AÇÃO ESPECIAL DE ALIMENTOS
ALTERAÇÃO DE ALIMENTOS AO EX CÔNJUGE
ÓNUS DA PROVA
FACTOS SUPERVENIENTES
Sumário


1- Assentando a obrigação de prestar alimentos ao ex-cônjuge em três pilares fundamentais – 1º) necessidade de quem os recebe; 3º) impossibilidade deste de prover ao seu próprio sustento; e 3º) possibilidades de quem os presta –, apenas a ocorrência de circunstâncias modificativas supervenientes de qualquer um destes vetores, isto é, ocorridas após ter sido fixada a prestação alimentar que se pretende ver modificada ou declarada cessada, poderá justificar o aumento, a redução ou a cessação dessa prestação alimentar antes fixada judicialmente ou por acordo.
2- Impende sobre o autor da ação que pretende obter a alteração ou a declaração de cessação da prestação alimentar antes fixada o ónus de alegar e provar os factos demonstrativos da verificação dessas circunstâncias modificativas supervenientes em relação a qualquer um desses pilares.
3- Por conseguinte, pretendendo o autor que se declare cessada a obrigação alimentar em que foi condenado satisfazer ao seu ex-cônjuge, aquele terá de alegar e provar factos ocorridos após a prolação dessa sentença que determinam a impossibilidade daquele de continuar a prestar alimentos ao seu ex-cônjuge, ou que determinam que este deixasse de ter necessidade que se continue a prestar-lhe alimentos.
4- Os factos modificativos supervenientes referidos em 1) podem ser objetivamente supervenientes (isto é, ocorridos historicamente após a sentença ou o acordo que fixou a prestação alimentar que se pretende ver alterada ou cessada) ou subjetivamente supervenientes (isto é, factos ocorridos historicamente antes da sentença ou do acordo que fixou a prestação alimentar que se pretende ver alterada ou cessada, mas que não foram considerados na ação de alimentos em que essa prestação foi fixada por não terem sido aí alegados pelo autor que pretende que essa prestação alimentar seja alterado ou cessada, por razões que não lhe são imputáveis, designadamente, a título de negligência).
5- Numa ação em que o autor pretende que se declare cessada a prestação alimentar que foi condenado ao satisfazer ao seu ex-cônjuge mulher, não pode ser considerado o património imobiliário que esse seu ex-cônjuge era já titular aquando da prolação da sentença que fixou a prestação alimentar que o agora autor pretende seja declarada cessada, quando este não alegue quaisquer factos justificativos para não ter alegado, na ação de alimentos em que essa prestação alimentar foi fixada (em que era réu), a existência desse património imobiliário de que o eu ex-cônjuge (autora nessa ação de alimentos) era já então titular, por não se tratar de facto objetivamente, nem subjetivamente superveniente.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

Por apenso aos autos de ação especial de alimentos que AA instaurou contra o seu ex-marido BB, em que por sentença proferida em 18/06/2010, transitada em julgado, o aí Réu BB foi condenado a pagar à aí Autora CC a quantia mensal de 250,00 euros, a título de alimentos, por transferência bancária, o identificado BB, residente na Rua ..., Lugar ... D´Ana, ... ..., concelho ..., instaurou ação especial para cessação da obrigação de prestação de alimentos contra CC, residente  na Travessa ..., ... ..., pedindo que se declarasse cessada a obrigação em questão, com efeitos desde a data da propositura da ação.
Para tanto alegou, em síntese, que à data em que foi condenado a prestar alimentos à Ré exercia atividade profissional remunerada, auferindo uma retribuição mensal de 1.500,00 euros, quando, atualmente, e desde 02/08/2021, está reformado, recebendo uma pensão mensal de 465,24 euros, sendo este o seu único rendimento, com o qual tem de fazer face a todas as suas despesas.
A Ré é reformada por velhice e recebia à data da fixação de alimentos uma pensão de 386,65 euros que, fruto das atualizações anuais, deverá ser superior à recebida pelo Autor.
A Ré vive com o filho mais velho do ex-casal, maior e independente, recebe ajuda dos restantes filhos e dispõe de património imobiliário próprio, que consegue facilmente alienar, o que lhe permitirá viver confortavelmente até ao fim dos seus dias.
Finalmente, decorridos três anos sobre o divórcio, a Ré tem possibilidades de prover à sua subsistência.
Realizou-se a conferência de interessados a que alude o art. 936º, n.º 3, do CPC, onde não foi possível obter acordo das partes.
A Ré contestou impugnando parte da facticidade alegada pelo Autor, sustentando que este recebe duas pensões de reforma, num total de 915,24 euros mensais, enquanto aquela tem como único rendimento a sua pensão, que ascende a 386,65 euros mensais.
Vive em casa do filho, sozinha, em virtude desse filho se encontrar emigrado, e, embora não pague renda de casa, contribui com 150,00 euros mensais para pagamento do empréstimo bancário.
Paga quantia nunca inferior a 150,00 euros mensais em água, luz, gás, telefone e televisão e gasta cerca de 60,00 euros mensais em despesas fixas com medicamentos, praticamente nada lhe restando para fazer face à sua alimentação.
Concluiu pedindo que a ação fosse julgada improcedente.
Proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se o valor da ação em 30.000,01 euros, o objeto do litígio e os temas da prova, que não foram alvo de reclamação, e conheceu-se dos requerimentos probatórios apresentados pelas partes.
Realizada audiência final, em 06/12/2022, proferiu-se sentença em que se julgou a ação parcialmente procedente e reduziu-se a prestação alimentar devida pelo Autor à Ré para a quantia de 170,00 euros mensais, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:
“Pelo exposto, decido julgar parcialmente procedente a ação e, em conformidade, reduzo a prestação alimentícia devida pelo Autor BB à Ré CC para a quantia mensal de 170,00 euros (cento e setenta euros).
Custas por A. e R. na proporção do decaimento, fixando em 3 UCs a taxa de justiça.”

Inconformado com o assim decidido, o Autor interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:

1. Da matéria de facto provada resulta claramente que houve alteração da situação económica e familiar quer do requerente, quer da requerida, o que permite alterar os pressupostos da pensão de alimentos que foi anteriormente fixada, pelo que se verificam os pressupostos da cessação da pensão, previstos no artigo 2013º, b) do CC.
2. Designadamente, quanto ao Recorrente, deixou de exercer uma atividade profissional pela qual auferia um vencimento líquido de 1.500,00 € mensais e passou a receber uma pensão de velhice no montante mensal de € 465,24 e uma pensão da Segurança Social Espanhola no montante mensal de € 414,34, sofrendo uma diminuição no seu rendimento em cerca de 41% - Ponto 3 e 4 dos factos provados. Tem ainda despesas inerentes ao agregado familiar que ascendem a montantes não apurados – Ponto 7 dos factos provados.
3. Relativamente à situação económico-financeira da requerida teve uma melhoria significativa, designadamente:
a) À data em que foi fixada a prestação alimentícia, a requerida vivia com o filho mais novo num apartamento arrendado, pelo qual pagava uma renda mensal de 325,00 € (trezentos e vinte e cinco euros) – Factos provados sob os pontos 8 e 9 da decisão de 18.06.2019 e ponto 10 da decisão recorrida.
b) Atualmente, a requerida deixou de ter qualquer encargo com a habitação, pois vive numa habitação que pertence ao filho mais velho (ponto 10 dos factos provados).
c) A requerida recebe ajuda por parte dos filhos, quer no que tange a refeições, quer pequenas ajudas monetárias (ponto 10 e 12 dos factos provados).
d) Durante quase 3 anos (desde a decisão que fixou a prestação de alimentos em 18.06.2019 até março de 2022) a requerida não recebeu qualquer valor a título de prestação de alimentos por parte do requerente, recebendo apenas pontualmente “pequenas quantias em dinheiro” do filho mais novo, o que é revelador da suficiência dos seus rendimentos e desnecessidade de alimentos (ponto 12 dos factos provados).
e) A requerida é proprietária de vários imóveis que pode vender e muito embora tal património imobiliário esteja na sua posse há mais de 20 anos, tal circunstância nunca foi levada em consideração ou sequer foi abordada na decisão de fixação de alimentos de 19.06.2019.
4. A requerida tem um rendimento mensal disponível de 494,66 €, valor superior ao IAS que para o ano de 2023 foi fixado em 480,43 €, pelo que, não pode ser considerada pessoa em carência económico-financeira e muito menos próxima da indigência.
5. Por outro lado ainda, se, como consta na sentença recorrida “o autor viu diminuído o seu rendimento em cerca de 41%, o que traduz uma perda significativa relativamente aos proventos que auferia e que foram considerados para a fixação da prestação alimentícia” e se a decisão recorrida utiliza fundamentalmente este argumento como circunstância superveniente, porque é que na redução do montante da prestação de alimentos não utiliza aquele mesmo critério percentual proporcionalmente para a redução da prestação de alimentos?
6. Do que acaba de se expor, ficou mais do que provado que a situação económico-financeira do requerente se alterou no sentido da sua deterioração, sendo que a situação económico-financeira da requerida alterou-se significativamente, no sentido da sua melhoria significativa.
7. Tais factos, aliados à regra geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, depois do divórcio ou da separação judicial de pessoas e bens, ser a de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência”, constituindo o direito a alimentos uma exceção, impõe que a pensão de alimentos à ora Recorrida deva cessar, nos termos do disposto no artigo 2013.º, n.º 1, alínea b) do Código Civil, ou quando muito possa ser reduzida substancialmente, para além da redução fixada na sentença recorrida.
8. Decidindo de modo diverso, violou a sentença recorrida as normas dos artigos 2003.º, 2013.º, n.º 1, alínea b) e 2016.º, n.º 3 do CC.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, deverá ser julgado totalmente procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se a mesma por outra que declare a ação totalmente procedente ou reduza proporcionalmente a pensão de alimentos à requerida, fazendo-se a acostumada Justiça!”

A apelada contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação e apresentando as conclusões que se seguem:
a. O Autor, ora Recorrente intentou, ação de cessação da prestação de alimentos contra CC, pretendendo que lhe fosse reconhecida a alteração superveniente das circunstâncias e a alegada impossibilidade de continuar a prestar alimentos à Ré, ora Recorrida, requerendo que fosse declarada a cessação de tal obrigação alimentícia.
b. Da prova produzida, nomeadamente, da prova documental, prova testemunhal, declarações e depoimento de parte, resultaram como provados e não provados os factos que aqui damos por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.
c. O Recorrente com a interposição do recurso, não impugnou a matéria de facto dada como provada e como não provada, pelo que, salvo o devido respeito por opinião contrária, são factos assentes, e no seu conteúdo, devidamente transitado em julgado.
d. Atenta a factualidade dada como provada e não provada, motivado pela prova constante nos autos, apreciada pela Exma. Sra. Dra. Juiz que dirigiu todo o processo, analisando e ponderando os elementos contantes no processo, procedendo à inquirição das testemunhas e ouvindo as partes, decidiu nos seguintes termos: “Pelo exposto, decido julgar parcialmente procedente a ação e, em conformidade, reduzo a prestação alimentícia devida pelo A. BB à R. CC para a quantia mensal de € 170,00 (cento e setenta euros).”- Decisão e fundamentos que acompanhamos integralmente, e que aqui damos por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.
e. Não se conformando com a decisão proferida, veio o Autor, ora Recorrente interpor o presente recurso, que salvo o devido respeito, deverá improceder, seja por falta de fundamento, seja por falta de verdade.
f. Relevando para a verdade material e para a decisão de mérito, a manutenção das circunstâncias da obrigação alimentícia, nomeadamente, a capacidade para o Autor ora Recorrente prestar alimentos à Ré ora Recorrida e a necessidade da Ré ora Recorrida receber os referidos alimentos;
g. Não se verificando, portanto, qualquer violação dos artigos 2003.º do Código Civil, e 2013.º, n.º 1, alínea b) CC, na medida em que não se verifica qualquer fundamento para a cessação da obrigação alimentar, nomeadamente “quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles”.
h. Tal análise da disponibilidade de prestar alimentos e da necessidade de receber alimentos resulta da factualidade dada como provada e não provada, sendo que, em síntese:
a. Recorrente e Recorrida foram casados por cerca de 40 anos;
b. O matrimonio foi dissolvido por manifesta vontade do Recorrente;
c. A Recorrida foi obrigada a sair da casa onde viveu toda a vida;
d. O Recorrente, ainda antes da prolação do divórcio habitava na sua habitação com a atual companheira - habitação própria, não pagando renda ou empréstimo bancário.
e. O Recorrente aufere, cumulativamente duas pensões (contrariamente ao que alegou no processo, tendo ficado demonstrado que alegou em falsidade), de montantes constantes nos autos.
f. A companheira do Recorrente é auxiliar em serviço hospitalar, pelo que, aufere salário e comparticipa nas despesas do agregado familiar.
g. O Recorrente e a atual companheira têm um filho maior de idade.
i. Pelo contrário:
a. A Recorrida foi forçada a sair da sua casa;
b. A Recorrida não conseguia pagar a renda da casa arrendada pela altura do divórcio, pelo que,
c. Foi viver em casa de um filho que se encontra a trabalhar no estrangeiro, assumindo todas as suas despesas resultantes da factualidade dada como provada.
d. O mencionado filho, num futuro próximo regressará a Portugal para se unir de facto a uma jovem de ..., mãe de uma criança, não tendo a habitação as condições necessárias para acolher o seu recém agregado familiar e ainda a sua mãe.
e. A Recorrida vive, num fim de vida, a constante incerteza de não ter casa onde morar;
f. Bem com o sentimento de ser “um estorvo”.
g. A Recorrida é sozinha, tendo a ajuda esporádica dos filhos.
h. A Recorrida não poderá depender da caridade dos filhos, como dependeu durante o período em que o Autor se negou ao pagamento da pensão de alimentos, período onde passou graves necessidades, das mais básicas, fome. – Período esse que de forma leviana o Autor sugere que a ora Recorrida foi vivendo, o que, supostamente demonstra a eventual “desnecessidade de alimentos”.
j. A mera redução dos rendimentos auferidos pelo Autor ora Recorrente, não é suficiente para alterar as circunstâncias que fundamentam a obrigação alimentícia existente entre as partes, na medida em que se mantem a capacidade do Recorrente para prestar, e a necessidade da Recorrida para receber.
k. Sendo, portanto, falso que a situação económico-financeira do Recorrente se alterou no sentido da sua deterioração,
l. Bem como, falso, que a situação económico-financeira da requerida teve uma melhoria significativa.
Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o recurso apresentado ser julgado totalmente improcedente por não provado, mantendo-se in totum a douta decisão proferida, transitando a mesma em julgado, e assim se faça inteira e sã Justiça”.

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O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação, a questão que se encontra submetida ao tribunal ad quem consiste em saber se a sentença recorrida, que reduziu a prestação alimentar devido pelo apelante à apelada, sua ex-cônjuge, para 170,00 euros mensais, padece de erro de direito em virtude da apelada não se encontrar necessitada que lhe sejam prestados alimentos, impondo-se revogá-la e, em consequência, julgar procedente a ação e declarar cessada aquela prestação alimentar ou reduzir o respetivo montante tendo em consideração as efetivas necessidades alimentares da apelada e as reais possibilidades do apelante em lhos prestar.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade com relevância para a decisão a proferir nos autos, a qual não foi impugnada pelo apelante:
1. Por sentença proferida em 18.06.2019, transitada em julgado, o aí Réu BB foi condenado a pagar à aí Autora AA, a quantia mensal de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), por transferência bancária, para conta que a Autora lhe indicar, até ao dia 10 de cada mês.
2. Nessa data, a aí Autora recebia € 386,65 mensais de pensão por velhice, não exercia qualquer atividade lucrativa, tinha despesas fixas mensais, em montantes não apurados, com água, eletricidade e gás, despesas com medicamentos, em montante não apurado e despesas com alimentação e vestuário, em montantes não apurados.
3. Nessa data, o aí Réu exercia atividade profissional de motorista de pesados, em ..., para uma empresa espanhola, auferindo, pelo menos, € 1.500,00 (mil e quinhentos) euros líquidos mensais; havia contratado os serviços de uma terceira pessoa para que tratasse da sua mãe, com mais de 80 anos, e cuidasse da residência desta, a qual auferia, por tais serviços, o montante mensal de € 400,00, acrescendo os custos com alimentação, gás, eletricidade e médico/medicamentosas, em quantias não apuradas; colaborava nas despesas relativas à sua residência, da sua companheira e do filho de ambos, bem como nas despesas relativas ao filho de ambos, nomeadamente as despesas de educação, tudo em montante não apurado e tinha despesas com alimentação e deslocações para Portugal, em montante não apurado.
4. O Autor recebe uma pensão de velhice no montante mensal de € 465,24 e uma pensão da Segurança Social Espanhola no montante mensal de € 414,34.
5. O Autor vive com a companheira e o filho de ambos em casa própria (passou a pertencer-lhe na sequência do falecimento da sua mãe).
6. Para além de tal imóvel inscrito na matriz sob o artigo ...10, o Autor é proprietário, desde 2016, dos imóveis inscritos na matriz sob os artigos ...36, ...11, ...55, ...10, ...13 e ...20.
7. A companheira do Autor trabalha no Hospital ... e ambos suportam as despesas inerentes ao agregado familiar que ascendem a montantes não apurados.
8. A Ré recebe, desde os 58 anos, uma pensão que atualmente é de velhice e ascende ao montante mensal de € 424,00.
9. Há mais de 20 anos que a Ré é proprietária de um imóvel sito nas ..., ..., e é comproprietária, com os irmãos, de dois terrenos.
10. Por o filho mais novo ter deixado de viver consigo e não ter condições económicas para suportar a renda mensal de € 325,00, a Ré foi viver para casa do filho mais velho que se encontra emigrado nas ... (situadas no ..., a leste de ...) e aos fins de semana almoça em casa dos restantes filhos.
11. O filho mais velho mantém um relacionamento com uma senhora de ..., com dois filhos, e tenciona regressar a Portugal para passarem a viver juntos na casa dele.
12. No período em que o Autor esteve sem pagar a prestação de alimentos à Ré (até março de 2022, altura em que pagou o valor global correspondente ao acumulado até essa data), o filho mais novo do Autor e Ré entregou à Ré ocasionalmente pequenas quantias em dinheiro por se ter apercebido que a mesma estava a passar por grandes dificuldades.
13. A Ré tem despesas fixas mensais, em montantes não apurados, com água, eletricidade e gás e tem despesas com alimentação, vestuário e medicação, em montantes não apurados.
14. Autor e Ré não se entendem quanto à partilha dos bens, não tendo sido, até esta data, instaurado processo de inventário.
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Por sua vez, a 1ª Instância julgou não provada a facticidade que se segue:
1. As despesas fixas do Autor muitas vezes ultrapassam o valor da sua pensão;
2. Caso a Ré venda os imóveis de que é proprietária e comproprietária conseguirá viver confortavelmente até ao fim dos seus dias;
3. A Ré contribui para o pagamento do empréstimo bancário no montante mensal de € 150,00, as contas de água, luz, gás, telefone e televisão da habitação ascendem a montante nunca inferior a € 150,00 por mês e gasta cerca de € 60,00 mensais na farmácia;
4. Os imóveis de que o Autor é proprietário são de valor superior aos imóveis de que a Ré é proprietária e comproprietária.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A Lei n.º 61/2008, de 31/10, entrada em vigor em 31/11/2008, introduziu alterações profundas no regime jurídico do divórcio e respetivos efeitos, quer em termos substantivos, quer adjetivos.
Com efeito, para além de ter eliminado do ordenamento jurídico nacional a vertente do denominado “divórcio sanção”, assente na violação culposa dos deveres conjugais, em que apenas o cônjuge inocente ou mais inocente dispunha de legitimidade ativa para instaurar a ação de divórcio e em que o decretamento do divórcio surgia como sanção infligida ao cônjuge declarado único ou principal culpado pelo divórcio, sujeitando-o a uma série de consequências jurídicas negativas, a mencionada Lei, no que ao caso dos autos interessa, procedeu à eliminação da apreciação da culpa como fator relevante em sede de alimentos a serem prestados entre ex-cônjuges, com o fito de reduzir a questão alimentar ao seu núcleo essencial – a assistência de quem precisa porque tem necessidades -, dispondo-se nesta linha, no n.º 2, do art. 2016º do CC, que “qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo divórcio”.
Acresce que a referida Lei introduziu no sistema jurídico nacional o princípio de que, após o divórcio, cada cônjuge deve prover à sua subsistência (n.º 1, do art. 2016º); o direito a alimentos pode ser negado ao ex-cônjuge que deles se encontre carecido, por razões manifestas de equidade (n.º 3, do art. 2016º); afirmou o princípio de que o credor de alimentos não tem direito a exigir a manutenção do padrão de vida que gozou enquanto esteve casado (n.º 3, do art. 2016º-A do CC); determinou que, na fixação do montante da prestação alimentar entre ex-cônjuges, se atenda à  duração do casamento, à colaboração prestada à economia do casal, à idade e estado de saúde dos cônjuges, às suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, ao tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, aos seus rendimentos e proventos, à celebração de um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, a todas as circunstâncias que influem sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta (n.º 1, do art. 2016º-A) e, finalmente, estabeleceu a prevalência de qualquer obrigação de alimentos devidos a filhos do devedor de alimentos, relativamente à obrigação emergente do divórcio em favor do ex-cônjuge (n.º 2, do art. 2016º-A do CC).
Dir-se-á, assim, que na sequência da revisão do regime jurídico do divórcio e dos seus efeitos, operada pela Lei n.º 61/2008, a obrigação de prestar alimentos entre ex-cônjuges, na sequência de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens, desligou-se do conceito de culpa, deixando de assumir uma feição indemnizatória, assente no dever recíproco de assistência que impende sobre os cônjuges na constância do matrimónio, conforme decorre do disposto nos arts. 2015º, 1675º e 1672º do CC, dever de assistência esse que, por ter sido colocado em crise com a dissolução ou interrupção do vínculo conjugal, reclamava que se indemnizasse o cônjuge inocente ou mais inocente por essa rutura e pela consequente perda do direito subjetivo assistencial entre cônjuges durante o casamento.
Na verdade, muito embora o art. 2016º, n.º 2 do CC, na redação introduzida pela Lei n.º 61/2008, estatua que “qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio”, o que é bem ilustrativo que a obrigação de prestar alimentos a ex-cônjuge que deles se encontra necessitado, em caso de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens, não radica no dever conjugal de assistência que intercede entre os cônjuges durante a constância do matrimónio, mas sim no art. 2009º, al. a) do CC, e que esse direito alimentar é independente de qualquer culpa na rutura do vínculo matrimonial, uma vez que a obrigação de prestar alimentos ao ex-cônjuge que deles se encontre necessitado se impõe mesmo ao cônjuge inocente ou mais inocente pela rutura do casamento, logo no n.º 1, daquele art. 2016º, estabelece-se, como princípio geral, que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio”, o que demonstra que, em sede de alimentos entre ex-cônjuges, depois do divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens, o legislador aderiu ao denominado princípio da autossuficiência, nos termos do qual, uma vez dissolvido o vínculo matrimonial, independentemente das causas dessa dissolução, cumpre a cada ex-cônjuge prover ao seu próprio sustento.
Dito por outras palavras, em caso de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, a regra é a de que não são devidos alimentos entre os ex-cônjuges, e que a concessão desse direito alimentar ao ex-cônjuge que deles se encontre necessitado tem cariz excecional, subsidiário e é tendencialmente temporário.
Tem natureza excecional e subsidiária, na medida em que, conforme acabado de demonstrar, a regra vigente é a de que cada ex-cônjuge deve prover à sua própria subsistência, só podendo esse princípio regra ser afastado em condições verdadeiramente excecionais e na estrita medida em que o ex-cônjuge necessitado de alimentos não consiga prover ao seu próprio sustento, além de que, ainda que essas condições excecionais se encontrem preenchidas, ainda assim, essa obrigação alimentar poderá ser afastada por razões de manifesta equidade (n.º 3, do art. 2016º do CC) e terá de ceder quando o ex-cônjuge obrigado a prestá-los esteja também obrigado a prestar alimentos a filhos e não disponha de recursos económicos suficientes para satisfazer as duas prestações alimentares, situação em que a prestação alimentar devida aos filhos terá de prevalecer sobre a obrigação alimentar devida ao ex-cônjuge (art. 2016º-A, n.º 2).
Acresce que a obrigação alimentar entre ex-cônjuges tem natureza tendencialmente temporária, não devendo, em princípio, perdurar para sempre, na medida em que, “no espírito da nova lei, destina-se apenas a permitir uma reorganização da vida nos primeiros tempos subsequentes ao divórcio, prevalecendo a ideia de que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio”[1].
Neste sentido expende Tomé d´Almeida Ramião que: “O direito a alimentos não deve perdurar para sempre, competindo ao ex-cônjuge providenciar e esforçar-se pela angariação de meios de subsistência e não ficar dependente do outro ex-cônjuge e, este, por sua vez, eternamente vinculado a essa obrigação, assumindo natureza temporária, com vista a permitir-lhe o mínimo de condições para reorganizar a sua vida”[2].
No mesmo sentido pronuncia-se Cristina Araújo Dias, ao ponderar que: “… os alimentos servem apenas para auxiliar o cônjuge necessitado no momento da dissolução do casamento, sendo o critério da sua atribuição precisamente a necessidade”[3].
No entanto, apesar de subscrevermos a posição dos autores que se acaba de enunciar, diremos que a prestação alimentar entre ex-cônjuges não é temporária, mas antes tendencialmente temporária, na medida em que não se pode descurar que a natureza das necessidades de alimentos do ex-cônjuge e a impossibilidade deste de granjear meios para prover ao seu próprio sustento poderá ser definitiva (vg. impossibilidade, por razões de idade ou de saúde, de prover ao seu próprio sustento), de molde a que o obrigado tenha de os prestar enquanto dispuser de condições económicas para os puder prestar[4].
Note-se que a obrigação de prestar alimentos entre ex-cônjuges, na sequência de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens, embora constitua um efeito jurídico que radica na dissolução do casamento, conforme resulta do que se vem dizendo, não assenta no dever conjugal de assistência que impende sobre os cônjuges durante a constância do matrimónio, nem na ideia de culpa na dissolução ou interrupção do vínculo conjugal, mas, conforme é entendimento jurisprudencial e doutrinal uniforme, deriva da recíproca solidariedade pós-conjugal que deve interceder entre ex-cônjuges e que leva a que o art. 2009º, al. a) do CC, imponha aos ex-cônjuges um dever genérico de prestar alimentos àquele que deles se encontre necessitado.
Neste novo modelo, desligado do conceito de culpa, o direito de alimentos entre ex-cônjuges não assume, pois, caráter indemnizatório, nem assenta na existência de culpa, única ou principal, do obrigado a prestar alimentos na rutura do vínculo matrimonial, em que, na sequência desta, se visa colocar o ex-cônjuge inocente ou mais inocente por essa rutura numa posição idêntica, do ponto de vista financeiro, àquela que desfrutaria se o casamento não tivesse sido dissolvido, mas antes filia-se num dever humanitário de solidariedade e socorro mútuos que deve interceder entre ex-cônjuges em virtude da relação matrimonial anterior que entre eles existiu e que os obriga a ter de prover ao sustento mútuo sempre que qualquer deles, após o termo da relação conjugal, se veja confrontado com uma situação económica tal que coloque em crise o mínimo existencial indispensável à sobrevivência digna como ser humano de qualquer um deles, obrigando o ex-cônjuge que disponha de condições económicas suficientes a ter de contribuir para a subsistência do outro de modo a garantir-lhe uma existência minimamente condigna[5].     
Aliás, conforme se expende no acórdão do STJ, de 23/10/2012, em caso de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens, a obrigação alimentar entre ex-cônjuges, em resultado da reforma do Código Civil de 1977, introduzida pelo D.L. n.º 496/77, de 25/11, “posterior à Constituição de 1976, já não assumia uma feição indemnizatória, pois que já não tinha subjacente o dever recíproco e simultâneo de assistência de ambos os cônjuges para com o outro, na constância do matrimónio, nem sequer a existência de culpa, única ou principal, do ex-cônjuge, mas apenas um direito de crédito da pessoa carente, de caráter alimentar, sujeita a um critério de dupla proporcionalidade, quer em função dos meios do que houver de prestá-los, quer da necessidade daquele que houver de recebê-los, com o limite fixado pela possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência”, não assegurando, por isso, essa obrigação alimentar entre ex-cônjuges um padrão e um estilo de vida correspondente ao que usufruía na constância do matrimónio, mas destinando-se apenas a proporcionar-lhe “o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário”[6].
A obrigação de prestar alimentos entre ex-cônjuges funda-se, assim, no chamado princípio da recíproca solidariedade pós-conjugal, estando a existência dessa prestação alimentar, de carácter excecional e subsidiário e, em princípio, de duração temporária, sujeita à verificação dos pressupostos gerais do art. 2004º, isto é, às necessidades económicas do ex-cônjuge de lhe serem proporcionados alimentos e  às disponibilidades financeiras do seu ex-cônjuge em lhos proporcionar (n.º 1, do art. 2004º do CC), a que acresce o requisito adicional imposto pelo n.º 1, do art. 2016º do mesmo Código, da impossibilidade do alimentando prover à sua própria subsistência. A obrigação alimentar cinge-se ao indispensável para o sustento, habitação e vestuário do alimentando (art. 2003º do CC), em que é propósito do legislador garantir aos ex-cônjuges que se encontrem numa situação de necessidade um nível de subsistência necessário para uma existência condigna.
Resulta do exposto, em suma, que, face ao quadro legal decorrente dos arts. 2016º e 2016º-A do CC, emergente da Lei n.º 61/2008, de 31/10, em caso de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, cada um dos ex-cônjuges deverá prover ao seu próprio sustento (n.º 1, do art. 2016º do CC); se a um deles não for de todo possível prover à sua subsistência, por razões de solidariedade humana, individualizada em termos de imputação subjetiva passiva pela existência anterior do vínculo matrimonial (recíproca solidariedade pós-conjugal entre cônjuges), assiste ao ex-cônjuge necessitado de alimentos um direito subjetivo e genérico a receber alimentos do seu ex-cônjuge, não estando esse direito dependente do tipo de divórcio, ou seja, da responsabilidade de cada um dos ex-cônjuges na extinção do vínculo matrimonial (arts. 2016º, n.º 2 e 2009º, al. a) do CC), mas o direito a alimentos tem caráter excecional, subsidiário e é tendencialmente temporário, encontrando-se sujeito a dois critérios de proporcionalidade fundamentais: as necessidades económicas do alimentando e as disponibilidades financeiras do obrigado a prestá-los (art. 2004º, n.º 1 do CC), a que acresce a impossibilidade do alimentando de prover à sua própria assistência (art. 2016º, n.º 1 do CC), em que o montante da prestação alimentar se cingirá ao indispensável ao sustento, habitação e vestuário do ex-cônjuge economicamente carenciado de forma a assegurar-lhe uma existência minimamente condigna (art. 2003º do CC).
Acresce que a prestação alimentar será afastada se, por manifestas razões de equidade, o tribunal assim decidir ou quando o obrigado a prestá-la se encontre vinculado a prestar alimentos a filhos e não disponha de condições económicas que lhe permitam satisfazer ambas as prestações alimentares a que se encontra adstrito (a devida aos filhos e ao ex-cônjuge), porquanto, nessa situação terá de prevalecer a prestação alimentar devida aos filhos (art. 2016º-A, n.ºs 2 e 3 do CC)[7].
Posto isto, tendo por sentença proferida em 18/06/2019, transitada em julgado, o apelante sido condenado a pagar à apelada, sua ex-cônjuge, uma prestação alimentar de 250,00 euros mensais, mediante a presente ação aquele pretende que se declare extinta essa obrigação alimentícia, visando, assim, obter uma autorização judicial duma mudança na ordem jurídica existente, mais concretamente, que o tribunal declare extinta a obrigação de pagamento de alimentos à sua ex-cônjuge que antes lhe foi imposta por sentença transitada em julgado.
Daí que a presente ação tenha natureza de ação constitutiva extintiva, em que o ónus da alegação e da prova da verificação dos pressupostos legais de que a lei faz depender a extinção da obrigação alimentar antes fixada ao ex-cônjuge, por decisão judicial transitada em julgado ou por acordo, impenda sobre o autor da ação que tem em vista o reconhecimento dessa alteração (art. 342º, n.º 1 do CC)[8].
Estabelece a al. b), do n.º 1, do art. 2013º do CC, que a obrigação de prestar alimentos cessa quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles.
Pronunciando-se a propósito desta norma, expendem Pires de Lima e Antunes Varela que essa disposição “pode, em bom rigor, considerar-se desnecessária, visto ela constituir um mero arredondamento da solução consagrada na disposição anterior e é um simples corolário da ideia fixada no art. 2004º. Com efeito, se a alteração posterior das circunstâncias determinantes da prestação alimentícia, de harmonia com o disposto no art. 2012º, pode determinar a redução de alimentos, se diminuir ou afrouxar a necessidade do credor, bastará arredondar (ou completar) o pensamento dessa norma para concluir que a obrigação deve cessar, quando de todo em todo cesse, por qualquer circunstância, o stato di bisogno de quem dele beneficia”[9] .
A alteração de prestação alimentícia fixada judicialmente ou por acordo das partes, nos termos do art. 2012º do CC, só pode ocorrer quando as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, o que entronca necessariamente na alteração das necessidades do alimentando, das possibilidades do alimentante, ou em ambas.
Sendo a obrigação de alimentos duradoura e assentando essa obrigação entre ex-cônjuges necessariamente em três pilares fundamentais – as necessidades económicas de quem os recebe, a impossibilidade deste de prover ao seu próprio sustento e as possibilidades de quem os presta (devedor) em os proporcionar -, apenas a ocorrência de circunstâncias supervenientes modificativas de qualquer um desses três pilares (os quais necessariamente influíram na prestação alimentar e respetivo quantum antes fixada judicialmente ou por acordo ao ex-cônjuge necessitado de alimentos) relativamente à data em que a prestação alimentícia foi fixada poderá determinar que essa prestação se adapte, através de um aumento ou de uma redução, ou que cesse.
O ónus de alegação e prova da alteração/modificação superveniente das circunstâncias que presidiram à fixação da prestação alimentar antes fixada judicialmente ou por acordo das partes, no caso de ação em que se pretenda a cessação dessa obrigação alimentar, a sua redução ou aumento impende, assim, sobre o autor dessa ação, podendo essas circunstâncias modificativas supervenientes fundarem-se na alteração de um, de dois ou de todos os três vetores acima identificados: aumento ou redução das possibilidades do obrigado em prestar a obrigação alimentar antes fixada ou a impossibilidade deste de continuar a prestar, de todo, qualquer prestação alimentar ao seu ex-cônjuge; aumento ou redução das necessidades do credor da prestação alimentar antes fixada que foram consideradas aquando da fixação do quantum dessa prestação alimentar que antes lhe foi fixada, ou desnecessidade deste de que lhe sejam continuados a ser prestados alimentos, porque, entretanto, adquiriu forças para prover ao seu próprio sustento[10].
Destarte, numa ação como a presente, em que o apelante pretende que se declare cessada a obrigação alimentícia que antes foi fixada ao seu ex-cônjuge mulher, aquele terá de alegar e provar factos ocorridos após 18/06/2019, em que se fixou judicialmente a prestação alimentícia devida pelo apelante ao seu ex-cônjuge em 250,00 euros mensais, que determinem a sua impossibilidade em continuar a prestar alimentos ao seu ex-cônjuge  ou que determinem que este tenha deixado de precisar que lhe continuem a ser prestados alimentos.
Entendeu a 1ª Instância que, perante a facticidade apurada, a situação da apelada “se mantém próxima da indigência” e que apesar do apelante ter visto “diminuído o seu rendimento em cerca de 41%”, ascendendo as pensões de reforma deste a um montante global mensal de 879,58 euros, e tendo passado “a ser proprietário da casa onde vive (e, consequentemente, não suporta despesas com renda de casa, nem prestação bancária) e divide com a companheira as despesas do agregado familiar, não está impedido de satisfazer determinado montante a título de obrigação alimentar” à apelada, que deles se encontra necessitada, não existindo fundamento legal para se declarar cessada a prestação alimentar antes fixada.
Contudo, perante a redução do rendimento do apelante e a redução das despesas da apelada, a 1ª Instância reduziu essa prestação alimentar para 170,00 euros mensais.
Insurge-se o apelante quanto ao assim decidido, mormente quando na sentença recorrida se desatendeu aos imóveis de que a apelada é proprietária, com fundamento de que “não se trata de circunstância atendível, por não consubstanciar uma alteração superveniente da sua situação financeira pois os mesmos já lhe pertenciam aquando da fixação de alimentos (pertencem-lhe há mais de 20 anos)”, sustentando que, diversamente do decidido, “tal circunstância nunca foi levada em consideração ou sequer foi abordada na decisão de fixação de alimentos de 19/06/2019”, pelo que, na sua perspetiva, se impõe considerar esse património imobiliário detido pela apelada há mais de vinte anos na presente ação de cessação da prestação alimentar arbitrada à última, uma vez que a existência desse património não foi considerada na sentença antes proferida, que fixou a prestação alimentar devida por aquele à última em 250,00 euros mensais.
Mais advoga que a prestação de velhice recebida pela apelante, à data da fixação da prestação alimentar em 250,00 euros mensais, se cifrava no valor de 386,65 euros mensais, quando atualmente se cifra em 424,00 euros, valor esse que, quando multiplicado por catorze prestações anuais, atinge um rendimento mensal facultado à apelada que excede o valor do Índice de Apoios Sociais (IAS), cujo montante é considerado pelo Estado como sendo suficiente para garantir aos cidadãos necessitados uma existência minimamente condigna.
Sustenta ainda que, sendo a apelada detentora de “um património imobiliário significativo que pode alienar, a existência de filhos que a apoiam financeiramente, o valor que recebe de pensão de velhice superior ao IAS, a ausência de quaisquer encargos com habitação, bem como o facto de durante três anos não ter recebido qualquer valor a título de alimentos por parte do recorrente, sem que isso tenha feito perigar a sua subsistência, afastam qualquer cenário de indigência” da apelada, por contraposição à sua própria situação, que “viu diminuído o seu rendimento em cerca de 41%, o que traduz uma perda significativa relativamente aos proventos que auferia e que foram considerados para a fixação da prestação alimentícia”, pelo que “se a decisão recorrida utiliza fundamentalmente este argumento como circunstância superveniente” então teria também de utilizar o mesmo critério percentual para reduzir a prestação alimentar antes fixada à apelada em igual medida.
Conclui que, tendo em conta as possibilidades económicas daquele e, bem assim as necessidades da apelada e a atual condição financeira desta, deverá ser declarada a cessação da prestação alimentar antes fixada à apelada ou, quando muito, reduzir-se substancialmente o seu montante, para além da redução fixada na sentença recorrida.
Analisados os argumentos aduzidos pelo apelante, dir-se-á que embora no atual regime jurídico vigore o princípio da autossuficiência dos ex-cônjuges, pelo que a prestação alimentar devido a ex-cônjuge que dela se encontre necessitado tenha cariz excecional, subsidiário e tendencialmente temporário, não devendo, em princípio, perdurar para sempre, mas apenas pelo tempo estritamente necessário para que este reorganize a sua vida e diligencie pela sua própria subsistência, conforme antes enunciado, situações existem em que as necessidade do alimentando e as possibilidades deste de prover ao seu sustento são inexistentes, como sejam casos em que o alimentando não tenha fontes de subsistência próprias, nem possibilidades, por razões de saúde ou de idade, de prover a essas fontes de rendimento, pelo que, nessas situações, a prestação alimentar fixada ao ex-cônjuge necessitado terá de perdurar no tempo enquanto esse estado se mantiver e o obrigado a prestar alimentos continuar a dispor de condições suficientes para os prestar.
Acresce que, se é certo que a obrigação alimentar deve cingir-se ao indispensável à sobrevivência condigna do ex-cônjuge carecido de alimentos, daqui não deriva que na fixação desse montante se deva ou tenha de atender ao valor do IAS, conforme parece ser o entendimento do apelante, ou ao montante do salário mínimo nacional, mas sim, conforme é imposto pelos artigos 2004º, 2009º, al. a) e 2016º-A, do CC, ao binómio possibilidades do obrigado de prestar alimentos versus necessidades do alimentando, a que acresce o requisito adicional da impossibilidade do ex-cônjuge necessitado de alimentos estar impossibilitado de prover ao seu sustento, impossibilidade essa que, conforme antedito, poderá ser permanente, devendo na fixação do quantum dessa prestação alimentar ter-se em consideração os fatores enunciados no art. 2016º-A, do CC, onde se inclui o custo de vida vigente na sociedade em cada momento histórico e o grau de desenvolvimento dessa sociedade, sabendo-se que o conceito de “salvaguarda a uma existência minimamente condigna” não é estático, mas também dependente da própria evolução da sociedade, de tal modo que, em tempos relativamente recentes, o acesso a determinados bens de consumo (v.g. consumo de carne, peixe, aquisição de televisor, frigorífico, máquina de lavar roupa, etc.) eram tidos como bens supérfluos, de luxo, quando, presentemente, fruto da evolução da sociedade são pacificamente aceites como indispensáveis a uma vida humana minimamente condigna.  
Destarte, a pretensão do apelante de que a prestação alimentar fixada ao ex-cônjuge que deles se encontra necessitado deve ter como limite máximo o valor fixado para o IAS, salvo o devido respeito e melhor opinião, não tem assento legal.
Passando ao património imobiliário de que a apelada é detentora e que não foi considerado na sentença proferida em 18/06/2019, que fixou a prestação alimentícia devida pelo apelante àquela em 250,00 euros mensais, provou-se que a apelante é proprietária, há mais de vinte anos, de um imóvel sito nas ..., ..., e é comproprietária, com os irmãos, de dois terrenos (cfr. ponto 9º dos factos provados), pelo que, tal como ponderado pela 1ª Instância, esta já era proprietária daquele imóvel e comproprietária desses dois terrenos aquando da prolação da sentença que fixou a prestação alimentar em 250,00 euros, onde esse património imobiliário não foi considerado.
Contudo, é entendimento doutrinário e jurisprudencial pacífico que, em sede de ação de alimentos, nos termos do disposto no art. 5º, n.º 1 do CPC, é sobre o demandante que reclama a condenação do demandado a satisfazer-lhe alimentos, que impende o ónus de alegação e prova (art. 342º, n.º 1 do CC) dos factos essenciais integrativos da verificação dos requisitos legais de que depende a concessão dessa prestação alimentar a que se arroga titular perante a pessoa por si demandada.
Daí que seja sobre o ex-cônjuge, requerente de alimentos, ou seja, no caso, sobre a agora apelada que impende, naquela ação que culminou com a fixação da prestação alimentar em 250,00 euros mensais, o ónus de alegação e prova dos factos essenciais demonstrativos: a) da sua incapacidade para prover à sua subsistência (v.g., por força da sua idade, saúde, impossibilidade de iniciar o exercício de uma qualquer atividade profissional para prover à sua subsistência, etc.); b) da sua necessidade de alimentos; e c) de o requerido ter possibilidade em os prestar, cabendo, por sua vez, ao ex-cônjuge demandado, isto é, ao ora apelante, alegar (art. 5º, n.º 1, in fine, do CPC) e provar (art. 342º, n.º 2 do CC), os factos impeditivos da sua obrigação de prestar alimentos ao ex-cônjuge demandante, designadamente: a) a sua impossibilidade de prestar alimentos em face da sua condição económica, ou perante a circunstância de se encontrar obrigado a prestar alimentos a filhos e de não dispor de condições económicas para satisfazer ambas as prestações (n.º 2, do art. 2016º-A do CC); e/ou b) a manifesta iniquidade em que se traduziria ser obrigado a prestar alimentos ao ex-cônjuge demandante (n.º 3, do art. 2016º do mesmo Código)[11].  
Ora, tendo a prestação alimentar devida pelo apelante à apelada sido fixada em 250,00 euros, por sentença proferida em 18/06/2019, transitada em julgado, é indiscutível que sendo esta então já proprietária do património imobiliário a que se alude no ponto 8º da facticidade apurada na sentença, tratando-se de fator que necessariamente deveria ser atendido na fixação dessa prestação alimentícia, até porque a existência desse património imobiliário poderia impedir o direito da apelada a obter a prestação alimentícia que reclamou do ali Réu, ora apelante, por deles não se encontrar necessitada em face desse património imobiliário, ou levar que a prestação alimentar que lhe foi fixada em 250,00 euros mensais fosse fixada em montante inferior a esse valor, tratando-se, portanto, de facto impeditivo ao exercício desse direito que foi exercido pela ora apelada (ali Autora) contra o ora apelante (ali Réu), cumpria ao apelante, nessa ação de alimentos, ter alegado a existência do mencionado património imobiliário de que a apelada (ali Autora) era já então proprietária,
Não o tendo feito, a única possibilidade de agora pretender que se atenda na presente ação de cessação daquela prestação alimentar antes fixada, por sentença transitada em julgado, ao mencionado património imobiliário de que a apelada era já proprietária, era alegar e provar, na presente ação, circunstâncias justificativas para não ter alegado a existência desse património naquela anterior ação de alimentos que aqui apelada (Ré), ali Autora lhe instaurou, por forma a que se pudesse concluir estar-se perante um caso de superveniência subjetiva[12].
Ora, não tendo o apelante, na presente ação de cessação da prestação alimentar antes fixada à apelada, alegado qualquer motivo justificativo para, na ação de alimentos que lhe foi instaurada pela última e que culminou na condenação deste a satisfazer-lhe uma prestação alimentícia de 250,00 euros mensais, não ter justificadamente alegado a existência desse património imobiliário, a existência deste, tal como decidido pela 1ª Instância, por não ser objetiva, nem subjetivamente superveniente à prolação, em 18/06/2019, da sentença que fixou a prestação alimentar em 250,00 euros mensais, não pode ser agora considerada na presente ação.
Avançando…
A apelada AA casou com o apelante em .../.../1977, quando contava 25 anos de idade (cfr. assento de casamento junto à ação de divórcio), pelo que conta, atualmente, 68 ou 69 anos de idade, e encontra-se aposentada desde os 58 anos de idade (cfr. ponto 8º dos factos provados), pelo que, quer pela sua idade, quer pelo seu estado de saúde, que, inclusivamente, levou a que fosse aposentada aos 58 anos de idade, ou seja, antes de atingir a idade legal de reforma, caso se encontre necessitada de alimentos, encontra-se impossibilitada de prover ao seu próprio sustento.
Analisada a facticidade apurada na ação de alimentos, que a apelada moveu ao apelante e que culminou com a prolação, em 18/06/2019, da sentença condenatória deste a satisfazer-lhe uma prestação alimentar de 250,00 euros mensais, e confrontada essa facticidade com aquela que se apurou nos autos, verifica-se que, em relação à apelada, as únicas circunstâncias modificativas supervenientes que ocorreram após a prolação dessa sentença prendem-se com o facto desta, em 18/06/2015, receber uma pensão por velhice, no montante de 386,65 euros mensais, quando essa pensão ascende atualmente a 424,00 euros mensais (cfr. pontos 2º e 8º dos factos provados) e, bem assim, com o facto de, em 18/06/2015, a apelada viver com o filho mais novo, em casa arrendada, pela qual pagava uma renda mensal de 325,00 euros, que, por impossibilidade em a pagar, deixou essa casa, encontrando-se presentemente a viver em casa do filho mais velho, que se encontra emigrado, não se tendo provado que pague qualquer contrapartida por aí residir (cfr. ponto 10º dos factos provados e ponto 3º dos factos não provados).
Tal como acontecia em 18/06/2015, a apelada continua atualmente a suportar despesas com água, eletricidade, gás, medicamentos, alimentação e vestuário, em montante não apurado (pontos 2º e 13º dos factos apurados), pelo que, deste ponto de vista, não ocorreram quaisquer circunstâncias supervenientes modificativas em relação a 18/06/2015, a não ser o facto de, presentemente, a satisfação de tais despesas demandarem o dispêndio por parte daquela de uma quantia bem superior à que tinha de pagar em 18/06/2015 para satisfazer essas suas necessidades alimentares, mais que não seja, fruto da inflação e do consequente aumento do custo de vida, que nos últimos anos tem sido bastante acentuado.
Apesar da pensão de reforma da apelada ter, entretanto, aumentado de 386,65 euros para 465,24 euros, esse aumento não compensa o aumento do custo de vida entretanto verificado desde 18/06/2015, conforme resulta das regras da experiência da vida, sobretudo, face ao elevado aumento dos géneros alimentares de primeira necessidade a que se tem assistido nos últimos anos.
Destarte, apesar da apelada ter deixado de pagar a renda, no montante de 325,00 euros, que se encontrava a pagar em 18/06/2015, quando lhe foi fixada a pensão alimentar em 250,00 euros mensais, é indiscutível que perante o elevado custo de vida que se assiste em Portugal, as necessidades acrescidas que uma pessoa com a idade da apelada tem necessariamente em termos da alimentação, aquecimento e cuidados de saúde, a quantia mensal de 465,24 euros de rendimento que tem disponível é manifestamente insuficiente para garantir uma existência minimamente condigna daquela.
Daí que, caso o apelante disponha de condições económicas para continuar a prestar alimentos à apelada, não existe fundamento legal para se declarar cessada a obrigação alimentar que sobre o mesmo impende, mas apenas para reduzir essa prestação alimentar antes fixada em 250,00 euros mensais face à redução da despesa de 325,00 euros que a apelada deixou de despender com a renda de casa.
Note-se que, ao que se acaba de concluir não obsta a alegação do apelante de que a apelada, durante os três anos em que não lhe pagou “qualquer valor a título de alimentos, sem que isso tenha feito perigar a subsistência” daquela, posto que semelhante afirmação padece, no mínimo, do vício da desatenção em relação à facticidade que efetivamente se provou nos autos.
Com efeito, o que se provou foi que, durante o período de tempo em que o apelante esteve sem pagar à apelada a prestação de alimentos de 250,00 euros mensais que lhe foi fixada por sentença proferida em 18/06/2019 (o que sucedeu até março de 2022) “o filho mais novo de Autor (apelante) e Ré (apelada) entregou à Ré ocasionalmente pequenas quantias em dinheiro por se ter apercebido que a mesma estava a passar por grandes dificuldades (ponto 12º dos factos apurados), pelo que essa facticidade, aliada à circunstância de a apelada ter tido necessidade de deixar a casa onde residia, “por não ter condições económicas para suportar a renda mensal de 325,00 euros”, indo, nessa sequência, residir para a casa do filho, onde atualmente se mantém (cfr. ponto 10º dos factos apurados), leva a que se extraia precisamente a conclusão inversa àquela que é extraída pelo apelante, ou seja, a apelada continua efetivamente carenciada que lhe sejam prestados alimentos, a fim de lhe ser garantida uma existência minimamente condigna, ao ponto dos filhos do ex-casal, face aos incumprimentos do apelante, terem vindo em seu socorro.
Passando ao apelante, este, em 18/06/2019, auferia 1.500,00 euros mensais líquidos de salário, tendo, entretanto, ficado reformado, recebendo de pensão de reforma 879,58 euros mensais (cfr. pontos 3º e 4º dos factos provados), pelo que se assistiu, tal como ponderado pela 1ª Instância e é referido pelo apelante, a uma redução dos seus rendimentos.
Contudo, desde 18/06/2019, o apelante viu incrementado o seu património imobiliário, ao adquirir, por herança, a propriedade da casa onde antes vivia a sua mãe, entretanto, falecida, onde passou a residir, mais o seu atual, e em .../.../2019, agregado familiar, composto pelo próprio, pela companheira e por um filho de ambos.
Acresce que o apelante viu reduzida a sua despesa, dado que deixou de suportar o custo que suportava em 18/06/2019, com a terceira pessoa que tinha contratado para que tratasse da sua mãe e cuidasse da residência desta, a quem pagava a quantia de 400,00 euros mensais, a que acresciam custos com alimentação, gás, eletricidade e médico/medicamentosas (cfr. pontos 3º e 5º dos factos apurados).
Logo, embora desde 18/06/2019 o apelante tenha visto diminuir os seus rendimentos de 1.500,00 euros mensais para 879,58 euros, fruto de ter deixado de suportar a despesa de, pelo menos, 400,00 euros mensais que antes despendia com a terceira pessoa que contratou para cuidar da mãe, em virtude desta ter, entretanto, falecido, o rendimento que tem atualmente disponível é inferior em cerca de 220,00 euros mensais em relação ao que dispunha em 18/06/2019 (1.500,00 euros – 400,00 euros = 1.100,00 euros mensais versus os atuais 879,58 euros).
Note-se que lida e relida a sentença proferida em 18/06/2019, que fixou a prestação alimentar devida pelo apelante à apelada em 250,00 euros mensais, não se subscreve a sentença recorrida quando nela se pondera que, em consequência do falecimento da mãe e de ter herdado a casa onde esta residia, passando nela atualmente a residir mais o seu agregado familiar, o apelante “não suporta despesas com renda, nem prestação bancária”, deixando-se assim implícito que, em 18/06/2019, o apelante e o seu agregado familiar pagava renda de casa ou encontrava-se a pagar prestação bancária em virtude do empréstimo contraído para aquisição dessa casa de habitação, quando em nenhum lado dessa sentença se dá semelhante facticidade como provada, mas apenas que o apelante residia então, em 18/06/2019, com a sua companheira e o filho de ambos e colaborava para as despesas do agregado familiar (cfr. ponto 20º dos factos provados na sentença proferida em 18/06/2019).
À semelhança do que acontecia em 18/06/2019, o apelante continua presentemente a residir com a companheira, que tal como então exerce atividade profissional renumerada, e com o filho de ambos, comparticipando nas despesas do agregado (pontos 3º e 5º dos factos apurados) pelo que, deste ponto de vista, também não ocorrem quaisquer circunstâncias supervenientes modificativas em relação a 18/06/2019, exceto no que tange ao aumento significativo do custo de vida, que o afeta em igual medida que afeta a apelada.
Em suma, de 18/06/2019 até ao presente, a apelada viu incrementado o seu rendimento de 386,65 euros para 465,24 euros, assistindo-se, por isso, a um aumento do rendimento mensal desta no montante de 78,59 euros, e assistiu-se a uma diminuição das despesas que antes suportava, no montante de 325,00 euros, a título de renda de casa, que deixou de suportar.
Por sua vez, o apelante viu diminuído o seu rendimento de 1.500,00 euros para 879,58 euros, mas viu as suas despesas diminuídas em pelo menos 400,00 euros.
Conforme antedito, perante o aumento considerável do custo de vida a que se assiste desde 18/06/2019, o rendimento mensal de 465,24 euros que a apelante tem disponível para fazer face às suas necessidades mais básicas, é claramente insuficiente para lhe garantir uma existência minimamente condigna, não existindo, por isso, fundamento legal para se declarar cessada a prestação alimentar que o apelante foi condenado a satisfazer-lhe.
No entanto, face à redução significativa das despesas tidas pela apelada (325,00 euros), que, em 18/06/2019, lhe absorvia parte significativa do seu rendimento (386,65 euros), e perante a redução do rendimento que o apelante sofreu desde então (1.500,00 euros para 879,58 euros), mas que, em consequência de ter também visto diminuídas as suas despesas em, pelo menos, 400,00 euros mensais, não assume os foros que este lhe pretende emprestar, o aumento acentuado do custo de vida que nos últimos anos se assiste em Portugal, nomeadamente, ao nível dos géneros alimentares de primeira necessidade, o qual naturalmente afeta tanto a apelada como o apelante, julga-se ser adequado, suficiente e proporcional reduzir a prestação alimentar antes fixada à apelada, em 18/06/2019, em 250,00 euros mensais, para a quantia de 150,00 euros, em vez dos 170,00 euros decididos pela 1ª Instância.
Com efeito, essa prestação alimentar de 150,00 euros, acrescida da pensão de reforma da apelada, no montante mensal de 424,00 euros, perfaz a quantia de 574,00 euros, montante esse que se mostra necessário, proporcional mas suficiente para lhe garantir uma existência minimamente condigna em face dos seus atuais rendimentos e despesas e é proporcional aos atuais rendimentos e despesas do apelante e às suas consequentes possibilidades.
Resulta do exposto, impor-se concluir pela parcial procedência da presente apelação e, em consequência, revogar a sentença recorrida quando reduz a prestação alimentícia antes fixada, por sentença proferida em 18/06/2019, que condenou o apelante a satisfazer à apelada uma pensão alimentícia de 250,00 euros mensais, para a quantia mensal de 170,00 euros, substituindo-se o assim decidido, reduzindo-se essa prestação alimentar para a quantia mensal de 150,00 euros.
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Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- Assentando a obrigação de prestar alimentos ao ex-cônjuge em três pilares fundamentais – 1º) necessidade de quem os recebe; 3º) impossibilidade deste de prover ao seu próprio sustento; e 3º) possibilidades de quem os presta –, apenas a ocorrência de circunstâncias modificativas supervenientes de qualquer um destes vetores, isto é, ocorridas após ter sido fixada a prestação alimentar que se pretende ver modificada ou declarada cessada, poderá justificar o aumento, a redução ou a cessação dessa prestação alimentar antes fixada judicialmente ou por acordo.
2- Impende sobre o autor da ação que pretende obter a alteração ou a declaração de cessação da prestação alimentar antes fixada o ónus de alegar e provar os factos demonstrativos da verificação dessas circunstâncias modificativas supervenientes em relação a qualquer um desses pilares.
3- Por conseguinte, pretendendo o autor que se declare cessada a obrigação alimentar em que foi condenado satisfazer ao seu ex-cônjuge, aquele terá de alegar e provar factos ocorridos após a prolação dessa sentença que determinam a impossibilidade daquele de continuar a prestar alimentos ao seu ex-cônjuge, ou que determinam que este deixasse de ter necessidade que se continue a prestar-lhe alimentos.
4- Os factos modificativos supervenientes referidos em 1) podem ser objetivamente supervenientes (isto é, ocorridos historicamente após a sentença ou o acordo que fixou a prestação alimentar que se pretende ver alterada ou cessada) ou subjetivamente supervenientes (isto é, factos ocorridos historicamente antes da sentença ou do acordo que fixou a prestação alimentar que se pretende ver alterada ou cessada, mas que não foram considerados na ação de alimentos em que essa prestação foi fixada por não terem sido aí alegados pelo autor que pretende que essa prestação alimentar seja alterado ou cessada, por razões que não lhe são imputáveis, designadamente, a título de negligência).
5- Numa ação em que o autor pretende que se declare cessada a prestação alimentar que foi condenado ao satisfazer ao seu ex-cônjuge mulher, não pode ser considerado o património imobiliário que esse seu ex-cônjuge era já titular aquando da prolação da sentença que fixou a prestação alimentar que o agora autor pretende seja declarada cessada, quando este não alegue quaisquer factos justificativos para não ter alegado, na ação de alimentos em que essa prestação alimentar foi fixada (em que era réu), a existência desse património imobiliário de que o eu ex-cônjuge (autora nessa ação de alimentos) era já então titular, por não se tratar de facto objetivamente, nem subjetivamente superveniente.
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Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação parcialmente procedente e, em consequência:
a- revogam a sentença recorrida quando reduz a prestação alimentícia antes fixada, por sentença proferida em 18/06/2019, de 250,00 euros mensais para a quantia mensal de 170,00 euros, substituindo o assim decidido, reduzindo essa prestação alimentar para a quantia mensal de 150,00 (cento e cinquenta) euros;
b- no mais, confirmam a sentença recorrida.
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Custas em ambas as instâncias por apelante e apelada na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 2/3 para o apelante (Autor) e em 1/3 para a apelada (Ré) - art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Guimarães, 30 de março de 2023

Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:
José Alberto Moreira Dias – Relator
Alexandra Maria Viana Parente Lopes - 1ª Adjunta
Rosália Cunha - 2ª Adjunta.



[1] Ac. RG. de 09/03/2017, Proc. 4992/15.7T8BRG.G1.
[2] Tomé d´Almeida Ramião, “O Divórcio e Questões Conexas”, 3ª ed., Quid Juris, pág. 92.
[3] Cristina Araújo Dias, “Uma Análise do Novo Regime do Divórcio”, 2ª ed., Almedina, pág. 79.
[4] Ac. R.P. de 20/04/2017, Proc. 1158/14.7TBPVZ.P1, em que se pondera que: “Na pendência do casamento, o dever de prestar alimentos, integrado no dever conjugal de assistência, tem uma dimensão diferente do dever de alimentos posterior ao divórcio. Enquanto neste último caso há um dever humanitário de solidariedade e socorro marcado pela relação conjugal anterior, sendo o dever de alimentos limitado à garantida de um nível de subsistência condigna, na pendência do casamento, ainda que os cônjuges estejam separados de facto, deve garantir reciprocamente, em matéria de alimentos, um nível de vida tendencialmente semelhante àquele que tinham enquanto durou a comunhão de via, influenciado pelo tempo decorrido desde a separação, os laços persistentes e a situação atual de cada um deles. O art. 2016º, n.ºs 1 e 2 do CC, na redação introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31/10, consagra o princípio segundo o qual os cônjuges devem prover à sua própria subsistência depois do divórcio, quer se trate de divórcio por mútuo consentimento, quer de divórcio sem consentimento do outro cônjuge. A título excecional, nas condições previstas no subsequente art. 2016º-A, pode um dos cônjuges ser obrigado a prestar alimentos definitivos a favor do outro, mas a prestação alimentar limitar-se-á a garantir ao beneficiário o necessário à subsistência, contando com o valor de rendimentos próprios que o beneficiário consegue obter pela sua força de trabalho, nunca devendo os alimentos constituir incentivo à ociosidade”.
Ainda Ac. R.L. de 12/10/2017, Proc. 3070/Proc. 3070/12.5TBBRRG-2, onde se lê que: “O direito a alimentos entre ex-cônjuges (art. 2016º do CC), não é o genérico direito a alimentos, mas um direito especial” (no que se dissente da jurisprudência maioritária), mas em que se pondera que esse direito tem “natureza reabilitadora, excecional, subsidiária e tendencialmente temporária”.
Ainda Ac. RC. de 24/10/2017, Proc. 754/12.1TBGRD-G.C1: “Está em causa a tutela existencial de um dos cônjuges que, após a extinção do vínculo conjugal, se encontra em situação de necessidade (que se pretende temporária)”.  
[5] Ac. RG. de 30/06/2022, Proc. 396/17.5T8AVV-A.G1; RC. de 24/10/2017, já citado.
[6]Ac. STJ. de 23/10/2012, Proc. 320/10.6TBTMR.C1.S1; de 19/06/2019, Proc. 3589/15.6T8CSC-A.L1-S1.
[7] Amadeu Colaço, “Novo Regime do Divórcio”, Almedina, novembro de 2008, págs. 151 a 154; Acs. RL. de 11/04/2013, CJ., 2013, t. 2º, pág. 111; de 09/07/2015, Proc. 7409/12.5TBCSC.L1.7; RC. de 12/01/2016, proc. 1833/13.3TBPBL.C1. 
[8] Ac. R.P. de 12/11/2019, Proc. 304/11.7TMPRT-C.P1,
[9] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. V, pág. 603.
[10] Acs. RG., de 09/03/2027; Proc. 4992/15.7T8BRG.G1; de 12/03/2020, Proc. 1459/07.0TBBCL-C.G1; RP., de 24/01/2018, Proc. 3435/05.9TBVNG-D.P1; de 15/04/2013, Proc. 7367/06.5TBVNG-A.P1; RC., de 08/07/2021, Proc. 1880/17.6T8CBR-B.C1; RL., de 09/11/2017, Proc. 7367/06.5T8BRR.L1-2. 
[11] Ac. STJ. de 06/06/2019, Proc. 360807.0TBSXL.B.L1.S1; RL. de 07/12/2021, Proc. 869/19.5T8SXL.L1-7; de 19712/2013, Proc. 27156/10.1T2SNT.L1-1; RP. de 15/04/2013, proc. 7367/06.5TBVNG-A.P1.
[12] Ac. R.P., de 09/09/2021, Proc. 478/20.6T8PRD-B.P1.