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ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE ADJUDICAÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
LITISCONSÓRCIO PASSIVO
Sumário
I - A sentença que homologou o acordo de adjudicação de um imóvel realizado em ação de divisão de coisa comum constitui título executivo quanto à entrega desse imóvel porquanto a mesma contém uma condenação implícita dirigida aos restantes interessados de, finda a situação de copropriedade, entregarem o bem a quem passou a ser o seu proprietário exclusivo. II - A certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda, enquanto pressupostos da execução, têm de ser aferidas à luz do título executivo. Estando o imóvel a entregar identificado, localizado e delimitado, constando a sua área, composição e confrontações do título executivo, a existência de problemas ou dificuldades quanto à sua concreta localização no plano físico e a sua alegada confundibilidade com outro prédio não contendem com a certeza, exigibilidade ou liquidez da obrigação, entendidas estas enquanto pressupostos da execução. III - Decorrendo a obrigação de entrega da adjudicação que foi feita de um bem da herança e sendo pedida a entrega coerciva do bem adjudicado em ação executiva, esta tem necessariamente de ser instaurada contra todos os herdeiros, tal como sucedeu com a ação de divisão de coisa comum na qual ocorreu a adjudicação, existindo, assim, uma situação de litisconsórcio necessário passivo.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
RELATÓRIO AA e BB vieram propor contra CC execução para entrega de coisa certa.
Alegaram que, por transação realizada no âmbito do processo de divisão de coisa comum nº 2441/15.... e homologada por sentença, foi adjudicado aos exequentes o imóvel objeto dessa ação, pelo valor de € 15 500, tendo os exequentes procedido ao pagamento da quantia de € 7 750, visto que já eram proprietários de metade desse imóvel.
Não obstante, até à data, o imóvel em questão não foi entregue aos exequentes.
Juntaram cópia da ata de conferência de interessados, realizada no dia 7.11.2017, na ação de divisão de coisa comum nº 2441/15...., na qual consta que são requerentes AA e BB e que são requeridos CC, DD, CC, EE e mulher FF e que na conferência se encontravam presentes o requerente AA, o requerido CC e os respetivos mandatários.
Consta ainda da aludida ata que as partes puseram fim à referida ação nos seguintes termos:
Transação
1ª Cláusula
O Requerente AA e o Requerido CC acordam em que o imóvel identificado nos artigos 1º e 2º da Petição Inicial seja adjudicado aos Requerentes AA e esposa BB, pelo valor de € 15.500,00.
2ª Cláusula
As custas em dívida a juízo serão suportadas partes iguais pelos Requerentes AA e esposa e pelo requerido CC, prescindindo ambos de custas de parte.
A referida transação foi homologada por sentença com o seguinte teor:
“Na presente acção de divisão de coisa comum intentada por AA e BB contra CC, DD, CC e EE e mulher FF, transigiram as partes processuais em relação ao objecto de litígio. Assim, atenta a qualidade dos intervenientes processuais e o objeto da lide, que se mostra na disponibilidade destes, julgo válida e eficaz a transacção que antecede, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 283º, nº 2, 284º, 289º e 290º, nº 4, todos do Código de Processo Civil. Pelo exposto, homologo por sentença a mencionada transação e, consequentemente, condeno as partes a cumpri-la nos seus precisos termos.”
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Procedeu-se à citação do executado, por carta registada com A/R, datada de 19.11.2022, para, no prazo de 20 dias, fazer a entrega indicada no requerimento executivo ou opor-se à execução mediante embargos, informando-o ainda da possibilidade de requerer o diferimento da desocupação, nos termos do art. 864º, do CPC, conforme nota de citação de 19.11.2019 (ref. Citius ...79), que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, carta essa que foi rececionada (cf. requerimento de 4.12.2019, ref. Citius ...78).
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Não foram deduzidos embargos.
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Os exequentes, em 1.2.2021 (requerimento ref. Citius ...51) informaram que o imóvel não lhes foi entregue.
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Em 4.6.2021, o Sr. Agente de Execução (AE) apresentou requerimento (ref. Citius ...56) pedindo autorização para a intervenção da força pública de segurança uma vez que o executado não desocupou o imóvel e recusa-se a fazê-lo.
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Em 7.6.2021 foi proferido despacho (ref. Citius ...44) que deferiu o requerido pelo AE, nos termos do art. 757º, nºs 1 a 7, do CPC.
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Em 21.1.2022, o executado veio apresentar requerimento (ref. Citius ...85) no qual formulou os seguintes pedidos:
“A) Deve ser declarada verificada a excepção dilatória de preterição de litisconsórcio necessário com todas as legais consequências; B) No caso de assim não se entender, deve ser declarada verificada a excepção dilatória de preterição de litisconsórcio necessário relativamente ao CC, não demandado; C) Deve ser comunicado ao Agente de execução que obste ao prosseguimento de qualquer diligência ilegal, de entrega coerciva de imóvel, nomeadamente o imóvel actual habitação do aqui executado.”
Alegou, em síntese, que a presente execução, para efeitos de legitimidade, deveria ter sido proposta contra todos os herdeiros da herança indivisa de GG, tal como sucedeu na ação de divisão de coisa comum em que o mesmo foi adjudicado, e não apenas contra CC, como aconteceu, ocorrendo desta forma uma ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário.
Mesmo que assim não se entendesse, o procedimento executivo teria de ser proposto contra quem usufrui e utiliza o suposto prédio a executar, neste caso, como sua própria habitação, isto é, contra CC e seu filho, CC, o que não ocorreu, pelo que, também por esta via, existe uma situação de ilegitimidade
Por outro lado, o seu filho habita consigo e tem uma deficiência motora que o inabilita de prover às suas necessidades do quotidiano, necessitando de ajuda de terceiros, pelo que a privação da habitação baseada em entrega coerciva seria ilegal.
Acresce que o exequente não sabe qual a localização do prédio do qual exige a entrega ao aqui executado pretendendo, abusivamente, que o executado e seus filhos, aqui não demandados, entreguem um prédio que possui uma área de 817m2, como se fosse o prédio dos presentes autos, com a área de 40m2.
De acordo com a transação realizada, o executado não ficou de proceder à entrega de nada, muito menos do prédio que habita, pois os prédios na propriedade da herança de GG são bem diversos, em todas as suas características, do prédio adjudicado ao aqui exequente, que, por ser muito antigo, e por, ao longo dos anos, terem sido erigidas, demolidas e movidas construções sobre essa parcela de 40m2, atualmente, nem exequente nem executado sabem localizar o prédio em questão.
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Os exequentes exerceram o contraditório por requerimento de 3.2.2022 (ref. Citius ...28) no qual invocam a intempestividade do requerimento apresentado pelo executado, consideram que não existe ilegitimidade e impugnam a veracidade dos factos alegados pelo executado quanto à confusão entre os prédios, alegando que o imóvel está perfeitamente localizado conforme assinalado a azul no documento que juntaram, e quanto às condições pessoais do filho do executado, alegando que o filho do executado vive sozinho, trabalha num estabelecimento comercial e tem uma vida autónoma do seu pai.
Terminam pedindo que:
a) o requerimento apresentado pelo executado não seja recebido por totalmente extemporâneo, intempestivo e sem suporte legal, devendo ser ordenado o seu desentranhamento dos autos;
ou, ao invés, que:
b) sejam declaradas improcedentes as exceções de preterição de litisconsórcio invocadas pelo executado;
c) sejam declaradas improcedentes as alegações do executado e ordenada a entrega imediata do imóvel melhor identificado no requerimento executivo.
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Em 7.10.2022 foi proferido despacho (ref. Citius ...62) que apreciou o requerimento do executado, despacho esse que, depois de descrever atos praticados no processo, os quais também já acima referimos, contém a seguinte fundamentação, que aqui se transcreve:
“Cumpre decidir: Diversamente do que sucede no processo declarativo, em que a legitimidade se afere pela posição das partes e pelo objeto da ação, em processo executivo o conceito é muito mais restrito, podendo dizer-se que é de natureza meramente formal, na medida em que é definido pelo próprio título, como, com toda a clareza, emerge do disposto no n.º 1 do art. 53.º, do C.P.C.: dispõe de legitimidade, como exequente, quem no título figure como credor e, como executado, quem no título tenha a posição de devedor. No caso em apreço, é indiscutível que o executado figura no título executivo. Assim, atento o exposto e por força do disposto no artigo 583.º, n.º, 1, do Código Civil, é nosso entendimento que figurando o ora executado no título executivo apresentado à execução apenas nos resta concluir que o executado é parte legítima nos presentes autos. Dito isto, é manifesto que a presente exceção terá de improceder.
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Para além da apontada exceção, veio ainda o executado, no mesmo requerimento datado de 21-01-2022, invocar a ilegalidade do procedimento e a “confundibilidade dos prédios”. Ora, como facilmente se perceciona dos dizeres do título executivo, o prédio em apreço nos autos está perfeitamente identificado. De todo o modo, não podemos deixar de salientar que está precludido o direito do executado deduzir oposição à execução através do requerimento anómalo agora apresentado, dado o decurso do prazo a que alude o artigo 728.º, do .C.P.C., e pelos fundamentos aí aduzidos, conforme resulta do disposto no artigo 729.º, do C.P.C... Pelo exposto, julgo improcedente a exceção da ilegitimidade invocada pelo executado e indefere-se o demais peticionando por este no requerimento em apreço.”
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O executado não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1.º O exequente AA intentou processo executivo para entrega de coisa certa, com base numa transação, homologada por sentença, no âmbito da Ação de Divisão de Coisa Comum, onde foi adjudicado aos exequentes o imóvel composto por casa térrea e quintal, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho .... 2.º Embora no processo declarativo figurem como partes outras pessoas além do aqui recorrente, só este é que foi citado no âmbito da presente execução, olvidando os restantes requeridos, DD, CC e EE. 3.º O douto despacho judicial prolatado em 07.06.2021 (ref.ª ...44), não curou de analisar se estava verificado o pressuposto da legitimidade das partes. 4.º O recorrente/executado é pessoa de longínqua idade, de parcos estudos e com dificuldades físicas e mentais, pelo que, recebeu a citação e, em boa verdade, não percebeu o seu conteúdo, nem reagiu juridicamente à demanda. 5.º Só aquando da diligência para entrega da coisa é que o aqui recorrente rebateu a bondade da justificação da entrega daquele imóvel, que é a sua casa de morada e de seu filho, alertando para a confundibilidade existente e a ilegalidade do procedimento. 6.º Tendo comprovado, documentalmente, a propriedade dos prédios, exibindo certidões e cadernetas prediais e por requerimento (ref.ª ...85), arguiu, judicialmente, a ilegitimidade, a nulidade e ilegalidade do procedimento. 7.º Sobre o alegado o tribunal a quo proferiu douto despacho, decidindo que figurando o ora executado no título executivo apresentado à execução é parte legítima nos autos, julgando improcedente a exceção da ilegitimidade invocada pelo executado e indeferiu o demais peticionando por este no requerimento em apreço. 8.º Irresignado e não se conformando com a douta decisão, vem impugná-la, pretendendo com o presente recurso a reapreciação da matéria em causa, e que o douto despacho que decidiu improcedente a excepção de ilegitimidade e indeferiu o demais peticionado seja revogado e substituído por outro que considere, desde logo, procedente a excepção de ilegitimidade invocada, com todas as legais consequências bem como a inexequibilidade do título e a incerteza da obrigação exequenda, absolvendo o aqui recorrente da instância executiva. 9.º A acção de divisão de coisa comum, foi intentada pelo aqui exequente contra o aqui recorrente/executado e seus filhos, porque todos eles em representação da herança aberta e não partilhada por óbito de GG. 10.º O prédio, objecto dos autos declarativos, pertencia em comum e sem determinação de parte ou direito ao aqui exequente e à herança aberta por óbito da referida GG. 11.º Por acordo o prédio foi adjudicado ao exequente. 12.º Da transacção consta que exequente e executado acordam em que o imóvel identificado nos artigos 1º e 2º da Petição Inicial seja adjudicado aos Requerentes. 13.º E, em face desta transacção a M.ma Juiz proferiu sentença homologatória do acordado entre partes. 14.º É manifesta opinião do recorrente de que a presente acção executiva deveria ter sido intentada contra todos os intervenientes na acção declarativa, aí requeridos, e não apenas contra o aqui recorrente. 15.º Todos eles ocupam a posição de herdeiros, na herança aberta de GG, e mesmo que o recorrente seja, como é o caso, cabeça de casal nessa herança, não cabe nos seus poderes de administrador a realização deste desiderato. 16.º Mal andou o tribunal a quo, ao considerar, como considerou que figurando o executado no título na posição de devedor está cumprido o pressuposto fundamental da legitimidade. 17.º O tribunal a quo deveria ter apurado e decidido se figuram no título outros devedores e se todos foram chamados à presente execução para que pudessem cumprir, a existir, a obrigação inerente e, também a exercer plenamente os seus direitos de defesa, de contraditório e de acesso, em ultimo grau, à justiça. 18.º Há litisconsórcio necessário quando a lei ou o negócio jurídico ou a própria natureza da prestação a efectuar imponha a intervenção de todos os interessados na relação controvertida- art.º 33º Código Processo Civil (CPC). 19.º Os casos de litisconsórcio necessário na acção executiva são verificáveis na execução para entrega de coisa certa quando esta pertença a vários e quando na execução para prestação de facto, a obrigação incumba a vários obrigados. 20.º Na acção executiva e por via de regra, o pressuposto processual da legitimidade afere-se exclusivamente pelo título executivo. 21.º Assim, tem legitimidade para promover e fazer seguir a execução quem no título figure como credor e que só deve intervir como executado quem, à luz do título, seja devedor da obrigação exequenda. 22.º As expressões “credor” e “devedor” empregues na letra do n.º 1 do artigo 53.º do Código de Processo Civil terem sido formuladas no singular não impede que se desconsiderem eventuais litisconsórcios ativos ou passivos, havendo, nesse caso, que entendê-las por referência ao respetivo grupo. 23.º É de admitir a hipótese de a ação executiva respeitar a uma pluralidade de pessoas. Assim, existirá um litisconsórcio em processo executivo quando a mesma prestação for exigida por vários exequentes ou a vários executados – isto é, quando se verifique unidade na obrigação e unidade ideal de credores e devedores, sempre que a intervenção de todos os devedores seja requerida pela natureza indivisível da prestação, pela lei ou por negócio. 24.º A legitimidade deriva, em princípio, da posição que as pessoas têm no título executivo. A inspecção deste deve, em regra, habilitar a resolver o problema da legitimidade – (cf. Prof. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 1.º, pág. 90). 25.º A actuação em juízo de uma herança indivisa pressupõe a intervenção de todos os herdeiros, correspondendo a uma situação de litisconsórcio necessário, decorrente do artigo 2091º, nº 1 do CC. 26.º A herança ilíquida e indivisa já aceite pelos sucessíveis não tem personalidade judiciária, pelo que terão que ser os herdeiros ou o cabeça de casal, se a questão se incluir no âmbito dos seus poderes de administração, a assumir a posição no âmbito de uma acção judicial em que estejam em causa interesses do acervo hereditário. 27.º Sempre que se verifique falta de coincidência entre quem promove - ou contra quem é promovida - a ação executiva e o título executivo, verificar-se-á ilegitimidade (cfr. Acórdão do STJ, de 20 de fevereiro de 2014). 28.º Trata-se de uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso cuja verificação implicará o indeferimento liminar do requerimento executivo ou, caso seja apenas conhecida em momento ulterior do processo, a rejeição da execução (n.º 2 do artigo 576.º, alínea e) do artigo 577.º, artigo 578.º, alínea b) do n.º 2 do artigo 726.º e n.º 1 do artigo 734.º, todos do Código de Processo Civil). 29.º O prédio, objecto tanto da pretérita acção declarativa como da presente acção executiva foi adquirido em comum e partes iguais no longínquo ano de 1959, pelo exequente e por sua irmã, GG, por escritura pública. 30.º Na exposição de factos do requerimento executivo o exequente refere que “os executados ainda não transmitiram a parte do imóvel a si pertencentes para a esfera jurídica dos exequentes”. 31.º Tal alegação além de incorrecta é inverídica e materialmente impossível pois os executados não estão, nem nunca estiveram na posse efectiva, nem nunca usufruíram de nenhuma parte do prédio em questão. 32.º Não há nenhuma asserção, injunção ou obrigação, que emane, ainda que sub-repticiamente, da douta sentença do processo declarativo que imponha ao executado ou a qualquer outro dos requeridos a entrega de prédio ou parcela de terreno ao exequente. 33.º A obrigação que o exequente pretende fazer valer neste processo é incerta e, sobretudo, inexequível, porquanto não se conhece, nem é conhecida quer a localização do prédio em causa, nem os seus limites e confrontações. 34.º É convicção do exequente, porque é mais conveniente para si, que a parcela em causa está inserida da propriedade do executado, não tendo uma única prova de tal facto. 35.º O douto despacho, ora em crise, não teve em atenção estes aspectos que, no entanto, são essenciais para que sejam definidos com rigor o objecto da presente acção. 36.º As acções executivas são, nos termos do disposto pelo artigo 10º, nº 4, do CPC, “aquelas em que o credor requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida.”. 37.º A isto acresce, em conformidade com o estipulado no mesmo artigo 10.º, nº 5 e 6, do mesmo diploma legal, que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam os fins e, consequentemente, o tipo, a espécie da prestação e da execução que lhe corresponde, e os limites dentro dos quais se irá desenvolver, quer objectivos, o «quantum» da prestação, a identidade da coisa, a especificação do facto, quer subjectivos, a legitimidade activa e passiva da acção executiva. 38.º E a pretensão diz-se exequível quando a mesma se encontra incorporada num título executivo e não exista qualquer vício material ou excepção peremptória que impeça a realização coativa da prestação. 39.º Quando, porém, o incumprimento da obrigação não resulte do próprio título, o artigo 713º, do CPC, em protecção do crédito faculta ao exequente requerer as diligências, com que principia a execução, “…destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo”. 40.º Importa que previamente ao início dos actos executivos, propriamente ditos, quando tal ainda não se verifique, no momento da propositura da acção executiva, se torne certa a obrigação, enquanto requisito da exequibilidade intrínseca da pretensão ou do conteúdo mediato do título. 41.º A certeza constitui, assim, um dos requisitos da exequibilidade do título, um dos pressupostos substanciais da obrigação exequenda, indispensável à promoção da execução, na hipótese de a obrigação não se encontrar ainda certa, em face do título executivo. 42.º A obrigação certa é aquela que existe, verdadeiramente, cuja prestação se encontra, qualitativamente, determinada, no momento da sua constituição, ainda que o seu quantitativo se encontre por liquidar ou individualizar. 43.º Para que a execução diga respeito a uma coisa determinada, esta tem de ser identificada, por forma a diferenciar-se de todas as outras. 44.º Referindo-se a douta sentença, proferida na acção declaratória, apenas à adjudicação ao requerente, aqui recorrido, do imóvel identificado na P.I., nada dizendo quanto á restituição do mesmo, o pedido formulado na acção executiva, tendente à entrega da coisa, extrapolou, estritamente, o decidido na fase declaratória, em sentido contrário ao disposto pelo artigo 10º, do CPC, que impõe a correspondência entre o título executivo e os limites objectivos da execução. 45.º Não havendo condenação do recorrente e demais requeridos, nem sequer se referindo em nenhuma parte a hipótese de restituição de prédio, no cumprimento da prestação de entrega de coisa, certa e determinada, objecto do requerimento da execução, inexiste obrigação exequenda e inexiste título executivo, não sendo de manter, consequentemente, a decisão recorrida, que julgou improcedente a invocada ilegalidade. 46.º Nem no petitório inicial da acção declarativa de divisão de coisa comum, nem na fase dos articulados nem, propriamente, na transacção final a questão da posse e restituição foi sequer aventada entre as partes. 47.º A douta a sentença declarativa não condenou qualquer dos requeridos nem o aqui recorrente/executado a restituir qualquer prédio ou faixa de terreno. 48.º O exequente não pode reverter os termos da acção de divisão, que estão subjacentes na transacção e na douta sentença que ora se executa, como se a mesma obrigasse o aqui recorrido à entrega de qualquer coisa de não tem nem nunca teve a posse. 49.º Estando, desta forma, demonstrada quer a ilegitimidade das partes, tratando-se de uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso cuja verificação implicará o indeferimento liminar do requerimento executivo ou, caso seja apenas conhecida em momento ulterior do processo, a rejeição da execução (n.º 2 do artigo 576.º, alínea e) do artigo 577.º, artigo 578.º, alínea b) do n.º 2 do artigo 726.º e n.º 1 do artigo 734.º, todos do Código de Processo Civil), quer a inexequibilidade do título, quer a incerteza da obrigação exequenda, e por tudo o supra referido, e entendendo-se como se entende que a sentença que serve de título executivo não define qualquer localização, limite ou obrigação de restituir qualquer prédio ou parcela de terreno, é razão bastante pela qual deve o recorrente ser absolvido da instância executiva.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido na 1ª instância como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo, não tendo sido objeto de alteração neste Tribunal da Relação.
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Foi fixado à causa o valor de € 7 750,00 (despacho de 26.1.2023, ref. Citius ...92).
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Com vista à cabal identificação do imóvel referido na cláusula 1ª da transação celebrada no âmbito da ação de divisão de coisa comum nº 2441/15...., que constitui o título executivo nos autos, e porque tal cláusula remete para os arts. 1º e 2º da p.i., determinou-se a junção aos autos de cópia da p.i. dessa ação.
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Os artigos 1º e 2º dessa p.i. têm a seguinte redação:
“1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...13, o prédio urbano composto por uma casa térrea e terra de horta, a confrontar a norte com HH, sul e nascente com caminho público e a poente com II, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., conforme se retira de certidão da Conservatória do Registo Predial ... que infra se junta como documento nº ... e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 2. Tal prédio encontra-se inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...0, com uma área total de 40,000 m2, e com o valor patrimonial de € 4930,00, conforme se afere de caderneta predial urbana que se junta sob o nº 2.”
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Foram colhidos os vistos legais.
OBJETO DO RECURSO
Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações do recorrente, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.
Neste enquadramento, as questões relevantes a decidir, elencadas por ordem de precedência lógico-jurídica, são as seguintes:
I - saber se a sentença que homologou a transação efetuada no âmbito da ação de divisão de coisa comum não constitui título executivo quanto à obrigação de entrega do imóvel adjudicado;
II - saber se a obrigação de entrega é incerta e inexequível;
III - saber se o executado é parte ilegítima, por preterição do litisconsórcio necessário passivo.
FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTOS DE FACTO
Os factos a considerar são os que se encontram descritos no relatório e os mesmos resultam dos atos praticados no processo e da petição inicial da ação de divisão de coisa comum nº 2441/15.... junta no ofício de 3.3.2023, ref. Citius ...30.
FUNDAMENTOS DE DIREITO
I – Inexistência de título executivo quanto à obrigação de entrega do imóvel adjudicado
O recorrente invoca que não existe título executivo quanto à obrigação de entrega aos recorridos do imóvel adjudicado na ação de divisão de coisa comum.
No essencial, invoca a favor desta sua posição que “[r]eferindo-se, no entanto, a sentença proferida na acção declaratória, apenas à adjudicação ao requerente, aqui recorrido, do imóvel identificado nos artigos 1.º e 2.º da P.I., nada dizendo quanto a restituição do mesmo, o pedido formulado na acção executiva, tendente à entrega da coisa, extrapolou, estritamente, o decidido na fase declaratória, em sentido contrário ao disposto pelo artigo 10º, do CPC, que impõe a correspondência entre o título executivo e os limites objectivos da execução. Ora, não havendo condenação do recorrente e demais requeridos, nem sequer se referindo em nenhuma parte a hipótese de restituição de prédio, no cumprimento da prestação de entrega de coisa, certa e determinada, objecto do requerimento da execução, inexiste obrigação exequenda e inexiste título executivo, não sendo de manter, consequentemente, a decisão recorrida, que julgou improcedente a invocada ilegalidade.”
Vejamos, então, se existe, ou não, título executivo quanto à obrigação de entrega do imóvel.
As ações executivas são aquelas em que o credor requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida e o seu fim pode consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, quer positivo, quer negativo (art. 10º, nºs 4 e 6, do CPC, diploma ao qual pertencem as normas subsequentemente citadas, sem menção de diferente proveniência).
Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva (art. 10º, nº 5).
Sendo o título executivo a base da execução, a sua falta ou insuficiência constitui fundamento de indeferimento liminar (art. 726º, nº 2, al. a) ou de posterior rejeição da execução, sendo matéria de conhecimento oficioso (art. 734º).
Os títulos executivos encontram-se elencados no art. 703º, nº 1, o qual dispõe que:
1 - À execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
No que concerne à matéria dos títulos executivos regem os princípios da legalidade e da tipicidade pois só podem servir de base à execução os documentos a que seja legalmente atribuída força executiva e estes são apenas os que se encontram taxativamente enunciados no art. 703º, nº 1.
O primeiro título executivo enunciado no preceito citado consiste na sentença condenatória.
Como é sabido, as ações declarativas podem ser de simples apreciação, de condenação ou constitutivas.
As referidas ações têm por fim:
a) as de simples apreciação, obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto;
b) as de condenação, exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito;
c) as constitutivas, autorizar uma mudança na ordem jurídica existente (art. 10º, nº 3).
Assim, é incontroverso que as sentenças proferidas em ações de condenação que contenham uma decisão que condene a parte a pagar determinada quantia, a entregar determinada coisa ou a prestar determinado facto, positivo ou negativo, constituem título executivo e podem servir de base à execução com essa correspondente finalidade.
Todavia, tem ocorrido discussão doutrinal e jurisprudencial sobre a exequibilidade de sentenças cuja vertente condenatória esteja apenas implícita, quando proferidas em ações de natureza constitutiva ou de simples apreciação positiva.
Pese embora essa discussão, como referido por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (in CPC Anotado, Vol. II, pág. 17) a “doutrina e jurisprudência maioritárias vêm assumindo a exequibilidade das sentenças constitutivas de que resulta implicitamente a imposição de uma obrigação. Assim o defendiam já Alberto dos Reis (....) e Anselmo de Castro (...), para quem a sentença podia constituir título suficiente para iniciar o processo executivo para entrega de coisa certa, desde que contivesse implícita tal obrigação, nomeadamente nos casos de ação de preferência ou de ação de divisão de coisa comum (...). No mesmo sentido Lopes Cardoso, defendendo que bastava que ficasse declarada ou constituída a obrigação para ser viável a instauração de processo de execução” (sublinhado nosso).
Os referidos autores sustentam que “o sentido da expressão ‘sentenças condenatórias’ não exclui sentenças proferidas em ações declarativas de outra natureza, tendo potencialidades que permitem abarcar toda e qualquer decisão judicial que, reconhecendo a existência de uma obrigação de pagamento de quantia certa, de entrega de coisa certa ou de prestação de facto, imponha ainda, como efeito implícito, o seu cumprimento” (ob. cit, págs. 20 e 21).
E fundamentam esta conclusão dizendo que “é da natureza do título executivo conter o acertamento do direito, de modo que se, em face da sentença, for possível concluir que aquela finalidade já se encontra assegurada, é de todo inútil a instauração de nova ação declarativa, admitindo-se a apresentação da sentença como título executivo da obrigação que implicitamente foi reconhecida. (...) Assim o revela o paralelismo com os documentos autênticos e autenticados, relativamente aos quais basta que ‘importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação’(al. b), do nº 1). Perante tal abertura, a adoção de uma tese mais redutora para as sentenças judiciais levaria a resultados incongruentes, já que, apesar da maior solenidade e das garantias que rodeiam estes títulos executivos, acabariam por produzir menos efeitos dos que os emergentes da simples apresentação daqueles títulos extrajudiciais. Vejamos: se com base numa escritura pública de compra e venda de um prédio, é possível executar (...) a obrigação de entrega da coisa (do vendedor), ainda que no título não esteja expressamente assinalada tal obrigação, não se descortinam razões que impeçam que idêntico efeito seja extraído de sentença que, por exemplo, determine uma modificação de direitos reais, como ocorre com a proferida em ação de divisão de coisa comum” (ob. cit., págs. 18 e 19, com bold apócrifo).
Assentes nestas premissas e revertendo ao caso concreto, verifica-se que o título executivo da presente execução para entrega de coisa certa é a sentença que homologou a transação que as partes realizaram no âmbito do processo de divisão de coisa comum nos termos da qual foi adjudicado a AA e esposa BB o imóvel identificado nos arts. 1º e 2º da petição inicial dessa ação, pelo valor de € 15 500.
A sentença que homologou a adjudicação do bem objeto da ação de divisão a esses interessados tem natureza constitutiva na medida em que operou uma alteração na ordem jurídica existente visto que o bem, que inicialmente se encontrava em copropriedade, passou a estar em situação de propriedade exclusiva.
Esta decisão de homologação da adjudicação contém implícita uma condenação de entrega do bem dirigida aos demais interessados da ação de divisão de coisa comum pois, mercê da adjudicação e como consequência desta, esses interessados perderam a qualidade de coproprietários e o direito de que os mesmos eram titulares transferiu-se para a esfera jurídica dos interessados a quem o imóvel foi adjudicado.
O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem (art. 1305º, do CC), pelo que tal direito transmitido e constituído na ação de divisão só pode ser alcançado com a consequente entrega do imóvel adjudicado.
Deste modo, considera-se que a sentença homologatória constitui título executivo quanto à entrega do bem que foi adjudicado na ação de divisão de coisa comum a AA e esposa BB, aqui exequentes, porquanto a mesma contém uma condenação implícita dirigida aos restantes interessados de, finda a situação de copropriedade, entregarem o bem a quem passou a ser o seu proprietário exclusivo.
Improcede, assim, esta questão recursória.
II – Certeza e exequibilidade da obrigação de entrega
O recorrente alega que a “obrigação que o exequente pretende fazer valer neste processo é incerta e, sobretudo, inexequível, porquanto não se conhece, nem é conhecida quer a localização do prédio em causa, nem os seus limites e confrontações.”
Efetivamente, para que possa ter lugar a realização coativa de uma prestação é necessário que se mostrem verificados dois requisitos:
a) por um lado, é necessário que o dever de prestar conste do título executivo. Trata-se de um pressuposto formal que extrinsecamente condiciona a exequibilidade do direito, na medida em que lhe confere o grau de certeza que o sistema reputa suficiente para a admissibilidade da ação executiva;
b) por outro lado, é necessário que a prestação seja certa, exigível e líquida. Certeza, exigibilidade e liquidez são pressupostos de caráter material, que intrinsecamente condicionam a exequibilidade do direito, na medida em que sem eles não é admissível a satisfação coativa da prestação (cf. José Lebre de Freitas in A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª ed., págs. 39 e 40).
Obrigação certa é aquela cuja respetiva prestação se encontra determinada ou individualizada.
Obrigação exigível é aquela que se encontra vencida ou que se vence com a citação do executado e em relação à qual o credor não se encontra em mora na aceitação da prestação ou quanto à realização de uma contraprestação (cf. Castro Mendes e Teixeira de Sousa in Manual de Processo Civil, Vol. II, págs. 543, 537).
Obrigação líquida é a que se encontra determinada em termos de quantidade.
Já analisámos e concluímos que a sentença homologatória proferida na ação de divisão de coisa comum constitui título executivo.
Importa agora aferir se a mesma se reveste das aludidas caraterísticas de certeza, exigibilidade e liquidez, matéria esta que é também de conhecimento oficioso.
A referida sentença homologou o acordo alcançado na conferência de interessados.
Esse acordo tem o seguinte teor:
O Requerente AA e o Requerido CC acordam em que o imóvel identificado nos artigos 1º e 2º da Petição Inicial seja adjudicado aos Requerentes AA e esposa BB, pelo valor de € 15.500,00.
Lendo aos arts. 1º e 2º da petição inicial, para os quais remete a cláusula 1ª da transação atrás referida, verifica-se que se trata do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...13, que é um prédio urbano composto por uma casa térrea e terra de horta, a confrontar a norte com HH, sul e nascente com caminho público e a poente com II, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...0, com uma área total de 40,000 m2, e com o valor patrimonial de € 4930,00.
Portanto, a ilação que daqui se pode extrair é a de que, à face do título executivo, que é a sentença homologatória do acordo, a obrigação é perfeitamente certa, exigível e líquida e consiste na obrigação de entrega do imóvel cuja descrição e identificação acabámos de transcrever.
Deste modo, não tem razão o recorrente quando afirma que “não se conhece, nem é conhecida quer a localização do prédio em causa, nem os seus limites e confrontações”.
Ou seja, do ponto de vista jurídico, o imóvel está identificado, localizado e delimitado, constando a sua área, composição e confrontações.
A existência de problemas ou dificuldades quanto à concreta localização do imóvel no plano físico e a sua alegada confundibilidade com o prédio pertencente ao recorrente podem relevar noutra sede, mas não contendem com a certeza, exigibilidade ou liquidez da obrigação, entendidas enquanto pressupostos da execução, caraterísticas estas que existem e resultam do título executivo.
Destarte, improcede esta questão recursória.
III – Ilegitimidade, por preterição do litisconsórcio necessário passivo
A decisão recorrida entendeu que o executado é parte legítima porque consta do título executivo, o que é suficiente face ao disposto no art. 53º, nº 1, do CPC.
O recorrente discorda e considera que ocorre exceção de ilegitimidade, por preterição do litisconsórcio necessário passivo, pois a presente ação executiva deveria ter sido intentada contra todos os requeridos da ação de divisão de coisa comum, e não apenas contra o recorrente, visto que todos eles ocupam a posição de herdeiros na herança de GG, e, apesar de o recorrente ser cabeça de casal nessa herança, não cabe nos seus poderes de administrador a realização da entrega do bem adjudicado.
Analisemos, então, a questão da legitimidade, a qual constitui exceção dilatória, de conhecimento oficioso (arts. 577º, al. e) e 578º).
Em primeiro lugar, importa salientar que a execução para entrega de coisa certa se rege pelas disposições específicas que diretamente lhe dizem respeito constantes dos arts. 859º a 867º, pelas disposições relativas à execução para pagamento de quantia certa, na parte em que estas lhe puderem ser aplicáveis (art. 551º, nº 2), e, subsidiariamente, pelas disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da ação executiva (art. 551º, nº 1).
No que respeita à legitimidade no âmbito da execução, a regra geral é a que resulta do art. 53º, nº 1, segundo o qual a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor, consagrando esta norma o princípio da legitimidade literal na ação executiva.
Compreende-se claramente esta solução se tivermos em conta que a base da execução é o título executivo, o qual determina os fins e limites da ação executiva (art. 10º, nº 5), pelo que, constituindo a causa de pedir da ação executiva aquilo que consta do título, naturalmente que a legitimidade há-de pertencer às pessoas que nesse título figuram como credor e devedor visto que são eles os titulares da relação jurídica da qual deriva a obrigação que se pretende realizar de forma coativa.
Existem exceções a este princípio geral, mas não as iremos analisar posto que as mesmas não têm relevância para o concreto caso em apreço.
Portanto, é à face do título que se impõe analisar se houve ou não preterição do litisconsórcio necessário passivo e, consequentemente, se ocorre uma situação de ilegitimidade.
No caso, como já supra analisámos, o título executivo é a sentença homologatória que foi proferida na ação de divisão de coisa comum. Nessa ação de divisão de coisa comum figuram como requerentes AA e esposa BB e como requeridos CC, DD, CC, EE e esposa FF.
Conforme resulta da p.i. da ação de divisão de coisa comum que foi junta a estes autos, o bem a dividir pertencia em copropriedade aos requerentes AA e esposa BB e a GG, a qual faleceu em .../.../2004. Os requeridos CC, DD, CC, EE e esposa FF foram demandados na qualidade de herdeiros da falecida GG.
Na conferência de interessados apenas se encontravam presentes o requerente AA e o requerido CC, bem como os respetivos mandatários.
Estes dois interessados acordaram que o imóvel objeto de divisão era adjudicado a AA e esposa.
Foi então proferida sentença homologatória desse acordo, a qual tem o seguinte teor: “Na presente acção de divisão de coisa comum intentada por AA e BB contra CC, DD, CC e EE e mulher FF, transigiram as partes processuais em relação ao objecto de litígio. Assim, atenta a qualidade dos intervenientes processuais e o objeto da lide, que se mostra na disponibilidade destes, julgo válida e eficaz a transacção que antecede, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 283º, nº 2, 284º, 289º e 290º, nº 4, todos do Código de Processo Civil. Pelo exposto, homologo por sentença a mencionada transação e, consequentemente, condeno as partes a cumpri-la nos seus precisos termos.”
Portanto, a sentença homologatória, que é o título executivo nos presentes autos, ao dizer que condena as partes a cumprir a transação, refere-se a todos os interessados, não se limitando aos interessados que estiveram presentes e realizaram o acordo. O que aliás tem pleno cabimento e justificação posto que o acordo dos interessados presentes na conferência obriga os que não compareceram, nos termos do art. 929º, nº 4, pelo que a sentença homologatória tem de englobar, como englobou, todos os interessados.
Da leitura do título executivo decorre assim que todos os interessados que figuravam como requeridos na ação de divisão de coisa comum estão vinculados e abrangidos pela homologação do acordo de adjudicação do imóvel e, como já analisámos supra, dessa adjudicação decorre para todos eles, de forma implícita, a consequente obrigação de entrega do imóvel aos interessados a quem ele foi adjudicado, no caso a AA e esposa.
Impendendo sobre os referidos requeridos essa obrigação de entrega, importa agora aferir se a obrigação pode ser exigida apenas de um dos interessados ou se tem obrigatoriamente de ser exigida de todos, havendo assim uma situação de litisconsórcio necessário passivo.
Pese embora, no passado, se tivesse defendido que não existia litisconsórcio necessário passivo na ação executiva, atualmente esta posição mostra-se ultrapassada e aceita-se que possa ocorrer efetivamente tal situação na ação executiva, embora a mesma se verifique com pouca frequência.
Na esteira deste entendimento, afirma Rui Pinto (in A Ação Executiva, pág. 297) que “atento o artigo 33º nº 1, pode afirmar-se que o litisconsórcio é necessário na ação executiva quando a realização coativa de um direito a uma prestação apenas por todos os credores ou contra todos os devedores pode ter lugar, seja por lei, vontade das partes ou indivisibilidade material da própria prestação”.
Aponta como exemplo de litisconsórcio necessário natural passivo a situação de execução para entrega de coisa certa em que existam vários obrigados à entrega segundo o título executivo.
No caso em apreço, todos os interessados que figuraram como requeridos na ação de divisão de coisa comum estão conjuntamente obrigados a entregar o bem a quem ele foi adjudicado.
Com efeito, e concretizando, o bem que foi dividido pertencia em copropriedade à herança indivisa de GG. Os interessados que figuraram como requeridos na ação de divisão de coisa comum intervieram na qualidade de herdeiros dessa herança indivisa, o que significa que o acordo de adjudicação homologado se refere a um bem de que a herança indivisa era coproprietária.
A entrega consequente a essa adjudicação é uma obrigação relativa a um bem da herança; porém, como esta se encontra indivisa essa obrigação de entrega recai sobre todos os herdeiros e, no caso de ter de ser exigida de forma coerciva, tem de ser exigida de todos os herdeiros.
Importa lembrar que o art. 2091º, nº 1, do CC, estabelece que (ressalvadas as situações previstas nos arts. 2088º a 2090º e 2078º do CC), os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros.
Por conseguinte, decorrendo a obrigação de entrega da adjudicação que foi feita de um bem da herança e sendo pedida a entrega coerciva do bem adjudicado em ação executiva, esta tem necessariamente de ser instaurada contra todos os herdeiros, tal como sucedeu com a ação de divisão de coisa comum na qual ocorreu a adjudicação, existindo, assim, uma situação de litisconsórcio necessário passivo.
Dito de outro modo, a ação executiva não pode ser instaurada apenas contra um dos interessados, apesar de o mesmo ser o cabeça de casal da herança, porque a obrigação de entrega se refere a um bem da herança e os direitos referentes a bens da herança têm de ser exercidos conjuntamente contra todos os herdeiros.
Sendo a obrigação de entrega conjunta, todos os obrigados têm de figurar na ação executiva só assim ficando assegurada a legitimidade passiva.
Acresce que, por força do disposto no art. 867º, caso a coisa a entregar não seja encontrada, a execução para entrega de coisa certa pode ser convertida, no mesmo processo, em execução para pagamento do valor da coisa a entregar e do prejuízo resultante da falta de entrega, com a penhora consequente dos bens necessários para esse efeito. Ora, para que assim seja, é necessário que no processo figurem, desde o início, todas as pessoas sobre as quais impende a obrigação de entrega. No caso, tratando-se de um bem da herança, têm que figurar como executados todos os herdeiros, visto que todos estão conjuntamente obrigados à entrega, sendo que os mesmos intervieram na ação de divisão de coisa comum como requeridos e nessa qualidade constam igualmente do título executivo, conforme supra se explanou.
Portanto, verifica-se que, no caso, à luz do título executivo, existe efetivamente uma situação de litisconsórcio necessário passivo. O litisconsórcio foi preterido porquanto a execução não foi intentada contra todos os herdeiros.
A preterição de litisconsórcio necessário é causa de ilegitimidade (art. 33º, nº 1), constituindo esta uma exceção dilatória de conhecimento oficioso (arts. 577º, al e) e 578º). Porém, a mesma é sanável (arts. 726º, nº 4 e 734º, nº 1), mediante a intervenção principal provocada dos interessados faltosos (art. 316º, nº 1).
Só se a falta não for sanada é que poderá ser efetivamente declarada a ilegitimidade, por preterição do litisconsórcio necessário passivo, com a consequente extinção da execução, dada a fase processual em que a execução se encontra (art. 734º).
Assim, o recorrente tem razão quando invoca a existência de uma situação de ilegitimidade, face à preterição do litisconsórcio necessário passivo, mas já não a tem quanto à pretensão de ser de imediato absolvido da instância mercê dessa situação, porquanto a ilegitimidade em questão é passível de vir a ser sanada.
Por conseguinte, a decisão recorrida, na parte relativa à legitimidade, tem de ser revogada e substituída por outra que, face à preterição de litisconsórcio necessário passivo, convide os exequentes a, em prazo a fixar, fazerem intervir na ação os restantes interessados que figuraram na qualidade de requeridos na ação de divisão de coisa comum nº 2441/15.... na qual foi proferida a sentença homologatória que constitui o título executivo nos presentes autos.
*
Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Tendo o recurso sido julgado parcialmente procedente e, não obstante não terem contra-alegado, tendo os exequentes dado causa à situação de ilegitimidade, sendo de considerar como vencidos para este efeito, considera-se que as custas do recurso devem ser suportadas pelo recorrente, na proporção de 2/3, e pelos recorridos, na proporção de 1/3, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza o recorrente.
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida na parte relativa à invocada exceção de ilegitimidade e, por considerarem que existe preterição de litisconsórcio necessário passivo, determinam que seja proferido despacho que convide os exequentes a, em prazo a fixar, fazerem intervir na ação os restantes interessados que figuraram na qualidade de requeridos na ação de divisão de coisa comum nº 2441/15.... na qual foi proferida a sentença homologatória que constitui o título executivo nos presentes autos.
As custas são suportadas pelo recorrente, na proporção de 2/3 e pelos recorridos na proporção de 1/3, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza o recorrente.
Notifique.
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Sumário (da responsabilidade da relatora, conforme art. 663º, nº 7, do CPC):
I - A sentença que homologou o acordo de adjudicação de um imóvel realizado em ação de divisão de coisa comum constitui título executivo quanto à entrega desse imóvel porquanto a mesma contém uma condenação implícita dirigida aos restantes interessados de, finda a situação de copropriedade, entregarem o bem a quem passou a ser o seu proprietário exclusivo.
II - A certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda, enquanto pressupostos da execução, têm de ser aferidas à luz do título executivo.
Estando o imóvel a entregar identificado, localizado e delimitado, constando a sua área, composição e confrontações do título executivo, a existência de problemas ou dificuldades quanto à sua concreta localização no plano físico e a sua alegada confundibilidade com outro prédio não contendem com a certeza, exigibilidade ou liquidez da obrigação, entendidas estas enquanto pressupostos da execução.
III - Decorrendo a obrigação de entrega da adjudicação que foi feita de um bem da herança e sendo pedida a entrega coerciva do bem adjudicado em ação executiva, esta tem necessariamente de ser instaurada contra todos os herdeiros, tal como sucedeu com a ação de divisão de coisa comum na qual ocorreu a adjudicação, existindo, assim, uma situação de litisconsórcio necessário passivo.
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Guimarães, 16 de março de 2023
(Relatora) Rosália Cunha
(1ª Adjunta) Lígia Venade
(2º Adjunto) Fernando Barroso Cabanelas