TÍTULO EXECUTIVO
ATA DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
APLICAÇÃO DA LEI N.º 8/2022
DE 10.1
Sumário

I - Para que se constituam enquanto títulos executivos, não é necessário que as atas de assembleia de condomínio exaradas antes da entrada em vigor da nova redação do art.º 6.º do decreto lei 268/94, de 25/10, introduzida pela lei 8/2022, de 10-01-2022, observem o aí consignado, assinaladamente fazendo constar qual a quota parte de cada condómino nas contribuições a pagar ao condomínio.
II - Para a formação de título executivo, a primitiva redação do art.º 6.º do decreto lei 268/94, de 25/10 exige tão somente que da ata da assembleia de condomínio conste qual o montante das contribuições a pagar ao condomínio, já não assim a quota parte de cada condómino ou que esta se encontre em dívida.

Texto Integral

Proc. 21684/16.2T8PRT-A.P1


Sumário
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Relatório

Por apenso à execução sumária que o condomínio do Edifício ..., sito na Praça ..., ..., no Porto, move contra AA, residente na Alameda ..., ... ..., em Vila Nova de Gaia, este deduziu os presentes embargos de executado.
Alegou que os documentos juntos não constituem título bastante para a execução.
Recebidos os embargos, o exequente contestou, pugnando pela improcedência dos embargos.
Foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido saneador-sentença, que julgou os embargos integralmente improcedentes.
O embargante recorreu, tecendo as seguintes conclusões:
I - Vem o presente Recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal de 1ª. Instância que decidiu pela improcedência dos embargos deduzidos pelo aqui recorrente, condenando-o ao pagamento da totalidade da quantia exequenda peticionada.
II. Salvaguardado o devido respeito por melhor opinião, afigura-se ao Recorrente que a decisão proferida não representa uma digna e correta aplicação do direito, demonstrando-se injusta.
III. Entendeu o Tribunal a quo no que se reporta ao presente recurso que as atas dadas à execução constituem título executivo.
IV. Não pode a Recorrente concordar com esta posição tomada pela Tribunal a quo.
V. Estando perante uma Cumulação de Execução, que deu entrada em Juizo em 8 de julho de 2022, é de aplicar o artº. 6.º do DL 268/94 de 25 de outubro, na versão que entrou em vigor em 11 de abril de 2022, que no seu n.º 1 nos diz:- “ a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições pagar ao condomínio, menciona o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações;”
VI. Pelo que as atas só seriam títulos executivos se preenchessem aqueles requisitos, mas que, como atrás ficou demonstrado, se limitam a indicar o valor global do orçamento para o ano/ período subsequente..
VII. A entender-se, como defende a sentença de que se recorre, que a lei atual não se aplica ao Requerimento de Cumulação, mesmo na anterior versão o artigo 6º, do D.L. nº 268/94, de 25 de Outubro veio conferir a natureza de título executivo à ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio.
VIII. O artigo 1º, do mesmo diploma legal, que estabelece várias regras sobre as deliberações da assembleia de condóminos.
IX. A ata é a documentação do deliberado, ou seja, o relato escrito dos factos juridicamente relevantes que tiveram lugar na assembleia, com menção das pessoas que estiveram presentes e intervieram nas deliberações, elaboradas por aqueles com legitimidade para o fazer, devendo constar, das mesmas as deliberações tomadas.
X. Mas nem toda a ata é considerada título executivo, pois de acordo com a lei vigente com a maioria da jurisprudência e doutrina, e com a anterior versão do artº. 6º. Do Dec Lei 268/94, só é reconhecido título executivo a ata que documente a deliberação de onde nasce a obrigação de pagamento de contribuição por parte do condómino (ata constitutiva da obrigação), o que supõe que dela conste o valor em pagamento, ainda que só por referência ao valor global orçamentado, o pagamento e a quota-parte de cada condómino, por referencia à respetiva permilagem.
XI. Assim, se a ata apresentada em juízo, não contiver a deliberação sobre a aprovação do orçamento, não definir a medida de comparticipação dos condóminos nas contribuições e nas despesas comuns para o exercício subsequente, ou seja a quota-parte imputada à fração autónoma de cada condómino, de acordo com a respetiva permilagem ou outro critério fixado na deliberação e o prazo de pagamento, o credor/ exequente não é título constitutivo da obrigação,
XII. Desde logo, por a fonte da obrigação pecuniária do condómino derivar da aprovação em assembleia de condóminos, consubstanciada na respetiva ata, que aprova e fixa o valor a pagar, correspondente à sua quota-parte para as despesas comuns, e não da declaração feita no formulário do Requerimento Executivo de que o condómino deve determinadas quantias
XIII. Repare-se que, as atas juntas pela Exequente não documentam qualquer deliberação de aprovação das comparticipações devidas pela Executada ao condomínio nos períodos invocados.
XIV. Por todos estes motivos, entende o Recorrente que, os documentos dados à execução pela Recorrida não detém força executiva, uma vez que, não cumprem os requisitos legais impostos pelo normativo legal e, consequentemente, não constituem título executivo nos termos e para os efeitos do artigo 703º nº 1 al. d) do CPC.
XV. Pelo que, perante a manifesta falta ou insuficiência de título executivo, a presente ação executiva nunca poderá proceder.
XVI. Não pode, o Recorrente, conformar-se com a sentença proferida, porquanto entende que deveria a mesma ter sido proferida noutro sentido.
XVII. Requerendo o Recorrente a procedência do presente Recurso, revogando-se a sentença proferida, com as devidas e legais consequências.
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O embargado contra-alegou, finalizando da seguinte forma:
I) Todas as actas dadas à cumulação cumprem integralmente o n.º 2, do art.º 1.º do DL 268/94, de 25/10, na versão aplicável aos autos;
II) São anteriores à entrada em vigor da Lei 8/2022, de 10/1,
III) E foram juntas à cumulação, isto é, na pendência e no decurso dos autos executivos apresentados em juízo a 4/11/2016;
IV) Destarte, são títulos executivos e exequíveis.
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Questão a dirimir:
- se as atas de assembleia de condóminos juntas com a execução postas em crise constituem título executivo das quantias exequendas.
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Fundamentação de facto
Factos dados como assentes na sentença
1. A sociedade “A..., Lda.” é Administradora do Condomínio do prédio urbano, constituído no regime de propriedade horizontal, denominado "Edifício ...” sito na Praça ..., ..., da freguesia ..., do concelho do Porto, descrita na Segunda Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.º ... - ..., através de deliberação da Assembleia de Condóminos, do referido prédio, realizada em 13 de Julho de 2021, Acta 146.
2. Os executados são proprietários da fracção autónoma designada pelas letras “BN” correspondente a um estabelecimento comercial sito no quarto piso - entrada pelo n.º ... da Praça ... da Avenida ..., com a permilagem de 5,5, do prédio urbano referido em 1.
3. Em 25 de Novembro de 2015, em segunda convocação, reuniu a Assembleia Geral dos Condóminos do Edifício ..., estando presentes, pessoalmente ou representados por procurador, condóminos cujas fracções, no total, correspondiam à percentagem de 56,25% do capital investido no Condomínio, de cuja Ordem de Trabalhos constava o Ponto 1 – “Apresentação, Discussão e aprovação do orçamento para 2016”.
4. Nessa assembleia, foi posto à discussão e aprovação o orçamento para 2016, tendo sido aprovado por unanimidade que o valor a cobrar dos condóminos seria de €682.160,00.
5. Em 28 de Novembro de 2016, em segunda convocação, reuniu a Assembleia Geral dos Condóminos do Edifício ..., estando presentes, pessoalmente ou representados por procurador, condóminos cujas fracções, no total, correspondiam à percentagem de 56,25% do capital investido no Condomínio, de cuja Ordem de Trabalhos constava o Ponto 1 – “Apresentação, Discussão e aprovação do orçamento para 2016” – Doc. 2 - Acta n.º 133.
6. Nessa conformidade, foi posto à discussão e aprovação o orçamento para 2017, tendo sido aprovado por unanimidade que o valor a cobrar dos condóminos seria de €573.560,00.
7. Em 29 de Novembro de 2017, em segunda convocação, reuniu a Assembleia Geral dos Condóminos do Edifício ..., estando presentes, pessoalmente ou representados por procurador, condóminos cujas fracções, no total, correspondiam à percentagem de 36,552% do capital investido no Condomínio, de cuja Ordem de Trabalhos constava o Ponto 2 – “Apresentação, Discussão e aprovação do orçamento para 2018” – Doc. 3 - Acta n.º 136.
8. Nessa assembleia, foi posto à discussão e aprovação o orçamento para 2018, tendo sido aprovado por unanimidade que o valor a cobrar dos condóminos seria de €573.560,00.
9. Em 6 de Dezembro de 2018, em segunda convocação, reuniu a Assembleia Geral dos Condóminos do Edifício ..., estando presentes, pessoalmente ou representados por procurador, condóminos cujas fracções, no total, correspondia à percentagem de 44,783% do capital investido no Condomínio, de cuja Ordem de Trabalhos constava o Ponto 1 – “Apresentação, Discussão e aprovação do orçamento para 2019” – Doc. 4 - Acta n.º 139.
10. Nessa assembleia, foi posto à discussão e aprovação o orçamento para 2019, tendo sido aprovado por unanimidade que o valor a cobrar dos condóminos seria de €536.060,00.
11. Em 28 de Novembro de 2019, em segunda convocação, reuniu a Assembleia Geral dos Condóminos do Edifício ..., estando presentes, pessoalmente ou representados por procurador, condóminos cujas fracções, no total, correspondia à percentagem de 44,521% do capital investido no Condomínio, de cuja Ordem de Trabalhos constava o Ponto 1 – “Apresentação, Discussão, votação e aprovação do orçamento para 2020”.
12. Nessa assembleia, foi posto à discussão e aprovação o orçamento para 2020, tendo sido aprovado por unanimidade que o valor a cobrar dos condóminos seria de €548.060,00.
13. Em 19 de Maio de 2021, em segunda convocação, reuniu a Assembleia Geral dos Condóminos do Edifício ..., estando presentes, pessoalmente ou representados por procurador, condóminos cujas fracções, no total, correspondia à percentagem de 70,622% do capital investido no Condomínio, de cuja Ordem de Trabalhos constava o Ponto 1 – “Apresentação, Discussão, e aprovação do orçamento para 2021.
14. Nessa assembleia, foi posto à discussão e aprovação o orçamento para 2021, tendo sido aprovado por unanimidade que o valor a cobrar dos condóminos seria de €537.810,00.
15. Em 24 de Novembro de 2021, em segunda convocação, reuniu a Assembleia Geral dos Condóminos do Edifício ..., estando presentes, pessoalmente ou representados por procurador, condóminos cujas fracções, no total, correspondia à percentagem de 35,662% do capital investido no Condomínio, de cuja Ordem de Trabalhos constava o Ponto 1 – “Apresentação, Discussão e aprovação do orçamento para 2022”.
16. Nessa assembleia, foi posto à discussão e aprovação o orçamento para 2022, tendo sido aprovado por unanimidade que o valor a cobrar dos condóminos seria de €530.290,00.
17. No regulamento do condomínio aprovado pela acta nº 6 de Outubro de 1979, alterado nas assembleias a que se referem as actas nº 15, 32 e pelas deliberações das assembleias de 2 a 9 de Dezembro de 1997, 08/07/1998 e 12/01/2004 foi determinado com relevo que: (…)
Artigo 6.º
1 - As despesas decorrentes da conservação e fruição das partes comuns, do pagamento de serviços de interesse comum ou de quaisquer inovações em partes comuns são repartidas pelos condóminos consoante as regras do art.º 1424.º do Código Civil.
2 - Esta repartição de encargos poderá ser alterada quando poderosas razões o justifiquem e tenha a aprovação de 75% dos votos presentes à Assembleia.
3 - As variações de valor resultantes de sucessivas alienações ou arrendamentos das frações autónomas não influirão na regra de repartição dos encargos estabelecida neste artigo, atendendo sempre, para esse efeito, ao valor constante do título constitutivo da propriedade horizontal, salvo o disposto no número anterior.
4 – Exceptuam-se do disposto no n.º 1 as despesas com a manutenção, conservação das escadas rolantes, despesas essas que serão suportadas apenas pelos condóminos dos 3.º, 4.º e 5.º pisos e que não incluem o condómino Companhia de Seguros B..., S.A., pois que as escadas não servem as frações ACI e BI, aplicando-se à constituição de cada um desses condóminos a regra do art.º 1424.º, n.º 1 do Código Civil. (b).
5 – Igualmente serão suportadas pelos condóminos referidos no número anterior e com a mesma excepção da B..., S.A., os encargos com os seguintes serviços de interesse comum àqueles pisos.
a) Reforço de vigilância dos elementos da P.S.P. requisitados para o efeito;
b) Reforço da limpeza dos mesmos pisos pelo recurso a uma empresa da especialidade;
c) Quadro de pessoal e artigos de limpeza das casas de banho dos mesmos pisos. (b).
(…)
Artigo 50.º
Os condóminos ficam obrigados a pagar nas instalações da Administração o valor do duodécimo que lhes competir até ao dia 15 do mês a que disser respeito, sem necessidade de qualquer outro aviso ou nota de débito.
Artigo 51.º
Os condóminos que não pagarem até ao dia previsto no artigo anterior poderão ainda pagar o seu duodécimo, acrescido da pena pecuniária de 15% até ao último dia útil do mês a que o duodécimo disser respeito.
18. O embargante não pagou os montantes relativos às contribuições dos seguintes períodos:
Ano 2016 - €560,00 (Novembro e Dezembro)
Ano 2017 - €2.592,00 (Janeiro a Dezembro)
Ano 2018 - €1.640,32 (Janeiro a Agosto)
Ano 2019 - €1.435,28 (Junho a Dezembro)
Ano 2020 - €2.559,00 (Janeiro a Dezembro)
Ano 2021 - €2.558,00 (Janeiro a Dezembro)
Ano 2022 - €1.522,00 (Janeiro a Julho)
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Subsunção jurídica
O embargante pugna pela extinção da execução com fundamento na inexequibilidade dos títulos.
Nos termos do disposto no art.º 703.º/1/d do C.P.C. podem servir de base à execução documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
No que respeita às atas das assembleias de condóminos essa disposição especial foi vertida no art.º 6.º/1 do decreto-lei 268/94, de 25/10, segundo o qual a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
A necessidade de atribuir força executiva à ata de reunião da assembleia de condóminos, de acordo com o preâmbulo do decreto-lei 268/94, de 25/10, emerge da necessidade de procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, dotando o condomínio dum instrumento célere e eficaz para a prossecução de uma das suas principais atribuições, a de cobrar as receitas e de exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas sem necessidade de prévia instauração de ação declarativa.
A lei 8/2022, de 10-01-2022, que reviu o regime da propriedade horizontal, estabeleceu a seguinte formulação para o assinalado art.º 6.º:
1 - A ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio menciona o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações.
2 - A ata da reunião da assembleia de condóminos que reúna os requisitos indicados no n.º 1 constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
3 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.
Preceitua o art.º 9.º desta lei que a mesma entra em vigor 90 dias após a sua publicação, com exceção da alteração ao art.º 1437.º do C.C., que entrou em vigor no dia seguinte ao da publicação.
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O embargado reclamou inicialmente o pagamento pelo embargante de €4.880,97, de que constituiria título executivo a ata da assembleia de condomínio de 25 de novembro de 2015, que aprovou o orçamento global para o ano de 2016.
Por requerimento de 8-07-2022, a exequente/embargada requereu a cumulação do pagamento de €14.796,50. Carreou para os autos o que seriam os títulos executivos correspondentes:
- a ata 133, de 28 de novembro de 2016, que aprovou o orçamento para 2017, no valor global de €573.560,00;
- a ata 136 de 29 de novembro de 2017, que aprovou o orçamento para 2018, no valor de €573.560,00;
- a ata 139, de 6 de dezembro de 2018, que aprovou o orçamento para 2019, no valor de €536.060,00;
- a ata 142, de 28 de novembro de 2019 , que aprovou o orçamento para 2020, no valor de €548.060,00;
- a ata 144, de 19 de maio de 2021, que aprovou o orçamento para 2021, no valor de €€537.810,00;
-a ata 147, de 24 de novembro de 2021, que aprovou o orçamento para 2022, no valor de €530.290,00.
Formulou o pedido nos seguintes termos: atento o exposto, tendo em consideração o orçamento das despesas gerais comuns, os orçamentos das despesas especificas e a permilagem da fração do executado, encontram-se em dívida os seguintes montantes:
Ano 2016- 560,00 (Novembro e Dezembro)
Ano de 2017- €2.592,00 (Janeiro a Dezembro)
Ano de 2018 -1.640,32 (janeiro a agosto)
Ano de 2019- €1.435, 28 (junho a Dezembro)
Ano 2020- 2.559,00 (janeiro a dezembro)
Ano 2021- €2.558,00 (janeiro a Dezembro)
Ano 2022- €1.522,00 ( janeiro a julho)
€12.866,60
(….)
Nos termos do disposto no artº. 51º. do Regulamento…….acresce a pena pecuniária de 15% devida pela mora no cumprimento,,,,,, ou seja €1.929,90”
A sentença, de que se recorre, dando como assentes os pontos identificados de 1 a 17, decidiu que as atas dadas à execução, complementadas com o regulamento do condomínio embargado, também carreado para a execução, constituem título executivo. Em seguida, julgou improcedentes os embargos deduzidos.
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O título executivo determina os fins e limites da execução (art.º 10.º/5 do C.P.C.).
A legitimidade ativa e passiva para a execução, por seu turno, determina-se nos termos do art.º 53.º/1 do C.P.C., que dispõe que a execução tem que ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.
O executado considera inexistirem títulos executivos correspondentes às quantias cumuladas às do requerimento inicial porque as atas das assembleias de condomínio que as consubstanciam não respeitariam os requisitos exigidos pela nova redação do art.º 6.º do decreto-lei 268/94, de 25/10, isto é, não mencionariam o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações.
Recorde-se que as atas exequendas se cingem a estabelecer o orçamento anual para cada ano e que o montante correspondente à permilagem respeitante à fração de que o apelante é proprietário, informação vertida no requerimento executivo, alcança-se por operação aritmética.
Vejamos, então, antes de mais, se a redação do art.º 6.º do decreto-lei 268/94, de 25/10 introduzida pela lei 8/2022, de 10-01-2022 é aplicável à situação dos autos, ou seja, se para efeitos de existência/validade do título executivo as atas de assembleia de condomínio exaradas antes da sua entrada em vigor devem observar o ali consignado.
Nos termos do n.º 1 do art.º 12.º do Código Civil, a lei só dispõe para o futuro; ainda que, lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
Porém, o n.º 2 do mesmo art.º 12.º, segunda parte, preceitua quando a lei dispõe diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, se entende que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
A norma sob apreciação limita-se a estabelecer os requisitos das atas de condomínio para efeitos de formação de título executivo. Mal se compreenderia, pois, que as atas das assembleias anteriores à entrada em vigor da norma tivessem que respeitar o seu desconhecido conteúdo.
Assim, a resposta à questão formulada não pode deixar de ser negativa: a nova redação do art.º 6.º do decreto lei 268/94, de 25/10 introduzida pela lei 8/2022, de 10-01-2022 não é aplicável às atas de assembleia de condomínio exaradas antes da sua entrada em vigor.
Ocorre, todavia, que a interpretação desta norma dividia já anteriormente doutrina e jurisprudência, o que é facilmente compreensível se atentarmos na plêiade de atas de condomínio que vão sendo dadas à execução. A questão que se colocava era, ao cabo e ao resto, a seguinte: para a respetiva exequibilidade é suficiente que da ata se possa retirar quais as obrigações pecuniárias condominiais ou é necessário que os quantitativos em concreto aí se mostrem consignados?
Assim, independentemente da inaplicabilidade da nova redação do art.º 6.º, a dúvida mantém-se. Mesmo em face da anterior redação deste normativo, as atas exequendas constituem título executivo?
A alteração legislativa veio clarificar o assunto, no sentido de uma maior exigibilidade. Não tem, porém, valor interpretativo.
Vejamos, então, quais as posições adotadas na vigência da norma segundo a sua anterior redação.
Uma das correntes seguidas atribuía força executiva às atas em que constassem as deliberações que procederam à fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio, fixando-se o prazo de pagamento e a quota-parte de cada condómino (cf. ac. do S.T.J. de 02-6-2021, proc. 1549/18.4T8SVL-A.E1.S1, Ferreira Pinto, consultável in http://www.dgsi.pt/, tal como os demais acórdãos que vierem a ser nomeados, salvo indicação diversa). Outra entendia que a força executiva adivinha de a deliberação da assembleia proceder à discriminação e liquidação dos montantes em dívida por cada condómino (cf. ac. do S.T.J. de 14-10-2014, proc. 4852/08.8YYLSB-A.L1.S1, Fernandes Vale).
Rui Pinto defende que “são condições de exequibilidade a ata (i) aprovar o montante daquelas despesas e valores, (ii) estabelecer o prazo de vencimento e a quota-parte de cada condómino, (iii) devidamente identificado”(in A Ação Executiva, Almedina, p. 227).
Veja-se ainda, o ac. da Relação de Lisboa de 9-9-2021, proc. 20315/19.3T8SNT-B.L1-2, Carlos Castelo Branco): subjacente à exigência de que a acta contenha a deliberação dos montantes e prazos de pagamento das contribuições devidas ao condomínio estão, desde logo, razões de segurança jurídica quanto à constituição e delimitação do conteúdo (imediato) da obrigação exequenda e sua exigibilidade, de modo a assegurar o recurso direcionado e circunscrito à tutela jurisdicional executiva, que, como é sabido, é particularmente intrusiva na perspectiva da defesa da esfera jurídica do executado. A rapidez querida pelo legislador, no que respeita à cobrança desta particular categoria de dívidas, potenciada pela possibilidade de imediata instauração da acção executiva, foi, pois, condicionada, pelo mesmo legislador, pela exigência de um título que preencha os requisitos de exequibilidade (formais e substanciais) expressamente enunciados na lei, de forma a acautelar que a execução servirá apenas para obter a realização coerciva de obrigações já vencidas e cuja existência e conteúdo têm no documento apresentado pelo credor cabal demonstração (acertamento positivo).
E o ac. da Relação de Lisboa de 28-4-2022 (proc. 672/21.2T8LSB.L1-8, Teresa Sandiães): a ata a que o artº 6º, nº 1 do DL 268/94, de 25 de outubro confere força executiva é aquela que contém a deliberação constitutiva da obrigação de pagamento da contribuição de cada um dos condóminos, a de aprovação do orçamento anual e definição da quota-parte de cada um dos condóminos - e não aquela que se limita a declarar os montantes em dívida. A obrigação que se executa é a que emerge do documento, que a demonstra em termos bastantes para permitir ação executiva contra o devedor. Se o documento não permite saber qual é essa obrigação, não pode valer como título executivo.
Cremos que estas interpretações pecam por excessivas.
Quer o elemento literal, quer o elemento histórico da interpretação (art.º 9.º/1 do C.C.) conduzem à interpretação diversa.
Veja-se que nos termos do n.º 2 do mesmo art.º 9.º do C.C. não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. E prevê o n.º 3 que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Realizam-se anualmente milhares de assembleias de condomínio de prédios constituídos em propriedade horizontal, por todo o país. As atas só excecionalmente serão redigidas por juristas e ainda menos por juristas experimentados e alertados para uma matéria consistente na formação de título executivo, consubstanciado nas próprias atas. As atas serão quase sempre elaboradas por cidadãos sem conhecimentos específicos. Mesmo entre os juristas aplicadores do direito vimos já as controvérsias instaladas.
Desde logo, parece-nos inequívoco não resultar da norma que seja necessário que a dívida esteja constituída, que esteja vencida, mas sim, e apenas, que esteja formulada a obrigação.
Por outro lado, não se entrevê um acréscimo de segurança para o condómino em função da exigência doutrinária e jurisprudencial de que da ata conste a liquidação das prestações de condomínio por fração.
Recordemos o texto do art.º 6.º sob discussão: a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
Das atas em causa nos autos constam os elementos bastantes para apurar o montante em dívida por referência a cada ano. Basta aplicar ao montante total do orçamento anual a permilagem correspondente à fração do embargante. O deslindamento do valor exequendo depende, pois, de mera operação aritmética. Podemos ter por determinados, em face das atas exequenda, os quantitativos a cobrar a qualquer dos condóminos.
Os direitos do condómino não ficam postos em crise, ou, de outra forma, não o ficam mais do que quedariam se da ata constasse qual o montante da obrigação já liquidado em função da quota parte do embargante - note-se que da ata pode constar o valor a pagar por cada condómino e que, sendo efetuados pagamentos parcelares, a quantia exequenda não se reportaria já ao valor do título.
O risco inerente ao título executivo constituído por atas de assembleias de condomínio não se prende com o facto de dele constar o total das prestações em dívida e a permilagem correspondente a cada condómino ou, em alternativa, o valor correspondente a cada condómino. Dir-se-á mesmo que a identificação do valor total e da permilagem garante um maior controle, quer por parte dos condóminos, quer do tribunal, por comparação com a identificação de um valor conclusivo, sem crivo de segurança. O risco deste título advém de uma possível gestão menos criteriosa do condomínio e de uma ata da assembleia de condóminos que veja essa falta de critério espelhada. Mas, nesta situação, é irrelevante se da ata consta o montante total das obrigações dos condóminos ou a quota-parte de cada um, pois que, a menos que se trate de um erro de cálculo, o vício encontrar-se-á a montante.
Em todo o caso, sempre se dirá que na situação vertente, nem as deliberações, nem os quantitativos foram impugnados, mas apenas o modo como a dívida veio a ser exigida em tribunal e assim mesmo em face de alteração legislativa que não lhe é aplicável.
Não oferece dúvidas que desde 1994 que o legislador pretende agilizar a cobrança de dívidas aos condóminos. Não cabe ao julgador entravar esse desiderato, desde que se mostrem verificados os requisitos efetivamente elencados na legislação em vigor às datas das realizações das assembleias, como à data da propositura da ação executiva e do requerimento de cumulação. A lei aplicável exige tão somente que da ata conste qual o montante das contribuições devidas ao condomínio, o que no caso concreto se verifica.
Como se lê no ac. da Relação do Porto de 4-6-2009, 1139/06.4TBGDM-A.P1, José Ferraz): no aludido objectivo da lei - de tornar eficaz o regime da propriedade horizontal e facilitar as relações entre os condóminos (e terceiros por interesses relativos ao condomínio) - se integra a atribuição à acta da assembleia de condóminos que fixa o montante das contribuições devidas força executiva, facilitando a cobrança dos créditos do “condomínio” sobre os condóminos e, de certo modo, evitando que, por falta de recursos, deixe de funcionar regularmente. Deste modo, se não é de exigir grande rigor formal na elaboração das actas, para basear a execução, delas deve constar de forma compreensível (que não permita dúvidas razoáveis) os montantes devidos. Atendo o teor do citado artigo 6º/1, a força executiva da acta não depende de nela se fazer necessariamente constar o montante determinado, concreto, certo, da dívida de cada condómino, mas deve conter critério que permita que esse valor se determine. A acta pode conter o valor global devido ao condomínio (seja por contribuições correntes, seja para realização de despesas de conservação ou fruição das partes comuns, ou para pagamento de serviços de interesse comum), mas deve permitir que a cada condómino, pela simples aplicação da permilagem da sua fracção ao valor global, saber qual o montante que lhe toca (se outro critério não for expressamente deliberado).
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1434.º do CC, a assembleia de condóminos pode fixar penas pecuniárias para a inobservância das suas deliberações, nomeadamente, aplicáveis ao condómino em mora no pagamento das quotas de condomínio.
Por correlação com o regulamento do condomínio embargado, que estabelece no seu art.º 51.º uma pena pecuniária de 15%, este valor é apurável.
Desta forma, as atas constituem fonte das obrigações exequendas.
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Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar a apelação improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 27/3/2023
Teresa Fonseca
Augusto de Carvalho
José Eusébio Almeida