apuradas e a prática jurisprudencial, com todas as consequências legais.

Termos em que o presente recurso deve merecer provimento.

Assim se fará, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!

Responde a autora, concluindo:

“1ª: Das conclusões de Recurso formuladas pela Recorrente, resulta que a mesma coloca em causa os montantes indemnizatórios atribuídos à Autora/Recorrida, a título de dano não patrimonial e dano biológico, ou défice funcional permanente da integridade físico-psíquica.

2ª: Com o devido respeito por diferente entendimento, considera a Recorrida que não assiste qualquer razão à Recorrente nos fundamentos que invoca.

3ª: A Autora, ora Recorrida, também interpôs Recurso Subordinado quanto a estas matérias, pugnando pela elevação dos valores arbitrados, por considerar que os mesmos pecam por defeito.

4ª: Conforme vem sendo entendido pela Jurisprudência, a determinação da indemnização pelo dano biológico ou défice permanente da integridade físico-psíquica, na sua vertente patrimonial e particularmente por danos não patrimoniais, obedece a juízos de equidade assentes numa ponderação casuística, à luz das regras da experiência comum.

5ª: No caso sub judice, encontra-se provado que a Autora/Recorrida ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos e que as sequelas, sendo, embora, compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual, implicam esforços suplementares.

6ª: Em consequência do referido défice, advieram, também, à Autora, dificuldades na execução de certas tarefas quotidianas, que lhe são hoje mais penosas, com necessidade permanente de recorrer a medicação regular analgésica, o que lhe afeta, de forma permanente, o exercício da sua atividade profissional, bem como, ainda, o desempenho das restantes tarefas do seu dia-a-dia, como sejam as domésticas.

7ª: Para efeitos de fixação da indemnização a título de dano biológico, considerou o Exmo. Tribunal a quo ser de atender, para além do grau de afetação de 13 pontos, ao facto de, apesar de à data do embate a Autora não estar a trabalhar, ter trabalhado até Maio de 2018, exercendo funções de operadora de caixa, a tempo parcial, auferindo um montante que rondava, em média, os €400,00 mensais, tencionando após o verão de 2018, continuar a exercer tais funções mediante o pagamento do salário mínimo.

8ª: Para além da afetação do défice funcional permanente, no exercício da atividade laboral da Recorrente, o Exmo. Tribunal da Relação considerou, ainda, a idade da Autora e a esperança média de vida para as mulheres em Portugal, enfatizando que, independentemente da utilização como ponto de partida de uma qualquer fórmula, o que está efetivamente em causa é a fixação de uma indemnização com recurso a um critério de equidade, que deverá enquadrar-se nos padrões definidos para casos semelhantes.

9ª: Para o cálculo do valor a atribuir a título de indemnização por dano biológico, deve, assim, ser feito um juízo de equidade, ponderando todas as circunstâncias do caso concreto, devendo atender-se à idade do lesado, ao grau de défice funcional permanente de que fica a padecer, às suas potencialidades e aumento de ganho, anteriormente à lesão, tanto na profissão habitual, como em profissões alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências; a conexão entre as lesões físico-psíquicas e as exigências próprias da atividade profissional do lesado, bem como das atividades alternativas.

10ª: A título de exemplo, o Tribunal a quo citou vários Acordãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, entre os anos de 2016 e 2022, reiterando que a Jurisprudência deve ser considerada com um sentido atualista e evolutivo, tendo concluído pela atribuição à Autora a este título, da quantia de €50.000,00.

11ª: Socorrendo-nos dos critérios considerados pelo Exmo. Tribunal a quo, acima mencionados, a idade da Autora, de 36 anos, à data do acidente e tomando por referência os 83 anos, que correspondem à esperança média de vida, para as mulheres em Portugal, como, de resto, tem vindo a ser considerado pela Jurisprudência, considera a Autora que o valor mais adequado para compensar este dano, será de €60.000,00.

12ª: Para além do exposto, para o apuramento da indemnização a título de dano biológico, deverá relevar, também, a maior dificuldade que a Autora tem, agora, em arranjar emprego, atentas as limitações de que ficou a padecer, como de resto, tem tido, pois continua sem arranjar trabalho, numa região altamente carenciada de empregos, muito mais de empregos que não exijam um braço esquerdo plenamente funcional, como a Autora não tem e, quando é sabido que, a generalidade dos empregadores, não se dispõe a empregar alguém com limitações, quando pode ter alguém que não tem essas limitações.

13ª: Encontra-se suficientemente demostrado, pelos factos dados como provados nos autos, o aumento da penosidade e esforço da Autora para desenvolver as mesmas tarefas profissionais ou quaisquer outras, compatíveis com as suas qualificações e competências, pelo que as lesões sofridas tiveram significativa repercussão negativa sobre o desempenho da sua profissão habitual ou de outras similares, lesões essas, decorrentes de um acidente, por cuja ocorrência foi exclusivamente responsável o segurado da Ré e para o qual a Autora em nada contribuiu.

14ª: Por outro lado, considera a Autora que para o apuramento do capital produtor do rendimento, que se extinguirá no termo do período da sua vida, que entende dever ser determinado com base na esperança média de vida (até aos 83 anos), dever-se-á, também, ter em conta, a taxa de crescimento dos salários, a taxa da inflação e a taxa de juro média, praticada no mercado financeiro para as aplicações sem risco.

15ª: Desde o ano de 2014, até à presente data, o salário mínimo nacional passou de €485,00 para €705,00, sendo expectável, que o mesmo venha a aumentar, consideravelmente, nos próximos anos e por outro lado, a taxa de inflação, nos últimos tempos, sobretudo ao longo do último ano, tem vindo a crescer de forma galopante, fazendo com que o capital perca valor real e efetivo.

16ª: Deverá, ainda, considerar-se que a Autora ficou a padecer de dores e dificuldades em executar certas tarefas do seu quotidiano, tais como cozinhar, fazer limpezas, cuidar da sua roupa e da dos filhos, o que faz à custa de maior esforço e sacrifício, carregar as compras do supermercado, estender roupa, conduzir por períodos mais longos, pelo que o défice de que fica a padecer para além de afetar a capacidade de trabalho profissional da Autora, limita, também, a sua capacidade de trabalho geral, mormente de execução das tarefas domésticas.

17ª: Por tudo quanto fica exposto, afigura-se à Autora, aqui Recorrida, mais justo e adequado para compensar este dano decorrente do défice funcional permanente da atividade físico-psíquica, ou dano biológico, a quantia de €60.000,00 (sessenta mil euros), ficando, assim, prejudicada a pretensão da Recorrente em ver reduzida esta indemnização para o montante de €25.000,00, montante este completamente desajustado, face às decisões que vêm sendo tomadas nos últimos anos, pela Jurisprudência.

18ª: A título de exemplo, refere-se o Acordão proferido recentemente pelo STJ, da Exma. Relatora Maria da Graça Trigo, também citado pelo Exmo. Tribunal a quo, datado de 24.02.2022, proferido no âmbito do Proc. n.º 1082/19.7T8SNT.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, no âmbito do qual foi atribuído a um lesado, do sexo masculino (a esperança média de vida para os homens em Portugal situa-se nos 78 anos idade), com 34 anos à data do acidente, 9 pontos de défice funcional permanente e salário anual de €7.798,00, a quantia de €50.000,00, a título indemnização pelo dano biológico, justificando-se, assim, na ótica da Autora, que considerando a sua idade de 36 anos à data do sinistro, o défice de 13 pontos de fica a padecer e as demais circunstâncias dadas como provadas, se justifica, porque mais justa e adequada, a atribuição a este título, de indemnização no valor de €60.000,00.

Do dano não patrimonial:

19ª: No que toca ao dano não patrimonial, o Tribunal a quo fixou a quantia de 40.000,00 (quarenta mil euros), tendo, também, quanto a esta indemnização, a Autora interposto Recurso subordinado, por considerar que a condenação peca por defeito.

20ª: Com o devido respeito, não tem qualquer fundamento o alegado pela Ré, no sentido de defender que o valor a arbitrar a este título, deverá ser de €15.000,00.

21ª: Como vem sendo decidido, no que toca aos danos não patrimoniais, o montante da indemnização deverá ser fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º do código Civil, estabelecendo-se um critério de equidade, que deve atender ao grau de culpabilidade do responsável, à situação económica do lesado e às demais circunstâncias do caso, devendo ter-se em conta na fixação do montante da reparação, todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.

22ª: Considerando a matéria dada como provada nos autos, a Autora, aqui Recorrida considera mais justa e adequada, conforme defendera junto do Tribunal a quo, a quantia de €45.000,00, para ressarcimento dos danos morais por si sofridos, em consequência do acidente.

23ª: Atendendo à idade da Recorrente à data do acidente - 36 anos – o período de défice funcional temporário parcial de 316 a 322 dias; a natureza dos ferimentos e da repercussão dos mesmos no dia-a-dia da Autora; as consultas, tratamentos de hidroterapia, fisioterapia e fisiatria a que foi submetida e que se prolongaram por vários meses; a necessidade de auxílio de terceira pessoa, que ocorreu durante vários meses; as atividades de lazer das quais ficou privada durante meses,

24ª: e, considerando, ainda, o grau 4 de quantum doloris que lhe foi fixado; o grau de 1/2 de repercussão nas atividades desportivas e de lazer; a repercussão permanente na atividade sexual, de grau 2; a circunstância de a mesma ficar a carecer em permanência de medicação regular analgésica; a baixa de autoestima e os sentimentos de tristeza e amargura que vivenciou, a situação económica da Autora, a circunstância de em nada ter contribuído para a ocorrência do acidente, considera mais justa e adequada para reparar ou compensar os danos não patrimoniais por si sofridos, até por comparação com os valores que vêm sendo consideradas pela Jurisprudência, a atribuição da quantia de €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros).

25ª: Deverão, assim, por infundadas, cair as conclusões de Recurso da Ré, resultando, de todo o exposto, ser de concluir que não lhe assiste qualquer razão, devendo julgar-se improcedente o Recurso, com todas as legais consequências.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, não deve ser dado provimento ao presente Recurso, assim se fazendo inteira Justiça.

No recurso subordinado que interpõe, conclui a autora:

“1ª: Com o Presente Recurso, pretende a Recorrente o reexame das questões referentes aos montantes fixados a título de dano biológico ou défice permanente da integridade físico-psíquica e a título de danos não patrimoniais.

Do défice permanente da integridade físico-psíquica ou dano biológico:

2ª: Conforme vem sendo entendido pela Jurisprudência, a determinação da indemnização pelo dano biológico ou défice permanente da integridade físico-psíquica, na sua vertente patrimonial e particularmente por danos não patrimoniais, obedece a juízos de equidade assentes numa ponderação casuística, à luz das regras da experiência comum.

3ª: Em consequência do referido défice, advieram à Autora, dificuldades na execução de certas tarefas quotidianas, que lhe são hoje mais penosas, com necessidade permanente de recorrer a medicação regular analgésica, o que lhe afeta, de forma permanente, o exercício da sua atividade profissional, bem como, ainda, o desempenho das restantes tarefas do seu dia-a-dia, como sejam as domésticas.

4ª: Para efeitos de fixação da indemnização a este título, considerou o Exmo. Tribunal a quo ser de atender, para além do grau de afetação de 13 pontos, ao facto de, apesar de à data do embate a Autora não estar a trabalhar, ter trabalhado até Maio de 2018 no Supermercado ..., exercendo funções de operadora de caixa, a tempo parcial, auferindo um montante irregular, rondando em média, os €400,00 mensais, tencionando após o verão de 2018, retomar tais funções, mediante o pagamento do salário mínimo.

5ª: Para além da afetação do défice funcional permanente, no exercício da atividade laboral da Recorrente, o Exmo. Tribunal da Relação considerou, ainda, a idade da Autora e a esperança média de vida para as mulheres em Portugal, enfatizando que, independentemente da utilização como ponto de partida de uma qualquer fórmula, o que está efetivamente em causa é a fixação de uma indemnização com recurso a um critério de equidade, que deverá enquadrar-se nos padrões definidos para casos semelhantes.

6ª: Para o cálculo do valor a atribuir a título de indemnização por dano biológico, deve, assim, ser feito um juízo de equidade, ponderando todas as circunstâncias do caso concreto, devendo atender-se à idade do lesado, ao grau de défice funcional permanente de que fica a padecer, às suas potencialidades e aumento de ganho, anteriormente à lesão, tanto na profissão habitual, como em profissões alternativas e à conexão entre as lesões físico-psíquicas e as exigências próprias da atividade profissional do lesado, bem como das atividades alternativas.

7ª: A título de exemplo, o Tribunal a quo citou vários Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, entre os anos de 2016 e 2022, reiterando que a Jurisprudência deve ser considerada com um sentido atualista e evolutivo, tendo concluído pela atribuição à Autora a este título, da quantia de €50.000,00, que com o devido respeito, a mesma considera ser de elevar.

8ª: Para além do exposto, para o apuramento da indemnização a título de dano biológico, deverá relevar, também, a maior dificuldade que a Autora tem, agora, em arranjar emprego, atentas as limitações de que ficou a padecer, como de resto, tem tido, pois continua sem arranjar trabalho, numa região altamente carenciada de empregos, muito mais de empregos que não exijam um braço esquerdo plenamente funcional, como a Autora não tem.

9ª: Encontra-se suficientemente demostrado, pelos factos dados como provados nos autos, o aumento da penosidade e esforço da Autora para desenvolver as mesmas tarefas profissionais ou quaisquer outras, compatíveis com as suas qualificações e competências, pelo que as lesões sofridas tiveram significativa repercussão negativa no desempenho da sua profissão habitual ou de outras similares, lesões essas, decorrentes de um acidente, por cuja ocorrência foi exclusivamente responsável o segurado da Ré e para o qual a Autora em nada contribuiu.

10ª: Por outro lado, considera a Autora que para o apuramento do capital produtor do rendimento, que se extinguirá no termo do período da sua vida, que entende dever ser determinado com base na esperança média de vida (até aos 83 anos), dever-se-á, também, ter em conta, a taxa de crescimento dos salários, a taxa da inflação e a taxa de juro média, praticada no mercado financeiro para as aplicações sem risco.

11ª: Desde o ano de 2014, até à presente data, o salário mínimo nacional passou de €485,00 para €705,00, sendo expectável, que o mesmo venha a aumentar, consideravelmente, nos próximos anos e por outro lado, a taxa de inflação verificada nos últimos tempos, sobretudo ao longo do último ano, que tem vindo a crescer de forma galopante, fazendo com que o capital perca valor real e efetivo.

12ª: A título de exemplo, refere-se o Acordão proferido recentemente pelo STJ, da Exma. Relatora Maria da Graça Trigo, também citado pelo Exmo. Tribunal a quo, datado de 24.02.2022, proferido no âmbito do Proc. n.º 1082/19.7T8SNT.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, no âmbito do qual foi atribuído a um lesado, do sexo masculino (a esperança média de vida para os homens em Portugal situa-se nos 78 anos idade), com 34 anos à data do acidente, 9 pontos de défice funcional permanente e salário anual de €7.798,00, a quantia de €50.000,00, a título indemnização pelo dano biológico.

13ª: Por tudo quanto fica exposto, afigura-se à Autora, aqui Recorrida, com o devido respeito por diferente e melhor opinião, mais justa e adequada para compensar este dano decorrente do défice funcional permanente da atividade físico-psíquica, ou dano biológico, a quantia de €60.000,00 (sessenta mil euros), face às decisões que vêm sendo tomadas nos últimos anos, pela Jurisprudência.

Do dano não patrimonial:

14ª: No que toca ao dano não patrimonial, o Tribunal a quo fixou a quantia de 40.000,00 (quarenta mil euros), considerando a Autora, que também quanto a este dano, a condenação peca por defeito.

15ª: Como vem sendo decidido, no que toca aos danos não patrimoniais, o montante da indemnização deverá ser fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º do código Civil, estabelecendo-se um critério de equidade, que deve atender ao grau de culpabilidade do responsável, à situação económica do lesado e às demais circunstâncias do caso, devendo ter-se em conta na fixação do montante da reparação, todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.

16ª: Considerando a matéria dada como provada nos autos, a Autora, aqui Recorrida considera mais justa e adequada, conforme defendera junto do Tribunal a quo, a quantia de €45.000,00, para ressarcimento dos danos morais por si sofridos, em consequência do acidente.

17ª: Atendendo à idade da Recorrente à data do acidente - 36 anos - o período de défice funcional temporário parcial de 316 a 322 dias; a natureza dos ferimentos e da repercussão dos mesmos no dia-a-dia da Autora; as consultas, tratamentos de hidroterapia, fisioterapia e fisiatria a que foi submetida e que se prolongaram por vários meses; a necessidade de auxílio de terceira pessoa, que ocorreu durante vários meses; as atividades de lazer das quais ficou privada durante meses,

18ª: e, considerando, ainda, o grau 4 de quantum doloris que lhe foi fixado; o grau de 1/2 de repercussão nas atividades desportivas e de lazer; a repercussão permanente na atividade sexual, de grau 2; a circunstância de a mesma ficar a carecer em permanência de medicação regular analgésica; a baixa de autoestima e os sentimentos de tristeza e amargura que vivenciou, a situação económica da Autora, a circunstância de em nada ter contribuído para a ocorrência do acidente, considera mais justa e adequada para reparar ou compensar os danos não patrimoniais por si sofridos, até por comparação com os valores que vêm sendo consideradas pela Jurisprudência, a atribuição da quantia de €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros).

19ª: A douta sentença recorrida violou, nomeadamente, conforme conclusões supra, o disposto nos art.º s 483º, 496º, 562º e 566º do Código Civil.

TERMOS EM QUE, COM O VOSSO DOUTO SUPRIMENTO, DEVE O DOUTO ACORDÃO SER REVOGADO, SUBSTITUINDO-SE POR OUTRO QUE DECIDA NOS MOLDES APONTADOS, CONFORME CONCLUSÕES SUPRA, MANTENDO-SE O DEMAIS DECIDIDO, COM O QUE SE FARÁ OPORTUNA E, ACIMA DE TUDO, EQUITATIVA JUSTIÇA.

E responde a ré, concluindo:

“1.O Acórdão recorrido, no que concerne à condenação da ora Recorrida no montante de € 50.000,00 a título de indemnização pelo dano biológico e de € 40.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais é manifestamente excessiva, pelo que, conforme já alegado em sede própria, impõe-se a sua redução.

Analisemos, pois, as questões colocadas pela Recorrente,

2.No entendimento da Recorrente, o Tribunal a quo deveria ter fixado a indemnização a título de dano biológico no montante de € 60.000,00.

3.O que a Recorrida não concorda!

4.Com efeito, da matéria de facto apurada, em conjugação com os critérios jurisprudenciais, decorre que o montante indemnizatório peca, mas por excesso.

5. Ora, a valoração dos danos futuros, decorrentes da incapacidade permanente geral, assenta num critério de equidade, conforme decorre do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil, dada a impossibilidade de se averiguar o valor exacto dos danos.

6.Os critérios e os valores fixados na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 23 de Agosto, apesar de não serem vinculativos para os tribunais, poderão ser tidos em consideração pelo julgador, designadamente, em se tratando da determinação, com recurso à equidade, de montantes indemnizatórios.

7.Ora, também aqui devemos atender aos valores fixados jurisprudencialmente, para uma determinação do valor.

8.Com efeito, atente-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Março de 2014, processo n.º 404/11...., que, para um lesado com 36 anos à data do acidente, sofreu de IPG 13 pontos com repercussão, em igual grau, na sua capacidade de ganho futuro, além do esforço acrescido para o desenvolvimento da sua actividade profissional habitual ou similar, fixou uma indemnização por danos patrimoniais futuros de € 30.000,00.

9.Atente-se no Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 21 de Fevereiro de 2013, que, para um lesado com 30 anos à data do acidente, e atento o facto de não desenvolver nenhuma actividade profissional à data do acidente (tal como no caso dos presentes autos, acrescenta-se), entendeu adequado o montante de € 17.500,00.

10.Atente-se ainda na decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça em 10 de Outubro de 2012, processo n.º 388/08...., que para uma lesada com 31 anos à data do acidente, que auferia o salário mínimo nacional, foi fixado uma indemnização no valor global de €29.988,20.

11. Nesta conformidade, ao contrário do que a Recorrente quer fazer crer, é manifesto que o valor indemnizatório decorrente do dano biológico da Recorrida fixado pelo Tribunal de 1.ª instância em € 40.000,00, é, no caso concreto, desadequado, desajustado e desapropriado,

12.E extravasou a margem de liberdade consentida pelo recurso à equidade, tanto mais que, a Recorrida, à data, não exercia qualquer actividade profissional.

13.Pelo que não assiste qualquer razão à Recorrente, devendo ser improcedente a alegação da Recorrente quanto a esta matéria.

Por outro lado,

14.Dispõe o artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”,

15.Sendo certo que, nos termos do n.º 3 do aludido artigo, “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º”.

16.O Tribunal a quo fixou um montante indemnizatório no valor de € 40.000,00,

17. Com o qual a Recorrente não concorda, pugnando por um valor de € 45.000,00.

18.Ora, após detalhada análise da Jurisprudência proferida em acidentes similares ao que se encontra em apreço nos autos, entende a Recorrida que, ao contrário do que entende a Recorrente, a decisão proferida propendeu para uma flagrante situação de enriquecimento despropositado da lesada.

19. Com efeito, embora se encontre prevista a indemnização por danos não patrimoniais, não pode o valor indemnizatório ser fixado de forma arbitrária e injusta, traduzindo um manifesto enriquecimento ilícito da lesada à custa do património da responsável.

20. De facto, na fixação do quantum indemnizatório, em sede de responsabilidade civil por actos ilícitos, será conveniente ter-se particular cuidado com vista ao cumprimento de um regime jurisprudencial de segurança, igualdade e equidade na realização da justiça, na perspectiva dos danos não patrimoniais.

21.Entende a Recorrida que, e sempre com o respeito que a situação em apreço lhe merece, que os valores constantes na sentença são manifestamente excessivos e, nessa medida, terão de ser reduzidos de acordo com as concretas circunstâncias apuradas e com a prática jurisprudencial actual, como já alegado em sede própria.

22.Ora, o tribunal fixou em € 40.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais.

23.Salvo o devido respeito, que é muito, entende a Recorrida que tal valor é manifestamente excessivo e desatende às circunstâncias do caso concreto e apuradas nos autos.

24.Não podemos perder de vista que, a Recorrente sofreu ferimentos, designadamente, traumatismos vários e fractura no terço superior do úmero esquerdo, Défice Temporário Parcial entre 316 e 322 dias, e sequelas que resultaram num défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos.

25.Nos autos apenas resultou provada a seguinte matéria:

“11 - Em consequência do acidente, a A. ficou ferida, tendo, por essa razão, sido transportada ao Serviço de Urgência do Centro Hospitalar ..., em V....

12 - Após a realização de vários exames radiográficos, foi-lhe diagnosticado, em consequência direta e necessária da colisão: traumatismo do braço e ombro esquerdos, com fratura no terço superior do úmero esquerdo.

13 - Em consequência, foi-lhe efetuada a imobilização do referido membro superior, com ligaduras tipo gerdy, recolhendo a casa, nesse mesmo dia.

14 - Foi-lhe ministrada medicação, para toma oral e intravenosa.

15 - Posteriormente, passou a ser acompanhada nos serviços clínicos protocolados com a R., no Hospital ..., em ..., onde, por diversas vezes, foi consultada e submetida a exames.

40 - A A. teve um défice funcional temporário parcial situado entre de 316 e 322 dias.

41 - E ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físicopsíquica de 13 pontos.

42 - As sequelas que lhe advieram, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual de caixa de supermercado, embora impliquem esforços suplementares.

74 - Sofreu um quantum doloris de grau 4;

75 - E uma repercussão nas atividades desportivas e de lazer entre o grau 1 e o grau 2;

76 - E uma repercussão permanente na atividade sexual de grau 2.”

26.Mas, não resultou provada a seguinte matéria de facto:

“6 - Os rendimentos da A., tinham por base o salário mínimo nacional, acrescido do respetivo subsídio de alimentação.

7 - A A. ficou com incapacidade total para o exercício da sua atividade profissional habitual de operadora de caixa de supermercado ou de qualquer outra compreendida na sua área de preparação técnica, concretamente de auxiliar de ação educativa, para a qual recebeu formação ou outras compatíveis com a sua preparação, que impliquem a utilização do braço esquerdo.

8 - Ainda hoje não consegue trabalhar, em consequência das sequelas de que ficou a padecer.

27.Ou seja, da matéria de facto apurada, em conjugação com os critérios jurisprudenciais, decorre que o montante indemnizatório fixado a este propósito é arbitrário e assente em critérios subjectivos do juiz de 1.ª instância,

28.Que contrariamente ao pretendido, não analisou correctamente as circunstâncias apuradas e não apuradas neste sentido.

29.Importa realçar, a este propósito, que constitui entendimento pacífico no seio da Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que os valores a fixar, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 496.º do Código Civil, variam em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente das lesões sofridas, da intensidade das dores sofridas, do período de tempo durante a qual as dores se prolongam e do eventual pressentimento da morte.

30.Veja-se, a este propósito, o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 28.11.2013, disponível em www.dgsi.pt, onde se lê: “(…) 2. Não se deve confundir a equidade com a mera arbitrariedade ou com a entrega da solução a critérios assentes no puro subjectivismo do julgador, devendo aquela traduzir a “justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei”, devendo o julgador “ter em conta as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida”.

31.Desta forma, a indemnização de € 40.000,00, é manifestamente desproporcionada e violadora do princípio da igualdade e da equidade, pelo que deve, desde já, improceder o peticionado pela Recorrente, com todas as consequências legais.

Senão vejamos,

32.Através da fixação de indemnização de danos não patrimoniais, visa o Tribunal compensar o lesado pela dor ou sofrimento, de ordem física ou psicológica, ou outras consequências de natureza não patrimonial, através do recebimento de uma quantia pecuniária que possa mitigar os efeitos do acto lesivo.

33.Atente-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 2016, processo n.º 7793/09.8T2SNT.L1.S1, na parte em que refere que “a compensação de danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496.º, n.º 1, do CC), não pode – por definição – ser feita através da fórmula da diferença. Deve antes ser decidida pelo tribunal segundo um juízo de equidade (art. 496.º, n.º 4, primeira parte, do CC), tendo em conta as circunstâncias previstas na parte final do art. 496.º do CC”.

34.Atente-se, também, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Janeiro de 2017, no processo n.º 3214/11.4TBVIS.C1,S1, na parte em que refere que “no critério a adoptar, não se devem perder de vista os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, procurando – até por uma questão de justiça relativa – uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8.º do CC. Para tal efeito, são relevantes, além do mais: a natureza, multiplicidade e diversidade das lesões sofridas; as intervenções cirúrgicas e tratamentos médicos e medicamentosos a que o lesado teve de se submeter; os dias de internamento e o período de doença; a natureza e extensão das sequelas consolidadas, o quantum doloris, o dano estético, se o houver”.

35.Assim, conclui-se que a equidade constitui critério de quantificação do montante a arbitrar a título de indemnização por danos não patrimoniais, devendo atender-se à gravidade e extensão dos danos causados, ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica do lesado e às demais circunstâncias do caso que se justifique atender, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 496.º do Código Civil.

36.Nesta medida, recorrendo ao método comparativo ao nível dos critérios usados na determinação da indemnização por danos não patrimoniais, encontramos diversas decisões, ao nível da jurisprudência, que entendemos pertinente considerar.

37.Assim, atente-se por exemplo, na decisão proferida pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Maio de 2014, processo n.º 1040/11.4TBVNG.P1.S1, que, numa situação em que um lesado com 35 anos, ficou com uma IPP de 10%, sofre dores ao nível da coluna cervical e do pé direito (nos movimentos de eversão e reversão), deixou de fazer caminhadas, convivendo menos com os amigos, sofre de irritabilidade e receio manifestado até em sonhos, tem dificuldade em adormecer, teve o pé engessado pelo período de 15 dias e faz fisioterapia, fixou uma indemnização de € 15.000,00.

38.Na decisão proferida pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo n.º 1057/3.0T2STC.E1, que, numa situação de uma lesada com 58 anos que teve o período de défice funcional temporário parcial de 333 dias, o quantum doloris de grau 3 numa escalada de 1 a 7, défice funcional permanente de 7 pontos, repercussão na actividade desportiva e de lazer grau 2 numa escala de 1 a 7, e acompanhamento psiquiátrico e psicológico permanente, o tribunal fixou uma indemnização no valor de € 12.000,00.

39.Ora, conforme decorre da análise da Jurisprudência proferida pelos Tribunais Superiores, é manifesto que a indemnização atribuída referente a danos não patrimoniais é manifestamente excessiva.

40. De facto, da análise, colhe-se que a orientação da indemnização pelos danos não patrimoniais se situa, em regra, em valores que oscilam entre os € 12.000,00 e os € 15.000,00.

41.Nesta conformidade, entende a Recorrente que o valor indemnizatório decorrente dos danos não patrimoniais pelo Tribunal da Relação em € 40.000,00 é, no caso concreto, desadequado, desajustado e desapropriado, e extravasou a margem de liberdade consentida pelo recurso à equidade.

42.Atento o exposto, deve ser improcedente a alegação da Recorrente quanto a esta matéria.

Termos em que o presente recurso não deve merecer provimento.

Assim se fará, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!


*


Da (in)admissibilidade do recurso da autora:

Em causa, tanto no recurso subordinado da autora como no recurso independente da ré, o montante dos danos patrimoniais futuros a sofrer pela autora, em consequência das lesões que que lhe foram causadas pelo acidente de que foi vítima, bem como o montante dos danos não patrimoniais que do mesmo acidente lhe foram advenientes.

Relativamente aos danos patrimoniais futuros, a 1ª Instância fixou estes danos em 40.000,00€ e, o Ac. recorrido aumentou para 50.000,00€.

Relativamente aos danos não patrimoniais, a 1ª Instância arbitrou os danos em 25.000,00€ e, o Ac. recorrido aumentou para 40.000,00€.

No computo dos dois segmentos, quer no global, quer em cada um em particular, verifica-se dupla conforme melhorada.

Se a Relação mantivesse o montante arbitrado pela 1ª Instância havia dupla conforme impeditiva do recurso de revista dita normal, pelo que, e por maioria de razão, a situação de decisão para melhor também é impeditiva do recurso de revista normal.

Como se notou, verifica-se assim dupla conforme, donde, e como previsto no art. 671º, nº 3, do CPC, não é admitida a revista.

É referido no Ac. deste STJ de 06-11-2018, proferido no proc. nº 452/05.2TBPTL.G2.S1 que: a admissibilidade do recurso de revista “depende da reunião de certos pressupostos gerais e especiais constantes da lei. É especialmente relevante o artigo 671.º, n.º 3, do CPC, onde se dispõe que, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no n.º 2 da mesma norma e salvaguardados no n.º 3 do artigo 671.º do CPC”.

 Mais aí se referindo que, “mas sempre observando e nunca comprometendo a teleologia subjacente à dupla conforme, ou seja, o propósito de evitar que sejam reapreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça questões relativamente às quais existe significativa estabilidade, indiciada pela existência de duas decisões coincidentes proferidas por dois tribunais diferentes, com o objetivo último de racionalizar o uso dos meios processuais e valorizar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça”.

No mesmo sentido, veja-se o Ac. de 10.04.2014, no Proc. 2393/11.5TJLSB.L1.S1, onde se diz que  nos “casos em que a parte dispositiva da decisão contenha segmentos decisórios distintos e autónomos, (podendo as partes, por conseguinte, restringir o recurso a cada um deles), o conceito de dupla conforme terá de se aferir, separadamente, relativamente a cada um deles.

Concluindo-se no citado Ac. de STJ de 06-11-2018 que, “Quando a decisão recorrida é decomponível em mais do que um segmento decisório autónomo, verificando-se dupla conforme relativamente a um deles, não fica impedido o recurso de revista para apreciação das questões que respeitem aos restantes, se nessa parte, legalmente for admissível recurso”.

Mas mesmo que se entendesse que a dupla conforme se verifica em relação à decisão no seu todo, igualmente se verificaria dupla conforme pois que a autora, no computo global também ficou beneficiada com a decisão do Tribunal da Relação, em comparação com a decisão da 1ª Instância.

Dispõe o referido nº 3 do art. 671º do CPC que: “3 - Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.”

E uma decisão benéfica nunca pode ser considerada disforme da anterior para efeitos do disposto no nº 3 do art. 671º do CPC, e a “desconformidade” será meramente literal ou aparente como, a tais situações se refere Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo civil, 5ª ed., pág. 371.

Este é o entendimento da doutrina e da jurisprudência, que em situações como a que se verifica nos autos há dupla conforme para efeitos do previsto no art. 671º, nº 3 do CPC.

Face ao exposto, só podemos concluir que se verifica a dupla conforme, com confirmação para melhor, pela Relação, da sentença da 1ª instância.

Assim, e tendo em conta as decisões das instâncias temos que se verifica dupla conforme, para efeitos do disposto no nº 3 do art. 671º do CPC, relativamente às questões suscitadas pela autora no recurso que interpôs.

Dupla conforme a recurso subordinado:

Entendeu este Supremo Tribunal de Justiça que a verificação de dupla conforme é impedimento do recurso de revista, mesmo em relação ao recurso subordinado.

Assim o decidiu o AUJ de 27-11-2019, proferido no Proc. nº 1086/09.8TJVNF.G1.S1-A, com o seguinte segmento uniformizador:

“O recurso subordinado de revista está sujeito ao n.º 3 do art. 671.º do CPC, a isso não obstando o n.º 5 do art. 633.º do mesmo Código.

Jurisprudência uniformizada publicada sob n.º 1/2020, in DR n.º 21/2020, Série I de 30-01-2020).

Assim a verificação de situação de dupla conforme da decisão impugnanda, é obstativa do recurso subordinado.

Quanto à possibilidade de admitir tal recurso como excecional, necessário era que fosse requerida e admitida a revista excecional, nos termos do disposto no art. 672º do CPC.

Concluímos que, tendo o acórdão da Relação confirmado (para melhor) a sentença da primeira instância existe uma situação de dupla conforme nos termos do disposto no artigo 671º nº 3 do Código de Processo Civil e do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 27.11.2019 proferido no processo nº 1086/09.8TJVNF.G1.S1-A, obstativa da interposição de  recurso subordinado pela autora.

Não se admite o recurso subordinado interposto pela autora.

Mantem-se admitido o recurso de revista interposto pela ré.

Cumpre apreciar e decidir.


*


Nas Instâncias foram julgados como provados e não provados, os seguintes factos:

“Factos considerados provados:

1 - No dia 21 de agosto de 2018, pelas 12.00 horas, na estrada municipal n º ...91-1, que liga M... a V..., na localidade de ..., freguesia ..., concelho ..., ocorreu um embate entre dois veículos.

2 - Foram intervenientes nesse embate, os seguintes veículos:

a) Ligeiro de passageiros, de marca Peugeot, modelo 308, com a matrícula ..-EH-.., conduzido por BB, “pertencente” a CC, que circulava no sentido de trânsito V... - M..., pela hemi-faixa direita;

b) Ligeiro de passageiros, de marca Ford, modelo WA6, com a matrícula ..-DA-.., “pertencente” a DD e por si conduzido, que circulava em sentido oposto, ou seja, no sentido de trânsito M... - V..., pela hemi-faixa direita.

3 - A A. seguia como passageira, sentada no lugar traseiro, do lado esquerdo, no veículo de matrícula ..-EH-...

4- A via, no local onde ocorreu o embate entre os veículos, constitui uma curva à esquerda, com inclinação descendente, atento o sentido de marcha do veículo de matrícula ..-EH-...

5 - O piso era de asfalto, não tinha buracos ou irregularidades e encontrava-se seco.

6 - Era de dia, estava sol e havia boa visibilidade.


7 - Ao chegar ao local mencionado supra em 1, quando veículo de matrícula ..-EH-.. se aprestava para abordar a curva que, no local, se desenha para a sua esquerda, o seu condutor perdeu o controlo da viatura, que saiu da sua mão de trânsito e foi invadir a hemi-faixa contrária à sua, por onde seguia o veículo de matrícula ..-DA-...

8 - Em consequência, deu-se a colisão/embate entre a parte frontal esquerda do veículo de matrícula ..-EH-.. e a parte frontal esquerda do veículo de matrícula ..-DA-.., que ocorreu dentro da hemi-faixa de trânsito reservada ao sentido de trânsito M... - V....

9 - A Ré assumiu a responsabilidade pela produção do acidente, tendo prestado à A. serviços clínicos tendentes à sua recuperação, tendo-lhe assegurado, durante um certo período temporal, a assistência de terceira pessoa, reembolsando-a, ainda, de algumas despesas de transporte e outras, por si suportadas até à data da alta clínica, atribuída pelos seus serviços clínicos.

10 - Mediante contrato de seguro, titulado pela apólice n º ...57, estava transferida para a R., a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula ..-EH-...

11 - Em consequência do acidente, a A. ficou ferida, tendo, por essa razão, sido transportada ao Serviço de Urgência do Centro Hospitalar ..., em ....

12 - Após a realização de vários exames radiográficos, foi-lhe diagnosticado, em consequência direta e necessária da colisão: traumatismo do braço e ombro esquerdos, com fratura no terço superior do úmero esquerdo.

13 - Em consequência, foi-lhe efetuada a imobilização do referido membro superior, com ligaduras tipo gerdy, recolhendo a casa, nesse mesmo dia.

14 - Foi-lhe ministrada medicação, para toma oral e intravenosa.

15 - Posteriormente, passou a ser acompanhada nos serviços clínicos protocolados com a R., no Hospital ..., em ..., onde, por diversas vezes, foi consultada e submetida a exames.

16 - Por indicação da R., a A. deslocou-se ao Hospital ..., no ..., onde efetuou exames,

17 - Tendo-lhe, aí, sido indicada a realização de hidroterapia;

18 - Que efetuou no Hospital ..., na Santa Casa da Misericórdia, a expensas da R., onde se deslocou, para o efeito, três vezes por semana, para sessões de trinta minutos cada e, durante cerca de três meses;

19 - Bem como lhe foi indicada a realização de fisioterapia;

20 - Que realizou, entre fevereiro e junho de 2019, deslocando-se, para o efeito, inicialmente, a casa da A., um fisioterapeuta da Clínica ..., para sessões diárias, de uma hora cada;

21 - E, posteriormente, a A. passou a ser submetida às sessões de fisioterapia, na própria clínica, onde passou a dirigir-se para o efeito, três vezes por semana, durante cerca de dois meses, até junho de 2019, tendo sido submetida a um total de 50 tratamentos, que ocorreram diariamente.

22 - A A. continuou em consultas, no Hospital ..., no ..., numa cadência mensal, para acompanhamento da sua situação clínica, altura em realizou sempre exames, tais como, TAC e radiografias.

23 - Por permanecer com dores e por não esta esclarecida se deveria, ou não, ser operada, a A. solicitou acompanhamento, na especialidade de ortopedia, no Centro Hospitalar ..., E.P.E, Unidade Hospitalar ..., onde passou a ser seguida na referida especialidade e na qual manteve acompanhamento em consulta externa.

24 - No dia 23 de dezembro de 2018, a A. deslocou-se ao Hospital ..., no ..., onde realizou TAC e RX e foi consultada, na especialidade de ortopedia, pelo Dr. EE;

25 - Que concluiu pela necessidade de cruentação do foco de psudartrose e osteossíntese com placa.

26 - A A. continuou a efetuar os tratamentos de hidroterapia e fisioterapia, indo, também, às consultas de fisiatria, ao Hospital ... e ao Hospital ..., em ..., em ambos se constatando que, não poderiam ser alterados os tratamentos, por não haver consolidação da lesão.

27 - Findos os tratamentos, a A. foi submetida a uma última consulta e uma primeira avaliação médica, quando estava ainda em tratamentos, tendo sido submetida a uma segunda consulta, na qual lhe atribuíram alta definitiva, o que ocorreu no dia 9 de Julho de 2019.

28 - A tomografia axial computorizada realizada ao ombro e braço esquerdos da A., no Hospital ..., em 15 de Janeiro de 2020, revelava: a) Sinais de fratura cominutiva da diáfise do úmero, atingindo o colo cirúrgico, existindo sinais de impactação e desalinhamento valorizável dos topos ósseos; b) Obtém-se angulação dos topos ósseos diafisários de aproximadamente 28 graus; c) Há sinais de formação de calo ósseo, traduzindo consolidação; d) A cabeça umeral encontra-se centrada na cavidade glenóide; e) Amplitude articular gleno-umeral preservada; f) Corpos musculares da coifa dos rotadores com volume preservado; g) Sem derrame articular gleno-umeral.

29 - Em 15-01-2021, a A. apresentava, no membro superior esquerdo: tumefação dolorosa a nível da face anterior do 1/3 proximal do braço, palpável, mas não visível a distância social; arco de mobilidade ativo; flexão anterior 0-90º; abdulação 0-80º; rotação externa a 60º; rotação interna L3; sem atrofia aparente do deltoide; atrfia muscular do braço de 1,5 cm (medida 10 cm abaixo do acrómio-esq-26 cm; direito 27,5 cm; em dismetria do braço (29 cm bilateral, medida do acrómio até ao epicôndilo lateral); sem défice de mobilidade do cotovelo esquerdo, com ângulo de carga mantido.

30 - Em 22-06-2021, a A. apresentava dor à palpação da face anterolateral do braço esquerdo, principalmente no seu terço médio, com tumefação dura palpável. Em termos de mobilidade articular, conseguia levantar a mão ao ombro contralateral, tendo dificuldade em levar a mão à região cervical, não a conseguindo levar à região lombar. Flexão 0º-90º (vs. 0º-180º à direita), extensão 0º-30º (vs. 0º-60º à direita), abdução 0º-70º (vs. 0º-180º à direita) e rotação interna e externa 0º-60º (vs. 0º-80º à direita). Diminuição da força muscular do membro superior esquerdo (grau 4+/5). Atrofia muscular do braço de 1 cm: 28 cm a esquerda e 29 cm a direita (medidos a 10 cm do olecrânio).

31 - À data do embate, a A. não estava a trabalhar.

32 – A Autora trabalhou no Supermercado ... até 25/05/2018, exercendo funções de operadora de caixa, a tempo parcial, tendo estado de licença de maternidade face ao nascimento do seu filho no dia 28 de dezembro de 2017.

33 - Auferindo um montante irregular, rondando, em média, os €400,00 mensais. 34 - Era intenção da A. voltar a trabalhar, o que pretendia fazer, após o verão de 2018.

35 - E havia-lhe sido garantido, pela sua anterior entidade patronal que, após o verão, ou seja, a partir do início do mês de setembro, se encontrava para si disponível, a função de operadora de caixa, que havia exercido anteriormente, mediante o pagamento do salário mínimo.

36 - A A. ficou impedida de trabalhar durante vários meses, pelo menos até julho de 2019, não tendo, consequentemente, ido trabalhar para o Supermercado ... e, não tendo, consequentemente, auferido o respetivo salário.

37 - E apesar de lhe terem surgido oportunidades de emprego, não as aceitou, por se sentir incapaz para as executar, por causa das lesões decorrentes do embate.

38 - Entretanto, frequentou um curso de formação.

39 - Tendo auferido uma bolsa de formação mensal de € 148,52, durante o ano de 2020, bolsa esta que auferiu, pelo menos, entre dezembro de 2019 e junho de 2020.

40 - A A. teve um défice funcional temporário parcial situado entre de 316 e 322 dias.

41 - E ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos.

42 - As sequelas que lhe advieram, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual de caixa de supermercado, embora impliquem esforços suplementares.

43 - A A. nasceu no dia .../.../1982.

44 - A A. sente dificuldade em exercer tarefas do seu quotidiano, tais como cozinhar, fazer limpezas, cuidar da sua roupa e dos filhos, o que faz à custa de maior esforço e sacrifício.

45 - E não consegue estender a roupa numa corda mais alta e carregar/levantar compras mais pesadas, com o braço esquerdo.

46 - Consegue conduzir, em circuitos pequenos, com agravamento álgico quando tem de conduzir maiores distâncias.

47 - Em virtude das lesões que sofreu, esteve impedida de realizar autonomamente, as tarefas normais do seu dia-a-dia, durante vários meses, designadamente, de cuidar da sua higiene pessoal e da sua alimentação, em especial de tomar banho, vestir-se e calçar-se;

48 - Bem como, de conduzir, de transportar as compras do supermercado, de cuidar da limpeza e arrumação da casa, de confecionar as refeições e de prestar regular acompanhamento aos seus filhos menores, mormente ao seu filho mais novo, que tinha apenas sete meses de idade à data da colisão, e que a A. amamentava.

49 - As dores e incómodos decorrentes das lesões sofridas, impediram-na, nos meses seguintes à ocorrência do embate, de conseguir no leito uma posição que lhe permitisse um sono descansado, só tendo conseguido fazê-lo, à custa de medicação analgésica para o efeito.

50 - Sofreu de perturbações do sono, acordando durante a noite, não conseguindo a qualidade de sono que tinha antes do embate.

51 - Viu-se obrigada a repouso absoluto e esteve dependente da ajuda de terceira pessoa, para as tarefas normais da sua vida, designadamente, para cuidar da sua higiene pessoal e alimentação, para apoiar os filhos menores, para cuidar do vestuário, da limpeza e asseio da casa e para prestar os cuidados ao seu filho de apenas sete meses, concretamente, para o colocar e retirar do colo, aquando da amamentação, para lhe mudar as fraldas, lhe assegurar as refeições e dar o banho diário.

52 - Logo após o ocorrido, a mãe da A. auxiliou a sua filha e o seu agregado familiar, o que se prolongou até quase ao final do mês de outubro, e depois, auxiliou-a também, durante cerca de 15 dias, no mês de dezembro, por altura do Natal.

53 - Entre novembro de 2018 e março de 2019, a R. foi auxiliada por terceira pessoa, durante quatro horas diárias, por cada dia útil da semana.

54 - A A. careceu do sobredito auxílio para as tarefas normais do seu dia-a-dia, cuja execução, ficou privada de assegurar, mormente, a tarefa de amamentação do seu bebé e demais cuidados a prestar-lhe;

55 - Bem como, ainda, para tomar banho, vestir-se e calçar-se, cozinhar, efetuar tarefas de limpeza e asseio da casa, cuidar do vestuário de todos os membros do agregado familiar, transportar as compras do supermercado, bem como para outras tarefas inerentes ao seu quotidiano.

56 - Para prestar à A. os cuidados de que a mesma necessitou, a sua mãe deixou de trabalhar em ..., onde exercia funções de empregada doméstica;

57 - Em consequência do que, deixou de auferir dois meses de salários, num total de € 800,00.

58 - Após o regresso da sua mãe a ..., a A. passou a contar também com o auxílio da mãe e da irmã do seu companheiro, que a passaram a ajudar na execução das suas tarefas.

59 - Ocasionalmente, a A. fazia natação, na piscina e, andava de bicicleta. 60 - E costumava fazer caminhadas.

60 - E costumava fazer caminhadas.

61 - Mercê do ocorrido, durante meses, deixou de fazer caminhadas, assim como deixou de nadar e de andar de bicicleta, por não poder fazê-lo.

62 - Sentiu ansiedade, sentiu-se diminuída, sofreu abatimento físico e psíquico e desequilíbrio emocional.

63 - Sentiu-se deprimida e desgostosa e perdeu alegria de viver, durante meses.

64 - Sentiu, e continua a sentir, dores, para as quais necessitou e, continuará a necessitar, de medicação/analgésicos.

65 - As lesões sofridas pela A., foram também fortemente condicionadoras da sua atividade sexual, durante cerca de sete/oito meses;

66 - O que contribuiu para alguma frustração da sua relação amorosa e concorreu também para a tristeza emocional que sofreu.

67 - Com muito pesar, sentiu e sente, o facto de ter ficado impedida de pegar ao colo o seu filho mais novo.

68 - Viu-se obrigada a permanecer com o braço esquerdo totalmente imobilizado, durante vários meses, numa primeira fase com recurso a gesso e posteriormente a um imobilizador.

69 - Foi submetida a vários exames radiográficos e consultas. 70 - Era dinâmica, alegre, trabalhadora e sociável.

71 - Sofreu uma baixa de autoestima, não se sentindo bem em convívios sociais e familiares, pelas dores que sofreu em consequência do ocorrido.

72 - O facto de ter dificuldade em realizar alguns afazeres e estar impossibilitada de realizar outros, fá-la sentir-se inútil, causando-lhe tristeza e amargura.

73 - Passou a ser uma pessoa mais triste, fechada e revoltada com a sua situação. 74 - Sofreu um quantum doloris de grau 4;

75 - E uma repercussão nas atividades desportivas e de lazer entre o grau 1 e o grau 2;

76 - E uma repercussão permanente na atividade sexual de grau 2.

77 - Em consequência das lesões sofridas, viu-se obrigada a deslocar-se para diversas consultas, exames e tratamentos.

78 - Porque não se sentia curada e para se esclarecer se deveria, ou não, ser operada, recorreu aos serviços de ortopedia do Hospital ..., despendendo, em transportes em viatura própria (percorrendo cerca de 100 kms para cada lado), alimentação, portagens e estacionamento, a quantia de € 150,00.

79 - Em serviços postais, para enviar documentação à R., mormente comprovativos de despesas para o competente reembolso, a A. gastou a quantia de € 24,75.

80 - Com a aquisição de equipamento para o exercício de hidroterapia, que lhe foi prescrito, gastou a quantia de € 39,91.

81 - Em consequência da colisão havida, ficaram destruídas umas calças e uma blusa da A., nos valores, respetivamente, de € 50,00 e € 25,00.

82 - A A. gastou € 50,00 em medicação para as dores.

83 - Os serviços clínicos da R. concluíram que, a A. estava afetada de incapacidade permanente geral de 7%, com alta reportada a 09-07-2019.

84 - Apesar de saber que havia sido dada alta clínica à A. e de que lhe advieram sequelas, a R. não lhe remeteu qualquer proposta de indemnização.

85 - Por carta datada de 22-07-2019, que a R. enviou à A., comunicou-lhe que, junto lhe enviava relatório médico referente à avaliação clínica a que fora submetida.

86 - Por comunicação datada de 22-07-2019, a R. solicitou à A., o envio de documentação, com vista à apresentação de proposta extrajudicial.

87 - Por comunicação datada de 18-09-2019, a R. insistiu pelo envio da documentação solicitada.

88 - A A. não remeteu essa documentação à R.

89 - E não lhe apresentou pedido de indemnização.


***


Factos considerados não provados:

1 - Das lesões sofridas em consequência do sinistro, resultaram para a A. outras sequelas definitivas e irreversíveis que não as que constam dos factos provados.

2 - A mãe da A., prestou auxílio à A., desde a data do embate até final de dezembro de 2018.

3 - A mãe da A. trabalhava uma média de oito horas por dia, mediante a retribuição de € 7,00 à hora.

4 - A mãe da A. deixou de ganhar a quantia de € 5.152,00 (€ 7,00 x 8 horas por dia x 92 dias úteis);

5 - Montante que a A. lhe irá pagar, assim que receba da R.

6 - Os rendimentos da A., tinham por base o salário mínimo nacional, acrescido do respetivo subsídio de alimentação.

7 - A A. ficou com incapacidade total para o exercício da sua atividade profissional habitual de operadora de caixa de supermercado ou de qualquer outra compreendida na sua área de preparação técnica, concretamente de auxiliar de ação educativa, para a qual recebeu formação ou outras compatíveis com a sua preparação, que impliquem a utilização do braço esquerdo.

8 - Ainda hoje não consegue trabalhar, em consequência das sequelas de que ficou a padecer.

9 - Carecerá, ao longo da sua vida, de contratar os serviços de uma pessoa, pelo menos, durante 10 horas por semana, para lavar, estender e engomar a roupa e efetuar os trabalhos mais profundos de limpeza e asseio da casa, que a mesma não consegue, nem conseguirá, realizar.

10 - O preço/hora cobrado na região é de € 5,00.

11 - A A. ainda hoje sofre de perturbações do sono e ainda hoje sente dificuldade em encontrar no leito uma posição que lhe permita um sono descansado.

12 - A A. recorreu a ajuda de um psicólogo.

13 - A A. deverá ser, no futuro, intervencionada, para cruentação do foco da pseudartrose e osteossíntese com placa.

14 - Virá a ser submetida a exames e tratamentos, o que lhe demandará novos períodos de internamento, incapacidade para o trabalho, sofrimento físico e psicológico e perdas salariais.

15 - Em termos de défice permanente da integridade físico-psíquica, a A. virá a padecer, a curto/médio prazo, de um défice da integridade físico-psíquica de 32 pontos.

16 - Em 27-07-2019, a R. enviou à A., o relatório de avaliação do dano corporal.


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Conhecendo:

São as questões suscitadas pela recorrente/ré e constantes das respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 608º, 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1, do C.P.C.        

No caso em análise questiona-se:

- Montante devido a título de danos não patrimoniais;

- Montante devido a título de dano futuro (dano biológico);

Questões também enunciadas no recurso subordinado

Entendendo a ré recorrente que os montantes fixados pelo acórdão recorrido, quer num segmento, quer no outro, são exagerados e era entendimento da autora, no recurso subordinado (não admitido), que são exíguos.

Entendendo a ré seguradora que, seguindo os critérios orientadores da mais recente jurisprudência, a indemnização a título de danos não patrimoniais deve ser fixada em valor não superior a € 15.000,00 e, a indemnização por dano futuro/dano biológico deve ser fixada em valor não superior a € 25.000,00.

O acórdão recorrido fixou o dano decorrente do défice funcional permanente da atividade físico-psíquica, ou dano biológico, na quantia de €50.000,00 (sentença tinha fixado 40.00,00€) e para ressarcimento dos danos morais, a quantia de €40.000,00 (a sentença tinha fixado 25.000,00€).

- Apreciação do quantum indemnizatório fixado pelo acórdão recorrido a título de dano moral.

Com base nos factos provados, fundamentou o acórdão recorrido:

“Quanto à fixação da indemnização por danos não patrimoniais, relevam no caso concreto, e no essencial, os seguintes factos provados:

- Em consequência do acidente, a Autora ficou ferida e foi transportada ao Serviço de Urgência do Centro Hospitalar ..., em ...;

- Após a realização de vários exames radiográficos, foi-lhe diagnosticado, em consequência direta e necessária da colisão: traumatismo do braço e ombro esquerdos, com fratura no terço superior do úmero esquerdo;

- Em consequência, foi-lhe efetuada a imobilização do referido membro superior, com ligaduras tipo gerdy, recolhendo a casa, nesse mesmo dia; foi-lhe ministrada medicação, para toma oral e intravenosa.

- Efetuou hidroterapia, deslocando-se três vezes por semana, para sessões de trinta minutos cada, durante cerca de três meses;

- Realizou fisioterapia entre fevereiro e junho de 2019, deslocando-se, para o efeito, inicialmente, a casa da Autora, um fisioterapeuta para sessões diárias, de uma hora cada, e, posteriormente, a Autora passou a ser submetida às sessões de fisioterapia, em clínica, onde passou a dirigir-se para o efeito, três vezes por semana, durante cerca de dois meses, até junho de 2019, tendo sido submetida a um total de 50 tratamentos, que ocorreram diariamente;

- A Autora continuou em consultas, no Hospital ..., no ..., numa cadência mensal, para acompanhamento da sua situação clínica, altura em realizou sempre exames, tais como, TAC e radiografias.

- Por permanecer com dores e por não estar esclarecida se deveria, ou não, ser operada, solicitou acompanhamento, na especialidade de ortopedia, no Centro Hospitalar ..., E.P.E, Unidade Hospitalar ..., onde passou a ser seguida na referida especialidade e na qual manteve acompanhamento em consulta externa;

- A Autora continuou a efetuar os tratamentos de hidroterapia e fisioterapia, indo, também, às consultas de fisiatria, ao Hospital ... e ao Hospital ..., em ..., em ambos se constatando que, não poderiam ser alterados os tratamentos, por não haver consolidação da lesão;

- Teve alta definitiva no dia 9 de julho de 2019;

- Teve um défice funcional temporário parcial situado entre de 316 e 322 dias e ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos;

- Sente dificuldade em exercer tarefas do seu quotidiano, tais como cozinhar, fazer limpezas, cuidar da sua roupa e dos filhos, o que faz à custa de maior esforço e sacrifício, não conseguindo estender a roupa numa corda mais alta e carregar/levantar compras mais pesadas, com o braço esquerdo;

- Consegue conduzir, em circuitos pequenos, com agravamento álgico quando tem de conduzir maiores distâncias;

- Em virtude das lesões que sofreu, esteve impedida de realizar autonomamente, as tarefas normais do seu dia-a-dia, durante vários meses, designadamente, de cuidar da sua higiene pessoal e da sua alimentação, em especial de tomar banho, vestir-se e calçar-se;

- Bem como, de conduzir, de transportar as compras do supermercado, de cuidar da limpeza e arrumação da casa, de confecionar as refeições e de prestar regular acompanhamento aos seus filhos menores, mormente ao seu filho mais novo, que tinha apenas sete meses de idade à data da colisão, e que a Autora amamentava;

- As dores e incómodos decorrentes das lesões sofridas, impediram-na, nos meses seguintes à ocorrência do embate, de conseguir no leito uma posição que lhe permitisse um sono descansado, só tendo conseguido fazê-lo, à custa de medicação analgésica para o efeito;

- Sofreu de perturbações do sono, acordando durante a noite, não conseguindo a qualidade de sono que tinha antes do embate;

- Viu-se obrigada a repouso absoluto e esteve dependente da ajuda de terceira pessoa, para as tarefas normais da sua vida, designadamente, para cuidar da sua higiene pessoal e alimentação, para apoiar os filhos menores, para cuidar do vestuário, da limpeza e asseio da casa e para prestar os cuidados ao seu filho de apenas sete meses, concretamente, para o colocar e retirar do colo, aquando da amamentação, para lhe mudar as fraldas, lhe assegurar as refeições e dar o banho diário;

- Entre novembro de 2018 e março de 2019, foi auxiliada por terceira pessoa, durante quatro horas diárias, por cada dia útil da semana;

- Mercê do ocorrido, durante meses, deixou de fazer caminhadas, assim como deixou de nadar e de andar de bicicleta, por não poder fazê-lo;

- Sentiu ansiedade, sentiu-se diminuída, sofreu abatimento físico e psíquico e desequilíbrio emocional, sentiu-se deprimida e desgostosa e perdeu alegria de viver, durante meses.

- Sentiu, e continua a sentir, dores, para as quais necessitou e, continuará a necessitar, de medicação/analgésicos.

- As lesões sofridas pela Autora, foram também fortemente condicionadoras da sua atividade sexual, durante cerca de sete/oito meses, o que contribuiu para alguma frustração da sua relação amorosa e concorreu também para a tristeza emocional que sofreu;

- Com muito pesar, sentiu e sente, o facto de ter ficado impedida de pegar ao colo o seu filho mais novo.

- Viu-se obrigada a permanecer com o braço esquerdo totalmente imobilizado, durante vários meses, numa primeira fase com recurso a gesso e posteriormente a um imobilizador;

- Foi submetida a vários exames radiográficos e consultas;

- Era dinâmica, alegre, trabalhadora e sociável e passou a ser uma pessoa mais triste, fechada e revoltada com a sua situação, sofreu uma baixa de autoestima, não se sentindo bem em convívios sociais e familiares, pelas dores que sofreu em consequência do ocorrido;

- O facto de ter dificuldade em realizar alguns afazeres e estar impossibilitada de realizar outros, fá-la sentir-se inútil, causando-lhe tristeza e amargura;

- Sofreu um quantum doloris de grau 4, uma repercussão nas atividades desportivas e de lazer entre o grau 1 e o grau 2 e uma repercussão permanente na atividade sexual de grau 2.

Tendo em conta esta factualidade, considerando as lesões sofridas e os tratamentos a que a Autora foi sujeita, com particular destaque para o longo período temporal em que esteve afetada, bem como as sequelas de que ficou a padecer, tendo ainda em atenção que fruto dessas sequelas ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos, uma repercussão nas atividades desportivas e de lazer entre o grau 1 e o grau 2 e uma repercussão permanente na atividade sexual de grau 2, consideramos que, ao contrário do que sustenta a Ré, nunca seria de reduzir o montante indemnizatório fixado pela 1ª Instância a título de danos não patrimoniais.

Pelo contrário, atendendo à factualidade suprarreferida, formulando o necessário o juízo de equidade e considerando os valores que vêm sendo definidos pela jurisprudência para casos similares, julgamos adequado para compensar os danos não patrimoniais fixar a indemnização em €40.000,00, em vez dos €25.000,00 arbitrados pelo tribunal a quo, valor já reportado à presente data e que se mostra enquadrado nos valores indemnizatórios fixados a título de danos não patrimoniais pela jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Nos termos do art. 496º, nº 1, do Cód. Civil, “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

E o n.º 3 do referido art. 496º e o art. 494º do mesmo diploma dispõem que a indemnização por danos não patrimoniais seja fixada de forma equitativa pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica e as demais circunstâncias do caso.

No caso apenas está em causa a graduação dos danos nesta sede, estando fixada a culpa do condutor do veículo segurado da ré.

Conforme Ac. de 07-10-2021, por nós relatado, no Proc. nº 235/14.9T8PVZ.P1.S1 “A fixação da indemnização em termos de equidade deve ter em conta as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida. Em caso de julgamento segundo a equidade, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, aquelas regras”.

Ensina Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10.ª Edição, Almedina, pág. 605, nota 4, seguido pela jurisprudência dos nossos tribunais, que o juízo de equidade requer do julgador que tome “em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida”, sem olvidar que a “indemnização” por tais danos tem natureza mista, pois que visa, ainda, reparar o dano, mas também reprovar a conduta lesiva.

Como refere o Ac. do STJ de 16-12-2017, no Proc. nº 1509/13.1TVLSB.L1.S1 “Com efeito, ante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização dos danos não patrimoniais não pode ter por escopo a sua reparação económica. Visa sim, por um lado, compensar o lesado pelo dano sofrido, em termos de lhes proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão; e, por outro lado, servir de sancionamento da conduta do agente”.

Face à matéria de facto, relevando as lesões sofridas e os tratamentos a que a autora foi sujeita, que se prolongaram por longo período sempre com a incerteza quanto ao restabelecimento e deficiência que lhe podia resultar para toda a vida, e que vieram a verificar-se, sendo de salientar que a autora ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos, com prejuízo para o seu quotidiano nomeadamente em atividades desportivas e de lazer entre o grau 1 e o grau 2 e uma repercussão permanente na atividade sexual de grau 2, não é menos impressivo o facto de a autora amamentar o seu filho com sete meses na altura e do acidente advieram-lhe dificuldades e cuidar do filho, dar-lhe de mamar, dar-lhe colo e de o aconchegar.

Resulta dos factos provados que para além da frustração em a autora não ser autossuficiente para cuidar de si própria durante um longo período, lhe causou grande transtorno o facto de não poder proporcionar ao filho todos os cuidados que poderia prestar se não tivesse sofrido o acidente.

Resulta dos factos provados que a autora se viu obrigada a repouso absoluto, a estar dependente da ajuda de terceira pessoa para as tarefas normais do dia a dia, nomeadamente para cuidar da sua higiene pessoal e alimentação, da limpeza e asseio da casa, mas principalmente por não poder cuidar dos filhos menores, e em particular para prestar os cuidados ao seu filho de apenas sete meses, para o colocar e retirar do colo para o amamentar, ou só para lhe dar o colo de que precisava, para lhe mudar as fraldas, para lhe assegurar as refeições e para lhe dar o banho diário.

Tendo em conta estes factos e atenta a idade da autora e, segundo as regras da experiência, este tipo de mazelas são para a vida e com tendência para se agravarem com o adiantar da idade, não se tem por desajustada aos padrões seguidos pela jurisprudência a indemnização de 40.000,00€ fixada no acórdão recorrido, que não afronta as regras da prudência e equidade.

Devem ser observados os padrões de indemnização seguidos pela prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8º do Cód. Civil.

Não se pode atender só à prática seguida pela jurisprudência de equivaler indemnizações para factos semelhantes e estagnarem os montantes indemnizatórios, porque os termos de comparação se referem a situações passadas, devendo ser tida em conta a evolução, fazendo o acompanhamento do aumento do custo de vida (inflação) e o aumento dos rendimentos médios das pessoas.

E as indemnizações a atribuir por danos não patrimoniais não podem ser meramente simbólicas, devendo antes mostrar-se adequadas ao fim a que se destinam, ou seja, atenuar a dor sofrida pelo lesado e também reprovar, no plano civilístico, a conduta do agente.

Pelo que se julga improcedente o recurso neste segmento.


*


- Apreciação do quantum indemnizatório fixado pelo acórdão recorrido a título de dano patrimonial futuro, dano biológico.

Nos termos do art. 562º do Cód. Civil, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.

Na determinação do montante da justa indemnização destinada a ressarcir danos futuros, perante a constatação da impossibilidade de averiguar o valor concreto dos danos, tem a jurisprudência recorrido ao juízo de equidade a que se reporta o art. 566º, n.º 3, do Cód. Civil, a partir dos elementos de facto apurados, conjugados com diversos critérios de cálculo de natureza instrumental.

O art. 566º do Cód. Civil, consagra o princípio da reconstituição natural do dano, mandando o art. 562º reconstituir a situação hipotética que existiria se não fosse o facto gerador da responsabilidade e não sendo possível a reconstituição natural, não reparando a mesma integralmente os danos ou sendo excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro – nº1. do art. 566º.

E a indemnização pecuniária deve medir-se pela diferença entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido, diferença que se estabelece entre a situação real atual e a situação hipotética correspondente ao mesmo momento.

Deve atender-se aos danos futuros, nº 2, do art. 564º, desde que previsíveis, sendo que o nº 3, do art. 566º, confere ao tribunal a faculdade de recorrer à equidade quando não seja possível, designadamente face à imprecisão dos elementos de cálculo, fixar o valor exato dos danos.

Assim, a lei prevê a indemnização dos danos futuros, exigindo tão só a sua previsibilidade.

Constitui entendimento da jurisprudência que a indemnização a arbitrar por tais danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida e não apenas em função da duração da vida profissional ativa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma.

Não havendo fórmula exata de cálculo destes danos, a solução encontrada deve ser mitigada, como já dito, com o recurso à equidade.

A fixação da indemnização em termos de equidade deve ter em conta as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida. Em caso de julgamento segundo a equidade, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, aquelas regras.

“IV. O juízo de equidade de que se socorrem as instâncias para a fixação de indemnizações por danos patrimoniais futuros e por danos não patrimoniais, alicerçado na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos padrões que, generalizadamente, se entende deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade” – Ac. do STJ desta Secção, de 26-01-2021, no proc. nº 688/18.6T8PVZ.P1.S1.

A equidade desempenha um papel corretor e de adequação da indemnização decretada às circunstâncias do caso, nomeadamente quando, como é frequente, os tribunais recorrem a “cálculos matemáticos e tabelas financeiras.

Os danos futuros decorrentes de uma lesão física “se não reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; que, por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução. Nomeadamente, não pode ser considerada a relevância da lesão apenas com referência à vida activa provável do lesado; antes se há de considerar também o período posterior à normal cessação de actividade laboral, com referência à esperança média de vida (…)” (cfr. também os acórdãos deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 1999, proc. nº 99B717, e de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02A1321, disponíveis em www.dgsi.pt).

Esse recurso à equidade não afasta, todavia, a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível, naturalmente, com a devida atenção às circunstâncias do caso.

É entendimento deste STJ que, não equivalendo a equidade a arbitrariedade, a fixação de indemnização com recurso a esse juízo não pode surgir como expressão de sensibilidades ou intuições meramente subjectivas do julgador, tendo antes de se alicerçar em factualidade donde se possa, com base em padrões sedimentados na experiência comum, chegar a um valor racional – neste sentido cfr. acórdão de 21-04-2016, Proc. n.º 2138/03.3TCSNT.L1.S1, em www.stj.pt.

Sobre a matéria desta questão diz o acórdão recorrido:

“Analisando os factos concretos temos que a Autora, que nasceu no dia .../.../1982, tinha à data do acidente (21/08/2018) 36 anos de idade e ficou afetada por um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 13 pontos, e, apesar de na data do embate não estar a trabalhar, tinha trabalhado até maio de 2018 no Supermercado ..., exercendo funções de operadora de caixa, a tempo parcial, auferindo um montante irregular, rondando, em média, os €400,00 mensais, tencionando após o verão de 2018 continuar a exercer tais funções mediante o pagamento do salário mínimo.

Deverá ainda atender-se à idade que corresponde à esperança média de vida, sendo que para as mulheres que, como a Autora, nasceram em 1982 a mesma é de 76 anos (cfr. www.pordata.pt), sem esquecer a evolução da esperança média de vida à nascença em Portugal, a qual foi estimada, de acordo com os dados estatísticos revelados pelo INE foi, no triénio 2018/2020, em 81,06 anos, sendo 78,07 anos para os homens e 83,67 anos para as mulheres.

Importa precisar que, independentemente da utilização como ponto de partida de uma qualquer fórmula, o que está efetivamente em causa é a fixação de uma indemnização com recurso a um critério de equidade, a qual se deverá enquadrar dentro dos padrões definidos pela jurisprudência para casos idênticos.

(…)

Assim, importa em cada caso concreto considerar casuisticamente todos os elementos objetivos que decorrem da matéria de facto apurada, analisados sob o prisma da equidade e à luz das regras da experiência, tendo ainda em consideração os valores que vêm sendo atribuídos em casos similares pelos Tribunais Superiores.

(…)

In casu, tendo a Autora ficado afetada por um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 13 pontos, compatível embora com a atividade profissional habitual de caixa de supermercado, mas implicando esforços suplementares, sentindo também dificuldade em exercer tarefas do quotidiano, não conseguindo estender roupa numa corda mais alta e carregar/levantar compras mais pesadas com o braço esquerdo, conseguindo conduzir em circuitos pequenos mas com agravamento álgico quando tem de conduzir maiores distancias, traduzindo-se tais limitações em maior onerosidade no desempenho das tarefas pessoais, mas sendo também suscetíveis de influir negativamente na possibilidade de exercer atividades económicas alternativas, o que se prevê que perdure ao longo da vida expetável, e atendendo aos valores que vêm sendo atribuídos pela jurisprudência para casos similares, entende-se como justo e adequado atribuir à Autora, a título de indemnização por danos patrimoniais futuros (dano biológico na sua dimensão patrimonial), a quantia de €50.0000,00, valor já reportado à presente data, em vez dos €40.000,00 arbitrados pelo tribunal a quo, o que determina, também nesta parte, a parcial procedência do recurso da Autora, e a alteração, em conformidade, da sentença recorrida.

Relevante na fixação da indemnização, nesta sede é o défice funcional permanente fixado em 13 pontos percentuais, compatível com o exercício da atividade que a autora exerceu de caixa de supermercado, mas implicando esforços suplementares, ou seja, não afetarão a sua capacidade de trabalho, nem reduzirão a sua eficiência, qualidade e produtividade, implicam aumento de esforço mas tarefas do quotidiano, como seja carregar algum peso no braço esquerdo, levantar o braço, nomeadamente para estender roupa na corda.

O défice funcional repercute-se, essencialmente, a nível de esforços suplementares que implica.

Nessa medida, tal défice não pode deixar de relevar em sede do chamado dano biológico patrimonial, suscetível, portanto, de indemnização reparatória daquela redução do rendimento económico potencial, com vem sendo seguido pela jurisprudência.

A jurisprudência do STJ, nomeadamente os Acs. do STJ de 12-07-2018, no Proc. nº 1842/15.8T8STR.E1.S1 e de 16-12-2017, no Proc. nº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, tem entendido que a indemnização não deve ser calculada com base no rendimento anual, auferido no âmbito da atividade profissional habitual do lesado, quando o défice funcional não implica incapacidade parcial permanente para o exercício da atividade que exerce, envolvendo apenas esforços suplementares.

Assim entende Rita Mota Soares in Revista Julgar, nº 33º, 2017, pág. 111 e segs., in “.. O Dano Biológico quando da Afetação Funcional não Resulta Perda da Capacidade de Ganho…” ao referir: “se encararmos o dano biológico como uma lesão da integridade psicofísica, não podemos recusar a premissa de que esta é igual para todos.

Nessa medida, nos casos em que os lesados não sofram uma efectiva diminuição dos rendimentos profissionais (quer porque estes não ficam diminuídos, quer porque estão em causa estudantes, desempregados ou reformados), havendo antes a necessidade de maiores esforços para obtenção dos mesmos rendimentos, não há razão alguma para tratamentos diferenciados por referência ao salário ou ao rendimento habitual”.

E em caso de julgamento segundo critérios de equidade, como já dito, deve o tribunal de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, aquelas regras.

Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, está consolidado o entendimento de que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz esta incapacidade é apta a provocar, no lesado, danos de natureza patrimonial e não patrimonial.

E tem sido considerado que, no que àqueles respeita, os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se reconduzem apenas à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental à saúde e à integridade física; por isso, não deve ser arbitrada uma indemnização que tenha em conta apenas aquela redução (cf. Acórdão do STJ de 19.09.2019, P. 2706/17).

E acrescenta este douto acórdão, citando o Acórdão do STJ de 26.01.2017, P. 1862/13):

Havendo uma incapacidade permanente, mesmo que sem rebate profissional, sempre dele resultará uma afectação da dimensão anátomo-funcional do lesado, proveniente da alteração morfológica do mesmo e causadora de uma diminuição da efectiva utilidade do seu corpo ao nível das actividades laborais, recreativas, sexuais ou sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução de tais tarefas que de futuro terá de levar a cargo, próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo. E é neste agravamento de penosidade que se radica o arbitramento de uma indemnização.

O Ac. deste STJ de, 18-03-2021, no Proc. nº 1337/18.8T8PDL.L1.S1, com vítima do sexo feminino, em acidente com igual défice de 13% e 50 anos de idade, arbitrou indemnização no montante de 45.000,00€.

Neste aresto se pode ler: “Em consequência da incapacidade de 13% e das limitações de que ficou a padecer não resultou uma perda patrimonial directa, pois que a A. continua a poder exercer a sua profissão, sem perda de rendimentos; apenas a executará com maiores dificuldades, podendo antever-se com segurança que essa penosidade se agravará com o decorrer dos anos.

Esta perda de capacidade de trabalho permanente de 13%, que impõe à Autora esforços acrescidos no desempenho da sua profissão é indemnizável como dano patrimonial, conforme entendimento constante da jurisprudência (cf., entre outros, os Acórdãos do STJ de 21.03.2013, de 13.07.2017, e o já citado Acórdão de 19.09.2019.

(…)

Tendo presente os exemplos citados e as particularidades do caso, a Autora tinha à data do acidente 50 anos, o tempo previsível de vida que lhe resta, tendo em conta a esperança média de vida nas mulheres que aponta para os 83 anos, a IPP de 13%, com repercussões negativas na qualidade de vida e não apenas no exercício da sua profissão …., afigura-se-nos adequada a indemnização de €45.000,00.”

No caso em analise a autora/vítima tinha 36 anos de idade à data do acidente.

Nos termos expostos e, entendendo que na fixação da indemnização em termos de equidade deve ter-se em conta as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, temos que a indemnização arbitrada, nesta sede, pelo Tribunal recorrido não afronta estas regras pelo é de manter, tendo como justa a quantia de 50.000,00€ aí fixada.


*


Assim, são julgadas improcedentes as conclusões do recurso.

Pelo que o recurso de revista deve ser julgado improcedente.


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Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art. 663 nº 7 do CPC:

I-Uma decisão benéfica nunca pode ser considerada disforme da anterior para efeitos do disposto no nº 3 do art. 671º do CPC, e a “desconformidade” será meramente literal ou aparente.

II- A verificação de dupla conforme é impedimento do recurso de revista, mesmo em relação ao recurso subordinado. Assim o decidiu o AUJ de 27-11-2019, proferido no Proc. nº 1086/09.8TJVNF.G1.S1-A, com o seguinte segmento uniformizador: “O recurso subordinado de revista está sujeito ao n.º 3 do art. 671.º do CPC, a isso não obstando o n.º 5 do art. 633.º do mesmo Código.”

III- Na indemnização com base na equidade, devem ser observados os padrões de indemnização seguidos pela prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8º do Cód. Civil.

IV- As indemnizações a atribuir por danos não patrimoniais não podem ser meramente simbólicas, devendo antes mostrar-se adequadas ao fim a que se destinam, ou seja, atenuar a dor sofrida pelo lesado e também reprovar, no plano civilístico, a conduta do agente.

V- Na determinação do montante da justa indemnização destinada a ressarcir danos futuros, perante a constatação da impossibilidade de averiguar o valor concreto dos danos, tem a jurisprudência recorrido ao juízo de equidade a que se reporta o art. 566º, n.º 3, do Cód. Civil, a partir dos elementos de facto apurados, conjugados com diversos critérios de cálculo de natureza instrumental.

VI- Em caso de julgamento segundo a equidade, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, aquelas regras.

Decisão:

Pelo exposto acordam, no STJ e 1ª Secção Cível:

- Não admitir o recurso subordinado interposto pela autora.

-  Julgar improcedente o recurso de revista interposto pela ré e, consequentemente, confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 12-04-2023


Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro relator

Jorge Arcanjo – Juiz Conselheiro 1º adjunto

Isaías Pádua – Juiz Conselheiro 2º adjunto