SUBEMPREITADA
EMPREITEIRO
ELIMINAÇÃO DOS DEFEITOS
OBRA NOVA
Sumário

I - A Ré, assumindo a realização de uma obra com sub-empreiteira, tem de a realizar sem patologias de modo a torná-la funcional; tal não sucedendo, como não sucedeu, tem (no caso) o empreiteiro o direito de exigir, sucessivamente, ao subempreiteiro a eliminação desses defeitos por este ou, pedir a realização de nova obra (artigo 1221.º, n.º 1, do C. C.).
II - Para pedir a realização de nova obra, que tem como pressuposto que os defeitos não são elimináveis, tal tem de ser alegado e demonstrado pelo, no caso, empreiteiro.

Texto Integral

Processo n.º 1873/21.9T8AGD.P1

Sumário.
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1). Relatório.
A...-Unipessoal, Lda., com sede na Rua ..., ..., Ílhavo,
Propôs contra
B..., Unipessoal, Lda. com sede na Avenida ..., ..., 2.º esq.º Águeda
Ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo a sua condenação nas quantias de 19.977,79 EUR a título de danos patrimoniais e 3.000 EUR a título de danos não patrimoniais, tudo acrescida de juros de mora desde a citação.
O sustento de tais pedidos radica em:
. ter sido subcontratada por C..., S. A. para efetuar trabalhos de remoção, reparação e pintura do pavimento;
. por sua vez, subcontratou a Ré para efetuar esses trabalhos;
. os trabalhos ficaram indevidamente executados, tendo o pavimento ficado empolado em diversas zonas;
. a Ré deslocou-se pelo menos três vezes à obra para corrigir os defeitos que lhe foram indicados, o que não conseguiu;
. para averiguar o que poderia estar a causar os defeitos, contratou uma empresa, tendo resultado que a Ré não utilizou os materiais indicados para as circunstâncias e contingências do pavimento, como também não os aplicou convenientemente;
. foi necessário proceder à raspagem e gravilhamento de todo o pavimento, tendo contratado terceiros para o fazerem;
. os danos patrimoniais reportam-se ao custo do estudo, reparação do pavimento, materiais aplicados, e os danos não patrimoniais referem-se aos constrangimentos que sofreu com a recolocação de funcionários, justificação perante a dona da obra, prejudicando o seu bom nome.
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A Ré contestou, negando a sua responsabilidade e formulou pedido reconvencional, pedindo o pagamento de 8.032,59 EUR relativo aos serviços que prestou.
Tal reconvenção não foi admitida por ocorrer litispendência com a ação pendente com o n.º 37983/21.9YIPRT, do Juízo de Competência Genérica de Ílhavo, absolvendo-se a Autora/reconvinda da instância.
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Foi elaborado despacho saneador, tendo sido elencados como
Objeto do litígio - «A responsabilidade contratual da ré com base em cumprimento imperfeito do contrato de empreitada celebrado com a autora».
E temas da prova:
«Se a ré realizou os trabalhos contratados nos termos descritos nos arts.º 9º, 10º e 20º da p.i.;
Se, por isso, a obra ficou a padecer dos defeitos alegados no art.º 12º da p.i.;
Se a autora comunicou os defeitos à ré, cfr. alegado no art.º 13º da p.i.;
Se a ré, na sequência dessas reclamações, procedeu conforme alegado nos arts.º 14º e 15º da p.i.;
Se a autora acordou com o dono da obra conforme alegado no art.º 16º da p.i.;
Se, para corrigir os defeitos, a autora teve de contratar terceiros conforme alegado nos arts.º 21º a 23º da p.i.;
Se, com a reparação dos defeitos, a autora suportou os custos alegados no art.º 26º da p.i.;
Se a autora sofreu os danos alegados nos arts.º 29º a 31º da p.i.;
Se a ré alertou a autora conforme alegado nos arts.º 23º a 25º da contestação;
Se a obra veio a apresentar os problemas descritos nos arts.º 45º e 46º da contestação;
Se a ré procedeu como alegado nos arts.º 47º, 54º a 56º da contestação;
Se, depois dessa intervenção da ré, a autora não mais reclamou da obra.».
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Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença a julgar totalmente improcedente a presente ação.
Inconformada, recorre a Autora, formulando as seguintes conclusões:
A. O tribunal deu simultaneamente como provado que que a Ré alertou para os problemas da humidade do pavimento no facto n.º 19 inclusive sugerindo outra tinta (facto provado n.º 20).
B. E simultaneamente deu como não provado que no facto m) que a (...) ré alertou a autora de que o piso existente não iria suportar a humidade ascendente”
C. Por um lado, considera-se provado que a Ré alertou que o pavimento tinha humidade que justificava até uma troca de material, mas por outro não se considera provado que tenha alertado que a piso não aguentaria a humidade.
D. Existe contradição insanável entre factos provados e não provados entre o alerta que poderia justificar a desresponsabilização da Ré.
E. Existe contradição insanável entre os fundamentos e a decisão uma vez que a fls. 16 da decisão se reconhece que a Ré incumpriu defeituosamente a sua obrigação ao não lograr suprir as anomalias do pavimento para que fora contratada, reconhecido a fls 19. Que a Autora tem direito a imputar à Ré os custos da eliminação de defeitos mas depois considera que não tem direito a pedir o custo de um pavimento novo.
F. Não se compreende como é que admitido o defeito, o incumprimento definitivo, se conclui que a Autora não tem direito a qualquer indemnização por terem optado por outra forma de resolução do problema do pavimento.
G. Portanto, há defeito, há incumprimento, mas não assiste à autora direito a indemnização porque o trabalho da Ré era reparar o pavimento e repintar e a Autora fez um pavimento novo (sendo exatamente o mesmo pavimento).
H. Estabelece o art.º 615.º, n.º 1, al. c), do C.P.C. que “é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão OU ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
I. Se não se verifica uma contradição entre reconhecer a existência de defeito, e de incumprimento e decidir que a Autora não tem direito a nenhuma indemnização, sempre se dirá que a sentença é ambígua.
J. Deve ser declarada a nulidade da sentença recorrida, sendo a mesma substituída por Acórdão que – no respeito pelo disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. c), e do art.º 665.º n.º 1, do C.P.C., – não incorra na assacada nulidade .
K. Nos art.ºs 8.º a 10.º da Petição a Recorrente alegou que a Recorrida iniciou os referidos trabalhos com uma fresadora, uma maquina que remove o pavimento, no entanto, a mesma avariou.
L. O Tribunal a quo, na alínea a), da matéria de facto considerada como provada, deu como não provado que “A máquina referida em 8) dos Factos Provados era de gama inferior à primeira, e não era uma máquina industrial.”
M. Por sua vez deu como não provado, na alínea b) dos factos não provados que: “Foi o uso dessa máquina não industrial, e a utilização de material comentício barato e fraco que originou a má execução dos trabalhos.”
N. Para motivar o facto de não ter dado como provada a factualidade constante do na alínea a) e b) - o Tribunal a quo limitou-se a expender o seguinte a fls 9: “Quanto à questão da troca de máquinas usadas pela ré na realização dos trabalhos, todos os inquiridos confirmaram o facto, que a ré também não nega, sendo que, todavia, nenhuma prova minimamente consistente e fundada se produziu quanto à alegada menor capacidade da segunda máquina utilizada, e muito menos, da relação de causa-efeito entre o uso dessa máquina e os defeitos que o pavimento voltou a ostentar.” (sublinhado e negrito nosso)
O. E que a fls 10 e 11: (...) nenhuma prova foi produzida quanto às características técnicas das máquinas, e a prova que foi produzida quanto ao trabalho realizado pelas mesmas foi, como vimos, contraditória entre si, havendo duas versões opostas, e não dispondo o Tribunal de razões válidas para conferir maior credibilidade a uma do que a outra, sem conhecer as concretas máquinas em questão, razão pela qual a dúvida deve resolver-se contra a parte que alega o facto e a quem este aproveita – cfr. art.º 414º do CPC.”
P. Errou o Tribunal a quo ao dar como não provado a menor capacidade da segunda máquina utilizada.
Q. Com efeito a testemunha da Autora que é precisamente um engenheiro civil e cujo desfecho da ação em nada o favorece ou prejudica referiu que o trabalho passou a ser mal feito com outra máquina.
R. Pelo que não se entende como é que a Meritíssima Juiz optou por relevar mais testemunhas que TRABALHAM para a Ré e que logicamente não iriam depor contra a entidade patronal referindo que a segunda máquina realmente afetou a capacidade de remoção do pavimento danificado.
S. no depoimento da testemunha Eng AA primeiro na instância da Recorrente (cfr. 00:10:27 - 00:14:21; do seu depoimento, prestado a 16-09-2022 com início às 11:08:30, e fim às 11:46:45):
Dra. BB: Olhe, foi à obra ou tem conhecimento de ter sido removido ou raspado, não sei qual o melhor termo, o chão com uma fresadora e ela depois ter avariado? Tem conhecimento disso? Conhecimento direto digo.
Eng. AA: Não, eu tenho conhecimento que nos dias que lá fui à obra tinha uma fresadora que estava a remover tudo esse material rugoso [impercetível] que é um revestimento mais rugoso, mais forte, e nesse dia que eu lá fui [impercetível] eu cheguei lá e o pessoal estava parado sem nada para fazer, e eu questionei porquê, se era porque e disseram que a outra máquina tinha partido, e estavam à espera de uma máquina eu de [impercetível] para substituir a que tinha partido. E eu ok, se assim é temos de esperar. E depois os dias foram se arrastando, não aparecia solução e de repente vou me a aperceber estava na obra uma aligeirada que era pronto, estava só mesmo a raspar o que havia para raspar sem remover todo o resto do material e eu questionei porque é que estavam a utilizar uma e não estavam a utilizar a outra e disseram que também, também ficava bem, para eu ficar descansado que não havia qualquer problema, e eu o que é que ia fazer? Deixei andar [impercetível] (...) não correu bem fazia tudo muito à superfície porque que ainda ficou lá material mas ficava na mesma [impercetível].
Dra. BB: então...
Eng. AA: portanto no dia em que partiu a máquina que estava a fazer o trabalho anterior, [impercetível] eu estava lá e disseram-me que ela tinha partido e que estavam à espera de outra e depois nunca mais veio outra.
Dra. BB: nunca mais veio outra? Então depois quando o senhor lá voltou, como é que, como é que estava a ser feita a remoção?
Eng. AA: estava a ser feita com uma máquina mais aligeirada, mais pequenita, era uma fresadora das pequenas, com uma potência de x e a nova que veio devia ter dez vezes menos força [impercetível] uma arranca o material a outra limpa o material impercetível] que já está solto e sai facilmente ou que estiver um bocadinho preso, não sei.
Dra. BB: Ok então e na sua opinião o facto de depois o chão empolar pode se dever ao facto de não ter sido retirado todo o material convenientemente?
Eng. AA: da experiencia que eu tenho sim porque o que é que aconteceu lá [impercetível] o primeiro material [impercetível] a partir do momento que se raspou o material [impercetível] quando eu não tiro o material todo que está na origem do problema, mais tarde o novo material faz com que o velho, o novo vá descolar, não sei se me estou a fazer explicar...
Dra. BB: sim sim
T.
Deste trecho resulta inequivocamente que o engenheiro civil, que dada a sua profissão está dotado de conhecimento técnico na área, que acompanhou a obra, e que não trabalha para a Autora entende que a menor capacidade da máquina utilizada após a avaria da primeira contribuiu para que o material não fosse arrancado de forma eficaz.
U. Explicando inclusivamente que o facto de ficar material velho que não foi removido, contribui para que o novo se descole.
V. Não é difícil de alcançar que se o material que causa empolamentos não for removido convenientemente vai fazer descolar o que for colocado por cima.
W. Para o tribunal foi de relevar mais as testemunhas que trabalham para a Ré do que o testemunho de um engenheiro civil ao explicar que o material não foi bem removido e que isto causa empolamentos.
X. E mesmo que se considerasse que houve o mesmo número de testemunhas a dizer que a má remoção do material velho contribuiu para os empolamentos que o número de testemunhas a dizer que foi da humidade, é preciso não olvidar que é ao empreiteiro que cabe o ónus de provar que o defeito não lhe é imputável.
Y. Desde logo porque se presume que a culpa seja do empreiteiro, tendo aplicação neste domínio a regra do art. 799 nº1 do CC que faz presumir a culpa do devedor/empreiteiro.
Z. Relativamente ao prejuízo causado à Autora considerou o tribunal não provado o facto g) “Com a reparação do pavimento, a autora teve uma despesa no valor de € 17.566,00.”
AA. Para a Meritíssima Juiz como se optou por uma forma diferente de solucionar os empolamentos, nomeadamente através de demolição entendeu que a Autora não provou custos nenhuns, ou que mesmo que os tenha tido, não são exigíveis à Ré por ser obra nova.
BB. O que não se alcançou foi que os custos reclamados não foram da demolição do pavimento, mas os posteriores à demolição em que a Autora é chamada para terminar os acabamentos
CC. Como foi demonstrado em tribunal, a Autora é empreiteira, a Ré subempreiteira contratada para reparar um pavimento de uma obra entregue à Autora.
DD. Autora tinha na referida obra, mais trabalhos a fazer, pelo que teria de receber um valor que não recebeu, na medida em que teve de compensar com trabalho o prejuízo que o dono da obra teve com a reparação do chão.
EE. Inexiste qualquer disposição legal que condicione a indemnização a arbitrar a quem foi alvo de um defeito que não deveria existir depois de um trabalho contratado, ao método de suprir o defeito.
FF. Atente-se no depoimento da testemunha Eng. AA primeiro na instância da Recorrente (cfr. 00:18:00 - 00:19:00 do seu depoimento, prestado a 16-09-2022 com início às 11:08:30, e fim às 11:46:45):
Dra. BB: Olhe depois de terem de reparar o chão depois desses sucessivos empolamentos sabe se a A... teve que voltar a despender de recursos ou a ir lá ou a pintar as paredes, no fundo se teve mais gastos com essa obra depois desses empolamentos?
Eng. AA: TEVE [impercetível] o que ficou combinado foi a A... produziu em trabalho o valor que tinha que ser imputado no chão, incluindo também no valor do chão pintámos as paredes os tetos reparar as paredes afetas [impercetível] com esta intervenção.
GG. Mais esclareceu a Testemunha CC (referido como gerente de facto da Autora) no seu depoimento (cfr. 00:12:57 - 00:14:10 do seu depoimento, prestado a 16- 09-2022 com início às 14:13:54, e fim às 14:55:00):
Dra. BB: O que é que fez o dono de obra, o que é que o dono de obra resolveu?
CC: Acho que partiu o chão todo, passaram umas estruturas, já resolveram outro tipo de obra [impercetível]
Dra. BB: Pronto e diz que eles, que o dono de obra é que depois resolveu, resolveu fazer outra coisa, mas vocês tiveram depois custos com isso ou eles...
CC: Tivemos, tive que fazer o acabamento, era nossa responsabilidade, estava tudo estragado, [impercetível] máquina de raspar, pintar, tivemos que polir o chão, tivemos que pintar outra vez outra vez o chão, tivemos que fazer aquilo que era da nossa responsabilidade.
Dra. BB: Que era aquilo que tinham contratado inicialmente, e depois relativamente a terem que fazer depois isso novamente, essa pintura que está a dizer, tiveram que custos é que tiveram sabe?
CC: [impercetível] não me lembro dessa parte, eu acho que noventa.
Dra. BB: ok mas teve que despender, foram para lá os seus trabalhadores?
CC: foram.
Dra. BB: estando lá presumo que não tenham estado em outras obras não é?
CC: pois
HH. E ainda a Testemunha DD que é administrativa na Autora no seu depoimento (cfr. 00:06:30 - 00:07:49 do seu depoimento, prestado a 16-09-2022 com início às 11:46:47, e fim às 11:58:18):
Dra. BB: E diga me uma coisa a A... teve custos depois com a reparação desses defeitos ou não?
DD: Teve, mas não fomos nós.
Dra. BB: Pronto mas isso foi feito, o trabalho foi deduzido depois aquilo que a Regra teria de receber ou como é que foi feito?
DD: Foram feitas as reparações e foram deduzidos os valores que a tal empresa, os custos que a outra empresa teve com a reparação do chão
Dra. BB: nessa posterior reparação foi a A... que demoliu o chão?
DD: Não, [impercetível] isso não foi nada connosco, nós só fomos só fomos pintar o chão novamente e fazer as reparações inerentes, não é nomeadamente nas paredes de andarem a arrancar o chão era rebocar as paredes tudo de novo, o pladur teve de ser arrancado, o pladur teve de ser substituído, houve pintura que teve de ser refeita, o chão foi pintado novamente.
II.
Deve a matéria de facto ser alterada dando o facto da alínea a) como provado, “A máquina referida em 8) dos Factos Provados era de gama inferior à primeira, e não era uma máquina industrial.)”.
JJ. E também o facto g) “Com a reparação do pavimento, a autora teve uma despesa no valor de € 17.566,00”.
KK. Na sentença a fls. 16 pode ler-se que “Donde se conclui que, tendo a ré aceite a realização da obra, que visava precisamente a eliminação dos danos verificados no pavimento, não tendo logrado esse resultado, nem tendo provado que a não obtenção do mesmo lhe não era imputável – já que, sendo sabedora da causa dos levantamentos do piso, aceitou proceder à reparação do mesmo, não se tendo provado ter advertido a autora de que a obra não resolveria o problema – a ré cumpriu defeituosamente a sua obrigação.” (negrito nosso)
LL. E que “Da conjugação dos arts.º 1221º a 1223º do Código Civil, resulta que, havendo defeitos na obra, e podendo estes ser suprimidos, assiste ao dono da obra o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação. Se não puderem ser eliminados, pode exigir nova construção. Não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução o preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina. Tudo sem prejuízo do direito do dono da obra a ser indemnizado nos termos gerais.” (sublinhado e negrito nosso).
MM. No entanto acaba por concluir que “Pese embora a ré não tenha logrado proceder à reparação definitiva do pavimento, devido aos problemas de humidade verificados no local, nem por isso assistirá à autora o direito de obter daquela o pagamento de obra nova, correspondente a um pavimento novo e diferente daquele que existia anteriormente.
NN. Resulta desta interpretação que a Ré só seria responsável pelos custos da reparação quando o meio de reparar seja exatamente o mesmo, quando esta exigência não tem qualquer fundamento legal, nem tão pouco é isso que a Autora veio peticionar.
OO. Nos termos do art. 1221º se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem direito a exigir do empreiteiro a sua eliminação. Se não puderem ser eliminados, o dono da obra pode exigir nova construção apenas cessando esses direitos se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito.
PP. Competia à Ré a prova, como exceção ao direito da contra-parte, alegar e provar esta desproporcionalidade (art. 342º nº 2, todos do C.Civil).
QQ. Já que o tribunal considerou definitivamente incumprido o contrato, deveria depois ter-se socorrido da prova que a Ré tivesse produzido (porque era a ela que lhe cabia fazer tal prova) para demonstrar que era desproporcional o custo que a Autora pedia.
RR. A Ré de forma alguma alegou desproporcionalidade do valor da reparação limitando-se a alegar que a mesma nem era devida por não haver defeito.
SS. O que fez o tribunal foi inverter por completo o ónus da prova.
TT. É à Ré que cabe provar que o defeito não lhe é imputável, o que não fez.
UU. E é à Ré que cabe invocar e provar que é desproporcional o custo da reparação face aos defeitos que deixou na obra, O QUE NÃO FEZ!
VV. E como foi explicado pelas várias testemunhas, o facto de só haver um orçamento junto aos autos, deve-se ao facto de ter sido feito um acerto entre o dono de obra e a Autora, deduzindo-lhe o que esta teria de receber, bem assim como lhe impondo que terminasse os acabamentos da reconstrução do pavimento.
WW. A este propósito veja-se o Ac. do Tribunal da relação de Coimbra de 10-03-2015 consultável em www.dgsi.pt, onde se pode ler: E devendo ter-se presente que: «O ónus de alegar e provar os factos que eventualmente integrem desproporcionalidade …recai sobre o devedor» - Ac. do STJ de 12.09.2013, p. 1942/07.8TBBNV.L1.S1 Em todo o caso, e se não fosse o réu a assumir os acrescidos encargos da reparação adequada, caberia perguntar: quem os suportaria? A resposta é intuitiva: certamente os autores.
Mas, então, nova pergunta: com que fundamento e obrigação, legal ou moral - os autores deveriam agora gastar mais de 4.500,00 euros numa obra relativamente à qual que lhes foi assegurado pelos réus que podia ser edificada – e bem edificada - por menos de metade, e sem que para tal acréscimo tenham dado qualquer causa, muito menos censurável, versus o que acontece com os réus?
Obviamente que no confronto dos específicos contornos da situação de cada uma das partes decorrentes dos factos apurados, há indubitavelmente que concluir, ex vi da lei e da ética, que terão de ser os réus a suportar o acréscimo do custo.
XX. Do exposto resulta que se provou haver incumprimento definito do contrato de empreitada (que se encontra inclusivamente reconhecida pela sentença em apreço) e que a Autora tem direito a ser ressarcida dos seus prejuízos mesmo que advenham de obra nova, cabendo à Ré provar a desproporcionalidade, e não ao Tribunal aferir se quem estraga velho paga novo.
YY. Do exposto resulta que a autora tem direito a ser indemnizada na totalidade do montante peticionado.».
Conclui pedindo que lhe seja atribuído tudo o que foi pedido.
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Não houve contra-alegações.
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As questões a decidir são:
. nulidade de sentença;
. cumprimento defeituoso do contrato de subempreitada pela Ré;
. direitos conferidos à Autora para sanar as patologias da obra.
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2). Fundamentação.
2.1). De facto.
Foram julgados provados os seguintes factos:
«1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio por grosso de materiais de construção e a actividades de construção civil e obras públicas.
2. A ré é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio por grosso de materiais de construção e equipamento sanitário, pintura e colocação de vidros.
3. A autora foi subcontratada pela empresa “C..., S.A.” para efectuar trabalhos nas instalações da empresa “D...” em ....
4. Nomeadamente para, entre outros trabalhos, proceder à reparação e pintura do pavimento, que apresentava empolamentos e desagregações do piso.
5. Por sua vez, a autora subcontratou a ré para efectuar esses trabalhos.
6. A ré foi contratada para retirar a pintura já existente, reparar o pavimento e repintá-lo.
7. A ré iniciou os referidos trabalhos com uma fresadora, máquina que remove a camada cimentícia do pavimento.
8. A referida máquina avariou.
9. Pelo que a ré procedeu à continuação dos trabalhos com uma máquina diversa.
10. O pavimento ficou empolado em diversas zonas.
11. Por e-mail de 9/9/2020, a “C..., S.A.” comunicou à autora que: “Vimos pelo presente meio manifestar a nossa profunda preocupação com o vosso trabalho realizado na empreitada de remoção de pavimento existente e colocação de novo pavimento no piso térreo da loja D..., nosso cliente, em ....
De acordo com as várias visitas realizadas à obra, verificou-se que o pavimento não apresenta um comportamento adequado e estável, apresenta desde a sua aplicação a formação de bolhas que posteriormente acabam por se partir.
Após as vossas intervenções no sentido de corrigir a presente situação, verificou-se que o problema se mantém. Deste modo solicitamos uma rápida intervenção ao nível de todo o pavimento, e não apenas em determinados locais, no sentido de resolver a presente situação de uma vez por todas, e com a qualidade e comportamento estável que é de esperar de um material desta natureza” – cfr. doc. junto a fls. 12 verso, que aqui se dá por reproduzido.
12. A autora comunicou o teor daquele e-mail à ré.
13. A ré deslocou-se pelo menos 3 vezes à obra, a última das quais em 30/9/2020, para corrigir os empolamentos que foram aparecendo no pavimento.
14. Não obstante, os empolamentos voltavam a aparecer.
15. Por isso, a autora solicitou orçamento para reparação do pavimento, à empresa “E...”.
16. A referida empresa apresentou à autora, em 20/1/2021, o orçamento cuja cópia está junta a fls. 13, que aqui se dá por reproduzido.
17. No referido orçamento, é feita a seguinte “Nota: este trabalho corresponde a um sistema muito mas muito superior ao existente atualmente basta comparar a quantidade de resina envolvida num e noutro sistema (no existente não terá mais do que 500 a 600 gr/m2) e o material cimentício que utilizaram também é barato e fraco comparado com a resina de regularização. Ou seja trata-se de uma situação ingrata não sei se conseguem provar isso ao cliente no sentido do mibilizar a ser solidário com a solução encontrada.
Quanto ao valor da mão de obra ela é altamente penalizada pelo caracter de correcção de tantas imperfeições ou seja para além da enorme quantidade de resina usada será necessário o uso de muita mão de obra pelo menos 5 homens por cerca de 3 a 4 semanas”.
18. Pela “análise e medição de 10 pontos de humidade” da obra, a empresa “E...”, facturou à autora, em 25/2/2021, o valor de € 500,00 – cfr. doc. junto a fls. 14, que aqui se dá por reproduzido.
19. No início da obra, a ré alertou os responsáveis da autora de que aquele era um local com muita humidade ascendente.
20. Mais informou que, por esse motivo, a pintura que deveria ser aplicada no pavimento deveria ser uma tinta epóxi de base aquosa, que referiu ser mais adequada a pisos com humidade ascendente.
21. Tendo a autora acabado por permitir a utilização da tinta aconselhada pela ré.
22. Após a conclusão da obra, a ré enviou à autora o e-mail de 29/7/2020, do seguinte teor: “Obra iniciada a 21/4/2020
Pedido de cotação para uma obra de 1.300 m2, que ficou por 680 m2, sem qualquer rectificação de custos.
Trabalhos adjudicados:
- Retirar pintura antiga
- Reparar situações visíveis e necessárias, sobre pavimento cedido pelo cliente
- Aplicação a rolo de primário de dois componentes
- Aplicação de duas de mão de tenta epóxi aquoso
Trabalhos estes devidamente efetuados.
Desde o início dos trabalhos que alertámos (CC e AA) para a humidade que aparecia no piso. Pelos mesmos foi dito não haver. Os trabalhos foram efetuados de acordo com as boas práticas. Após todos os trabalhos concluídos, efetuámos algumas reparações, originárias de descolamento de uma camada cimentícia com 1,5 cm de espessura. (…) A tinta de epóxi utilizada nunca se desagregou do suporte. O suporte pintado é que se descola da base. Tendo sido efetuados os trabalhos conforme solicitado e acordado em obra, damos a mesma por concluída e entregue. Assim anexo fatura do valor em falta e aguardo a sua liquidação. Conforme já foi manifestado, estamos disponíveis para toda a colaboração necessária” – cfr. doc. junto a fls. 57 verso.
23. Aquando da entrega da obra pela ré à autora, a obra aparentava bom estado.
24. Vindo, todavia, mais tarde, a apresentar empolamentos, por causa da humidade, que levou a que o próprio pavimento se tenha desagregado nalguns pontos.
25. A ré prontificou-se a corrigir os empolamentos verificados.
26. Mas voltando novamente o pavimento a empolar.
27. Ao tomar conhecimento do e-mail referido em 11), a ré respondeu à autora, por e-mail de 13/9/2020, dizendo: “Após leitura atenta do v/email permito-me fazer as seguintes observações.
No 1º parágrafo dizem ter sido adjudicada uma remoção total do pavimento, o que é incorrecto, não corresponde à verdade.
Conforme expresso no email de 29 de Julho os trabalhos não eram a remoção.
Sim retirar a pintura antiga, fazer as reparações necessárias à data e nova pintura.
Ver faturas remetidas e aceites, em 21 de Abril e 28 de Julho
Anexo novamente o email remetido.
Todas as reparações efetuadas posteriormente foram feitas com um espírito de colaboração.
Os danos que estão a ser apresentados foram inicialmente manifestados ao Sr. CC e AA. Os mesmos diziam «não ser problema, aquilo não era nada, vocês são tolos eu/nós é que sabemos, vamos temos que fazer»” – cfr. doc. junto a fls. 68, que aqui se dá por reproduzido.
28. No dia 30 de Setembro de 2020, a autora e a ré fizeram juntas de dilatação no pavimento e a ré fez a repintura do piso.
29. A autora efectuou um pagamento parcelar de € 2.000,00, em 3/11/2021, por conta da Factura ... de 28/7/2020, referente à obra supra descrita.
30. Em finais de Março de 2021, a autora demoliu todo o pavimento existente, e construiu um novo pavimento, de tipo industrial, mais adequado a resistir à humidade.».
E foram julgados não provados:
«a) A máquina referida em 8) dos Factos Provados era de gama inferior à primeira, e não era uma máquina industrial.
b) Foi o uso dessa máquina não industrial, e a utilização de material cimentício barato e fraco que originou a má execução dos trabalhos.
c) A autora comprometeu-se com o dono de obra a concluir os trabalhos ainda no ano de 2020.
d) A empresa “E...” foi contratada pela autora para realizar um estudo para determinar a causa dos defeitos resultantes da intervenção da ré.
e) Como consequência directa e necessária dos comportamentos da ré, a autora viu-se obrigada a contratar terceiros para repararem os defeitos existentes, obrigando à raspagem e gravilhamento de todo o pavimento, devido aos defeitos causados pela intervenção da ré.
f) A autora teve gastos com a contratação de terceiros, e com a aquisição de material para reparar o que estava mal feito.
g) Com a reparação do pavimento, a autora teve uma despesa no valor de € 17.566,00.
h) Com os materiais aplicados na reparação do pavimento, a autora teve despesa total de € 1.911,79, melhor descrita nas facturas juntas a fls. 15 verso a 16 verso.
i) A autora teve de recolocar funcionários que deveriam estar adstritos a outras obras, na reparação destes defeitos.
j) Atrasou a entrega da obra em quase um ano.
k) Teve de adquirir os materiais a outra empresa, em condições mais gravosas.
l) Toda a situação gerou ofensa do seu prestígio e bom nome comercial.
m) Aquando do referido em 19) dos Factos Provados, a ré alertou a autora de que o piso existente não iria suportar a humidade ascendente.
n) E alertou que a referida humidade iria provocar danos que seriam ampliados sobretudo devido à inexistência de juntas de dilatação que permitissem uma melhor reacção do piso à humidade natural do local.
o) Os empolamentos referidos em 24) dos Factos Provados, deveram-se à inexistência de juntas de dilatação.».
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2.2). Do mérito do recurso.
A). Da nulidade da sentença.
A1). Oposição entre fundamentos e decisão.
A recorrente alega que a sentença é nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, c), 1.ª parte, do C. P. C. (os fundamentos estão em oposição com a decisão) por não perceber, quais os fundamentos lógicos que levaram o tribunal a dar como provado simultaneamente o facto n.º 19 e 20 e o facto não provado m).
Ora, a contradição que pode acarretar a nulidade de sentença é aquela que exista entre os seus fundamentos e a decisão e não quando há contradição entre factos; neste último caso poderá existir um erro de julgamento que poderá ter de ser corrigido.
Assim, desde logo improcede este pedido de nulidade.
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A2). Ambiguidade que torna a decisão ininteligível (artigo 615.º, n.º 1, c), 2.ª parte, do C. P. C.).
A recorrente alega que a decisão é ambígua pois, por um lado, o tribunal reconhece que ocorreu incumprimento definitivo da parte da Ré em realizar a obra para que foi contratada e, por outro lado, negou-se qualquer direito à Autora por ter partido o chão e construído um novo chão que se considerou ser uma obra nova.
Mais afirma a recorrente que a referida obra nova não o é, sendo o mesmo piso.
Ora, não há qualquer ambiguidade na decisão que julga improcedente a ação (o artigo em causa fulmina com nulidade a decisão que seja ambígua) pois é clara e não deixa lugar a dúvidas.
Se a fundamentação jurídica foi a correta para assim se concluir é que pode dar origem a, mais uma vez, um erro de julgamento, que será apreciado no local próprio (análise da matéria jurídica do recurso).
Improcede assim também esta arguição.
*
B). Impugnação da matéria de facto.
Alíneas a), b) e g).
Vejamos então.
«a) A máquina referida em 8) dos Factos Provados era de gama inferior à primeira, e não era uma máquina industrial.
b) Foi o uso dessa máquina não industrial, e a utilização de material cimentício barato e fraco que originou a má execução dos trabalhos.».
A recorrente pretende que tais factos sejam dados como provados.
O tribunal recorrido, sobre os mesmos, mencionou que:
«Quanto à questão da troca de máquinas usadas pela ré na realização dos trabalhos, todos os inquiridos confirmaram o facto, que a ré também não nega, sendo que, todavia, nenhuma prova minimamente consistente e fundada se produziu quanto à alegada menor capacidade da segunda máquina utilizada, e muito menos, da relação de causa-efeito entre o uso dessa máquina e os defeitos que o pavimento voltou a ostentar. O gerente da ré disse que a segunda máquina até tinha mais capacidade destrutiva da pintura, na medida em que retirava 0,5 cm, ao passo que a primeira retirava 0,3 cm. No mesmo sentido, depuseram as testemunhas EE (gerente de uma empresa contratada pela ré para fazer os trabalhos em questão, e que disse que, enquanto que a primeira máquina só desgastava, a segunda arrancava) e FF (trabalhador da empresa da testemunha EE, que disse que as duas máquinas cumpriam exactamente a mesma função). Em sentido contrário, a testemunha GG disse que, enquanto que a primeira máquina removia o material empolado, a segunda apenas raspava, sem remover o material por baixo, referindo ser uma máquina com menos força, que só limpava e não arrancava, mas que a autora lhe assegurou que o trabalho ficaria bem feito. A testemunha CC disse que a segunda máquina não arrancava, só riscava, referindo ter sido o “descalabro” a partir dessa substituição das máquinas. Mais disse que foi o Eng.º AA quem o alertou para essa substituição. Ora, a ter a testemunha constatado que a segunda máquina não estava a fazer o trabalho necessário, da forma tão ostensiva como quis fazer crer, não se percebe por que razão não chamou a ré à atenção, ao invés de ter assegurado ao seu dono de obra que iria ficar tudo bem. Certo é que a testemunha acabou por admitir que não percebia nada de máquinas, dizendo só saber que a primeira máquina era mais potente, porque com a primeira, o trabalho estava bem feito, e com a segunda, não. A testemunha HH, que foi trabalhador da autora, disse que ia abrir as portas do local à ré. Disse ter visto uma primeira máquina mais pesada, que arrancava o chão, e depois veio outra mais pequena, que pensa que não teria a mesma precisão e a força da primeira, embora não possua conhecimentos técnicos na matéria. Mais disse que as bolhas que vieram a surgir, apareceram espalhadas pelo chão todo. O que levanta a questão: se a primeira máquina fez um trabalho diferente – para melhor – do que a segunda máquina, então seria de esperar que na zona onde aquela operou, não se tivessem verificado os danos que são imputados à segunda. Seja como for, nenhuma prova foi produzida quanto às características técnicas das máquinas, e a prova que foi produzida quanto ao trabalho realizado pelas mesmas foi, como vimos, contraditória entre si, havendo duas versões opostas, e não dispondo o Tribunal de razões válidas para conferir maior credibilidade a uma do que a outra, sem conhecer as concretas máquinas em questão, razão pela qual a dúvida deve resolver-se contra a parte que alega o facto e a quem este aproveita – cfr. art.º 414º do CPC.».
Como se denota, pensamos ser injusta a classificação desta argumentação como sendo uma argumentação em que o tribunal se limitou a expender o que ali está referido pois está-se perante uma longa e minuciosa fundamentação de facto.
Depois, concordamos na íntegra com a mesma, nada havendo de estranho em se ficar com dúvidas sobre a qualidade do desempenho de duas máquinas diferentes quando há trabalhadores que mencionam que as duas conseguiam realizar o trabalho com qualidade, ainda que da parte da Ré e outro (engenheiro AA) se negue essa equiparação mas sem existir o mínimo de dados técnicos que permitam concluir positivamente de algum modo.
Não basta afigurar-se que uma máquina não está a desempenhar corretamente o serviço ao invés de uma outra, tem de se demonstrar que por causa da potência, tipo de lâmina, força de penetração, entre certamente outras variantes onde se inclui o uso que e dada a uma e outra, a finalidade não era atingida por causa desse mesmo instrumento. E essa demonstração não está feita nos autos, não sendo pelos depoimentos destas testemunhas (umas, aqui com razão o refere a recorrente, com alguma parcialidade pois as indicadas pela Ré poderão não querer admitir que usaram algo que não era adequado para o serviço; outras que assumem que não são conhecedores de especificações técnicas sobre as máquinas - AA -. Se a situação fosse facilmente detetável, certamente o engenheiro que seguia a obra não teria permitido que assim se prosseguisse.
Mesmos os excertos de prova indicados pela recorrente não alteram esta conclusão: não há certezas sobre se a utilização daquela máquina pode ter contribuído para os defeitos que se vieram a manifestar, ao que se julga, todos relacionados com humidade (facto 24, bem como facto 18 onde consta o pagamento por um estudo de pontos de humidade na obra, além do depoimento de FF que referiu que a solução para os empolamentos era retirar todo o piso que, diga-se, foi o que acabou por ser realizado).
O problema até pode resultar do mau desempenho da Ré e aqui atrevemo-nos a referir que este ponto, em rigor, é irrelevante, pois provando-se que a obra apresenta patologias, não importa dar como provado que advém do uso de uma máquina; o que importa é que se demonstre que não advém de culpa da, no caso, subempreiteira artigo 342.º, n.º 2, do C. C.), sendo que a Ré não alegou (obviamente) que o problema advinha de uma máquina que usou (antes o nega e alega que a segunda máquina até seria de melhor qualidade – artigos 35.º e 36.º, da contestação).
De qualquer modo, afigura-se-nos que a causa da patologia terá sido a falta da devida atenção a humidade existente no local e qualidade do trabalho e dos materiais empregues, não havendo a prova tão concretizada que foi o uso de uma máquina a contribuir para essa patologia.
Deste modo, apesar de irrelevante, mantém-se a redação deste facto.
g). Com a reparação do pavimento, a autora teve uma despesa no valor de € 17.566,00.
A recorrente pretende que tal facto seja dado como provado.
O tribunal recorrido mencionou o seguinte: «Também a testemunha GG confirmou que a solução final acabou por ser a demolição do pavimento existente e a construção de um pavimento industrial, o que foi feito por altura da Páscoa de 2021. Disse que foi levantado todo o pavimento, que deixou de ser pintado e passou a ser um pavimento industrial. Justificou a obra, dizendo que o cliente precisava de meter umas tubagens, e então aproveitou para fazer um pavimento industrial, para ter a certeza de que ficava mais resistente. Decorre do depoimento desta testemunha que, até à construção do novo pavimento industrial, os problemas do pavimento anterior nunca ficaram resolvidos, seja por intervenção da ré, seja por intervenção da autora ou de terceiros por esta contratados, tendo sido a nova construção a solução final encontrada para resolver os problemas. Daí que não nos convenceu o documento de fls. 15, junto pela autora – “Auto de Reparação e Pintura de Pavimento”, datado de 11/7/2021, data posterior à construção do novo pavimento industrial. Nem faria sentido que a autora procedesse a uma reparação de defeitos de um pavimento que era para logo destruir. Ainda assim, admitimos como provado, pelo docs. juntos a fls. 13 e 14, conjugados com o depoimento da testemunha CC, que a autora tenha solicitado orçamento para reparação do pavimento a uma terceira empresa, e que esta tenha feito ensaios à humidade existente no local
A recorrente pretende que se dê como provado esse prejuízo e, se bem percebemos, terá (Autora) acordado com o dono da obra que, demolindo este o piso (porque assim o entendeu fazer), teve a mesma Autora de realizar trabalho, provavelmente em valor equivalente ao serviço que tinha prestado.
Mas o que importa provar é o que se alega e a Autora menciona na petição inicial que como consequência direta e necessária dos comportamentos da Ré, a Autora viu-se obrigada a contratar terceiros para, por sua vez, repararem os defeitos existentes – artigo 22.º -.
Ora, desde logo pelos excertos dos depoimentos juntos pela recorrente, não se verifica essa contratação para reparar defeitos, mas antes que uma terceira entidade (dona da obra) decidiu que a solução era fazer um novo piso, diferente e que, por ter de o fazer, a Autora tinha de compensar a mesma dona de obra, realizando serviços (a Autora alega, no recurso, que foram os mesmos que tinham sido atribuídos à Ré, ou seja, polimento, pintura e estragos nas paredes, estes últimos extravasando o contratado com a Ré).
Sucede que não está demonstrado (nem sequer devidamente alegado) que a solução técnica correta para corrigir o defeito do pavimento fosse fazer todo um novo piso; eventualmente a construção desse novo piso, com outras características (de acordo com o orçamento referido no facto 16 e 17, com mais epoxy e melhor qualidade de cimento) sanaria essas vicissitudes mas a questão é a de saber se era a única ou se haveriam outras que as poderiam debelar.
Não se sabendo se a construção de um novo piso era a solução técnica acertada para reparar o defeito, não se pode concluir que para o reparar a Autora tenha sofrido o prejuízo que alega, não só porque não se apura que tenha contratado pessoas para efetuar essa reparação dos defeitos como o novo piso não se pode considerar a única reparação adequada.
Assim, foi correta a não prova deste facto, improcedendo a argumentação.
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C). Do eventual erro de julgamento por contradição entre factos.
Já mencionamos o que está em causa quanto:
C1). Factos 19 e 20 e facto não provado m).
Os dois primeiros referem que no início da obra, a Ré alertou os responsáveis da autora de que aquele era um local com muita humidade ascendente (19) e que, por esse motivo, a pintura que deveria ser aplicada no pavimento deveria ser uma tinta epóxi de base aquosa, que referiu ser mais adequada a pisos com humidade ascendente (20).
Mencionou assim a Réu que havia humidade ascendente no local onde ia ser aplicado o piso e aconselhou o tipo de tinta a ser aplicada.
No terceiro refere-se que não se apura que a Ré tenha alertado a Autora de que o piso existente não iria suportar a humidade ascendente.
Ora, como mencionou o tribunal em despacho que se pronunciou sobre a alegada nulidade, fazer referência a que o local tinha muita humidade e que deveria ser aplicada um determinado tipo de tinta não contradiz que não se tenha apurado que a Ré tenha alertado também que o piso não suportava essa humidade.
Ali refere-se a humidade e a necessidade de mudança de tinta que se teria escolhido; aqui estaria a referir-se ao piso e eventual mudança do mesmo (se o que lá se encontrava não suportava, é porque teria de ser alterado). São duas situações diferentes e, por isso, não são contraditórias.
Improcede assim este argumento.
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D). Da análise jurídica.
Está corretamente definido que a Autora e a Ré celebraram entre si um contrato de subempreitada que é o contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou uma parte dela – artigo 1213.º, do C. C. -.
A decisão recorrida explana em que consiste este contrato, importando então agora aferir o que foi contratado entre Autora e Ré.
E resultou provado que:
. A Autora foi subcontratada pela empresa “C..., S.A.” para efetuar trabalhos nas instalações da empresa “D...” em ... (facto 3), nomeadamente para, entre outros trabalhos, proceder à reparação e pintura do pavimento, que apresentava empolamentos e desagregações do piso (facto 4).
. Por sua vez, a Autora subcontratou a Ré para efetuar esses trabalhos (facto 5), sendo que a Ré foi contratada para retirar a pintura já existente, reparar o pavimento e repintá-lo (facto 6).
Temos assim que a Ré foi contratada para retirar a pintura que já existia num pavimento, reparar esse mesmo pavimento onde, obviamente, houvesse necessidade de o fazer (para solucionar a sua desagregação e evitar o empolamento da pintura) e depois voltar a pintar o pavimento.
Definida a obra que tinha de realizar, é igualmente pacífico que a mesma acabou por apresentar patologias, vicissitudes, defeitos que fazem com que não se possa considerar perfeitamente acabada – se apresenta empolamento da tinta, que era precisamente o que se pretendia evitar, a obra tem de se considerar defeituosa – factos provados 10, 13, 14, 23 a 25 -.
E a única questão que a Autora/recorrente suscita é que, existindo esses defeitos e conferindo-lhe a lei direito a poder realizar uma obra nova, não entende como é que o tribunal não lhe confere o direito a receber o valor que teve de pagar à dona da obra quando assumiu que ia construir um novo piso (como já acima referimos).
O tribunal recorrido, sobre este ponto, menciona que:
. «…a autora, alegando que a ré realizou obra defeituosa, e que não logrou eliminar os defeitos da obra, peticiona uma indemnização pelo valor dos trabalhos que alega ter adjudicado a terceiro, para eliminação dos defeitos.
Sucede que não provou a autora ter contratado terceiro para eliminação dos defeitos da obra.
O que ficou provado foi que a autora, cerca de meio ano depois da última intervenção da ré, fez uma obra totalmente nova: destruiu todo o pavimento existente (e não apenas a camada da pintura), e construiu um pavimento novo, do tipo industrial, mais adequado a resistir à humidade existente no local. Trata-se claramente de obra diversa daquela que fora antes adjudicada à ré, que estava incumbida da mera reparação de um pavimento existente e repintura do mesmo.
Pese embora a ré não tenha logrado proceder à reparação definitiva do pavimento, devido aos problemas de humidade verificados no local, nem por isso assistirá à autora o direito de obter daquela o pagamento de obra nova, correspondente a um pavimento novo e diferente daquele que existia anteriormente.
A autora, perante o fracasso da ré na eliminação dos defeitos do pavimento – defeitos esses que já existiam antes da obra da ré, e que voltaram a aparecer depois da obra – realizou obra nova e diversa. Note-se, contudo, que a ré não tinha sido contratada para realizar um pavimento completamente novo e diverso do existente, ou seja, um pavimento industrial feito de raiz. A ré foi, ao invés, contratada para fazer obras de reparação de um pavimento já existente.
A autora procedeu a obra completamente nova e diversa daquela que fora encomendada à ré. E não se pode considerar que a autora, ao assim agir, fez actuar o direito do dono de obra a exigir do empreiteiro nova construção, conforme previsto na parte final do nº 1 do art.º 1221º do Código Civil. Na verdade, tal direito pressupõe que os defeitos sejam devidos aos trabalhos realizados pelo empreiteiro. No caso dos autos, os defeitos são os mesmos que pré-existiam no pavimento, e que demandaram a necessidade de contratar a realização de obras tendo em vista a sua eliminação. A obra da ré apenas se pode dizer defeituosa, porque não conseguiu eliminar os defeitos. Mas não se trata de defeitos “novos”, que tivessem surgido por causa da obra da ré. São, antes, defeitos “velhos”, que a ré, apesar de se ter proposto a tal, não conseguiu eliminar. E esse fracasso da ré, na eliminação desses pré-existentes defeitos, não pode dar à autora, como está bom de ver, o direito à realização de uma obra nova, às custas da ré.».
Pensamos que a conclusão do tribunal recorrido acaba por ser a correta. Na realidade, a Ré, assumindo a realização de uma obra, tem de a realizar sem patologias de modo a torná-la funcional; tal não sucedendo, como não sucedeu, tem (no caso) o empreiteiro o direito de exigir, sucessivamente, ao subempreiteiro a eliminação desses defeitos por este ou, pedir a realização de nova obra (artigo 1221.º, n.º 1, do C. C.).
Em certos casos (tal como foi entendido pelo tribunal recorrido), que pensamos que sucederia na situação em análise, pode o empreiteiro eliminar o defeito (por si ou contratando terceiro para o efeito); notoriamente tal ocorre quando se está perante um caso de urgência ou quando, como no caso concreto, em que ao fim de três reparações, o defeito permanecia, demonstrando o subempreiteiro inabilidade para realizar perfeitamente a obra e assim incumprindo definitivamente essa obrigação (João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra, página 118: Também deverá ser encarada como uma situação de incumprimento definitivo, a hipótese do empreiteiro não ter logrado eliminar o defeito, apesar de ter efetuado trabalhos com esse objetivo, não tendo o dono da obra o dever de lhe conceder mais oportunidades.).
E foi essa a alegação da Autora – contratou um terceiro para eliminar os defeitos -; mas tal como já analisamos, essa matéria não se prova, tendo-se provado algo diverso: a Autora contratou uma empresa para realizar todo um piso diferente – facto provado 30 – em finais de março de 2021, a Autora demoliu todo o pavimento existente, e construiu um novo pavimento, de tipo industrial, mais adequado a resistir à humidade -.
Ou seja, a Autora não se limitou a reparar, por si, os defeitos que a obra apresentava, construindo antes um novo piso.
Não está em causa, na nossa opinião, que por ser uma obra diferente a Autora já não terá qualquer direito em relação à Ré por causa dos defeitos em causa.
Por um lado, podia realizar uma obra nova e reparar os defeitos e pedir à Ré que suportasse apenas o pagamento da quantia resultante da eliminação e não de toda a obra.
Por outro lado, construindo-se uma obra nova, para a Autora o poder fazer e também poder exigir à Ré o seu custo total, tem de demonstrar-se que a eliminação dos defeitos não era suficiente para a obra se apresentar sem defeitos, conforme artigo 1121.º, n.º 1, do C. C. – se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono da obra pode exigir nova construção -.
Esta faculdade está dependente da alegação e prova de que os defeitos não podem ser eliminados e que, por isso, tem de se proceder a uma reconstrução, pelo que, sendo constitutivo do direito da Autora a impossibilidade de eliminação de defeitos, tem de ser a mesma a prová-la – artigo 342.º, n.º 1, do C. C. -.[1]
Essa prova não foi realizada – não se apura que para os empolamentos desaparecerem, tinha de se construir um novo piso -.
Se se tivesse apurado que a eliminação dos defeitos era impossível, a Autora não estava impedida de realizar uma obra diferente, quiçá de melhor qualidade e aproveitando para realizar obras complementares; podia era, como vimos, ver limitado o valor exigível à Ré por se ter de definir, nessa nova obra, qual a parte que correspondia ao necessário para que, no caso, a Autora/empreiteira ficasse com uma obra sem defeito. E, depois de se saber qual o valor exigível/correspondente à realização de nova construção, então poderia vir a indagar-se se esse valor era desproporcionado em relação ao proveito obtido pelo empreiteiro.
Não se trata de se realizarem mais obras do que as necessárias e a Ré ter de demonstrar que o valor é desproporcionado; trata-se de, sabendo-se o valor necessário para construção de obra que faça cessar o cumprimento defeituoso, aferir se esse valor, ainda assim, se pode considerar desproporcional tendo por base as premissas do artigo 1221.º, n.º 2, do C. C..
A recorrente, nas alegações de recurso, liga essa desproporção aos trabalhos que teve de fazer depois da demolição do piso, mas, antes dessa análise, teria que ter demonstrado ou que o que efetuou foi uma simples eliminação de defeitos ou que os defeitos não eram passíveis de eliminação, sendo necessária a construção de uma obra nova e determinar-se o âmbito desta; fixado o valor desta, aí sim, competia à Ré demonstrar aquele excesso de valor.
Mas, como vimos, não há prova nem que a Autora tenha eliminado os defeitos, mas antes que se optou por se realizar algo diverso nem que os defeitos não podiam ser eliminados, pelo que não pode a Autora pedir um valor correspondente à mesma, que foi o que pediu.
E essa falta de prova da impossibilidade de eliminação de defeitos também afasta o pagamento dessa quantia a título da indemnização prevista no artigo 1223.º, do C. C. pois esta reserva-se para os casos em que a eliminação do defeito, realização de nova construção, redução de preço ou resolução do contrato não logram satisfazer o prejuízo do, no caso, empreiteiro face ao subempreiteiro.
Como refere João Cura Mariano, ob. citada, página 103, «este direito de indemnização é residual relativamente aos direitos de eliminação dos defeitos, de realização de nova obra, de redução do preço e de resolução do contrato. O dono da obra só tem direito de indemnização, nos termos do artigo 1223.º do C. C., relativamente aos prejuízos que não obtiverem reparação através do exercício daqueles outros direitos, pelo que pode ser exercido cumulativamente com o exercício desses direitos, ou isoladamente, nas hipóteses em que se revela o único meio de reparação do prejuízo resultante da existência do defeito.».
Tanto abrange danos emergentes como lucros cessantes; o que importa é que o dono da obra (no caso, o empreiteiro) seja colocado na situação em que estaria se não houvesse defeito na obra (veja-se o Ac. do S. T. J. de 10/12/2013, rel. Gregório de Jesus, com fundamentação precisa sobre esta matéria, www.dgsi.pt).
Por um lado, não está provado que através da eliminação de defeitos ou até, se esta fosse impossível, pela nova construção, todo o prejuízo resultante da alteração do piso não pudesse ser debelado; por outro lado, não se provam outros prejuízos alegadamente sofridos pela Autora (por exemplo, os não patrimoniais).
Assim, a decisão de absolvição da Ré foi clara e no pressuposto de que a Autora não tinha direito a pedir o valor em causa por falta de prova dos elementos essenciais do direito que invocou.
Conclui-se deste modo pela improcedência do recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
*
3). Decisão.
Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente o recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente,
Registe e notifique.

Porto, 2023/03/09.
João Venade
Paulo Duarte Teixeira
Ana Vieira
___________
[1] Ac. R. P. de 02/10/2007, rel. Henrique Araújo, www.dgsi.pt: II- O direito de exigir nova construção tem como pressuposto que os defeitos não sejam elimináveis, o que terá de ser alegado e demonstrado pelo dono da obra.