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INVENTÁRIO
REGIME DOS RECURSOS
INCIDENTE DE RECLAMAÇÃO À RELAÇÃO DE BENS
Sumário
I- Tratando-se de decisões interlocutórias cuja recorribilidade não está assegurada, quer por normas especiais do inventário, quer por aplicação remissiva do art. 644º do CPC, devem ser impugnadas em dois blocos: com o recurso da decisão sobre o saneamento do processo ( art. 1110º CPC) ou com o recurso da sentença homologatória da partilha ( art. 1122º). II- O incidente da reclamação à relação de bens apresentada pela cabeça de casal, e que se encontre a decorrer e no decurso do qual foram proferidos os despachos recorridos, culmina com uma decisão que determina os bens a partilhar no âmbito do processo de inventário, ao definir esses bens, pelo que se enquadra no despacho de saneamento aludido no art. 1110º do CPC e insere-se na al. b), do n.º 1 do art. 1123º do CPC, na redação introduzida pela citada Lei n.º 117/2019, onde o legislador expressamente declara que das “decisões de determinação dos bens a partilhar cabe apelação autónoma”.
Texto Integral
Processo 5474/20.0T8GMR-A.G1
Nos presentes autos estão em apreciação dois recursos:
1) Um deles intentado pelo cabeça de casal e do despacho datado de 30.09.2022;
2) O outro intentado pela requerente de inventário e do despacho datado de 14-11-2022.
Antes de mais, vejamos cronologicamente, como se processaram os trâmites dos presentes autos de inventário para partilha dos bens comuns do casal intentados por AA contra BB e por apenso aos autos de processo de divórcio, no que nos importa e a partir da reclamação à relação de bens.
- Após a reclamação da relação de bens apresentada deduzida em 18.10.2021, e apresentada a resposta pelo cabeça-de-casal em 22.11.2021, e tal como este requereu, o tribunal ordenou uma avaliação aos bens imóveis relacionados, conforme despacho datado de 01.07.2021;
- Foi junto o relatório de avaliação em 01.09.2021. - Em 21.09.2022, a requerente/reclamante juntou requerimento, nos termos do qual pede, nos termos do art. 485º do CPC, que o senhor perito preste esclarecimentos, indicando as perguntas, fazendo um introito nos seguintes termos: “ cumpre elucidar o tribunal que o imóvel de ... foi alvo de certas e determinadas benfeitorias feitas pela requerente após o divórcio que se revelaram necessárias e úteis” e “ como o imóvel foi avaliado com as benfeitorias, impõe-se clarificar a avaliação do imóvel no que concerne às benfeitorias, quer no que toca a outras questões”. - Em 23.09.2022, o cabeça-de-casal igualmente juntou requerimento nos termos do qual, além do mais, pediu esclarecimentos ao senhor perito e ainda pediu que se“ julgue como um acto nulo o que vai alegado no requerimento da interessada AA, agora notificado ao requerente e vertido nos seus números I, alineas a), b), c), d), e), f) g), h), i), o parágrafo subsequente a esta alínea, j), K), l), e a alínea n), o que se invoca (cf. o artigo 195º, nº 1, do CPC) e deve ser declarado com todas as legais consequências, designadamente as de considerar-se como não escrito o aí alegado”. - Em 30.09.2022 foi proferido o seguinte despacho: “ Com cópia de ambos os requerimentos de prestação de esclarecimentos sobre as avaliações efetuadas, notifique-se o senhor perito para, em conformidade às questões e objeções levantadas, apresentar novos relatórios em que responda ao perguntado, concluindo depois em conformidade pelo valor de cada um. Caso necessite, deverá contactar os ilustres mandatários sobre os invocados meios de prova que possuirão, mormente quanto às alegadas benfeitorias após a data do divórcio. Prazo: 60 dias, dada a extensão dos requerimentos. Notifique-se e demais D.N.”. - Em 3.10.2022, o cabeça de casal juntou requerimento invocando a nulidade do despacho datado de 30.09.2022 por omissão de pronúncia acerca da nulidade invocada no requerimento de 23.09 e que não foi apreciada naquele despacho de 30.09.2022. - Em 17.10.2022, o cabeça de casal juntou requerimento a interpor recurso do despacho datada de 30.09.2022, “ nos termos do art. 644º,nºº2, 1º e 2º parte ex vi 1123, nº1 do CPC, concluindo, em síntese, pela nulidade do despacho recorrido por omissão de pronúncia. - Em 3.11.2022 foram juntos aos autos as respostas aos pedidos de “esclarecimentos” realizados pelo senhor perito e notificadas as partes. - Em 14-11-2022 foi proferido o seguinte despacho: “ Usando do possível poder de síntese: Foi junto aos autos o relatório de avaliação das verbas 16 (imóvel em ..., vivenda), 17 e 18 (imóveis em ..., apartamento e lugar de garagem). Ambas as partes fizeram requerimentos de pedido de esclarecimentos (a requerente aos 21/09/2022 e o cabeça de casal aos 22/09/2022) quanto ao relatório do perito, sendo que a requerente, invocando que a partilha deve ser feita de forma equitativa, veio dizer que o imóvel sito em ..., verba 16 foi objeto de benfeitorias, pedindo então, entre o demais, que se questione o perito sobre se visualizou benfeitorias no interior do imóvel, se sim em que divisões incluindo na garagem, bem como se visualizou obras no exterior e em que partes, incluindo o telhado, tudo nos termos do requerimento de 21/09/2022, cujo teor se dá por reproduzido. No requerimento de 22/09/2022, cujo teor igualmente se dá por reproduzido o cabeça de casal questiona a excessiva desvalorização do imóvel em função do diferencial de diferenciação e diz desconhecer se foram feitas as benfeitorias invocadas pela interessada no mesmo, quando e qual o valor (ponto 6 a 17), concluindo pela preclusão do direito a vir agora levantar a questão e a pedir a relacionação ou algum direito de crédito, sendo que o requerimento da interessada em si mesmo é um ato nulo nos termos expostos no requerimento. Foi então proferido o despacho de 30/09/2022, cujo teor se dá por reproduzido, ordenando-se que fossem prestados todos os esclarecimentos. Aos 03/10/2022 veio o cabeça de casal dizer que no dito despacho há omissão de pronúncia, entre o mais no tocante aos pontos 6 a 17 do seu anterior requerimento, mormente por só depois de fixado o objeto da avaliação vir a interessada ex novo invocar as ditas benfeitorias, concluindo entre o mais que se trata de um ato proibido por lei por violar o disposto nos artigos 2.º, 3.º, 4.º e 476.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C. e, como tal, considerar-se como não escrita a pretensão da requerente. Aos 17/10/2022 foi interposto recurso pelo cabeça de casal quanto ao despacho de 30/09/2022. Foi aberta uma conclusão aos 25/10/2022 que foi cobrada pela seção por aos 03/11/2022 terem chegados aos autos os esclarecimentos do perito quanto ao despacho de 30/09/2022, destacando-se do ponto 6 do mesmo relatório que o perito diz, em suma, que como não acompanhou qualquer trabalho não sabe dizer se houve benfeitorias (“algum tipo de intervenção”) depois do divórcio, dizendo, em suma, que o objeto da perícia era avaliar o imóvel como se encontra e determinar o seu valor, daí que quanto a praticamente todas as questões adicionais da requerente responda “fora do âmbito da peritagem” – o que acaba por suceder também quase quanto a todos os esclarecimentos pedidos pelo cabeça de casal. Posto isto: Houve efetivamente omissão de pronúncia no despacho de 30/09/2022, nos termos acima referidos, o que se reconhece, pois o tribunal não se pronunciou, por lapso, sobre uma questão levantada pelo cabeça de casal, a da inadmissibilidade de a interessada vir neste momento (depois do relatório pericial de avaliação) colocar a questão das invocadas benfeitorias, o que consubstancia uma nulidade, enquadrada no disposto nos artigos (todos do C.P.Civil) 613.º, n.º 2 e n.º 3 (pois é de um despacho que se trata), 615.º, n.º 1, al. d). De todo o modo, e perante o teor do relatório junto aos autos aos 03/11/2022, as pretensões da requerente não tiveram o acolhimento por si pretendido, estando tal questão ultrapassada. Quanto ao requerimento de interposição de recurso, de 17/10/2023: note-se que o tribunal (nos termos acima expostos), até este momento, ainda não se tinha pronunciado sobre a invocada nulidade de omissão de pronúncia; assim, nos termos do art.º 613.º, n.º 3, 617.º, n.º 2 e n.º 3 do C.P.C., notifique-se o cabeça de casal para dizer se desiste do recurso interposto ou se mantém interesse no mesmo. Notifique-se.”.
- Em 17-11-2022, a requerente/reclamante juntou requerimento novamente a pedir esclarecimentos e complementar a perícia realizada no que concerne às benfeitorias realizadas no imóvel de ..., invocando o princípio da adequação processual.
Em 17-11-2022, o cabeça de casal juntou requerimento novamente a pedir esclarecimentos sobre a perícia realizada, quanto a ambos os imóveis e ainda novamente arguiu a nulidade do ato da requerente aquando da junção do requerimento de 17.11.2022, nomeadamente atenta a decisão de 14.11.2022.
- Em 28-11-2022 a requerente/reclamante, por requerimento, interpôs recurso deste despacho datado de 14.11.2022, nos termos do art. 644º,nº2, d) e 1123º do CPC.
- Em 28-11-2022, o cabeça de casal, por requerimento, vem dizer que mantém interesse no recurso interposto do despacho datado de 30.09.2022.
- Por despacho de 19.12.2022, foram ambos os recursos admitidos, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo e ainda foi consignado que:
“ Perante o, entretanto, processado junto aos autos, importa esclarecer o seguinte, sobre a citação que o cabeça de casal faz do despacho de 14/11/2022 (a fls. 3, in fine, do requerimento do cabeça de casal de 17/11/2022): está desenquadrada (igual desenquadramento da citação consta do ponto 3.º do requerimento de 28/11/2022). A nulidade que o subscritor declarou foi a de omissão de pronúncia, não a que havia sido arguida por si, também, quanto ao facto de a interessada ter vindo levantar, no ínterim, a questão das benfeitorias alegadamente por si feitas e custeadas. Quando o tribunal referiu o termo “nulidade” no último parágrafo de fls. 2 do despacho de 14/11/2022 referia-se ao ter havido omissão de pronúncia – não à dita questão levantada pelo cabeça de casal… - Posto isto: Dada a marcha do processo, como explicado no despacho de 14/11/2022, entretanto haviam sido feitos todos os pedidos de esclarecimento (por ambas as partes) ao senhor perito, incluindo quanto às benfeitorias invocadas pelo interessado. O senhor perito respondeu nos termos do e-mail de 03/11/2022. Não satisfeita com as respostas do senhor perito, aos 17/11/2022, vem a interessada insistir pelos esclarecimentos que, no seu entendimento, imperam –o que, desde já se indefere, por se tratar da repetição de um ato (e, sem prejuízo do que vier a ser decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães sobre os recursos que abaixo se admitirá, pois poderá a questão ficar prejudicada) e tendo em conta que os esclarecimentos inicialmente solicitados foram respondidos, remeter-se-á as partes para os meios comuns quanto a tal questão, das alegadas benfeitorias, prosseguindo a partilha quanto ao demais – que, se necessário, poderá um dia ser emendada”.
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O cabeça de casal suscitou nas suas contra-alegações de recurso a questão da não admissibilidade do recurso, nos modos que resume no primeiro e segundo ponto das suas conclusões nestes termos: “1ª O presente recurso, interposto do, aliás douto, despacho de fls., prolatado em 30 de Setembro de 2022 (Referência: ...31, de 30/09/2022), é legalmente inamissível e viola, ente outros, o artigo 627º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC), já que o objeto do recurso é a legalidade da decisão recorrida, sendo um recurso (ordinário) uma forma de impugnação que, desde logo, pressupõe uma decisão judicial e que a mesma seja desfavorável à impugnante, 2ª – Pelo que tem que ser rejeitado e ad limine, pois é um recurso premonitório, cautelar, de uma decisão que a recorrente adivinha que vá ser proferido quanto à mesma pretensão, como a mesma reconhece e confirma nas suas conclsuões recursivas, maxime na 8ª e 3ª, inexistindo, in casu, dois pressupostos essenciais ao recurso de qualquer decisão judicial: uma decisão judicial que decida uma pretensão e que essa decisão seja desfavorável à parte que recorre”.
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Este Tribunal da Relação ouviu ambas as partes quanto à possibilidade de não serem ambos os recursos admitidos e nada foi dito.
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II- O objeto do recurso prende-se com a admissibilidade de ambos os recursos.
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III- A factualidade a ter em consideração consta do relatório supra.
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IV- Fundamentação de direito:
Prima facie,importa dizer que os recursos “dos despachos” foram admitidos pelo Tribunal a quo, e foi-lhe dada subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
O despacho do Tribunal recorrido não vincula o Tribunal “ ad quem”, cabendo ao relator verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso, cumprido que foi o princípio do contraditório (artºs. 652º, nº. 1, b), e 655º, nº. 2, do C.P.C.).
Salvo o devido respeito, afigura-se que não é possível conhecer de qualquer um dos recursos interpostos, seja pelo cabeça de casal (quanto ao despacho datado de 30.09.2022, na parte em que admite os esclarecimentos ao perito e requeridos pela requerente), seja pela requerente ( quanto ao despacho datado de 14.11.2022, na parte que entendeu, segundo aduz a recorrente, implicitamente não autorizou os esclarecimentos pretendidos), uma vez que se entende que nenhum deles se enquadra na previsão do artigo 644.º, nº2, al. d) do Código de Processo Civil, quanto à admissibilidade de apelação autónoma.
Nos termos do artº 644º, nº2 al. d) do Código de Processo Civil, cabe recurso de apelação do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova – artº 644º, nº2 al. d) do Código de Processo Civil.
O despacho de admissão ou rejeição de meios de prova é impugnável por via de apelação autónoma, o que significa que o recurso sobe imediatamente e não com o recurso que venha a ser interposto da decisão final, como sucede com os recursos das decisões não incluídas nos números 1 e 2 do referido preceito legal – nº3 do artº 644º, do CPC.
A razão desta solução legal prende-se com a importância da prova para a decisão da matéria de facto [Lebre de Freitas, CPC anotado, 3ª ed., 3º vol, pág 120] e expressa a necessidade de atenuar os riscos de uma eventual inutilização do processado [Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pág. 177].
E isto porque a impugnação destas decisões com a impugnação da decisão final não implicaria uma inutilidade absoluta do recurso, mas uma inutilidade relativa (a inutilização parcial do processado), o que as exclui da previsão da alínea h) do nº2 do referido artº 644º, do CPC que permite a apelação autónoma das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil.
Ora, ambos os despachos recorridos respeitam a uma fase processual – de reclamação/esclarecimentos- contra o relatório pericial prevista no art.º 485º, n.º 2 do CPC, pelo que não respeitam já à fase de admissão da prova mas à fase de produção e assunção da mesma.
Por isso, naturalmente, a decisão que sobre tal reclamação se pronuncia não pode considerar-se uma decisão de admissão ou rejeição de meio de prova.
Sendo assim, ambos os recursos, seriam inadmissíveis, nos termos da alínea d) do n.º 2 do art.º 644º do CPC.
Neste sentido decidiu também o Tribunal da Relação de Coimbra em acórdão de 27-09-2016 (processo n.º 26/11.9TBMDA-A.C1, publicado em www.dgsi.pt).
Poder-se-ia objetar dizendo que estamos perante despachos que não rejeitam a prova mas restringem a prova pelo que não fazendo uma interpretação meramente literal a al.d) do nº2 do art. 644º do CPC, mas teleológica , estariam abrangidos pela alínea d) do nº2, do artº 644º, do CPC?[i]
Sem embargo, nem um nem outro cabem em tal categoria.
Vejamos.
O despacho datado de 30.09.2022 ordena que sejam prestados todos os esclarecimentos pretendidos ( seja pelo cabeça de casal no seu requerimento de 23.09.2022, seja pela requerente no seu requerimento de 21.09.2022), pelo que é despacho que não restringe em nada a perícia que tinha sido ordenada ( avaliação dos imóveis). Bem pelo contrário.
Assim sendo, não cabe na al- d) do art. 644º do CPC e ainda que interpretada de modo lato.
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O despacho de 14.11.2022 aprecia a nulidade invocada pelo cabeça de casal e conclui que “ está ultrapassada a questão”, atento o teor das respostas do perito aos esclarecimentos de ambas as partes.
Tanto assim é que o tribunal, no despacho de 19.12.2022 faz consignar isso de modo explicito: “ A nulidade que o subscritor declarou foi a de omissão de pronúncia, não a que havia sido arguida por si, também, quanto ao facto de a interessada ter vindo levantar, no ínterim, a questão das benfeitorias alegadamente por si feitas e custeadas.”
E ainda nesse despacho de 19.12.2022 indeferiu os novos esclarecimentos pretendidos pela requerente em 17.11.2022, e adiantou a respeito das alegadas benfeitorias que “ tendo em conta que os esclarecimentos inicialmente solicitados foram respondidos, remeter-se-á as partes para os meios comuns quanto a tal questão, das alegadas benfeitorias, prosseguindo a partilha quanto ao demais – que, se necessário, poderá um dia ser emendada”.
Ou seja, não se vislumbra qualquer decisão implícita ( de indeferimento de esclarecimentos) conforme alegado pela recorrente e a respeito da questão dos esclarecimentos pretendidos ( onde inseriu a questão das benfeitorias), aliás foram todos acolhidos naquele despacho datado de 30.09.2022, pelo que igualmente não cabe na al- d) do art. 644º do CPC e ainda que interpretada de modo lato.
Questão diferente é se o perito, em 3.11.2022, deu as respostas pretendidas pela interessada aquando dos esclarecimentos de 21.09 e, nesse contexto, o perito diz, em síntese, que não responde a determinadas matérias, quer porque não estão no âmbito da peritagem os trabalhos realizados na moradia, quer porque como não acompanhou os trabalhos não sabe sequer se alguém realizou algum tipo de intervenção após o divórcio. Esse mesmo perito, em tais esclarecimentos, ainda consignou que qualquer tipo de intervenção permite que agora o imóvel fosse menos depreciado.
Ora, compulsado o requerimento de esclarecimentos da requerente, esta alude genericamente “ a obras necessárias e úteis realizadas após o divórcio”, ficando por se saber a que obras alude, inclusive fica-se até com a impressão que nem sequer a reclamante sabe a que obras se há de referir, quanto mais o senhor perito que teria de adivinhar quais as obras feitas, o que seria, de todo em todo, um absurdo.
Em suma, entendemos que o despacho datado de 14.11.2022 não toma posição (nem explicita nem implicitamente) acerca do incidente de reclamação de bens em que se insere a temática das benfeitorias, o que porventura irá ter prova testemunhal a produzir e, eventualmente, caso seja necessário, poderá sempre o senhor perito ser ouvido.
Assim sendo, e pronunciando-se aquele despacho apenas e tão somente acerca da nulidade alegada pelo cabeça de casal, a qual foi considerada “ questão ultrapassada”, do ponto de vista do interesse em recorrer da parte da requerente/reclamante igualmente não se verifica, desde logo, que seja decisão desfavorável à mesma, um dos pressupostos do recurso ( cfr. art. 629º do CPC). Mutatis mudandis, dir-se-á a respeito do despacho datado de 30.09.2022 e do ponto de vista do interesse em recorrer da parte do cabeça de casal igualmente não se verifica, desde logo, porquanto não se trata de decisão desfavorável ao mesmo, um dos pressupostos do recurso ( cfr. art. 629º do CPC), pois o despacho ordena o pretendido por ambas as partes.
A respeito, de se recorrer deste despacho porque se verifica uma nulidade processual- por omissão de pronúncia ( por não se ter pronunciado acerca da nulidade por si invocada), dir-se-á que não é o recurso o meio próprio para invocar a nulidade, aliás tanto assim é, que o cabeça de casal suscitou a nulidade por requerimento datado de 3.10.2022 e que obteve pronúncia no despacho datado de 14.11.2022.
O Prof. A. Reis também já dizia o que a jurisprudência consagrou os seguintes postulados “ dos despachos recorre-se, contra nulidades reclama-se”. E a justificação de tais postulados é fácil, dizia o Mestre: “ desde que um despacho tenha mandado praticar determinado ato, por exemplo se porventura a lei não admite a prática desse ato é fora de dúvida que a infração cometida foi efeito do despacho; por outras palavras, estamos em presença dum despacho ilegal, dum despacho que ofendeu a lei de processo. Portanto a reação contra a ilegalidade traduz-se num ataque ao despacho que a autorizou ou ordenou; ora o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respetivo recurso.
Se, em vez de recorrer do despacho, se reclamasse contra a nulidade, ir-se-ia pedir ao juiz que alterasse ou revogasse o seu próprio despacho, o que é contrário ao princípio de que, proferida a decisão, fica esgotado o poder jurisdicional de quem decidiu.”. ( Comentário ao CPC, Vol. 2º, p. 507,508).
Este mesmo autor também admite que “ há casos em que o funcionamento concreto dos postulados jurisprudenciais levanta dificuldades. São os casos em que por trás da irregularidade cometida está um despacho, mas este não contém uma pronúncia expressa sobre a irregularidade.”.
A solução avançada por este insigne professor é a de que se o despacho contem resolução implícita sobre o facto que serve de fundamento ao recurso, deverá recorrer-se; deve reclamar-se contra a nulidade no caso contrário ( in ob cit, p. 511).
Ora, volvendo ao caso sub judicio, tal situação de resolução implícita não ocorre, de modo que o cabeça de casal sentiu necessidade de juntar requerimento em que invoca a dita nulidade, fundamento do recurso(!), a qual entretanto já mereceu pronúncia do tribunal conforme despacho datado de 14.11.2022, tornando assim inútil aquela lide recursiva.
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Acresce dizer que, por outro lado, entendemos, na esteira do entendimento entre outros de A. Geraldes. P. Pimenta e Luís Pires de Sousa ( CPC Anotado, Vol. II, p. 614, nota 15, ed. 2020) que tratando-se de decisões interlocutórias cuja recorribilidade não está assegurada, quer por normas especiais do inventário, quer por aplicação remissiva do art. 644º do CPC, devem ser impugnadas em dois blocos: com o recurso da decisão sobre o saneamento do processo ( art. 1110º CPC) ou com o recurso da sentença homologatória da partilha ( art. 1122º)”.
Consigna-se ainda que o incidente da reclamação à relação de bens apresentada pela cabeça de casal, e que se encontra a decorrer e no decurso do qual foram proferidos os despachos ora recorridos, culmina com uma decisão que determina os bens a partilhar no âmbito do processo de inventário, ao definir esses bens, pelo que se enquadra no despacho de saneamento aludido no art. 1110º.
Daí que, essa decisão, se insira na al. b), do n.º 1 do art. 1123º, na redação introduzida pela citada Lei n.º 117/2019, onde o legislador expressamente declara que das “decisões de determinação dos bens a partilhar cabe apelação autónoma”.
Como é referido por A. Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa ( in CPC Anotado, p.574, nota 11, Vol II) “ no anterior regime, a reclamação contra a relação de bens em processo de inventário, na medida em que fazia parte da tramitação específica do processo de inventário, não era considerada incidente autónomo para efeitos de interposição de recurso de apelação… A polémica perdeu interesse, tendo em conta o disposto no art. 1123º, nº2, al. b), norma que previne a imediata recorribilidade, independentemente da qualificação de tal questão.”.
Destarte, a decisão interlocutória que decide, de mérito, quanto à reclamação apresentada quanto à relação de bens junta aos autos pelo cabeça de casal e, assim, determinativa dos bens a partilhar, é autónoma e imediatamente recorrível, conforme expressamente dispõe o n.º 2 do art. 1123º do CPC, na redação introduzida pela Lei n.º 117/2019, de 13/09, aplicável ao presente processo especial de inventário.
Assim sendo, nos termos do nº4 do art. 1123º do CPC “ são interpostas conjuntamente com a apelação referida na alínea b) dº nº2 os recursos em que se pretendam impugnar decisões proferidas até esse momento, subindo todas elas em conjunto ao tribunal superior, em separado dos autos principais.”
Ou seja, no caso vertente, os recursos que se pretende impugnar e acerca daquelas decisões terão de ser interpostos com a apelação da decisão interlocutória que decide, de mérito, quanto à reclamação apresentada quanto à relação de bens junta aos autos pelo cabeça de casal.
E não se diga que se verificaria sempre o art. 644º/2/h do NCPC segundo o qual que são imediatamente recorríveis as decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil.
Ora, na situação em apreço, o prosseguimento do incidente até à decisão final da reclamação de bens, sem que entretanto se decida definitivamente sobre a (in)suficiência do relatório pericial apresentado por referência ao objeto e âmbito da prova pericial requerida e deferida, não gera para qualquer das partes o risco de ser confrontado com um resultado cuja decisão permanecerá irreversível mesmo no caso de procedência da impugnação que qualquer uma das partes venha a deduzir contra a rejeição da sua reclamação contra o relatório pericial no recurso a interpor da decisão final.
Procedendo tal impugnação, o efeito direto será o da anulação do despacho que indeferiu a dita reclamação e de todos os termos processuais subsequentes que dele dependam, inclusive o despacho datado de 19.12.2022, nos termos do qual aí sim foram indeferidos os esclarecimentos de modo explicito e adiantado serem as partes remetidas para os meios comuns.
Por isso, o diferimento dessa impugnação para o momento da impugnação da decisão final do incidente de reclamação de bens não gera qualquer risco de tonar a primeira absolutamente inútil.
Tudo para concluir que a divergência recursiva de ambas as partes não logra, respetivamente, enquadramento em nenhuma das situações tipificadas no art. 644º/2 do NCPC como sendo legitimadoras de apelações autónomas.
Consequentemente, não deve tomar-se conhecimento de ambos os recursos.
IV- DECISÃO
Por tudo o exposto, entendemos não tomar conhecimento do objeto dos dois recursos.
Custas pelos apelantes, em partes iguais.
G, 15-02-2023
Anizabel Sousa Pereira
[i] Cremos, aliás, ser este o entendimento do prof. Lebre de Freitas quando inclui o artº 476º, do CPC ( quando o juiz toma posição sobre o pedido de realização da perícia)no elenco de casos suscetíveis de gerar decisões impugnáveis por apelação autónoma [ob. cit., pág. 121]- cfr. neste sentido, o caso apreciado no AC da RE de 19-11-2015, proc. 569/10.1TBVRS-A.E1, in dgsi.