RECURSO PER SALTUM
ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Sumário


I. Na apreciação da pena parcelar aplicada por cada crime de abuso sexual de crianças agravado, relevam as circunstâncias de o arguido conhecer as vulnerabilidades da vítima e delas se aproveitar, de os crimes praticados, face à fragilidade da vítima, em razão da idade e do atraso de desenvolvimento, serem suscetíveis de gerar sofrimento mais acentuado e danos maiores no desenvolvimento emocional da menor e o grau de violação dos deveres impostos relativamente à vítima, que resultam das relações de coabitação e de assistência que assumiu enquanto seu padrasto.
II. Os 10 crimes de abuso sexual agravado foram praticados ao longo de 15 meses - esta persistência e a descrita repetição, no quadro global do ilícito, em sede de consideração da pena única, revelam uma personalidade guiada por valores centrados em si mesmo, na obtenção da satisfação sexual própria, em violação de especiais deveres concretos que sobre si recaíam e na desconsideração do outro vulnerável.´
III. A definição oficiosa de reparação, nos termos do art. 82.º-A do CPP, inclui-se no espectro das consequências de natureza penal do crime, como efeito penal da condenação.
IV. O estudo das perturbações e doenças resultantes de crimes desta natureza revela que os efeitos danosos se estendem, muitas vezes, ao longo da vida e que a sua completa perceção pela vítima, quando muito jovem, é adquirida, em número considerável de casos, em idades distantes da prática dos factos.

Texto Integral


Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:



I.    Relatório

1. AA, arguido identificado nos autos, de 43 anos, não se conformando com o acórdão condenatório proferido pelo Juízo Central Criminal ... - Juiz ..., interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto.

O recurso foi admitido para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto nos arts. 399º, 400º, a contrario, 401º, nº 1, al. b), 411º, nº 1, b), e nº 3, e 432º, nº 1, al. c), e nº 2, todos do Código de Processo Penal.

O arguido foi condenado, “como autor imediato, sob a forma consumada e em concurso efectivo de 10 (dez) crimes de abuso sexual de crianças agravado, na forma consumada, ps. e ps. pelos arts. 171º, nº 1 e 177º, nº 1, al. b), do C.P., na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão por cada um; em cúmulo jurídico na pena única de 6 (seis) anos de prisão”.

O Recorrente delimita o recurso à matéria de direito, “por não se conformar com a pena em que foi condenado”.

Conclui a sua motivação: (transcrição)

“I) O Recorrente delimita o presente recurso à matéria de direito, por não se conformar com a pena em que foi condenado, por violação dos arts. 40.º, 70.º, 71.º, do C.P. na fixação da medida da pena; violação dos arts. 50.º, n.º 2 e violação dos arts. 494.º e 496.º do C.C. no que respeita à fixação do montante indemnizatório.

II) A medida da pena concreta aplicada pelo Tribunal “a quo” ao Arguido afigura-se excessiva perante o quadro de circunstâncias tidas em conta, em clara violação com o disposto nos artºs 40.º, 70.º, 71.º, do C.P. bem como o nº 2 do artº 18º da CRP.

III) O Arguido confessou integralmente e sem reservas, de livre e espontânea vontade os factos de que vem acusado, demonstrando um arrependimento sincero, mostrando consternação pela sua conduta, afirmando não se rever na pessoa que praticou os factos confessados.

IV) O Tribunal “a quo” bastou-se com a convicção que formou com base na confissão do arguido conjugado com o teor dos relatórios periciais, não considerando na aplicação da medida da pena, todas as circunstâncias que poderiam e deveriam beneficiar o Recorrente.

V) Além do arrependimento demonstrado pelo Recorrente, o Tribunal “a quo” não teve em conta os sentimentos manifestados pelo Arguido. Este, nas suas declarações, referiu que “não tinha explicação para a sua actuação, afirmando não se rever na pessoa que praticou os factos confessados” nada havendo a registar na sua conduta anterior aos factos e iniciou de “motu próprio” acompanhamento especializado na área de psiquiatria.

VI) A moldura penal aplicável pelo crime de abuso sexual de crianças agravado (agravado de 1/3 nos seus limites mínimo e máximo –artº 177.º, nº 1 alínea b) do C.P). é de 1 ano e 4 meses a 10 anos e 8 meses de prisão.

VII) Na determinação da medida concreta da pena decidiu o Tribunal “a quo” aplicar ao Recorrente a pena concreta de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão por cada um dos crimes de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artºs 171º nº 1 e 177º nº 1 al. b) do C. Penal.

VIII) A medida de 2 anos e 3 meses de prisão por cada um dos 10 crimes mostra-se completamente desajustada, excedendo largamente a medida da culpa.

IX) O Tribunal “a quo”, na determinação da medida concreta da pena, considerou ainda que ”o conjunto dos factos em apreço não é reconduzível a uma mera pluriocasionalidade, mas antes é revelador de uma tendência criminosa” (sublinhado nosso) atribuindo, deste modo, à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta, condenando o Recorrente, na pena única de seis anos de prisão efectiva.

X) O Recorrente é primário, teve sempre bom comportamento, é pessoa trabalhadora, tendo em conta os factos perpetrados e o respectivo contexto, não se poderá concluir pela existência de tendência criminosa de modo a atribuir-lhe um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.

XI) Segundo J. Figueiredo Dias, na escolha da medida da pena única “tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização) ”in www.dgsi.pt

XII) Na escolha e dosimetria da pena, o Tribunal “a quo” não valorou na justa medida todos os aspectos indispensáveis a uma justa e adequada punição, condenando o Recorrente numa pena, praticamente no dobro do mínimo da moldura penal agravada, por cada um dos crimes.

XIII) Tendo em conta os factos dados como provados, a pena de 2 anos e 3 meses, por cada crime é manifestamente desajustada.

XIV) E, por esse motivo, o Recorrente entende que a condenação não poderia ter dado lugar a condenação tão grave como deu - pena de (6) seis anos de prisão efectiva.

XV) Sendo justa e suficiente a aplicação de pena única não superior a cinco anos.

XVI) O n.º 2 do artigo 50.º do CP dispõe que o “cumprimento de deveres”, a “observância de regras de conduta” e “o regime de prova” são acessórios à suspensão da pena e alternativos entre eles (ainda que o n.º 3 permita a cumulação dos dois primeiros), sendo este último – o regime de prova – a condição mais exigente e penosa para o Arguido de entre aquelas três, pelo que só deve ser aplicado se as anteriores não satisfizerem adequadamente as necessidades de prevenção especial positiva (reintegração).

XVII) No caso concreto, foi dado como provado que o arguido confessou os factos demonstrando arrependimento e consciência crítica, não tendo quaisquer antecedentes criminais, pelo que o circunstancialismo dos factos provados constitui um episódio absolutamente isolado na sua vida.

XVIII) Por outro lado, o Recorrente está familiar e socialmente integrado não existindo na comunidade local, atitudes de rejeição ou animosidade face à pessoa do arguido, demonstrando a ausência de antecedentes criminais uma vida fiel ao direito e encontrava-se a trabalhar à data em que foi detido, tendo iniciado a sua vida laboral antes dos dezoito anos.

XIX) A ideia que subjaz a este instituto é a de que a simples ameaça da prisão poderá, em muitos casos, bastar para ao cumprimento das finalidades da punição, quando se revele apta a afastar o agente da criminalidade, salvaguardando as exigências mínimas de prevenção geral, sendo certo que a mesma se revogará caso o agente cometa um crime pelo qual venha a ser condenado, revelando que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (artigo 56º, nº1, alínea b) do C.P.).

XX) Pelo que deveria o Tribunal “a quo” ter aplicado ao Recorrente uma pena não superior e cinco anos e, atendendo à sua personalidade, condições de vida e conduta anterior e posterior ao crime, decidido pela aplicação do presente instituto.

XXI) No que respeita ao pedido de indemnização civil, o Recorrente reputa de injusto, desadequado e desproporcional a fixação em cinco mil euros da indemnização em que foi condenado, violando-se o disposto nos arts. 494.º e 496.º do CC.

XXII) O Tribunal “a quo” assinala que “No caso concreto, estando em causa a violação de um direito absoluto da menor, com danos de ordem espiritual, ideal ou moral como sejam a angústia ou o abalo psíquico-emocional, pois que foi violada a sua integridade sexual situação que, como se disse já, deixa sempre alguma sequela ao nível emocional e psicológico, estamos, obviamente perante danos de natureza não patrimonial.”

XXIII) Por sua vez, não resulta provado do douto acórdão os sentimentos que a menor sofreu, tais como: angústia, tristeza, ansiedade, vergonha, humilhação entre outros, por não existir qualquer prova dos mesmos que levasse o Tribunal “a quo” a arbitrar uma indemnização no valor de 5.000,00€.

XXIV) O montante por danos não patrimoniais deve ser fixado equitativamente, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e a do lesado, bem como as demais circunstâncias do caso (artigo 494.º e 496.º, n.º 3, ambos do CC).

XXV) Não sendo directamente mensurável, o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização (art. 496 nº 3), aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência.

XXVI) A indemnização por um lado visa compensar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente – Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral, 1980, Vol. I, pág. 502.

XXVII) Em momento algum, se referiu ou invocou a necessidade de a menor recorrer a acompanhamento psicológico ou qualquer tratamento medicamentoso, o que, segundo as regras da experiência, comprova a estabilidade de uma qualquer perturbação de que tenha padecido, considerando-se que, mesmo condenando-se o arguido, em quantia inferior do montante peticionado, seria a indemnização justa e adequada.

Nestes termos e nos demais de direito, sempre com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deverá, o presente recurso, merecer provimento, revogando o douto acórdão que condenou o Recorrente na pena única de seis anos de prisão efectiva, por desproporcionada às finalidades da punição, e substituir por outro que fixe uma pena única não superior a cinco anos de prisão, cuja execução seja igualmente suspensa, ainda que sujeita ao regime de prova.”


2. A Ex.ma Procuradora da República, em resposta, defendeu a improcedência do recurso.

Em Parecer, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal, pugnou pela improcedência do recurso, afirmando:

“Justificadamente, trata-se de um dos crimes que mais repugna à consciência dos cidadãos que se regem pelas normas sociais e jurídicas vigentes. E não será, de todo, despiciendo relembrar que a menor estava à guarda do arguido, sendo, para mais, uma criança com problemas de desenvolvimento anteriormente diagnosticados; o que o arguido não podia, obviamente, ignorar.

Notar-se-á, ainda, que o Tribunal a quo acrescentou, à pena parcelar mais alta, uma ínfima parcela da diferença entre esta e a soma aritmética de todas elas.

Parece-nos, pois, que o aresto fez uma adequada interpretação dos critérios contidos nas disposições conjugadas dos art.ºs 40º, n.º 1 e 71º, n.º 1 e 2, als. a) a c), e) e f) do Código Penal.

Atendeu-se, cremos, à vantagem da reintegração tão rápida quanto possível do arguido em sociedade; sem se esquecer, porém, que a pena deve visar também, de forma equilibrada, a protecção dos bens jurídicos e a prevenção especial e geral, neste caso particularmente relevantes.

Em suma, as fortíssimas exigências de prevenção e a gravidade do comportamento do arguido tinham, obviamente, em conformidade e de acordo com os critérios acima referidos, de ser traduzidos em pena única correspondente à medida da sua culpa; o que o tribunal recorrido conseguiu com uma pena inteiramente justa e que respeita as finalidades visadas pela punição e, neste específico contexto, relativamente benévola.”


Foi cumprido o disposto no art.º 417º n. 2 do CPP.

Colhidos os vistos, o processo foi à conferência.

O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigo 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal superior quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I de 28.12.1995), os quais devem resultar diretamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro).

Este Tribunal é, assim, chamado a apreciar e decidir sobre as questões que parecem resultar das suas conclusões, a saber, se:

- a medida das penas parcelares e da pena única se mostra excessiva, devendo ser reduzida;

- o montante da indemnização civil se não mostra justificado, sendo excessivo.

Conhecer-se-á das penas parcelares, por aplicação da doutrina do AFJ n.º 5/2017, in DR n.º 120/2017, Série I de 23.06. [1]

Cumpre decidir.


II.   Fundamentação

1. Os factos:

O Acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos: (transcrição)

“1. A menor BB, nasceu a .../.../2010, padecendo de um atraso de desenvolvimento, ainda em estudo genético e reside com a sua mãe, CC e o seu padrasto, o arguido AA, desde os seus cinco anos de idade, na residência sita na Avenida ..., ..., ....

2. Desde data não concretamente apurada de 2020, mas pelo menos desde o mês de Setembro e o dia 24.11.2021, pelo menos em dez ocasiões diferentes, na supra referida residência, onde todos viviam, ora no seu quarto, onde a menor BB também dormia, ora na sala e no quarto de banho, às 4ªs feiras, dia da semana em que folgava, de tarde, período em que a aquela não tinha aulas, o arguido, depois de se despir da cintura para baixo e de também a despir da cintura para baixo, tocou com as mãos na zona vulvar daquela, nos seios, rabo, pernas, e beijou-a na boca, o que fez contra a sua vontade (da menor).

3. Igualmente, nessas ocasiões, o arguido encostou e roçou o seu pénis, na zona genital exterior da BB, o que fez no seu quarto, sempre contra a vontade da menor.

4. Em tais ocasiões, o arguido chegou a pedir à menor BB para não contar a ninguém, dizendo que era segredo entre eles.

5. Nas situações descritas nos pontos 2 e 3, o arguido agiu sabendo que a BB apresentava um atraso de desenvolvimento e que era o seu padrasto, desde pelo menos os seus 5 anos de idade, com ela coabitando, recaindo também sobre ele especiais deveres de cuidado, proteção e educação, aproveitando-se dessa relação, sendo ainda conhecedor da idade dela.

6. Em cada uma daquelas situações, o arguido agiu com o propósito de satisfazer os seus desejos sexuais, bem sabendo que perturbava e prejudicava o desenvolvimento da personalidade da BB e que a sua conduta colocava em causa o são desenvolvimento psicológico e afetivo e a consciência sexual da mesma.

7. E fê-lo, não obstante estar ciente da idade, imaturidade e inexperiência sexual da menor e da relação familiar existente entre ele próprio e a BB.

8. Em todas situações o arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta lhe era proibida e punida por lei como crime.

9. Ao atuar da forma descrita, o arguido causou a BB dores, vergonha e ansiedade.

Mais se provou:

10. À data dos factos aqui em causa, o arguido encontrava-se profissionalmente ativo, exercendo funções de empregado de armazém, numa empresa de ..., em ..., auferindo o vencimento médio mensal de cerca de 900 Euros.

11. O arguido cresceu em ..., em ... e beneficiou de condições familiares no agregado familiar de origem de modesta condição socioeconómica, cuja dinâmica é descrita como estruturada, composto pelos pais e mais dois irmãos.

12. A economia familiar assentava na atividade exercida pelos pais, ambos operários fabris.

13. O arguido frequentou o sistema de ensino até aos 15 anos, tendo-se habilitado com o 7º ano de escolaridade, com registo de três reprovações e pouca motivação para as atividades lectivas, sendo considerado uma criança/adolescente rebelde.

14. Abandonou o percurso escolar com o objectivo de se iniciar profissionalmente, ingressando no mercado laboral, primeiro como aprendiz de padeiro, atividade que exerceu durante cinco anos, altura em que passa a trabalhar numa fábrica de fundição.

15. Aos 22 anos celebrou contrato com o exército, permanecendo o primeiro ano em ..., fixando-se posteriormente no Quartel de ..., no ..., onde concluiu o 9º ano de escolaridade.

16. Após o termo do vínculo com o exército, tinha 29 anos, reintegrou o agregado de origem e iniciou atividade laboral numa ..., frequentando em simultâneo, durante cerca de 1 ano e meio, um curso de “Gestão de redes”, na Escola Profissional ....

17. Foi neste período que iniciou relacionamento afetivo à distância com uma cidadã brasileira, tendo entretanto, com 35 anos ingressado na Igreja ..., contexto em que conhece a mãe da BB, com quem inicia novo relacionamento afectivo e viria a contrair matrimónio um ano depois, integrando o respectivo agregado familiar, constituído ainda pelos 4 filhos da mesma (3 biológicos e 1 de acolhimento).

18. Após um período de inatividade laboral, exerceu atividade de motorista da ... e subsequentemente como ajudante de cozinha num restaurante, após o que foi trabalhar, como empregado de armazém, num armazém de ..., integração que mantinha quando foi detido e sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, estatuto coactivo que foi alterado para obrigação de permanência na habitação.

19. À data da ocorrência dos factos, o arguido passava os seus tempos livres em função das dinâmicas/atividades da Igreja ... que frequentava com o cônjuge.

20. O arguido cumpre a medida de coação de obrigação de permanência na habitação fiscalizada por meios eletrónicos desde 23 de Dezembro de 2021, junto do seu agregado de origem, composto pelos pais, ambos reformados e pelos dois irmãos, cuja subsistência é assegurada pelas pensões de reforma dos primeiros, num total de cerca de 702€/mês, a que acresce os rendimentos auferidos pelos irmãos, no equivalente ao salário mínimo nacional.

21. Trata-se de um apartamento de tipologia 3, propriedade dos pais do arguido, com adequadas condições de habitabilidade, em ..., inserido em local sem problemáticas sociais relevantes, não sendo o arguido referenciado negativamente no meio.

22. A denúncia dos factos que estão na origem do presente processo determinou a ruptura relacional entre o arguido e o cônjuge, mãe da BB.

23. O arguido beneficia do apoio e rectaguarda dos elementos do seu agregado de origem.

24. Na comunidade local, não existem atitudes de rejeição ou animosidade face à pessoa do arguido.

25. O arguido aguarda com expectativa e apreensão a resolução do processo.

26. Em abstracto, e tendo em conta a natureza dos factos subjacentes aos presentes autos, o arguido manifesta capacidade de análise crítica na avaliação da ilicitude e gravidade desta natureza, bem como os eventuais danos que causam nas vítimas.

27. O arguido não tem antecedentes criminais.”


2. O direito

a. Medida das penas parcelares

Nos termos do artigo 40.º, do Código Penal, que dispõe sobre as finalidades das penas, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Estabelece o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito.

Por aplicação das normas constitucionais convocáveis (artigo 27.º, n.º 2 e 18.º, n.ºs 2 e 3), a determinação e escolha da pena privativa da liberdade regem-se pelo princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso e pelos respetivos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos –, adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva (cfr. acórdão deste Tribunal, 3.ª Secção, de 3.11.21, no proc. n.º 875/19.0PKLSB.L1.S1, e Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, notas aos artigos 18.º e 27.º).

A aplicação da pena tem como pressuposto que o agente do crime tenha agido com culpa, devendo ser censurado pela violação do dever de atuar de acordo com o direito, sendo o grau da culpa o limite da pena (artigo 40.º, n.º 2).

O artigo 71.º, no n.º 2, do Código Penal, enumera, de modo não taxativo, fatores que conformam a determinação da medida da pena que se referem à execução do facto (“o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, “a intensidade do dolo ou da negligência”, “os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram”), à personalidade do agente (“As condições pessoais do agente e a sua situação económica”, “a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”) e outros relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto (“A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime”) [2].

Sendo a finalidade da pena a proteção de um bem jurídico e, sempre que possível, a reintegração social do agente e não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa, a medida da pena corresponderá à medida necessária de tutela do bem jurídico sem ultrapassar a medida da culpa[3]

Importa, pois, averiguar se as penas parcelares aplicadas respeitam os mencionados critérios de adequação e proporcionalidade que devem pautar a sua determinação.

Como se disse supra, o conhecimento das penas parcelares, decorre da aplicação da doutrina do AFJ n.º 5/2017, in DR n.º 120/2017, Série I de 23.06.

Quanto à escolha e determinação da medida da pena, o acórdão condenatório apresenta a seguinte fundamentação:

“Ao crime de abuso sexual de crianças previsto no art. 171º, nº 1, do C. Penal corresponde a moldura penal de prisão de um ano a oito anos (art. 171º, nº 1, do C.P.), sendo que o que foi cometido pelo arguido deverá ser agravado de 1/3 nos seus limites mínimo e máximo (cfr. 177º, nº 1, al. b) do C. Penal). Deste modo, pelos crimes de abuso sexual de crianças agravados cometidos incorre o arguido numa pena de 1 ano e 4 meses a 10 anos e 8 meses.

Vejamos agora a medida concreta, atendendo às circunstâncias referidas no art. 71º, nº 2, do Código Penal:

- o dolo, que é de considerar muito intenso, pois existiu na modalidade de dolo directo, revelando forte resolução criminosa em todas as situações, denotando ao factos cometidos uma personalidade altamente desvaliosa, mal formada e distanciada do dever ser jurídico-penal;

- a ilicitude do facto, já num grau mediano, consideradas as concretas condutas praticadas pelo arguido, de entre a vasta plêiade de condutas que podem preencher os tipos legais de ilícitos em questão;

- o facto de se tratar de situações que deixam sempre alguma sequela ao nível emocional e psicológico, como se demonstrou no caso concreto: como é consabido e demonstrado por diversos estudos, as vítimas de abusos sexuais em crianças dificilmente conseguirão desenvolver a sua personalidade e sexualidade de uma forma livre, consciente e saudável;

- o grau de violação dos deveres impostos ao arguido, que é elevado, pois que se tratava de pessoa com acesso fácil à menor;

- o período de tempo da prática dos factos, que é já relevante, contando a menor 10 anos quando começou a ser abusada, circunstância que a colocou seguramente numa particular situação de fragilidade e vulnerabilidade, e, assim, inerentemente, de incapacidade de se defender dos comportamentos do arguido, que os praticou abusando da circunstância de a menor também sofrer de um atraso de desenvolvimento;

- as exigências de prevenção geral, quer na sua vertente positiva, quer na sua vertente negativa, são bastante elevadas, considerando os factos em causa, que mexem com a própria intimidade das pessoas, e as especiais vítimas (crianças) deste tipo de crimes, existindo um sentimento de grande repugnância social pelos indivíduos que cometem tais tipos de actos; constituem, na realidade, ilícitos cimeiros dos que mais revolta e clamor por justiça, mobilizam os cidadãos, em particular se a tais práticas abusivas ainda somarmos o laço familiar que os une, em que o agressor parte da própria família (zona de segurança e protecção da criança), como é ocaso, então o alarme social é devastador e as expectativas comunitárias na estabilização da norma jurídica violada, são elevadíssimas;

- ao nível da prevenção especial, considera-se a circunstância de o arguido não apresentar antecedentes criminais;

- as circunstâncias pessoais do arguido, nelas se incluindo as suas habilitações literárias, as condições sociais, familiares e económicas, designadamente as existentes na data da prática dos factos, bem assim as suas condições de vida atuais;

- o arguido confessou os factos e revelou arrependimento; - não regista antecedentes criminais. “


Começamos por notar que, face a uma moldura penal de 1 ano e 4 meses a 10 anos e 8 meses de prisão, a pena aplicada, por cada crime de abuso sexual agravado, foi de 2 anos e 3 meses de prisão – trata-se de pena inferior ao quarto da moldura legal concreta.

A idade da menor, de 10 anos à data do início da atividade criminosa, e o facto de padecer de um atraso de desenvolvimento constituem circunstâncias concretas que acentuam a gravidade das consequências do crime e da culpa.

Com efeito, por um lado, o arguido conhecia as vulnerabilidades da vítima e delas se aproveitou; por outro, os crimes praticados, face à fragilidade da vítima, em razão da idade e do atraso de desenvolvimento, são suscetíveis de gerar sofrimento mais acentuado e danos maiores no desenvolvimento emocional da menor.

O grau de violação dos deveres impostos relativamente à vítima, que resultam das relações de coabitação e de assistência que assumiu enquanto seu padrasto, é elevado, nomeadamente pela repetição dos abusos.

Por outro lado, a confissão dos factos, assumida logo “nas declarações que prestou em 1º interrogatório judicial perante o Juiz de Instrução”, bem como o arrependimento (“o arguido referiu que não tinha explicação para a sua actuação, afirmando não se rever na pessoa que praticou os factos confessados”), foram devida e equilibradamente ponderados no processo decisório de determinação da pena.

A inexistência de antecedentes criminais foi, de igual modo, adequadamente valorada.

No que às necessidades de prevenção geral respeita, bem demonstradas na fundamentação do acórdão condenatório, sempre se dirá que a sua função penal se encontra, em boa medida, esgotada na delimitação da moldura penal, “cabendo ao legislador interpretar, na sociedade, a valoração dada aos bens jurídicos e a correspondente necessidade de maior ou menor punição para cada categoria de crimes e bens jurídicos lesados e a expressar tal interpretação através da fixação de molduras legais”[4].

As condições pessoais do arguido que vivia em coabitação com a vítima, e o aproveitamento, para praticar os crimes sexuais, dessa situação e da menor capacidade da vítima para compreender o significado dos atos do arguido, evidenciam censurável falta de preparação para manter uma conduta com respeito pelos valores do direito, demandando elevadas necessidades de prevenção especial de ressocialização.


Assim, não se surpreendem elementos que permitam justificar um juízo de discordância relativamente à pena parcelar aplicada a cada um dos crimes.


b. Pena única

Dispõem os n.ºs 1 e 2 do art. 77.º CPP:

“1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

O legislador penal português adotou um modelo de condenação numa pena única, em cuja medida são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Como se tem afirmado na jurisprudência deste Supremo Tribunal[5], “com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente”.

A determinação da medida concreta da pena única deve atender, como qualquer outra pena, aos critérios gerais da prevenção e da culpa (art. 71º do CP); e ainda ao critério da consideração conjunta dos factos e da personalidade do agente, na sua relação mútua (citado art. 77º, no 1, do CP).

É a seguinte, em súmula, a fundamentação do acórdão recorrido:

“Face ao disposto no art. 77º, nº 2, do Código Penal, a moldura abstracta do concurso será de prisão de 2 anos e 3 meses a 22 anos e 6 meses. (…)

Ora, no presente caso, tendo em conta o período temporal em causa, tendo em conta a relação que se verifica entre as situações afigura-se que o conjunto dos factos em apreço não é reconduzível a uma mera pluriocasionalidade, mas antes é revelador de uma tendência criminosa.

Ora, assim sendo, terá sentido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.”


Os 10 crimes de abuso sexual agravado foram praticados entre o mês de setembro de 2020 e 24 de novembro de 2021 – ou seja, ao longo de 15 meses, a menor suportou investidas sexuais do padrasto, contra a sua vontade, na casa em que coabitavam.

Esta persistência e a descrita repetição, no quadro global do ilícito, revelam uma personalidade guiada por valores centrados em si mesmo, na obtenção da satisfação sexual própria, em violação de especiais deveres concretos que sobre si recaíam e na desconsideração do outro vulnerável.

Na conduta do arguido posterior aos crimes, identifica-se arrependimento, mas não se encontra esforço ou tentativa de reparação dos efeitos da conduta ilícita.

Estes elementos, conjugadamente, permitem definir uma intensa necessidade de ressocialização.

Na moldura penal concreta do concurso, a pena única corresponde, aproximadamente a 1/3, revelando-se adequada e proporcional.

Assim, não se desvelam elementos que permitam justificar um juízo de discordância relativamente à pena única aplicada.

Não se verificando, pelo exposto e no que às penas parcelares e à pena única respeita, motivo que permita identificar violação do disposto nos artigos 40º., 70º., 71.º e 77.º, todos do Código Penal.

Pelo que, se entende não ser de efetuar intervenção corretiva na medida daquelas penas.

Improcede, assim, a petição de redução das penas em apreciação.


c. Do quantum reparatório


O recorrente entende ser exagerado o montante da reparação em cujo pagamento foi condenado, no valor de 5000,00€.

Alega, quanto a esta parte, que:

- Não ficou provado o dano não patrimonial sofrido, a tristeza, angústia ou perturbação emocional;

- “Em momento algum, se referiu ou invocou a necessidade de a menor recorrer a acompanhamento psicológico ou qualquer tratamento medicamentoso (…)”.

Verificados os pressupostos formais – não dedução de pedido de indemnização e não oposição à reparação –, provado que a menor ofendida pelo crime sofreu um dano emocional ou moral diretamente causado por ação do arguido, o Tribunal arbitrou reparação, por força do disposto no n.º 2, do art. 16º do Estatuto da Vítima, anexo à Lei nº 130/2015, de 04.09, e n.º 1 do art. 82.º-A do CPP.

A menor assume, como bem refere o tribunal a quo, a qualidade de vítima especialmente vulnerável, definida no art. 67º-A, nº 3, e 1º, al. III, do CPP, sendo imperativo o arbitramento oficioso de reparação.

O n.º 2, do art. 16º do Estatuto da Vítima impõe que o tribunal condene sempre na “reparação pelos prejuízos causados”, em relação a vítimas especialmente vulneráveis

Entendeu, já, este Tribunal que a definição oficiosa de reparação, nos termos do art. 82.º-A do CPP, se inclui nas consequências de natureza penal, como efeito penal da condenação, distinguindo-se “das consequências de natureza civil que geram o dever de indemnizar pela prática de facto ilícito, nos termos das disposições aplicáveis do Código Civil e do artigo 129.º do Código Penal, dependente de pedido do lesado”[6].

“A caracterização e conteúdo desta “reparação”, de natureza pecuniária, sem se confundir com a indemnização civil, remete, porém, como antes se sublinhou, para conceitos que lhe são próprios, nomeadamente quanto ao “dano” ou “prejuízos”, mas já não quanto à “quantia” a fixar, a qual, como antes se afirmou (supra, 11) não tem que coincidir com o montante da indemnização.

(…) Participando das finalidades da pena aplicada (supra, 11), esta reparação, na falta de fixação de critério próprio no artigo 82.º-A do CPP, deve levar em conta os danos não patrimoniais causados e a situação da vítima, como expressão da gravidade das consequências do crime, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, numa ponderação conjunta dos critérios da lei civil, nomeadamente dos artigos 494.º e 496.º, n.º 4, do Código Civil, convocados pela natureza compensatória da reparação, e dos critérios da lei penal de fixação da reacção criminal atendíveis por via da culpa e da prevenção, nos termos das alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal.”

O acórdão condenatório considerou, neste particular, que “(…) tendo em conta os factos que resultaram apurados no caso concreto, que traduzem a violação de um direito de personalidade, absoluto da ofendida menor, na vertente de direito à integridade e inviolabilidade da sua personalidade física e moral (cfr. também art. 70º, nº 1, do C.C.), ao período em causa, às consequências psicológicas que dos atos cometidos pelo arguido decorreram para a BB, bem como a situação pessoal e económica do arguido (cfr. pontos 10 a 27 da matéria de facto provada), afigura-se-nos ser adequada a quantia de 5.000,00, a atribuir à vítima BB a título de compensação pelos danos não patrimoniais resultantes dos crimes de abuso sexual de que foi vítima”.

Mostra-se provado que todos os atos foram praticados contra a vontade da menor o que acentua a, igualmente provada, ofensa ao desenvolvimento da personalidade e ao são desenvolvimento psicológico e afetivo e da consciência sexual da vítima.

O estudo científico das perturbações e doenças resultantes de crimes desta natureza revela que os efeitos danosos se estendem, muitas vezes, ao longo da vida e que a sua completa perceção pela vítima, quando muito jovem, é adquirida, em número considerável de casos, em idades distantes da prática dos factos.

Sintetiza Laura Jardim Maciel[7]

“No que se refere ao primeiro objetivo, o abuso sexual na infância ou adolescência é um fator de risco para sintomas de stress, ansiedade e depressão, bem como para a versatilidade do comportamento desviante no início da idade adulta.  Relativamente à saúde mental, estes resultados são congruentes com os estudos de Spataro, Mullen, Burgess, Wells e Moss (2004) e Afifi e colaboradores (2014) que sugerem que a presença de sintomas de ansiedade, stress e depressão são proeminentes em adultos que experienciaram abuso sexual infantojuvenil, sendo assim possível hipotetizar que, tal como demonstrado na literatura, esta população específica detém uma maior probabilidade de desenvolver perturbações de humor, ansiedade e stress (Collin-Vézina & Hébert, 2005; Pollio et al., 2011; Spataro et al., 2004). Este estudo sugere, por conseguinte, um vínculo associativo entre o abuso sexual infantojuvenil e indicadores de psicopatologia ao longo da vida.”.

Em suma, encontram-se provados os elementos integradores do dano, mostrando-se, igualmente, estudadas as consequências futuras de atos da natureza dos sofridos.

Ponderadas a gravidade do dano, a culpa do arguido e a sua situação económica, julgamos adequado o montante da reparação arbitrada.


III. Decisão

Nos termos expostos, o Supremo Tribunal de Justiça, 3ª Secção Criminal, acorda em: --

Julgar improcedente o recurso, mantendo-se integralmente o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente – art. 513º n.º 1 do CPP - fixando-se a taxa de justiça em 6 UCs – art. 8º n.º 9 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.


Lisboa, 15 de março de 2023


Teresa de Almeida (Relatora)

Ernesto Pereira (1.º Adjunto)

Lopes da Mota (2.º Adjunto)

______

[1] “A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas.”
[2] Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2.ª Edição, 2022, pag.57.
[3] Maria João Antunes, Ob. Cit., pag.55, Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Coimbra Editora, 2014, pp. 611-678 e Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp. Coimbra Editora, 2011, pp. 232-357.
[4] Inês Ferreira Leite, “Medida de pena e direito de execução da pena. Determinação da medida da pena: paroxismo da Constituição penal” AAFDL Editora, Lisboa, 2021, Pág. 53.
[5] Acórdãos do STJ de 27.5.2020, no Proc. 3/19.1GBFVN.C1.S1, de 13.03.2019, Proc. 610/16.4JAAVR.C1.S1, 13.02.2019, no Proc. 1205/15.5T9VIS.S1, 3.ª Secção, 06.02.2008, Proc. n.º 4454/07, 3.ª Secção e de 14.07.2016, Proc. 4403/00.2TDLSB.S1, 3.ª Secção.
[6]Ac. deste Tribunal e desta Secção, de 02.05.2018, no Proc. 156/16.0PALSB.L1.S1, Rel Lopes da Mota.
[7] “Abuso sexual infanto-juvenil e as suas características: impacto na saúde mental e comportamento desviante”, ISPA, 2018, Pág. 33 (in https://repositorio.ispa.pt)