SENTENÇA CONFIRMADA EM RECURSO
RECURSO DE REVISÃO
TRIBUNAL COMPETENTE
INDEFERIMENTO LIMINAR
REMESSA DO PROCESSO AO TRIBUNAL COMPETENTE
Sumário

1. Nos termos do art.º 697.º n.º 1 do C.P.C., o recurso extraordinário de revisão deve ser interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever, que é o Tribunal da Relação nos casos em que este confirmou uma sentença do Tribunal de 1.ª instância.
2. O Art. 99.º n.º 2 do C.P.C. não tem aplicação nos casos em que o processo termina logo com o indeferimento liminar da petição inicial por se reconhecer a incompetência absoluta do tribunal.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

A, com benefício de apoio judiciário, veio intentar o presente recurso extraordinário de revisão, ao abrigo dos Art.s 696.º alínea c) e 697.º n.º 2 “a contrario”, ambos do C.P.C., o que faz por apenso à ação de condenação, que correu termos em processo declarativo comum no Juízo Central Cível de Sintra, que o próprio havia instaurado contra Luís Alberto Belo dos Santos, no âmbito da qual o R. foi absolvido do pedido, por sentença que posteriormente veio a ser confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
Para tanto, em obediência ao Art. 679.º n.º 1 do C.P.C., formulou as seguintes conclusões:
A) A Sentença de que se recorre andou mal ao absolver o Réu/Recorrido do pedido;
B) Esgotado o prazo de recurso ordinário, restará ao Autor/Recorrente lançar mão de um recurso de revisão – art. 696º do CPC;
C) Nos termos da alínea c) de tal preceito, a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;
D) Na verdade, comecemos pela junção de documentos que são parte de um Processo Disciplinar por participação do Recorrente à Ordem dos Advogados contra o Recorrido;
E) Estranhamente arquivado por prescrição;
F) Razão pela qual requereu junto de tal instituição a passagem de certidão completa de tal processo;
G) Além de se ter deparado em pesquisas com outros processos disciplinares movidos contra o Recorrido e que fazem com que o mesmo esteja Inativo no exercício da Advocacia;
H) E ainda com o facto de ter sido decretada a sua Insolvência sem que nada tenha sido comunicado aos autos, nomeadamente, para efeitos de o Recorrente reclamar o seu crédito;
I) Além de se manter na posse de documentos fornecidos pelo Recorrente sem prejuízo de já lhe ter sido pedida a devolução;
J) Tudo factualidade melhor demonstrada documentalmente e que muito revelam a conduta do Recorrido no exercício da sua atividade profissional para com o Recorrente;
K) Conduta reprovável e marcada por omissões lesivas para o interesse do Recorrente, como melhor se demonstrou nestes autos;
L) E mais do que se apontar para hipotéticos resultados que a sua conduta podia ter levado, concretamente foram inadequados os meios empregues;
M) Como V. Exa. não poderá ignorar.
Pediu assim que a sentença revidenda fosse revogada e substituída por outra que condene o Recorrido nos exatos termos peticionados na petição inicial.
A petição inicial veio a ser objeto de despacho de indeferimento liminar datado de 12 de maio de 2020 (cfr. fls 31 a 31 verso), com o seguinte teor:
«Refere o art. 699.º n.º 1 do Código de Processo Civil que sem prejuízo do disposto no n.º 1 do art. 641.º, o Tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão.
«Assim, vem aos autos o Recorrente interpor o presente recurso de revisão da sentença proferida nos mesmos alegando a junção de documento que não tinha conhecimento, ou de que não podia fazer uso e que, por si só, é suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à sua pretensão, tudo nos termos e para os efeitos do exposto no art. 696.º al. c) do Código de Processo Civil.
«Para tanto juntou documentos que são parte de um Processo Disciplinar por participação do Recorrente à Ordem dos Advogados do aqui Recorrido, entretanto arquivado por prescrição, razão pela qual requereu junto da mesma passagem de certidão completa de tal processo.
«Ora, analisada a documentação junta aos autos, não se consegue depreender de que modo é que um processo disciplinar arquivado por prescrição contém elementos que impõem a este Tribunal, agora em sede recursiva, a prolação de uma decisão mais favorável à pretensão do Recorrente.
«É que, por um lado, o Tribunal não está vinculado às conclusões que eventualmente se tenham alcançado num processo disciplinar, sendo que o mesmo, reitere-se, foi arquivado por prescrição.
«Realizou-se uma audiência de julgamento nos presentes autos, tendo a sentença proferida sido em conformidade com a prova nela realizada sendo que nada do que agora foi junto permite ao Tribunal retirar qualquer conclusão no sentido pretendido pelo Recorrente.
«Nenhum (mas absolutamente nenhum) dos documentos juntos permitem, sequer, retirar algo que sustente a mais ténue ideia de admissão liminar do presente recurso que se pretende que seja excecional.
«Ter conhecimento que o Recorrente, Autor nos autos, apresentou participação disciplinar contra o Recorrido, Réu nos autos, e que tal processo foi arquivado por prescrição, tendo o mesmo diversos processos de idêntica natureza a correr termos contra si assim como, saber que o mesmo foi declarado insolvente sem que tal tenha sido comunicado aos presentes autos em nada contribui para sustentar a mais ténue ideia de que, devido a tal documentação, o Tribunal poderia modificar a decisão já transitada em julgado em sentido mais favorável à sua pretensão.
«Face ao exposto, indefere-se liminarmente o recurso interposto, tudo nos termos e para os efeitos do exposto no art. 699.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
«Custas pelo Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 2 Ucs (cfr. art. 527.º do Código de Processo Civil).
«Notifique.»
É desse de despacho que o A.-Recorrente vem interpor recurso de apelação, sobrelevando das suas alegações as seguintes conclusões:
A) O Acórdão de que se recorre pura e simplesmente faz uma interpretação restritiva do art. 696º c) e 697º, nº 2 c) do CPC;
B) Entendendo que os documentos juntos não alteram o sentido decisório;
C) Tendo-se pelo presente reiterado que tais documentos são a concretização prática dos factos alegados pelo Recorrente ao longo do processo;
D) Nos presentes autos demonstrou-se um comportamento inadequado do Recorrente e violação de regras profissionais que trouxeram graves consequências na esfera jurídica do Recorrente;
E) Nesse sentido juntou-se comunicações ocorridas no seio de um Processo Disciplinar em que o Recorrente foi Participante e o Recorrido visado;
F) Arquivado sem que sequer se discutisse a matéria ou o mérito;
G) Sendo certo que também foram juntos documentos comprovativos de outros procedimentos disciplinares que originaram, entre outras consequências, que o Recorrido fosse expulso da Ordem dos Advogados;
H) Factualidade que não é se não o corolário da conduta imprópria do Recorrido demonstrada nestes autos;
I) E mesmo que se aceite a autonomia judicial face à decisão disciplinar, não restam dúvidas do peso enorme de tais documentos na inversão do sentido decisório;
J) Para o que releva ainda documento em como foi decretada a Insolvência do Recorrido sem que nada tenha sido pelo mesmo comunicado a estes autos, nomeadamente, para efeitos de o Recorrente reclamar o seu crédito;
K) Além de o Recorrido manter na sua posse documentos pessoais fornecidos pelo Recorrente sem prejuízo de já lhe ter sido pedida a devolução – conforme documento que juntou;
L) Tudo factualidade cabalmente demonstrada documentalmente e muito espelha a conduta do Recorrido no exercício da sua atividade profissional também para com o Recorrente;
M) Conduta reprovável e marcada por omissões lesivas para o interesse do Recorrente, como melhor se demonstrou nestes autos;
N) E mais do que se apontar para hipotéticos resultados que a sua conduta podia ter levado, concretamente foram inadequados os meios empregues;
O) Como V. Exa. não poderá ignorar.
Pede assim que a sentença recorrida seja revogada e substituída por decisão que admita o recurso de revisão e ordene a prossecução dos autos com os seus ulteriores tramites.
Admitido o recurso de apelação e tendo os autos subido e sido distribuídos neste Tribunal da Relação de Lisboa, foram os autos conclusos ao relator que, por despacho de fls 264 a 265, chamou a atenção para o facto de, antes de mais, se suscitar a questão da incompetência absoluta do Tribunal a quo para proferir o despacho liminar recorrido, o que era uma questão nova, de conhecimento oficioso, que obstaria ao conhecimento do mérito da apelação. Assim, para esse efeito foi concedido às partes um prazo de 10 dias para se pronunciarem sobre a matéria da incompetência absoluta, em respeito pelo disposto no Art. 3.º n.º 3 do C.P.C..
Apenas o Recorrente usou dessa faculdade, manifestando a sua discordância com a solução proposta pelo relator e, considerando que o recurso sempre teria de ser distribuído no Tribunal da Relação, onde se encontra pendente, deveria o processo ser remetido para redistribuição, por via da economia processual, aplicando-se o Art. 99.º n.º 2 do C.P.C.. Pelo que, requer a redistribuição do presente apenso e a sua afetação a uma Secção do Tribunal da Relação para sobre o mesmo ser proferida decisão.
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II- QUESTÕES A DECIDIR
Decorre do exposto que as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a) A incompetência absoluta do Tribunal Recorrido para conhecer do recurso de revisão extraordinária que tem por objeto sentença que foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação;
b) A admissibilidade da redistribuição do recurso de revisão extraordinária no Tribunal da Relação; e
c) Os fundamentos do indeferimento liminar da petição de recurso extraordinário de revisão, em função do disposto nos Art.s 699.º e 696.º al. c) do C.P.C..
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes ao conhecimento da exceção de incompetência absoluta, em função do articulado na petição inicial, são os seguintes:
1) O A. instaurou contra o R. uma ação de condenação, em processo declarativo comum, a qual correu termos como proc. n.º 892/12.0TVLSB.L1, no Juízo Central Cível de Sinta – Juiz 4 – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, tendo essa ação sido julgada improcedente por não provada;
2) O A. recorreu dessa sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde foi distribuído na 6.ª Secção, à Sr.ª Juíza Desembargadora Maria de Deus Correia, tendo aí sido proferido acórdão de 26 de fevereiro de 2015 (cfr. fls 263) que confirmou a sentença recorrida;
3) O A. pretendeu recorrer desse acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, mas o respetivo recurso de revista não foi admitido por haver dupla conforme, nos termos do Art. 671.º n.º 3 do C.P.C..
IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Da incompetência absoluta.
Conforme o relator já havia deixado expresso no despacho de fls 264 a 265, antes de apreciar o mérito da apelação apresentada pelo Recorrente, suscita-se a questão prévia do Tribunal a quo não ter sequer competência para proferir o despacho recorrido.
Independentemente do facto de até concordarmos plenamente com os fundamentos do despacho recorrido que determinou o indeferimento liminar do presente recurso de apelação, ocorre que o Tribunal de 1.ª Instância que assim decidiu não tinha competência para o fazer.
Efetivamente, constatamos que o presente recurso de apelação tem por objeto um despacho de indeferimento liminar duma petição inicial de recurso extraordinário de revisão apresentada em apenso a ação de condenação que correu termos em processo declarativo comum, onde foi proferida sentença transitada em julgado que absolveu o R. do pedido formulado pelo A.. Sucede que, dos próprios termos da petição inicial do recurso, que foi objeto do despacho ora recorrido, resulta que essa sentença revidenda foi, ela também, objeto de oportuno recurso de apelação, o qual foi julgado por improcedente por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmou a decisão da 1.ª instância. Também decorre da mesma petição inicial de recurso extraordinário de revisão que o A., não se conformando com o acórdão do Tribunal da Relação que apreciou a apelação relativa à sentença revidenda, dele pretendeu recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, mas o recurso não foi admitido, por haver dupla conforme, nos termos do Art. 671.º n.º 3 do C.P.C.. Portanto, o Supremo Tribunal de Justiça não decidiu o recurso de revista interposto pelo A., tendo a decisão definitiva sobre o mérito da causa sido proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Assim sendo, a decisão judicial transitada em julgado pretendida rever pela via recursiva extraordinária, prevista nos Art.s 696.º e ss. do C.P.C., só pode ser o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e não a sentença proferida pela 1.ª instância. Em consequência, porque nos termos do Art. 697.º n.º 1 do C.P.C. o recurso extraordinário de revisão deve ser interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever, no caso, esse tribunal é o Tribunal da Relação de Lisboa, sendo a 1.ª instância incompetente em razão da hierarquia para apreciar a petição inicial (cfr. Art.s 68.º n.º 1, conjugado com o Art. 671.º n.º 1 e Art. 96.º al. a) do C.P.C.) e, consequentemente, para proferir o despacho ora recorrido.
Sobre a questão da competência dos tribunais superiores para os processo de recurso extraordinário de revisão relativos a acórdãos que proferiram, mesmo que as suas decisões tenham sido meramente confirmatórias das decisões recorridas, a jurisprudência encontra-se perfeitamente estabilizada, como decorre dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Junho de 2019 (Proc. n.º 15/10.0TTPRT-B.P1.S1), de 19 de outubro de 2017 (Proc. n.º 181/09.8TBAVV-A.G1.S1), de 19 de setembro de 2013 (Proc. n.º  663/09.1TVLSB.S1) de 8 de março de 2012 (Proc. n.º 970/05.2PEOER-C.S1), de 13 de março de 2009 (Proc. n.º 09P316), de 12 de fevereiro de 2009 (Proc. n.º 09B076), de 12 de fevereiro de 2004 (Proc. n.º 03B3461), de 18 de dezembro de 2003 (Proc. n.º 03B2840) e de 23 de março de 1992 (Proc. n.º 083337 – todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Assim, realçamos desde logo que no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de julho de 2019 foi decidido o seguinte: “Nos termos do art.º 697.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o recurso extraordinário de revisão deve ser interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever, que é o Tribunal da Relação nos casos em que este confirmou uma sentença do Tribunal de 1ª instância.” (vide Ac. do STJ de 05.06.2019, proc. n.º 15/10.0TTPRT-B.P1.S1, in www.dgsi.pt). No mesmo Acórdão são citados outros arestos do Supremo Tribunal de Justiça que corroboraram a mesma linha de pensamento, aí se dizendo que: “Neste sentido o recente acórdão de 19/10/2017 proferido no Processo n.º 181/09.8TBAVV-A.G1.S1 no qual se sumariou: «Tendo a sentença proferida em 1.ª instância sido impugnada e tendo a Relação proferido acórdão confirmatório da mesma, apreciando definitivamente a questão de facto e de direito controvertida, é à Relação que cabe conhecer do recurso extraordinário de revisão por ter proferido a decisão a rever (art. 697.º, n.º 1, do CPC).».
 Também realçou que no acórdão de 19/9/2013, proferido no processo n.º 663/09.1TVLSB.S1, se refere que: «Tratando-se de decisão proferida em recurso, a revisão compete ao tribunal superior (Relação ou STJ), pois foi esta – e não a dos tribunais inferiores – que transitou em julgado».
Em reforço deste entendimento temos ainda a doutrina que é unânime neste ponto.
Assim, Fernando Amâncio Ferreira (in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, Almedina, 8.ª edição, pág. 327) defende que, por interpretação sistemática, o recurso deve ser dirigido ao tribunal onde foi cometida a anomalia ou aconteceu a omissão que suporta o fundamento da revisão.
Ribeiro Mendes (in “Recursos em Processo Civil – Reforma de 2007”, pág. 201) sustenta que: «Tendo havido recurso da decisão da 1.ª instância confirmada pelo tribunal de recurso, deve entender-se que a decisão revidenda é a última decisão confirmatória».
Também Abrantes Geraldes (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 3.ª edição, pág. 454), ao anotar o Art.º 697.º do C.P.C., refere que: «Da norma decorre que a competência para a apreciação do recurso de revisão pode pertencer ao tribunal de 1.ª instância, à Relação ou ao Supremo Tribunal de Justiça. Tudo depende do órgão jurisdicional que proferiu a decisão transitada em julgado». Na verdade, uma vez que o nosso sistema de recursos está estruturado na regra da substituição (Art.º 665.º do C.P.C.) e não na cassação, em caso de recurso, a decisão definitiva que subsiste para todos os efeitos é a do tribunal superior.
Como sublinhava também Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. VI, 1981, pág. 379): «A revisão deve ser interposta perante o tribunal que proferiu a decisão a rever», pois «Não fazia sentido que se requeresse a revisão na 1.ª instância quando a finalidade era obter a substituição por outro de acórdão da Relação ou do Supremo». O mesmo autor dá o exemplo de a Relação confirmar a sentença de 1.ª instância e havendo recurso de revista que confirme o acórdão da Relação, o tribunal competente para a revisão seria o Supremo.
Há assim unanimidade na doutrina e jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça acerca desta questão, competindo o recurso de revisão extraordinário ao tribunal que proferiu a decisão transitada em julgado que se pretende rever, mesmo que esta se limite a confirmar decisão de instância inferior.
Em suma, por força do Art. 697.º n.º 1 do C.P.C., o tribunal competente para decidir o presente recurso extraordinário de revisão é o Tribunal da Relação de Lisboa, devendo, por analogia com o disposto no Art. 218.º do C.P.C., o processo ser atribuído ao mesmo relator que proferiu a decisão revidenda, sendo esse um dos motivos que deveriam ter justificado o indeferimento liminar do presente recurso, logo na 1.ª instância, ao abrigo do Art. 699.º n.º 1 do C.P.C..
Está em causa a violação duma regra que fixa a competência hierárquica dos tribunais (Art. 96.º al. a) do C.P.C.), sendo a questão da incompetência absoluta de conhecimento oficioso enquanto não transitar em julgado a sentença que conheça sobre o fundo da causa (Art. 97.º n.º 1 do C.P.C.) e, por isso, o Tribunal da Relação ainda dela pode conhecer, em tempo, por ser manifesto que o tribunal de 1.ª instância não poderia conhecer do mérito do presente recurso.
A consequência do reconhecimento da incompetência absoluta é a necessária absolvição do R. da instância ou o indeferimento liminar da petição de recurso, conforme os casos (Art. 99.º n.º 1 do C.P.C.). O que deve aqui ser decidido.
2. Da admissibilidade da redistribuição do recurso.
O Recorrente, veio chamar à colação o disposto no Art. 99.º n.º 2 do C.P.C., que permite ao A., no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão que reconheça a incompetência absoluta, requerer a remessa do processo para o tribunal onde a ação deveria ter sido proposta.
Efetivamente, esse preceito é uma decorrência do princípio da economia processual, mas tem como pressuposto que os autos se encontrem num adiantado estado da sua tramitação, pois só assim se justifica o aproveitamento do processado. Veja-se que esse preceito tem como pressuposto que a incompetência seja decretada «depois de findos os articulados». Por outro lado, a remessa ao tribunal competente depende, não só de requerimento do A., como do trânsito em julgado da decisão que reconhece a incompetência absoluta, como ainda do facto do R. não deduzir oposição fundada (v.g. Art. 99.º n.º 2 do C.P.C.). Ora, no caso, a petição de recurso extraordinário foi objeto de despacho de indeferimento liminar, antes sequer do R. ter sido citado para contestar. Pelo que, não só não findou a fase dos articulados, como a decisão que julga sobre a incompetência não transitou ainda em julgado, como o R. não chegou a intervir e, nessa medida, não tem de ser ouvido sobre a oposição ao assim requerido. Em suma, fundamentalmente o estado do processo não justifica a aproveitamento do processado. Pelo que, não poderá ser deferido ao assim requerido pelo Recorrente.
3. Dos fundamentos do indeferimento liminar.
Em função do decidido no ponto 1 do presente acórdão, mostra-se prejudicada a apreciação do mérito do despacho recorrido, por muito que se entenda que a decisão até deveria ser mantida (Art. 608.º n.º 2, 2.ª parte, “ex vi” Art. 663.º n.º 2 do C.P.C.). Pelo que, abstemo-nos de conhecer do mérito dessa decisão, não apreciando as conclusões apresentadas pelo Recorrente nas suas alegações de recurso sobre essa matéria.
V- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar o tribunal de 1.ª instância, que proferiu o despacho de indeferimento liminar da petição inicial do presente recurso de revisão extraordinário, incompetente em razão da hierarquia para proferir o despacho recorrido e, em consequência, é com este fundamento que julgamos indeferir liminarmente a mesma petição, nos termos dos Art.s 96.º al. a), 97.º n.º 1 e 699.º n.º 1 do C.P.C..
Mais julgamos desde já indeferir à requerida remessa para distribuição da petição inicial no Tribunal da Relação de Lisboa, ao abrigo do Art. 99.º n.º 2 do C.P.C., por não se verificarem os pressupostos legais da sua aplicação no caso concreto.
- Custas pelo Recorrente (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.), sem prejuízo da isenção de pagamento decorrente da concessão do benefício de apoio judiciário.
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Lisboa, 24 de novembro de 2020
Carlos Oliveira
Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva