SEGURO DE VIDA
DEVER DE INFORMAÇÃO
OMISSÃO
DECLARAÇÃO INEXACTA
ANULABILIDADE
Sumário


I - O artigo 24.º, n.º 1, da LCS, estatui um dever geral de informação pelo tomador ou segurado quanto a circunstâncias relevantes para a apreciação do risco.
II - Os artigos 25.º e 26.º da LCS distinguem as omissões ou inexatidões dolosas das omissões ou inexatidões negligentes.
III - A prestação de informações dolosas faz nascer o direito potestativo à anulação do contrato de seguro, o que na ação não foi exercido, mas, de forma concomitante, desobriga o segurador de cobrir o sinistro, nos termos do artigo 25º, nº3, da LCS., o que constitui um facto impeditivo que o segurador pode opor para negar o direito à prestação.
IV - O mesmo resultado se alcançará, com a qualificação do caracter negligente da omissão, a que corresponde a previsão do artigo 26.º, nº4, alínea b), da LCS, se resultar a essencialidade da informação para a decisão de contratar e a relação de causalidade entre a informação omitida e o sinistro verificado.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO

AA intentou contra EMP01... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. a presente ação declarativa sob a forma comum, pedindo que:

a) Seja judicialmente declarado que por via do contrato de seguro celebrado entre autora e ré o regime de exclusões do mesmo constantes se encontra excluído; ou

Subsidiariamente,
b) Seja judicialmente declarada a exclusão do contrato de seguro celebrado entre autora e réu a norma contratual constante do n.º 2 do artigo 6.º das Condições Gerais respetivas
E, em qualquer dos casos
c) Seja a ré condenada a pagar à autora a quantia de Eur 50.000,00 acrescida dos juros que calculados à taxa legal aplicável se vençam desde a citação e até integral e efetivo pagamento;
d) Seja a ré condenada a pagar à autora, a título de danos não patrimoniais, a quantia de Eur 5.000,00, acrescida dos juros que calculados à taxa legal aplicável se vençam desde a citação e até integral e efetivo pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese, a celebração de um contrato de seguro, intitulado “...”, ramo Vida, cuja vigência se iniciou em 25.05.2020, tendo ocorrido o evento seguro, a incapacidade da autora, recusando-se a ré a cumprir invocando cláusulas de exclusão que nunca lhe foram comunicadas ou explicadas.

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A Ré apresentou contestação, alegando que à data do preenchimento do questionário de saúde, a Autora tinha uma pré-existência clínica que não comunicou, o que constitui um risco excluído de todas as coberturas do contrato, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 6.º das Condições Gerais da apólice e que a Ré não aceitaria celebrar o contrato de seguro nos exatos termos e condições propostas se as respostas ao questionário clínico evidenciassem a existência de qualquer patologia. Acrescenta que foram prestados todos os esclarecimentos relativos ao contrato de seguro previamente à sua celebração.
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Foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo a Ré do pedido.
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Inconformada com a sentença, a Autora interpôs recurso, finalizando com as seguintes conclusões:

1. Na avaliação da prova testemunhal o Tribunal interpretou de modo incoerente o valor dos depoimentos das testemunhas, e as declarações de parte da autora, credibilizando o depoimento da testemunha BB e desvalorizando os demais.
2. O Tribunal recorrido valorou indevidamente o depoimento da testemunha BB, pois esta não revelou qualquer memória para o caso concreto e não conseguiu afirmar qual foi o procedimento que observou na contratação do seguro em discussão
3. O Tribunal recorrido considerou indevidamente que a testemunha BB não teria motivação em preencher de modo defeituoso o questionário médico, ignorando a motivação própria da actividade bancária de venda de produtos financeiros e seguros, como modo de obter os seus proveitos em juros e comissões,
4. Tendo na celebração do contrato de empréstimo e do contrato de seguro inter-vindo apenas a autora, a testemunha CC e a gestora BB, é do confronto destes depoimentos que se pode emitir um juízo sobre a demonstração dos factos alegados.
5. O facto julgado não provado na decisão recorrida na alínea a) deveria ter sido julgado provado, considerando o teor do depoimento da testemunha CC e as declarações de parte da autora, no confronto com os factos julgados provados 7), 8) e 12)
6. No caso em apreço a testemunha BB conhecia as prementes necessidades de tesouraria da sociedade EMP02..., que tornava mais permeáveis a essa sociedade as exigências do Banco para conceder um empréstimo, incluindo um seguro e instalação de alarme.
7. Os factos julgados não provados nas alíneas b) e) e f) deviam ter sido julgados provados.
8. A prova deste facto resulta do depoimento da testemunha CC e das declarações de parte da autora nos termos reproduzidos no corpo das alegações.
9. O Tribunal recorrido encontrou contradições entre o depoimento da testemunha CC e as declarações de parte da autora, que não consubstanciam verdadeiras contradições;
10. E valorou o depoimento da testemunha BB - que não tem memória desta contratação – desconsiderando as motivações comerciais supra descritas, que justificam uma regulação específica para os contratos pré-redigidos em geral e para a contratação de seguros em particular.
11. A autora não omitiu a sua situação de saúde, tendo dado conta da mesma à gestora bancária antes do preenchimento da proposta de seguro e no momento da contratação nenhuma questão lhe foi colocada sobre o seu processo oncológico.
12. Não há contradição absoluta que desqualifique um depoimento, se uma testemunha refere que depois de ter sido mencionada a situação oncológica da autora a gestora referiu que isso não impediria o seguro as declarações da autora que refere ter recebido da gestora de que se remeteria para a seguradora e depois se veria.
13. Na apreciação dos depoimentos o Tribunal deveria ter atendido ao grau cultural da testemunha a apreciá-lo nesse contexto.
14. Por isso também não existe contradição entre a declaração de que a autora foi “para a baixa” e as declarações de parte da autora que refere que na altura era doméstica, quando resulta de documento que nessa altura a autora já estava incapacitada, não podendo a expressão “baixa” ser entendida senão como incapacidade, em confronto com o facto provado 15)
15. A leitura feita pelo Tribunal das declarações de parte da autora no que concerne à sua altura, foi demasiado restritiva.
16. A autora não pode ficar vinculada às respostas dadas ao questionário médico preenchido num tablet e de que lhe não foi dada a possibilidade de ler, concretamente no que tange aos seus antecedentes oncológicos, porque sobre estes não lhe foi colocada qualquer questão.
17. Neste caso, não tem aplicação o regime do artigo 376.º do Código Civil.
18. Na apreciação desta questão o Tribunal desconsiderou o regime do n.º 3 do art.º 24.º do DL n.º 72/2008 de 16 de Abril
19. Por outro lado, a autora assinou o questionário convicta de que o mesmo traduzia a informação que havia dado e ficou convencida de que o contrato de seguro tinha sido aceite pela seguradora, quando recebeu desta carta contendo apólice que continha menção expressa de que quanto a ela, as exclusões não se aplicavam.
20. Por esse motivo não teve que reportar qualquer alteração ou correcção relativamente a essa apólice.
21. Não basta que a autora tenha uma percepção de que a sua situação de saúde possa constituir uma exclusão do contrato de seguro: é necessário que essa exclusão lhe seja cabalmente explicada e que a autora esteja completamente esclarecida no momento em que subscreve quer o questionário, quer a proposta de seguro.
22. A ré não fez prova de ter sido feita essa explicação.
23. O facto julgado não provado na decisão recorrida na alínea c) devia ter sido julgado provado na parte final da sua redação, ficando a figurar como facto provado “A gestora de conta que preencheu o questionário médico conhecia a situação de saúde da autora.”
24. A prova deste facto resulta do depoimento da testemunha CC e das declarações de parte da autora reproduzidos no corpo das alegações.
25. O facto julgado não provado na alínea d) dos factos julgados não provados, devia ter sido julgado provado em face do depoimento da testemunha CC e das declarações de parte da autora, conjugados com os factos provados 10) e 21) e al. i) dos factos julgados não provados.
26. O facto julgado não provado na alínea g) dos factos julgados não provados, devia ter sido julgado provado em face do depoimento da testemunha CC e das declarações de parte da autora, conjugados com os factos provados 7), 10), 12) e 21).
27. Os factos julgados provados 23) e 24) e 25) devem ser retirados dos factos provados na sequência do que se extrai das conclusões anteriores e da prova produzida que a recorrente invoca para alteração da matéria de facto que antecede.
28. Não há demonstração cabal de que o estado de incapacidade da autora era inevitável;
29. A fixação definitiva de incapacidade da autora e a determinação definitiva do grau dessa incapacidade ocorrem após a celebração do seguro, nada permitindo afirmar que este desfecho era inevitável e, portanto, nada permite afirmar que era evidente que iria desembocar numa incapacidade definitiva do grau que lhe foi fixado
30. Relativamente aos factos provados 26) 27), 29) 30) e 31) é necessário ressalvar algumas questões que importam para uma apreciação da prova no seu conjunto.
a) no momento da assinatura da proposta de seguro, não foram entregues quaisquer elementos à autora – al. i) factos julgados não provados e 10) e 21) dos factos julgados provados;
b) da documentação remetida á autora, constava documento com a menção “exclusões | pessoa segura: AA | na cobertura: não se aplica. – facto provado n.º 6
31. Por essa razão, autora não vislumbrou a necessidade de comunicar qualquer alteração ou pedir qualquer correção uma vez que, julgando tudo ter sido tratado de conformidade, vinha exarado que as exclusões previstas na apólice lhe não eram aplicáveis.
32. Como tal, os factos 26) 27), 30) e 31) julgados provados, não habilitavam o julgador, na sua fundamentação, a concluir pela improcedência da acção.
33. O facto 29) julgado provado, em face de todo o exposto, deve ser expurgado dos factos julgados provados.
34. Dos excertos reproduzidos do depoimento da testemunha CC e das declarações de parte da autora devem ainda ser julgados provados ficando a figurar como tal na matéria de facto os seguintes
a) Antes da celebração do contrato não foi feita à autora a explicação das condições gerais e particulares da apólice, nomeadamente o teor da mesma quanto a exclusões, ou seja, nenhuma das exclusões contratuais foi explicada à autora (art.ºs 27 28 e 53 da petição inicial;
b) Nem sequer o alcance das declarações que antecedem a assinatura do questionário médico e da proposta de seguro; (art. 29. da petição inicial)
35. Na contratação não foi observada a disciplina normativa constante das seguintes normas jurídicas:
a) Art.º 18.º do DL n.º 72/2008 de 16 de Abril;
b) Art.º 24.º n.º 3 do DL n.º 72/2008 de 16 de Abril
c) Art.ºs 8.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro
9. Normas jurídicas violadas;
Art.º 18.º do DL n.º 72/2008 de 16 de Abril;
Art.º 24.º n.º 3 do DL n.º 72/2008 de 16 de Abril
Art.ºs 8.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro

Em face de todo o exposto, alterando-se a matéria de facto nos termos em que pelo presente se pugna, deve a decisão recorrida ser revogada por outra que julgue a acção procedente e condene a ré nos termos dos pedidos formulados na petição inicial assim se fazendo inteira e cabal
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Foram apresentadas contra-alegações defendendo a Recorrida a improcedência do recurso e a manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

São as seguintes as questões jurídicas a apreciar:

- A impugnação da matéria de facto;
- Desobrigação do dever de indemnizar em consequência da omissão/falsidade de declarações iniciais.
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III- FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
3.1.1. Factos Provados

Foram dados como assentes na primeira instância os seguintes factos:
- Oriundos da petição inicial:
1) Entre a sociedade comercial denominada EMP02... e a aqui Ré, foi celebrado acordo de seguro, intitulado “...”, ramo Vida, cuja vigência se iniciou em 20.05.2020.
2) O referido acordo tem como tomador a referida sociedade EMP02..., e, como pessoa segura, a Autora.
3) O referido acordo é titulado pela apólice da Ré n.º ...15.
4) O referido acordo tem as seguintes coberturas:
- Morte – com o capital de € 50.000,00 e o limite de 70 anos de idade;
- Invalidez absoluta e definitiva – com o capital de € 50.000,00 e o limite de 70 anos de idade;
- Invalidez total permanente – com o capital de € 50.000,00 e o limite de 65 anos de idade;
- Morte em acidente de circulação – com o capital de € 150.000,00 e o limite de 70 anos de idade;
- Morte por acidente – com o capital de € 100.000,00 e o limite de 70 anos de idade.
5) Nas cláusulas 5.5. e 5.6., das condições gerais da apólice do referido acordo de seguro, consta o seguinte:
“5.5. INVALIDEZ TOTAL E PERMANENTE (ITP) – A Seguradora garante o pagamento do Capital Seguro aos Beneficiários, em caso de Invalidez Total e Permanente da Pessoa Segura, nos termos previstos nas presentes Condições Gerais e nas Condições Particulares, desde que ocorra durante a vigência da apólice e no máximo até aos 65 anos de Idade Atuarial, não se verificando nenhuma causa de exclusão.
5.6. Para os efeitos previstos no presente contrato, considera-se existir Invalidez Total e Permanente quando são verificados cumulativamente os seguintes requisitos:
a) A Pessoa Segura apresenta uma limitação total e permanente, sem qualquer possibilidade de recuperação, para exercer a sua profissão ou qualquer outra compatível com os seus conhecimentos e aptidões, igual ou superior a 60% de acordo com a TNI – Tabela Nacional de Incapacidades, vigente à data do sinistro, não sendo considerados no seu cálculo quaisquer defeitos físicos pré-existentes à admissão da Pessoa Segura;
b) A Pessoa Segura apresente uma completa impossibilidade física, clinicamente comprovada, de exercer a sua profissão há mais de 180 dias consecutivos, sendo alargado para 2 anos nos casos de alienação mental ou perturbações psíquicas; e
c) Ser reconhecida previamente pela Instituição da Segurança Social ou pelo Tribunal do Trabalho.”
6) Nas condições particulares da apólice consta o seguinte:
“Exclusões
Pessoa Segura: AA
Na Cobertura: Não se aplica”
7) O acordo foi contratado no balcão do Banco 1... – agência de ..., tendo sido complementar a um contrato de financiamento de que aquela sociedade necessitava, celebrado entre a referida EMP02... e o Banco 1....
8) A contratação do referido seguro foi apresentada por uma funcionária do Banco 2..., gerente de conta da EMP02....
9) Na formalização da proposta de seguro, foi necessário proceder ao preenchimento de um questionário clínico, designado de “informação de saúde”.
10) No que à Autora diz respeito, esse questionário clínico foi preenchido pela referida gestora de conta, que o apresentou à Autora pronto para nele ser apenas colhida a assinatura daquela.
11) O processo com vista à formalização da proposta de seguro foi todo instruído pela funcionária do Banco 2....
12) A EMP02... tinha prementes necessidades de tesouraria, sendo importante para esta o financiamento que ia obter no Banco 2....
13) Até à presente data, foram sempre pagos todos os prémios de seguro debitados pela Ré à EMP02....
14) A Autora nasceu no dia ../../1977.
15) Aquando da celebração do contrato de seguro em apreço, a Autora era doméstica e já não exercia qualquer atividade profissional e remunerada desde 2014, em virtude de estar incapacitada.
16) No dia 08.11.2021, foi atribuída à Autora, por junta médica, uma incapacidade permanente global de 60% à luz da tabela TNI aprovada pelo Decreto-Lei n.º Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23.10.
17) Essa incapacidade foi reconhecida pela Segurança Social.
18) A Autora apresenta impossibilidade física de exercer a sua profissão há mais de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos.
19) A Autora participou à Ré aquela sua condição de incapacidade, pretendendo que lhe fosse pago, nos termos da apólice contratada, o capital correspondente à cobertura invalidez total permanente, no montante convencionado de € 50.000,00.
20) A Ré declinou a responsabilidade pelo pagamento do capital seguro pela apólice, invocando que:
“- Aquando da proposta para subscrição de seguro de vida, foi-lhe realizado um inquérito de saúde e foram-nos disponibilizados elementos clínicos, cuja veracidade e validade são colocadas em causa uma vez que se constata que omitiu elementos clínicos determinantes para a avaliação do risco, conforme consta do relatório médico de avaliação de sinistros, que seguidamente transcrevemos:
• Doente com antecedentes relevantes de adenocarcinoma do reto com metastização pulmonar síncrona em 2014, submetida a tratamento cirúrgico e QRT, prévio à realização da apólice, patologia esta omitida em inquérito de saúde e que teria levado à recusa da apólice.
Assim, de acordo com o relatório médico de avaliação do sinistro, a invalidez resulta de doença pré-existente, à data do preenchimento da Proposta de Seguro, sendo um risco excluído de todas as coberturas do contrato, conforme resulta do n.º 2 do artigo 6.º das Condições Gerais.”
21) Não foi entregue à Autora cópia das declarações prestadas no âmbito do questionário clínico, à data do seu preenchimento.
22) A atuação da Ré seguradora, recusando liquidar o valor do capital de seguro, provocou indignação e inquietação à Autora.
- Oriundos da contestação:
23) No questionário clínico prévio à celebração do acordo de seguro, às perguntas:
- Qual é o seu peso em kg? a Autora respondeu 48 kg;
- Qual a sua altura em cm? A Autora 165 cm;
- Fuma ou já fumou nos últimos 12 meses mais de 30 cigarros por dia? Consome mais de uma unidade alcoólica de forma regular diária? (uma unidade é um copo de vinho, uma cerveja, um copo de destilados, etc.)? Consome ou já consumiu algum tipo de drogas como canábis, cocaína, heroína, alucinogénios ou outros? A Autora respondeu que não;
- Tem ou alguma vez lhe foi diagnosticada alguma das doenças abaixo indicadas?
i.) Coração ou Vascular (Exemplos: Transplante, Hipertensão Arterial, Enfarte do Miocárdio, Angina de Peito, Varizes extremidades inferiores, etc.)
ii.) Metabólico ou Endócrino (Exemplo: Diabetes, Hipercolesterolemia, Patologia tireoidiana, etc.)
iii.) Sistema Nervoso (Exemplo: Escleroses lateral amiotrófica, Epilepsia, Escleroses Múltipla, Doença de Parkinson, etc.);
iv.) Digestivo ou Fígado (Exemplo: Cirrose, Transplante de fígado, Úlcera Gástrica, Hérnia de Hiato, Hepatite B ou C, Doença de Crohn, Colite ulcerativa, etc.);
v.) Doenças Respiratórias (Exemplo: Transplante de pulmão, Asma, Bronquite crónica, Enfisema, Apneia do Sono, etc.). Não considerar a rinite alérgica;
vi.) Psiquiátrica (Exemplo: Depressão, Angústia-Ansiedade, Transtorno Bipolar, Esquizofrenia, Anorexia, etc.);
vii.) Doenças Infeciosas (Exemplo: Serologia positiva para HIV-AIDS, Tuberculose, Doenças tropicais, etc.);
viii.)     Rim ou Urologia (Exemplo: Transplante renal, insuficiência renal, Hipertrofia benigna da próstata, outras doenças de próstata, etc.). Não considerar cólicas renais;
ix.) Ginecologia (Exemplo: Fibroadenomas da mama, Ovários policísticos, Miomas uterinos, etc.);
x.) Doenças Oncológicas (Qualquer tipo de cancro);
xi.) Sistema Musculosquelético (Hérnia de disco, Artrose, Fibromialgia, alguma patologia musculosquelética traumática, Artrite, etc.);
xii.) Órgãos dos Sentidos – Visão ou Audição (Mais de 8 dioptrias de miopia, Cegueira, Descolamento de retina, Surdez, etc.) Não considerar daltonismo;
xiii.) Outros (Dermatológico, Sangue, Alterações Genéticas, etc.);
A Autora respondeu que não.
- Toma alguma Medicação prescrita pelo seu médico? (Por um período superior a 7 dias. Se o medicamento estiver relacionado com alguma das doenças declaradas acima, não é necessário indicá-lo)? A Autora respondeu que não;
- Foi hospitalizado ou cirurgicamente intervencionado nos últimos 10 anos, ou está em avaliação ou tratamento médico? (exceto apendicite, intervenções de esterilização, intervenções estéticas, angina, adenoides e partos)? a Autora respondeu que não;
- Esteve de baixa mais de 3 semanas seguidas nos últimos 3 anos? (exceto maternidade ou paternidade)? A Autora respondeu que não;
- Tem alguma deficiência ou invalidez causada por alguma doença ou acidente? A Autora respondeu que não.
24) A Ré aceitou a proposta com base nas declarações prestadas pela Autora quanto ao questionário de saúde e no pressuposto de essas declarações serem verdadeiras.
25) O que não aconteceria quando as respostas evidenciassem a existência de qualquer patologia.
26) No dia 22.05.2020, a Ré enviou à EMP02... uma carta onde a informou da aceitação da proposta de adesão ao ...”, com o número da apólice e anexando a essa carta as condições gerais e particulares do seguro.
27) Na carta indicada na al. anterior constava a seguinte menção:
“Nos termos legais, deverá comunicar no prazo máximo de 30 dias, por escrito à EMP01..., qualquer desconformidade entre o acordado e o conteúdo da apólice, ou em qualquer outra correção que entenda necessária”.
28) A Autora sofre de doença crónica desde 2014, tendo sido essa doença que constitui a causa da incapacidade permanente parcial de 60%.
29) Essa doença era conhecida da Autora e por ela foi omitida na data do preenchimento do questionário clínico que integra a proposta de seguro.
30) A cláusula n.º 6.2., das condições gerais do seguro, tem o seguinte conteúdo:
“Está igualmente excluída das coberturas do presente contrato, a morte, a invalidez ou doença grave que resultem de situações físicas emergentes de acidente já ocorrido ou de doença pré-existente, à data do preenchimento da Proposta de Seguro, declarada ou não da mesma, ou do seu tratamento ou evolução, bem como as consequências de qualquer lesão casada por tratamento não relacionado com doença ou acidente coberto pelo presente contrato”.
31) As condições gerais do seguro foram disponibilizadas à Autora aquando da celebração do acordo.
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3.1.2. Factos Não Provados

- Oriundos da petição inicial:
a) A funcionária bancária do Banco 2... informou a gerente da sociedade EMP02... que a celebração de tal contrato de seguro era uma exigência do Banco como condição de concessão do empréstimo pretendido pela sociedade e que, para o efeito pretendido, era necessário associar ao seguro pelo menos dois beneficiários.
b) O preenchimento do questionário clínico pela funcionária bancária foi efetuado sem que tivesse ocorrido qualquer conversa prévia sobre o seu teor, e sem colocar à Autora qualquer questão ou pedido de esclarecimento com vista ao seu preenchimento, que se limitou a recolher as assinaturas necessárias nos formulários respetivos, incluindo a da Autora.
c) A gestora de conta que preencheu o questionário médico conhecia a Autora e conhecia a sua situação de saúde.
d) Não foi dada à Autora a possibilidade de ler o referido questionário médico.
e) Antes da celebração do contrato não foi feita à Autora a explicação do alcance das declarações que antecedem a assinatura do questionário médico e da proposta de seguro.
f) A Autora foi confrontada com os papéis que tinha que assinar, sem ter havido qualquer espécie de explicação prévia sobre os mesmos.
g) E que a Autora assinou no contexto da necessidade da empresa, convencida de que continham os elementos necessários.
h) A atuação da Ré seguradora, recusando liquidar o valor do capital de seguro, afetou a Autora para além do mencionado em 22).
- Oriundos da contestação:
i) O Banco 1..., enquanto mediador de seguros, disponibilizou a proposta de seguro aquando da sua subscrição.
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3.2. O Direito
3.2.1. Da impugnação da matéria de facto
Considera a Recorrente que a factualidade dada como não provada, factos a) a  g) deveria ser dada como provada.
Considera, ainda, que os factos julgados provados 23), 24) e 25) devem ser retirados dos factos provados e o facto 29) deve ser expurgado dos factos julgados provados.

Por fim, defende que deveria ser aditada ao elenco dos factos provados os seguintes:

a) Antes da celebração do contrato não foi feita à autora a explicação das condições gerais e particulares da apólice, nomeadamente o teor da mesma quanto a exclusões, ou seja, nenhuma das exclusões contratuais foi explicada à autora (art.ºs 27 28 e 53 da petição inicial;
b) Nem sequer o alcance das declarações que antecedem a assinatura do questionário médico e da proposta de seguro (art. 29. da petição inicial).
Funda a impugnante a alteração pretendida no depoimento da testemunha CC, mãe da autora, e nas declarações de parte da autora.
Vejamos se assiste razão à impugnante.
Visa a impugnação colocar em crise a análise da prova que foi produzida pelo tribunal a quo quanto ao concreto circunstancialismo em que foi celebrado o contrato de seguro, à informação relativa ao estado de saúde da autora e quanto à comunicação das cláusulas de exclusão do contrato de seguro.
No contexto do que vem alegado pelas partes nos seus articulados, em obediência ao respetivo ónus da prova, e vista a prova produzida, podemos adiantar que não assiste razão à impugnante.
Assim, quanto ao circuntanscialismo que rodeou a celebração do contrato de seguro, ou mais especificamente a invocada exigência da sua subscrição, sendo do conhecimento comum a prática pelos funcionários bancários de apresentarem, no âmbito da concessão de empréstimos, produtos comercializados pelo banco, confrontando o depoimento da testemunha CC e as declarações da autora com o depoimento prestado pela funcionária do banco BB, não cremos que tenha ocorrido tal imposição. Admitindo que a subscrição de tais produtos haja sido apresentada ou mesmo sugerida, já temos dúvidas em considerar de que foi exigida como condição de concessão do empréstimo (havendo a dúvida de ser resolvida contra a parte que alegou o facto – art. 346.º, do CCiv).
Assim, serão de manter como não provados os factos a) e g).
 Quanto à informação relativa ao estado de saúde da autora e quanto à comunicação das cláusulas de exclusão do contrato de seguro.
Para o que releva, motivou-se na sentença da seguinte forma:
«De uma parte, a Autora, nas declarações que prestou, reconheceu que lhe foram feitas perguntas sobre o seu estado de saúde (como o peso, a altura, se fumava, se tomava medicação), apenas ressalvando que a questão relativa ao diagnóstico de cancro não lhe foi efetuada nesse contexto do questionário, já que, quando surgiu a conversa acerca da celebração do seguro, logo disse que pensava que não poderia ser beneficiária por ter tido uma doença oncológica. Mais declarou que, efetivamente, apôs a sua assinatura nos documentos relativos ao seguro, um deles sendo o questionário (onde constavam “cruzinhas”), embora não tendo verificado cada uma das respostas, por, no seu entender, elas deverem estar de acordo com a conversa que tinha tido com a funcionária bancária.
Embora não se tenha conferido credibilidade às declarações da Autora na parte em que disse ter revelado à funcionária bancária a doença de que padecia e os tratamentos que realizou para sua cura (o que adiante será detalhado), a versão por ela apresentada contraria a afirmação efetuada na petição inicial de que lhe não foram colocadas acerca do seu estado de saúde e que a funcionária o preencheu o questionário à revelia de quaisquer informações obtidas nessa data junto daquela, porquanto decorreu da sua audição que, no âmbito da formalização da proposta de seguro, o questionário clínico foi efetuado (pelo menos em parte), nada tendo sido referido por aquela no sentido de ter sido impedida de rever o seu conteúdo.
Por outro lado, a funcionária BB referiu que as informações que colhe junto dos proponentes relevam para efeitos da decisão de aceitação do seguro por parte da companhia seguradora (a qual poderá até efetuar uma maior investigação a respeito da situação de saúde se houver respostas positivas quanto a anteriores patologias), o que se afigura em conformidade com as regras da experiência comum.
Veja-se ainda que, embora não se tenha acompanhado a versão transmitida pela Autora nem pela sua mãe de que, apesar de terem relatado à funcionária bancária os problemas de saúde que a primeira padecia, ter havido da parte desta um preenchimento contrário às indicações da conversa que mantiveram, o facto de aquelas terem referido que, quando decidiram subscrever o seguro, tinham a dúvida de saber se a Autora era elegível para o seguro por causa da doença oncológica que lhe havia sido diagnosticada, demonstra bem que é do conhecimento mediano das pessoas em geral (e da Autora e da sua mãe, em particular) que, no âmbito da contratação de um seguro de vida, releva o estado de saúde dos beneficiários do mesmo. O que, assim sendo, infirma a versão alegada pela Autora de que não lhe foi dada qualquer explicação sobre a relevância da informação de saúde e de que o mesmo lhe foi dado simplesmente para assinar por parte da empregada bancária que mediou a celebração do seguro.
Conexionada com esta matéria, está ainda a questão de saber se a Autora omitiu, na data do preenchimento do questionário clínico, informações sobre o seu estado de saúde, matéria que se respondeu de forma positiva na al. 29/2.ª parte dos factos provados, pelas razões que a seguir se desenvolvem.
Quanto a esta matéria, ouviu-se a Autora, enquanto declarante de parte, e as testemunhas CC, mãe da Autora (e que esteve presente na data da formalização), e BB, funcionária bancária que recebeu a proposta de seguro.
A Autora declarou, em resumo, que, numa altura em que a mãe assumiu a administração da sociedade EMP02... (em virtude de o irmão estar incapacitado), prestou auxílio àquela no sentido de obter financiamento bancário, efetuando pesquisas junto de instituições bancárias, designadamente o Banco 2.... No processo de concessão do crédito, foi-lhe indicado, a si e à sua mãe, que o Banco 2... aprovaria o crédito, mas que tal estava condicionado à subscrição de outros produtos: a colocação de alarme e dois seguros. Num desses seguros, foi a mãe a beneficiária; e, no outro, foi ela. No entanto, antes de assim acontecer, e no que a ela se reporta, disse que referiu à funcionária bancária que tinha tido um problema de saúde (de natureza oncológica), e que, por isso, achava que não era elegível para o seguro, ao que lhe foi respondido por aquela que, não obstante isso, deveria apresentar a proposta à seguradora consigo como beneficiária, aguardando-se, depois, pela decisão da companhia, a qual veio a aceitar o seguro, o que comunicou por carta, remetendo as condições gerais e, depois, a sua solicitação, as apólices (com as condições particulares). Quanto ao questionário clínico propriamente dito, e como acima já se referiu, respondeu que não preencheu, por sua mão, o mesmo, mas recorda-se de lhe terem sido efetuado perguntas quanto à sua estatura e sobre se fumava e, no que se reporta à existência de doenças e/ou à realização de tratamentos/intervenções, foram questões que, espontaneamente, já tinham sido abordadas por ela quando deu a conhecer à funcionária bancária a sua situação de saúde. Mais referiu que, quando o seguro declinou o pagamento do capital de seguro após a participou que efetuou, pediu que lhe fosse enviado o questionário clínico, tendo, de imediato, procurado aconselhamento jurídico, a quem entregou o tratamento da questão, não tendo realizado diligências junto da instituição bancária (designadamente, junto da funcionária que tinha recebido o questionário).
Por sua vez, a testemunha CC, mãe da Autora, disse, no essencial, que, estando o seu filho doente, teve de assumir a administração da empresa EMP02..., tendo constado, nessa altura, a necessidade de recorrer a um financiamento bancário (na ordem dos € 50.000,00) para pagar material e aos empregados; que, nessa ocasião, pediu à filha para a ajudar a pesquisar hipóteses de financiamento, tendo sido, por isso, que foi, depois, contactada por funcionárias do Banco 2...; as funcionárias bancárias disseram-lhe que, para a concessão do empréstimo, teria de subscrever três produtos: o alarme e dois seguros (de vida), o que aceitou; as funcionárias referiram-lhe que podia fazer o seguro para ela e, quanto ao outro, que podia pôr a Autora, sua filha, ainda que ela não fizesse parte da empresa e se encontrar “de baixa”; quanto a essa situação de a filha estar “de baixa”, as funcionárias responderam que isso não fazia mal e que ela podia ficar assegurada.
Já a funcionária bancária BB confirmou que foi ela quem esteve presente no processo de concessão do crédito e de formalização da proposta de seguro, embora se recordasse com dificuldade dos contornos do caso. Reconheceu a mãe da Autora e esta, relacionando-as com o financiamento da empresa, mas já não se lembrava dos pormenores relativos ao preenchimento do questionário clínico e proposta de seguro. Quanto a isso, respondeu por referência ao procedimento padrão que adota, e não por memória do episódio concreto. A respeito da sua forma comum de atuação, respondeu que refere as coberturas de maneira geral e, no caso de haver resposta positiva quanto à preexistência de doenças, disse que é seu costume advertir que a companhia poderá proceder a uma averiguação mais detalhada, exigindo mais exames. No que respeita às respostas anotadas no questionário, referiu que, normalmente, é ela quem preenche o questionário, mas coloca as questões aos clientes e anota as respetivas, os quais, depois, as subscrevem.
Pondo em confronto os depoimentos e declarações vindas de mencionar, entendeu-se prevalente o depoimento prestado pela funcionária bancária. Desde logo, entre o depoimento da mãe da Autora e as declarações desta denotaram-se contradições quanto à questão da indicação da pessoa segura: enquanto CC referiu que a funcionária respondeu, ante o quadro de saúde da Autora, que não havia problema quanto ao facto de ela poder ser segurada, já a Autora mencionou que essa funcionária disse que iria ser transmitida à seguradora o comunicado sobre a doença, a fim de esta aceitar, ou não, a celebração do seguro. Por outro lado, ao passo que CC mencionou que foi transmitido à funcionária bancária que a filha se encontrava “de baixa”, a Autora disse que, na altura, não exercia qualquer atividade e que era doméstica (as situações anteriores de emprego tinham sido temporárias e tinham cessado).
Para além disto, e com maior relevância, o depoimento da funcionária bancária foi mais congruente com o normal acontecer: com efeito, constitui facto a exorbitar da normalidade que um empregado bancário, no exercício da sua profissão, sabendo que a companhia seguradora efetua um questionário clínico aos proponentes do seguro e sabendo ainda que a preexistência de doenças releva para efeitos de cobertura e/ou prémio ou, inclusive, para a formação da decisão sobre a aceitação do seguro (como a própria testemunha reconheceu), que, ainda assim, perante respostas da cliente a revelar que lhe foi diagnosticada uma doença cancerígena, optasse por assinalar a resposta “Não” quer quanto a anteriores patologias quer quanto à realização de tratamentos. Trata-se de uma conduta em diametral oposição com aquilo que é imposto pelo seu vínculo à sua entidade patronal, que é a mediadora do seguro.
Não se divisa que a funcionária bancária encarregada de receber as declarações da Autora fosse movida por algum interesse de, não obstante lhe ter sido transmitido por aquela que padecia de uma doença oncológica, ter deliberado omitir essa informação à companhia seguradora, tanto mais que o seguro podia ser efetuado celebrado com indicação de outra pessoa como beneficiária (como, aliás, admitido pela própria Autora).
Por outro lado, não se afigura que o preenchimento, tal como foi efetuado, tenha sido devido a qualquer erro de escrita, pois que, de uma parte, a importância da informação colocaria em alerta a funcionária (veja-se que, atento o teor da pergunta constante da informação de saúde, para além de assinalar resposta positiva quanto a padecer de cancro, teria de anotar o tipo em concreto); de outra parte, o erro teria de repetir-se em várias questões (não só quanto à inexistência de doenças, mas também quanto a ter sido hospitalizada e quanto a ter alguma invalidez causada por alguma doença), o que não é frequente suceder.
Acresce que, no questionário, estão em causa perguntas do foro pessoal, não só as relativas ao padecimento anterior de doenças ou à realização de tratamentos ou intervenções, mas também respeitantes a hábitos pessoais (como fumar e consumir de bebidas alcoólicas), o que obrigava à colaboração da pessoa que seria beneficiária do seguro.
Nesse questionário, pergunta-se também a altura e o peso da pessoa segura, tendo sido anotado, como respostas, 165 cm e 48 kg.(…)»
Ouvida toda a prova produzida, está conforme a síntese efetuada pelo tribunal a quo e correta a apreciação crítica que sobre a mesma é realizada, apreciação que também é a nossa.
Com efeito, tudo conjugado, impõe-se a convicção de que o preenchimento do questionário teve por base as respostas que a Autora deu ao tempo da subscrição do questionário, tendo havido omissão da sua parte quanto à informação relativa à doença oncológica que lhe foi diagnosticada e de que era conhecedora.
Ademais, resulta das suas declarações que a autora era conhecedora da essencialidade e relevância de prestar informações fidedignas sobre o seu estado de saúde, atendendo designadamente à natureza da patologia de que padecia e estado comprovado de incapacidade.
Evidencia-se (contrariando a perceção que na ação se pretendeu induzir), que a funcionária bancária, BB, apenas teve contacto com a autora por força do exercício da sua profissão e no contexto do empréstimo. Não tendo sido revelada a existência de uma proximidade relacional, afastada ficou a demonstração de um contacto pessoal em que se cimentasse o conhecimento da funcionária bancária acerca da pessoa da Autora e das vicissitudes do seu estado de saúde.
Por outro lado, resultou do depoimento das testemunhas DD e EE, e decorre das regras da experiência comum, que caso o segurador soubesse que a beneficiária do seguro sofria de uma doença oncológica e que à data apresentava já uma incapacidade validada pela Segurança Social, numa percentagem de 80%, não teria celebrado o seguro nos termos em que o fez.
Donde, deverão permanecer como não provados os factos d) a f) e consequentemente manter-se como provados os factos 23), 24) e 25) e o facto 29).
Em face disso, tratando-se de factualidade contraditada pela já assente, soçobram os factos que se pretendem aditar.
Improcede, assim, a impugnação da decisão da matéria de facto.
*
3.2.2. Mérito da sentença
A questão central posta no recurso respeita às declarações iniciais de risco no âmbito do contrato de seguro de pessoas.
No nosso ordenamento jurídico não há uma definição legal, precisa e unitária, sobre o que é o contrato de seguro. A Lei do Contrato de Seguro (LCS) - cuja entrada em vigor se deu em 1 de janeiro de 2009, através do Decreto-Lei n.º72/2008 de 16 de abril - tendo em vista a sua aplicação primordial ao típico contrato de seguro, evitou intencionalmente uma definição de contrato de seguro. Optou por identificar os deveres típicos do contrato de seguro, assumindo que os casos de qualificação duvidosa devem ser decididos pelos tribunais em vista da maior ou menor proximidade com esses deveres típicos e da adequação material das soluções legais ao tipo contratual adotado pelas partes[1].
Todavia, tal não significa que não se possa retratar os elementos constitutivos que o caracterizam na sua essência e daí avançar para o seu conceito. Através desses elementos e usando a caracterização proposta por Meneses Cordeiro podemos afirmar que no contrato de seguro 'uma pessoa transfere para outra o risco da verificação de um dano, na esfera própria ou alheia, mediante o pagamento de determinada remuneração. A pessoa que transfere o risco, assumindo a remuneração, diz-se tomador do seguro ou subscritor; a que assume o risco e recebe a remuneração, é a entidade seguradora; o dano eventual é o sinistro; a pessoa cuja esfera jurídica é protegida pelo seguro (e que pode, ou não, coincidir com o tomador do seguro) é o segurado; a remuneração da seguradora, devida pelo tomador do seguro, é o prémio'[2].
O contrato de seguro pode, assim, ser definido como o contrato aleatório por via do qual uma das partes (o segurador) se obriga, mediante o recebimento de um prémio, a suportar um risco, liquidando o sinistro que venha a ocorrer.
É caracterizado, portanto, como um contrato sinalagmático, aleatório, oneroso, sucessivo ou de execução continuada e de adesão. Importa aqui concretizar dois pontos: primeiro, no que respeita à natureza sinalagmática do contrato de seguro, a mesma advém do facto de dele emanarem obrigações para ambos os contraentes, uma vez que o segurador se obriga a indemnizar o segurado pelos prejuízos sofridos em caso de realização de um risco, enquanto o segurado se obriga ao pagamento de uma soma determinada, o prémio, na data do respetivo vencimento; em segundo lugar, enquanto contrato de adesão que é, o segurador está legitimado a propor aos destinatários cláusulas contratuais gerais que não resultam da negociação prévia entre as partes, limitando-se aqueles a subscrevê-las ou a aceitá-las. O ponto de partida, porém, é que qualquer contrato, e este não é exceção, é o resultado de consenso entre os contraentes.
No caso em apreço, estamos perante um seguro de pessoas, cujo objeto, de acordo com o disposto no artigo 175.º, n.º 1, da LCS, é aquele que compreende a cobertura de riscos relativos à vida, à saúde e à integridade física de uma pessoa ou grupo de pessoas.
Na modalidade de seguro de vida, o artigo 183.º da LCS estabelece que o segurador cobre um risco relacionado com morte ou a sobrevivência da pessoa segura.
A questão posta no recurso, sobre os deveres pré-contratuais de informação que incumbem ao segurado, convoca para a sua apreciação a importância das declarações iniciais de risco e consequências da sua inobservância.
O anterior regime cominava com a nulidade os contratos de seguro em que as declarações do segurado ou do tomador se revelassem inexatas ou reticentes, com influência na celebração ou na fixação das condições do contrato (artigo 439º do Código Comercial).
Cedo a doutrina e a jurisprudência alertaram para o desajustamento daquela cominação, antes fazendo corresponder o vício à anulabilidade do contrato, o que desde logo exigia a sua arguição pelo interessado e possibilitava a convalidação do negócio. A título de exemplo, pode ver-se o Ac. do STJ de 04.03.2004, de acordo com o qual 'não obstante a referência do art. 429º do Código Comercial à nulidade, a natureza particular dos interesses em jogo e a inexistência de violação de qualquer norma imperativa determinam que deva ser a anulabilidade a consequência ou a sanção ligada à emissão de declarações inexatas ou reticentes pelo segurado, suscetíveis de influírem na existência ou condições do contrato de seguro; não é qualquer declaração inexata ou reticente que desencadeia a possibilidade de anulação do seguro: é indispensável que a inexatidão influa na existência e condições do contrato, de sorte que o segurador ou não contrataria ou teria contratado em diversas condições se a conhecesse; embora não se exija que o declarante tenha agido com dolo, sendo suficiente que a declaração inexata ou reticente se deva a culpa sua, é, todavia, necessário que o segurado ou o tomador tenha conhecimento dos factos ou circunstâncias inexactamente declaradas ou omitidas; esse conhecimento deve reportar-se ao momento da subscrição da proposta contratual, não podendo as declarações do segurado ser analisadas com base em sucessos posteriores à subscrição de tal proposta, na qual as ditas declarações são feitas; é que o vício do contrato, nos termos do art. 429º do Código Comercial, refere-se tão só à formação do contrato e não ao desenvolvimento do mesmo'.[3]
Por outro lado, ainda, em determinadas circunstâncias passou a considerar-se ilegítima a invocação daquela invalidade: quando faltasse um nexo de causalidade adequada entre a atuação do segurado ou do tomador e o resultado; quando a seguradora revelasse inércia na sua atuação posterior; quando houvesse omissão manifesta de deveres de diligência e, em geral, sempre que tivessem sido adotados comportamentos suscetíveis de integrarem a figura do abuso de direito.
Não obstante o consenso doutrinal e jurisprudencial alcançado, era notória a dificuldade de integração de algumas situações o que justificou a intervenção legislativa plasmada nos artigos 24º a 26º da Lei do Contrato de Seguro.
Estipula o artigo 24º, n.º1, deste diploma, que o segurado ou o tomador do seguro é obrigado a 'declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador”.'
Parte-se agora da distinção entre as atuações dolosas ou meramente negligentes, podendo no primeiro caso a seguradora arguir a anulabilidade do contrato, enquanto que nas condutas negligentes a consequência se traduz, em regra, na exigência da redução proporcional da sua responsabilidade.
A solução legal não é isenta de crítica, desde logo pela dificuldade na delimitação dos conceitos, sobretudo quando nos deparamos com as situações limite que caracterizam o dolo eventual e a negligência consciente.
Afigura-se de igual modo que o legislador não considerou devidamente o desconhecimento e o desinteresse generalizado das pessoas por questões relacionadas com cláusulas contratuais. É um dado comum que a larga maioria dos segurados ou tomadores de seguros não têm conhecimento das questões específicas ligadas ao regime jurídico do contrato de seguro, desconhecendo um conjunto de termos e condições relacionadas com exclusões, cláusulas de sub-rogação e limitações aplicáveis ao contrato de seguro assim como a relevância dos critérios que as seguradoras usam para aceitação dos contratos ou fixação das respetivas condições. Ora, a lei penaliza o segurado não apenas pela omissão ou inexatidão das circunstâncias que conheça, mas ainda das que devesse ter por significativas para efeitos de apreciação do risco pelo segurador, o que, como adverte Abrantes Geraldes, 'deixa uma larga margem de incerteza e de insegurança suscetível de ser aproveitada pelas seguradoras que estão em melhores condições para sustentar a inerente litigiosidade.'[4]
Neste contexto, tem a jurisprudência sido sensível às situações da vida que importam a ponderação destes elementos, por recurso à figura do homem médio, disso sendo exemplo o Ac. da Relação de Guimarães de 02.07.2013, a propósito da interpretação de uma cláusula inserta no contrato de seguro, onde se decidiu que 'em matéria de interpretação, o contrato de seguro rege-se pelas regras interpretativas previstas nos art. 236º a 238º do Código Civil (teoria da impressão do destinatário). Mas em relação às cláusulas contratuais gerais nele previstas, enquanto contrato de adesão, há que ponderar ainda as regras especiais previstas no Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais, mais concretamente nos seus art. 10º e 11º, devendo, na dúvida, prevalecer o sentido mais favorável ao aderente (princípio do in dubio contra proferentem ou contra stipulatorem).[5]
É neste sentido, também, que vai a Diretiva 93/13/CEE do Conselho de 5 de abril de 1993 relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, em que assume ponto nuclear a instituição de um sistema de sindicância baseado no conceito de cláusulas abusivas, sendo decisiva para o efeito a circunstância de a cláusula, contrariando as exigências de boa fé, originar um significativo desequilíbrio, em detrimento do consumidor, entre os direitos e deveres das partes decorrentes do contrato.[6]
Do mesmo modo, a Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais, transposta para a ordem jurídica interna pelo DL n.º 57/2008, de 26 de Março, estabelece o critério para aferir sobre o caráter leal ou desleal da prática comercial através da referência ao consumidor médio, entendido enquanto pessoa de toda a sociedade aferido sem ter em conta alguma característica específica que lhe dê conhecimentos abaixo ou acima da média (art. 5º, nº2).
Uma outra brecha na anunciada tutela do segurado decorre, a nosso ver, do que estabelece o n.º2, do artigo 24º, consignando que a declaração do risco abrange cláusulas não mencionadas em questionário.[7] Ou seja, apesar do preenchimento correto do formulário que lhe é apresentado pelo segurador, ainda assim pode o segurado ver-se confrontado com a invocação de terem sido omitidas declarações ou circunstâncias significativas para a apreciação do risco. Mal se compreende tal disposição da lei, quando é certo que na generalidade dos casos o tomador desconhece a técnica dos seguros e ignora que outras circunstâncias possam interessar as seguradoras.[8]
É verdade que se ressalvou no artigo 24º, n.º3, que o segurador que tenha aceitado o contrato, salvo em caso de dolo, não pode prevalecer-se da omissão de resposta a pergunta do questionário, de resposta imprecisa a questão formulada em termos demasiado genéricos, de incoerência ou contradição evidente nas respostas ao questionário, de facto que o seu representante, aquando da celebração do contrato, saiba ser inexato ou, tendo sido omitido, conheça ou de circunstâncias conhecidas do segurador, em especial quando são públicas e notórias.
A realidade, porém, tem demonstrado que a nossa jurisprudência tem continuado a precisar de recorrer a outras soluções extraídas de institutos de ordem geral, como o abuso de direito, por forma a encontrar a justa decisão para situações que não encontram guarida nos mecanismos consagrados no regime do contrato de seguro.[9]
Em face da gravidade das consequências que a lei extrai das omissões ou inexatidões declaratórias, apresenta-se de difícil compreensão a faculdade de se transferir para momento posterior, geralmente após a ocorrência do sinistro, a discussão de aspetos que por tão fundamentais deveriam ter sido definidos e estabilizados aquando da celebração do contrato.
Pela nossa parte, perfilhamos na íntegra o entendimento avançado por Abrantes Geraldes, assim resumido: 'sendo as seguradoras detentoras de maior poder contratual e de maior conhecimento das circunstâncias relevantes para o exercício da sua atividade, razões de segurança e de certeza jurídica deveriam ter levado a optar por outra solução assente num modelo de declarações essencialmente fundado no preenchimento de questionários fechados, previamente elaborados de acordo com a especificidade de cada seguro ou de cada objeto do seguro. Através de uma série de questões que integrassem as principais circunstâncias suscetíveis de interferir na apreciação dos riscos e no conteúdo dos contratos de seguro - que as seguradoras bem conhecem - seria então legítimo repercutir a posteriori nos interessados os efeitos negativos decorrentes de falsas ou de incompletas informações'.[10]
Em sentido mais otimista Luís Poças defende que 'relativamente ao art. 24º da Lei do Contrato de Seguro, considerando a referida dificuldade de o proponente aferir quais os factos ou circunstâncias que está obrigado a declarar, o novo regime não optou por um sistema de questionário fechado, mas, mantendo um regime de declaração espontânea, solucionou o problema por via da definição do critério de relevância e da delimitação, a esse nível, do dever de declaração do risco. Por outro lado, superando-se algumas das críticas apontadas ao anterior regime, a relevância deixa de ser aferida na Lei do Contrato de Seguro pelos critérios do segurador, passando a sê-lo em função dos critérios representados pelo proponente concreto: o dever incide sobre as circunstâncias que o tomador do seguro ou o segurado conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador”[11]
Os artigos 18.º a 26.º da LCS constituem normas jurídicas relativamente imperativas, o que significa que o seu teor só poderá ser alterado se tal se mostrar mais favorável ao tomador do seguro, segurado ou beneficiário, tal como previsto no artigo 13.º da LCS.
No artigo 24.º, n.º 1, da LCS, estatui-se um dever geral de informação pelo tomador ou segurado quanto a circunstâncias relevantes para a apreciação do risco, prevendo-se ainda no nº 2 do preceito a sua aplicação a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito.
O dever de informação que impende sobre o tomador do seguro ou sobre o segurado destina-se a dar a conhecer à seguradora os factos relevantes para a avaliação do risco do seguro.
No regime que vigora entre nós não existe obrigatoriedade de apresentação de um questionário por parte da seguradora. Porém, os questionários predominam nos seguros de pessoas, considerando-se nessa conformidade que sendo um questionário respondido com seriedade e de boa fé, nada mais haverá, em princípio, a acrescentar.[12]
No caso de um seguro de vida exige-se ao tomador ou ao segurado que manifestem as circunstâncias relativas à saúde do segurado que conhecem no momento da declaração, o que, para a seguradora, tendo em conta a avaliação dos riscos que vai assumir é, em princípio, relevante ou para a decisão de contratar ou para a definição concreta do conteúdo do contrato.
Os artigos 25.º e 26.º da LCS fazem a destrinça das situações de omissões ou inexatidões dolosas das omissões ou inexatidões negligentes.
A «inexatidão» corresponde ao vício da declaração que é falsa, desconforme à verdade, à realidade objetiva conhecida. A «omissão» é o vício da declaração que silencia uma circunstância relevante, não a revelando total ou parcialmente.[13]
Em caso de incumprimento doloso do dever de declaração inicial do risco, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro (artigo 25.º, nº1 da LCS)
Como refere Pedro Romano Martinez, a propósito deste incumprimento doloso, há que distinguir o dolo enquanto modalidade de culpa e o dolo enquanto vício da vontade.[14]
O dolo-culpa constitui um elemento subjetivo de uma ação (ou de uma omissão), que corresponde ao juízo feito pelo agente em determinada atuação, encontrando-se patente no n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil.
Neste sentido, dolo e negligência constituem modalidades de culpa ou de ilicitude subjetiva.
No segundo caso, o dolo é um vício da vontade, também conhecido por «dolo-artimanha» ou seja, «é uma ação que, necessariamente, é acompanhada do elemento subjetivo dolo».[15]
O «dolo-artimanha» corresponde ao «dolus malus» definido no n.º 1 do artigo 253.º do Código Civil, definido como «qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante».
Contrapõe-se ao erro simples, ou seja, aos casos em que a declaração negocial se formou «com algum desvio em relação ao que se queria dizer por ter assentado em pressupostos ou informações insuficientes ou incorretas, mas sem que tenha havido intenção do declarante de provocar tal situação», nos termos dos artigos 247.º, 251.º e 252.º do Código Civil.
Há, porém, quem entenda que o dolo previsto no artigo 25º da LCS não está necessariamente orientado para o engano e, portanto, o proponente incumpre dolosamente quando quer mentir ou omitir relativamente a um facto que sabe ser relevante, mesmo que o seu propósito não seja enganar o segurador (mas, apenas, por exemplo, ocultar um facto embaraçoso). Para os defensores desta teses, o que releva é a vontade e consciência de mentir ou omitir, independentemente de qualquer propósito.[16]
Tem-se assistido, também, a divergências jurisprudenciais quanto à exigência do requisito da essencialidade do erro para o segurador.
No sentido afirmativo, isto é, que para anular o contrato, o segurador terá de demonstrar que o dolo o conduziu ao erro e que, se conhecesse o erro, não teria celebrado o contrato, ou seja, terá de demonstrar a essencialidade do erro, pode ver-se exemplificativamente os Acs. do STJ de 8.11.2018 e da Relação do Porto, de 15.11.2018.[17]
Em sentido contrário, de que a anulabilidade do contrato de seguro basta‑se com o incumprimento doloso daquele dever, não sendo imprescindível que a omissão ou declaração inexata seja suscetível de influenciar o segurador na decisão de contratar, pode ver-se os Acs. da Relação de Coimbra de 17.9.2019 e da Relação do Porto de 4.9.2015.[18]
O sentido do nosso entendimento é o de que o artigo 25.º da LCS regula um caso de «dolo-vício», o que tem como consequência a necessidade da verificação da dupla causalidade exigida nos artigos 253.º e 254.º do Código Civil: o dolo tem de ser causa do erro do segurador e o erro tem de ser essencial, sendo a causa da anulabilidade.
Em resultado dessa compreensão, para anular o contrato o segurador terá de demonstrar que o dolo o conduziu ao erro e que, se conhecesse o erro, não teria celebrado o contrato.
Na situação presente o segurador não arguiu a invalidade do contrato de seguro, nem categorizou o comportamento da beneficiária a título de dolo ou negligência.
Contrapõe apenas que a autora, à data do preenchimento do questionário de saúde, tinha uma pré-existência clínica de que era conhecedora e que não declarou, o que constitui um risco excluído de todas as coberturas do contrato, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 6.º das Condições Gerais da apólice, acrescentando que foi essa situação de erro quanto à situação de saúde da autora que levou a ré à aceitação da proposta de seguro e que em caso algum teria celebrado o contrato se tivesse conhecido o facto omitido.
Invoca a Autora que não lhe foram antecipadamente facultadas cópia das condições gerais, nem lhe foi explicada a exclusão constante do item 6.2..
A questão desdobra-se, assim, em duas vertentes: (i) o dever de comunicação e suas consequências e (ii) a omissão de informação de preexistência de doença essencial à decisão de contratar.
Quanto ao dever de comunicação e suas consequências.
O contrato de seguro é um contrato de adesão, na formulação prevista no Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais – LCCG, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25.10, já que as propostas consubstanciam formulários contendo um clausulado pé-elaborado.

Sob a epígrafe «comunicação», determina o artg. 5º que:
1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.

A consequência para a violação desta imposição legal está prevista no artigo 8º, alínea a), da LCCJ, onde se estatui que se consideram excluídas dos contratos singulares as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º.
Na cláusula 6.2., das condições gerais do seguro, consta que: “Está igualmente excluída das coberturas do presente contrato, a morte, a invalidez ou doença grave que resultem de situações físicas emergentes de acidente já ocorrido ou de doença pré-existente, à data do preenchimento da Proposta de Seguro, declarada ou não da mesma, ou do seu tratamento ou evolução, bem como as consequências de qualquer lesão causada por tratamento não relacionado com doença ou acidente coberto pelo presente contrato”.
A provar-se esta falta de comunicação (que não ocorreu) tal cláusula haveria de se ter por excluída do contrato.
Sucede, porém, como bem se refere na sentença recorrida, o aprofundamento dessa questão revela-se, no caso, inútil, atendendo a que se apurou que a Ré omitiu informação sobre a preexistência de uma situação de doença essencial à celebração do seguro o que desobriga a Ré a cobrir o sinistro, quer se considere que essa omissão foi dolosa ou negligente.
Com efeito, entrando na outra vertente da questão, a demonstração de que a Autora omitiu informações sobre o seu estado de saúde (relevantes no processo de formação de vontade) – quer quanto ao facto de padecer de uma doença oncológica, quer quanto ao facto de ter sido sujeita a tratamentos, quer quanto ao facto de beneficiar, à data da proposta de seguro, de atestado multiusos a reconhecer-lhe a incapacidade de 80% (sujeita a reavaliação futura) –  permite concluir que atuou de forma dolosa (com dolo-culpa), no sentido de que atuou de forma incorreta, induzindo ou mantendo em erro a contraparte.
A prestação de informações dolosas faz nascer o direito potestativo à anulação do contrato de seguro, o que no caso não foi exercido, mas, de forma concomitante, desobriga o segurador de cobrir o sinistro, nos termos do artigo 25º, nº3, da LCS.
Esta solução de desoneração da prestação, configura no entendimento de Arnaldo Costa Oliveira, uma pré-anulação na medida em que consubstancia uma “previsão da não cobertura do sinistro enquanto não caducar o direito de anulação do contrato em razão do incumprimento doloso do dever de declaração inicial do risco (n.º 3 do art. 25.º), que diverge do regime geral da anulação, pois que aplica os efeitos desta antes mesmo da existência da declaração unilateral de anulação. É solução que portanto configura um efeito “pré-anulação” da anulabibilidade prevista no n.º 1 do art. 25.º, uma como “anulação ex lege” – sendo então uma concessão que o legislador português efectuou ao regime típico da nulidade (que opera ipso iure)”.[19]
Esse efeito “pré-anulação” constitui, pois, um facto impeditivo que a Ré pode opor à Autora, para negar o direito à prestação.
O mesmo resultado se alcançará, com a qualificação do caracter negligente da omissão, a que corresponde a previsão do artigo 26.º, nº4, alínea b), da LCS, considerando, por um lado, a essencialidade da informação respeitante à situação de saúde da Autora e, por outro lado, a relação da causalidade entre a informação omitida e o sinistro verificado, pois que a doença de natureza oncológica, que tinha determinado a necessidade de realização de tratamentos médicos e a impossibilidade de trabalhar e ainda o reconhecimento de uma incapacidade por parte da Segurança Social, foi a que esteve na causa do diagnóstico da invalidade definitiva de grau de 60%.
Como a propósito afirma Arnaldo Costa Oliveira, “não sendo provado o dolo, seja do tomador do seguro, seja do segurado (…), mas provando-se a essencialidade do facto declarado inexactamente ou omitido e a exigibilidade da sua declaração exacta (por ser conhecida do tomador do seguro ou do segurado em termos de lhes ser exigível reputar esse conhecimento como sendo significativo para o segurador), deve, naturalmente, seguir-se o regime do art. 26.º”.[20]
Nestes termos, perante essa relação de causalidade entre a doença omitida e o sinistro, assiste ao segurador o direito de não cobrir o sinistro.
Pelo exposto, terá a apelação de improceder.
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SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil)
I - O artigo 24.º, n.º 1, da LCS, estatui um dever geral de informação pelo tomador ou segurado quanto a circunstâncias relevantes para a apreciação do risco.
II - Os artigos 25.º e 26.º da LCS distinguem as omissões ou inexatidões dolosas das omissões ou inexatidões negligentes.
III - A prestação de informações dolosas faz nascer o direito potestativo à anulação do contrato de seguro, o que na ação não foi exercido, mas, de forma concomitante, desobriga o segurador de cobrir o sinistro, nos termos do artigo 25º, nº3, da LCS., o que constitui um facto impeditivo que o segurador pode opor para negar o direito à prestação.
IV - O mesmo resultado se alcançará, com a qualificação do caracter negligente da omissão, a que corresponde a previsão do artigo 26.º, nº4, alínea b), da LCS, se resultar a essencialidade da informação para a decisão de contratar e a relação de causalidade entre a informação omitida e o sinistro verificado,
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IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Guimarães, 18 de Dezembro de 2024

Assinado digitalmente por:                                                   
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Margarida Pinto Gomes
2º Adj. - Des. Sandra Melo


[1] Referência feita no preâmbulo do Decreto-Lei n.º72/2008 de 16 de abril.
[2] In Contrato de Seguro e Seguro de Crédito – II Congresso Nacional de Direito dos Seguros, Memórias, Coordenação de António Moreira e M. Costa Martins, Almedina, 2001, pág. 27.
[3] In CJstj - Tomo I, pág. 102. No mesmo sentido pode ver-se os Acs. do STJ de 17.11.2005, in CJstj - Tomo III, pág. 120, e de 08.06.2006, in www.dgsi.pt, o Ac. da Relação de Coimbra de 18.10.2005, in CJ - Tomo IV, pág. 31, e o Ac. da Relação de Guimarães 09.03.2005, in CJ - Tomo II, pág. 279. Na doutrina pode ver-se JOSÉ VASQUES, in Contrato de Seguro, pág. 223, e JOSÉ CARLOS MOITINHO DE ALMEIDA, in O contrato de Seguro, pág. 61.
[4] Intervenção no Colóquio organizado pela Secção Portuguesa da Associação Internacional de Direito dos Seguros que decorreu no dia 10 de março de 2010, sob o tema Novo Regime do Contrato de Seguros, no painel Contrato de Seguro: Praxis.
[5] Disponível em www.dgsi.pt.
[6] Neste sentido, ALMENO DE SÁ, in Cláusulas Contratuais Gerais e Diretiva Sobre Cláusulas Abusivas, pag. 19.
[7] A generalidade das legislações europeias adotaram uma solução diferente como é o caso da lei sobre o contrato de seguro alemã de 23 de novembro de 2007 (§19), da lei luxemburguesa de 27 de julho de 1997 sobre o contrato de seguro (art. 11°), da lei belga de 25 de junho de 1992 sobre o contrato de seguro terrestre (art. 5°) e da lei espanhola de 8 de outubro (art. 10°, n°1).
[8] Neste sentido se pronunciou José Carlos Moitinho de Almeida, in Proteção do Tomador do Seguro e dos Segurados no Novo Regime Legal do Contrato de Seguro, www.csm.pt. Neste ponto pode ver-se também o Ac. da Relação de Lisboa de 14.03.2013, in www.dgsi.pt.
[9] Como é o caso do Ac. da Relação de Lisboa de 13.03.2007, in CJ - Tomo II, pág. 79; dos Acórdãos do STJ de 12.02.2009 e da elação de Coimbra de 18.12.2013, in www.dgsi.pt, o Ac. da Relação do Porto de 10.12.2009, in www.dgsi.pt.
[10] Ob. cit.
[11] In O Dever de Declaração Inicial do Risco no Contrato de Seguro, pág. 348.
[12] Menezes Cordeiro, Direito dos Seguros, Coimbra: Almedina, 2013, pag. 579.
[13]  Neste sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 28.6.2018, disponível em www.dgsi.pt.
[14] In Lei do Contrato de Seguro, 3.ª ed., Coimbra: Almedina, 2016, pag. 153..
[15] Neste sentido o Ac. da Relação de Lisboa de 21.05.2020, citando Joana Galvão Telles, Deveres de informação das partes, in Temas de Direito dos Seguros, coord. de Margarida Lima Rego, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2016, p. 382..
[16] Tese propugnada por Luís Poças, In O Dever de Declaração Inicial do Risco no Contrato de Seguro, Coimbra: Almedina, 2013, pag. 468.
[17] Ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[18] Disponíveis em www.dgsi.pt.
[19] Lei do Contrato de Seguro Anotada, pag. 159.
[20] Ob. cit., pag. 157