I - Um sócio-gerente só pode prestar declarações como parte e não ser inquirida e depor como testemunha.
II - É no momento do juramento e interrogatório preliminar, art. 513.º do CPC, que se determina se a testemunha é hábil.
III - A contraparte ora recorrente estando presente na audiência de julgamento, logo que terminado o interrogatório preliminar e entendendo que aquela pessoa era inábil para depor como testemunha, poderia/deveria impugnar a admissão como testemunha, deduzindo o respetivo incidente, o qual é decidido de imediato, como previsto no art. 515.º do CPC.
IV - Face à caducidade da certidão do registo comercial onde a ora testemunha constava como sócia-gerente, também caduca a presunção legal derivada de tal registo e, à recorrente competia fazer prova da inabilidade da ora indicada testemunha para depor nessa qualidade, tal como preceituam os arts. 342.º e 344.º do CC.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.
BUBBLES PASSION, LDA, com sede na Rua ..., Fração BH, ..., ..., intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra:
GREENIMPACT, LDA, com sede no Largo ..., ..., ..., ..., peticionando a condenação da Ré:
a) a restituir-lhe tudo aquilo que foi entregue a título de pagamento dos contratos celebrados entre as partes, ou seja, as quantias de 20.986,40 € e 12.500,00 €, no montante global de 33.486,40 €, acrescido de juros de mora desde a data de pagamento daquelas quantias;
b) a pagar a quantia de 24.145,00 €, a título de lucros cessantes, tendo em conta a perda de benefícios que o incumprimento do contrato de compra e venda e empreitada impediu de auferir, quantia esta acrescida de juros desde a citação e até efectivo e integral pagamento, e ainda o valor que se apurar em sede de execução de sentença;
c) a pagar as prestações do contrato de leasing até à abertura da lavandaria self-service que até à data se fixam em 3.502,91 € e as restantes a serem liquidadas em processo de liquidação de execução de sentença.
Para tanto, alega, em síntese:
O seu objeto social é, entre outros, o exercício de lavandaria self-service, sendo que decidiu montar uma lavandaria self-service num determinado espaço que adquiriu com esse propósito. Nessa sequência, celebrou com a Ré um contrato de empreitada, destinado a montar uma lavandaria self service (chave na mão), e um contrato de compra e venda, de máquinas de lavandaria. Relativamente ao contrato de empreitada, a Ré obrigou-se a realizar a obra pelo valor de 24.957,00€ cujo pagamento seria efectuado diretamente pelo Millennium BCP num prazo de 8 dias após a entrega da obra, após faturação e após endereçar um termo de responsabilidade da Autora ao Banco em como as obras estavam concluídas, sendo que para o efeito a Autora subscreveu um contrato de leasing junto daquele banco, o que era do conhecimento da Ré. Simultaneamente, a Ré vinculou-se a vender, montar e a configurar as máquinas para o estabelecimento de lavandaria, pelo preço global de 41.972,82 (IVA incluído), sendo que acordaram que o pagamento deste valor seria feito nos seguintes termos: 50% com a adjudicação, 25% com a entrega dos equipamentos e 25% na configuração e funcionamento. A Autora, em 29.01.2020, efetuou o pagamento de 20.896,40 €, correspondente a 50% do valor da adjudicação das máquinas. Por outro lado, a Autora pagou em 25.02.2020, por conta das máquinas, e a pedido da Ré, a quantia de 12.500,00 €, que a Ré, indevidamente, imputou a obras. As obras iniciaram-se em Março de 2020, com trabalhos de reduzida dimensão, tendo a Ré abandonado a obra em 06.03.2020, com a promessa de que voltaria e nunca mais voltou. Exigia a Ré o pagamento total das máquinas, o que não foi aceite pela Autora, a qual ainda propôs duas alternativas à Ré (pagamento parcial das máquinas ou disponibilização de parte das máquinas), as quais não foram aceites pela Ré. Nessa sequência, a Autora procedeu à notificação judicial avulsa da Ré para, num determinado prazo, apresentar um plano de execução da obra e indicar a data de entrega das máquinas ou, em alternativa, devolver as quantias já liquidadas. Apesar de instada, a Ré nada fez. Com tais fundamentos concluiu, nos termos peticionados.
Citada, veio a Ré apresentar contestação, defendendo-se por impugnação e deduzindo reconvenção.
Embora admitindo alguma factualidade, a Ré alega que os termos do acordo celebrado entre as partes não foi o exposto pela Autora, mas foi antes o seguinte: com a aceitação dos termos propostos pela Ré para o contrato de empreitada para a instalação da lavandaria self-service eram devidos 50% do valor referentes aos equipamentos e 50% do valor referentes a obras, o que a Autora aceitou e pagou. Novo pagamento de 25% referentes a equipamentos de lavandaria seria devido com a chegada a território nacional dos equipamentos de lavandaria (chegada às instalações do importador), sendo os adicionais 25% dos custos de obra devidos com a entrega dos equipamentos no estabelecimento da Autora. Os 25% referentes a ambas as parcelas (equipamentos e obras) seriam devidos aquando da entrega da obra finalizada com a configuração dos equipamentos de lavandaria em loja e abertura da mesma. Alega, assim, que foi a Autora que incumpriu o acordado, razão pela qual a Ré emitiu uma nota de débito, nota essa onde se encontram expressos os prejuízos patrimoniais sofridos pela Ré com a conduta da Autora – no valor de 31.836,32 € –, que englobam o valor dos equipamentos que já havia encomendado ao importador e materiais de construção que já havia adquirido para empregar na obra da Autora. Concluiu, assim, requerendo a improcedência da acção, por não provada, e em conformidade, o pagamento à Ré da quantia que concretiza, acrescida de juros à taxa legal desde a notificação da reconvenção até integral pagamento. Mais peticiona a condenação da Autora como litigante de má- fé.
A Autora apresentou réplica na qual impugnou o alegado pela Ré no que respeita ao incumprimento do contrato, mormente no que respeita aos termos e prazos de pagamento acordados entre as partes, mais imputando à Ré a culpa pelo não cumprimento do acordado entre as partes. Mais peticiona a Autora que a Ré seja condenada como litigante de má-fé.
A Ré respondeu ao pedido de condenação como litigante de má-fé, dizendo que o mesmo deve ser julgado improcedente.
Foi proferido despacho saneador, admitindo-se a reconvenção, bem como foi proferido despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova, não tendo sido apresentadas reclamações.
Realizado o julgado, foi seguidamente proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“1-Julgo a acção parcialmente procedente, e em consequência:
a) Condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de 33.486,40 € (trinta e três mil quatrocentos e oitenta e seis euros e quarenta cêntimos), acrescida de juros de mora desde a citação, à taxa legal para os juros comerciais, e até efetivo e integral pagamento.
b) Condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de 12.072,50 € (doze mil e setenta e dois euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora desde a citação, à taxa legal para os juros comerciais, e até efetivo e integral pagamento.
c)Julgo improcedente por não provado o pedido de condenação da Ré como litigante de má-fé, absolvendo-a consequentemente dos pedidos de indemnização deduzidos pela Autora.
d) Absolvo a Ré do demais peticionado.
2-Julgo a reconvenção totalmente improcedente, e em consequência: a)Absolvo a Autora do pedido reconvencional formulado pela Ré.
b) Julgo improcedente por não provado o pedido de condenação da Autora como litigante de má-fé, absolvendo-a consequentemente dos pedidos de indemnização deduzidos pelo Ré.”
Inconformada com esta decisão, a Ré interpôs recurso de apelação, sendo decidido pelo Tribunal da Relação, após deliberação:
“Em face do exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.”
“1. BUBBLES PASSION, LDA. Autora (A.), intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra GREENIMPACT, LDA. Ré (R.).
2. Alegou para o efeito que celebrou com a R. um contrato de empreitada, destinado a montar uma lavandaria self-service (chave na mão), e um contrato de compra e venda, de máquinas de lavandaria.
3. Incumprido pela R. o contrato de empreitada celebrado a A. demandou aquela peticionando quantias pagas e lucros cessantes.
4. Citada, veio a R. apresentar contestação, defendendo-se por impugnação, tendo deduzindo reconvenção e peticionado a condenação da A. como litigante de má-fé.
5. No mais veio a A. replicar, impugnando motivadamente o alegado pela R. peticionando a A. que a R. fosse condenada como litigante de má-fé.
6. Respondeu a R. ao pedido de condenação como litigante de má-fé dizendo motivadamente que o mesmo deveria ser considerado improcedente.
7. Após realização da audiência de discussão e julgamento e efetuada a produção de prova o tribunal “a quo” proferiu sentença condenando a R. ao pagamento, em favor da A. da quantia de 33.486,40 € (trinta e três mil quatrocentos e oitenta e seis euros e quarenta cêntimos), acrescida de juros de mora desde a citação, à taxa legal para os juros comerciais, e até efetivo e integral pagamento e ainda a quantia de 12.072,50 € (doze mil e setenta e dois euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora desde a citação, à taxa legal para os juros comerciais, e até efetivo e integral pagamento.
8. A breves trechos sustentou o tribunal “a quo” que a condenação da R. resultou da análise conjugada dos depoimentos das testemunhas da A. e da R., declarações de parte, com os articulados e com a prova documental junta aos autos.
9. Não se conformando com a decisão proferida pelo tribunal de primeira instância a R. recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa.
10. Nas suas alegações entre outras sindicâncias a R. invocou como nula a sustentação da condenação com base no depoimento da testemunha AA que serviu para alicerçar a convicção do tribunal “a quo” relativamente aos factos constantes dos pontos 52, 53, 54 e 55 da sentença proferida em primeira instância e que resultaram na condenação da R. ao pagamento da quantia de 12.072,50 € (doze mil e setenta e dois euros e cinquenta cêntimos).
11. A nulidade invocada prende-se com o facto de conforme certidão junta pela A. com a petição inicial a gerência é exercida por ambos os sócios da empresa, AA e BB.
12. A sociedade, no entanto, vincula-se como a intervenção de apenas um gerente mas tal não implica que um sócio gerente possa prestar depoimento como testemunha.
13. Neste sentido art.º 496.º do Código de Processo Civil e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido no processo 26/14.7TBPRG-A.G1 disponível em www.dgsi.pt.
14. Não obstante de o tribunal “a quo” indicar reiteradamente na sentença colocada em crise que a testemunha AA é sócia não gerente da A. não pode nem consegue a R. ultrapassar o teor da certidão permanente referente à A. e junta por aquela com a petição inicial.
15. Salvo melhor entendimento estamos perante a prática de um ato proibido por lei configurando uma nulidade processual que importa a anulação dos atos que lhe sucederam como é o caso da sentença proferida pelo tribunal “a quo”.
16. Não restou à R. senão requerer a declaração nulidade do ato consistente na audição como testemunha da legal representante da A. e consequentemente do julgamento e da sentença.
17. Não pode a recorrente aceitar a fundamentação invocada no acórdão para não ser considerada a nulidade invocada.
18. A Autora juntou a certidão permanente provando que ambos os sócios da sociedade são gerentes.
19. A Autora usou um sócio-gerente para prestar declarações de parte e outro sócio gerente como testemunha.
20. Invocada a nulidade em sede de recurso é referido pelo Acórdão do Tribunal da Relação que “a referida AA quando se identificou em audiência de julgamento, perante a Senhora Juíza, declarou que era sócia da Bubbles Passion, Lda, mas que não era gerente” bastando a palavra da testemunha (que tem notório interesse na causa, sendo sócia, esposa do sócio-gerente e também ela gerente) para derrogar a prova documental apresentada pela própria Autora.
Mais,
21. Refere o mesmo acórdão que “Competia à arguente da nulidade, ora Apelante, demonstrar tal facto, mormente através da junção da certidão do registo comercial, actualizada.”
22. Acredita a recorrente que proceder à junção de prova após ter sido proferida a sentença – momento em que foi confirmada a existência de nulidade – seria uma violação da lei processual civil.
23. O acórdão colocado em crise faz tábua rasa do momento do encerramento da audiência de discussão e julgamento desejando que se junte prova em momento posterior à prolação da sentença em primeira instância.
24. A nulidade preencheu-se quando a sentença recorrida usou o depoimento da sócia gerente como se de uma mera testemunha se trata-se para fundar a sua convicção e condenação.
25. Ao impor à Ré, ora recorrente, a junção de certidão comercial permanente atualizada após o encerramento da audiência de discussão e julgamento e após ter sido proferida a sentença nos autos é impor à Ré a junção de prova documental fora de todos os momentos processuais previstos para o efeito.
26. Impunha-se aos venerandos desembargadores a determinação de nulidade da sentença no sentido de a mesma poder ser retificada em face da nulidade presente na sua fundamentação.
27. Ou para sanar essa nulidade deveria ser reaberta a audiência de julgamento.
28. Recordemos que o processo tem por objeto o apuramento da verdade e a justa composição do litígio, devendo o Tribunal efetuar e ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências com vista a atingir esse fim conforme artigos 5.º, 6.º, e 411.º, todos do CPC.
29. Como decorre do art.º 411.º do CPC "incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer", donde resulta que a lei concede ao juiz a possibilidade (ampla) de averiguar factos, com vista à busca da verdade material.
30. O acórdão do Tribunal da relação que se sindica deveria ter imposto ao tribunal de primeira instância que cumprisse a lei.
31. Quer isto dizer que o juiz, perante esta norma - que consagra o princípio do inquisitório - não deve limitar-se a exercer a figura de mero espectador ou árbitro do litígio, devendo antes intervir no sentido de remover os obstáculos à realização da justiça, que passa, evidentemente, pela procura da verdade material. Algo que não foi imposto pelo Tribunal da Relação ao Tribunal de Primeira Instância.
32. Assim e atenta a nulidade invocada impunha-se a determinação da nulidade da sentença com vista a oportunamente ser realizada nova audiência de julgamento com a finalidade de se apurar, com a necessária exatidão, toda a factualidade que respeita à qualidade da depoente (sócia gerente) cujo depoimento alicerça em parte a sentença colocada em crise, seguindo-se, depois, os ulteriores termos do processo até ao final.
Nestes termos, deve conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência, deve ser substituído o acórdão por decisão que retifique a nulidade invocada pois apenas assim se fará justiça entre as partes perante a LEI E O DIREITO.
Contudo Vossas Exas. Colendos Juízes Conselheiros, como sempre, decidirão de forma a fazer JUSTIÇA.”
Cumpre apreciar e decidir.
São as questões suscitadas pelos recorrentes e constantes das respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1, do C.P.C.
Questiona-se:
- Apreciação do impedimento, ou não, de AA depor como testemunha nos autos.
Consta dos autos:
- Com a petição inicial foi junta certidão do registo comercial em que AA consta como sócia gerente da autora.
- CC não constava no rol de testemunhas apresentado junto da petição inicial.
- AA foi indicada como testemunha por requerimento de 4-01-2022, notificado entre mandatários.
- AA prestou depoimento como testemunha em 24-01-2022, como consta da ata elaborada.
Vejamos:
É entendimento pacífico que um sócio-gerente só pode prestar declarações como parte e não ser inquirida e depor como testemunha.
Na sentença refere-se a “testemunha AA, sócia não gerente da Autora” e na qualidade de testemunha foi ouvida e valorado os eu depoimento.
Questionada, no recurso de apelação, a legitimidade para AA ter sido ouvida como testemunha, vem fundamentado no acórdão recorrido: “A Apelante vem invocar a nulidade decorrente de ter sido ouvida como testemunha AA que é sócia gerente da Autora e, por tal motivo, teria de ser ouvida como parte. A prática de tal acto, alega, constitui uma nulidade processual que importa a anulação dos actos que lhe sucederam, como é o caso da sentença.
Importa, pois, analisar se foi cometida a invocada nulidade e, em caso afirmativo, quais as consequências jurídico-processuais da mesma.
Na verdade, da certidão permanente junta com a petição inicial consta que AA é sócia e também gerente da Bubbles Passion, Lda.
Ora, a sócia gerente de uma sociedade, ainda que não disponha de poderes para obrigar sozinha a sociedade, não pode ser inquirida como testemunha, como resulta do disposto no art.º 496.º do CPC.
Porém, verifica-se que a referida AA quando se identificou em audiência de julgamento, perante a Senhora Juíza, declarou que era sócia da Bubbles Passion, Lda, mas que não era gerente. Perante esta declaração e fazendo fé na mesma, o Tribunal admitiu e bem, a inquirição da referida AA, como testemunha, pois nenhum obstáculo legal se afigurava existir. Na verdade, perante as declarações da testemunha, é plausível inferir que a certidão junta com a petição inicial não esteja actualizada. Não há, efectivamente, qualquer prova de que, à data da inquirição, a referida testemunha tivesse o cargo de gerente da Autora.
Não há, por conseguinte, qualquer prova de ter sido praticado o invocado acto ilegal de modo a consubstanciar tal nulidade. Competia à arguente da nulidade, ora Apelante, demonstrar tal facto, mormente através da junção da certidão do registo comercial, actualizada.
Necessariamente, tem de improceder a invocada nulidade.”
O cargo de gerente, ou sócio-gerente de uma sociedade não é imutável, pelo que, constando na certidão junta com a petição que AA exercia as funções de gerente da autora não pôde, nessa altura, ser apresentada como testemunha a inquirir.
Mas foi aditada ao rol de testemunhas mais tarde, certamente por já não se verificar impedimento, por já não exercer essas funções de gerência.
Temos que daquela certidão, junta com a petição, consta um prazo de validade, “Certidão permanente subscrita em 22-07-2020 e válida até 22-07-2021”, sendo que a indicação de AA como testemunha ocorreu em 04-01-2022 e foi ouvida como testemunha em 24-01-2022.
A situação, ainda que AA fosse sócia gerente, não constituía causa de nulidade da sentença, sendo que as causas de nulidade da sentença se encontram fixadas taxativamente pelo art. 615º do CPC.
Se AA ainda fosse sócia gerente, ao ter-se admitido a depor como testemunha, praticava-se um ato não permitido por lei.
Mas como se referiu a validade da certidão permanente caducou.
E se se verificasse nulidade processual deveria ter sido arguida oportunamente pela ora recorrente.
No momento em que se apresente o rol de testemunhas haverá de averiguar-se se as mesmas são hábeis a depor ou, se se verifica alguma inabilidade legal para esse efeito.
Nos termos do disposto no art. 496º do CPC estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes.
Quando uma das partes é uma pessoa coletiva suscitam-se algumas dificuldades uma vez que elas só poderão estar em juízo através dos seus representantes. Assim, haverá de apurar-se, na altura do depoimento quem efetivamente representa essa pessoa coletiva, não tendo qualquer importância, para verificação de inabilidade legal para depor como testemunha a circunstância de, em momento anterior, mesmo na pendência da causa, ter sido a pessoa singular que vai prestar depoimento representante legal da pessoa coletiva – cfr. Ac. da Rel. Porto “Acórdão nº TRP_0634627 de 28-09-2006” in “http://bdjur.almedina.net/juris.php?field=doc_id&value=68744”.
Nesse aresto pode ler-se:
“A alteração do contrato de sociedade operou-se pela escritura pública de alteração do pacto social que corporiza a alteração ao contrato constitutivo da sociedade, sem dependência de qualquer outra formalidade. Os gerentes nomeados nesta escritura são aqueles que passam efectivamente a ter competência para desempenhar esse cargo, tenha tal alteração sido ou não levada ao registo. Para este processo é a existência dessa alteração que deve ser tida em conta e não a ausência do respectivo registo, por este não ser, contrariamente ao que ocorre com a hipoteca, constitutivo.
Naturalmente que é sempre possível que desde a celebração da escritura pública que excluiu a testemunha da gerência se haja operado nova alteração que o tenha nomeado de novo gerente. Trata-se de uma hipótese de que o Tribunal não tem que se ocupar porque apenas há-de lidar com factos e provas de factos. O mesmo poderia acontecer se do registo constasse já a inscrição desta alteração ao pacto social. A verdade com que o Tribunal tem que lidar não é a verdade ontológica que teria de se provar até ao último minuto mas com aquela de que há conhecimento nos autos.
O registo comercial indicava que a testemunha era representante legal da sociedade. Sem qualquer outro elemento, presumir-se-ia que o que constava do registo era uma representação fiel do contrato de sociedade na sua versão mais actual. Apurou-se que, posteriormente, houve alteração a esse contrato, por escritura pública. Não pode, pois, o Tribunal só atentar nesta alteração se ela constar do registo. Ela existe na medida em que se mostra corporizada no contrato celebrado segundo a forma legal aplicável, não podendo ser ignorada.”
É no momento do juramento e interrogatório preliminar, art. 513º, do CPC, que se determina se a testemunha é hábil. Se a testemunha indica que naquele momento já não exerce a gerência e, mesmo assim, não se admite a depor como testemunha é que pode verificar-se a nulidade processual correspondente.
Neste sentido o Ac. deste STJ de 29-11-2005, Revista n.º 3163/05 - 6.ª Secção:
“I- Se os sócios não são partes principais na acção proposta pela sociedade, nem desta representantes, não podem depor como partes, nada obstaculizando, todavia, à admissibilidade do seu depoimento como testemunhas.
II- Tendo sido recusada a inquirição de sócio como testemunha (arrolada pela sociedade ora recorrente),quando ele já havia renunciado às funções de gerência que detivera nesta última, facto que já tinha sido inscrito no registo (art.ºs 11 e 69, n.º 1, al. e), do CRgCom), nenhum impedimento existindo à prestação de depoimento em tal qualidade, impõe-se proceder à anulação de todo o processado iniciado com a audiência de julgamento, que deve ser repetida, e na qual deve ser admitido o aludido depoimento.”
No caso em apreço, tendo sido aditado o rol de testemunhas com a indicação de AA, requerimento notificado à parte contrária, ora recorrente, e tendo-se apresentado AA como sócia não gerente quando do cumprimento do ritual previsto no art. 513º, do CPC, o tribunal só podia ouvi-la como testemunha.
A contraparte ora recorrente estando presente na audiência de julgamento, logo que terminado o interrogatório preliminar e entendendo que aquela pessoa era inábil para depor como testemunha, poderia/deveria impugnar a admissão como testemunha, deduzindo o respetivo incidente, o qual é decidido de imediato, como previsto no art. 515º, do CPC, sendo que a contraparte pode impugnar a admissão com os mesmos fundamentos que o juiz pode utilizar para indeferir a admissão e prestação de depoimento, como preceitua o art. 514º, do mesmo diploma legal.
Face à caducidade da certidão do registo comercial onde AA constava como sócia gerente, também caduca a presunção legal derivada de tal registo e, à recorrente competia fazer prova da inabilidade de AA para depor como testemunha, tal como preceituam os arts. 342 e 344, do Código Civil.
Assim, são julgadas improcedentes as conclusões do recurso, devendo ser negada a revista e mantido o acórdão da Relação.
I- Um sócio-gerente só pode prestar declarações como parte e não ser inquirida e depor como testemunha.
II- É no momento do juramento e interrogatório preliminar, art. 513º, do CPC, que se determina se a testemunha é hábil.
III-A contraparte ora recorrente estando presente na audiência de julgamento, logo que terminado o interrogatório preliminar e entendendo que aquela pessoa era inábil para depor como testemunha, poderia/deveria impugnar a admissão como testemunha, deduzindo o respetivo incidente, o qual é decidido de imediato, como previsto no art. 515º, do CPC.
IV- Face à caducidade da certidão do registo comercial onde a ora testemunha constava como sócia gerente, também caduca a presunção legal derivada de tal registo e, à recorrente competia fazer prova da inabilidade da ora indicada testemunha para depor nessa qualidade, tal como preceituam os arts. 342 e 344, do Código Civil.
Pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente a revista e, consequentemente, mantem-se o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 28-02-2023
Fernando Jorge Dias - Juiz Conselheiro relator
Jorge Arcanjo- Juiz Conselheiro 1º adjunto
Isaías Pádua - Juiz Conselheiro 2º adjunto