I - Não há qualquer prova nos autos de que as ora peticionantes têm menos de 16 anos de idade à data dos factos que lhes são imputados no despacho judicial que decretou a sua prisão preventiva e, por outro lado, há fortes indícios de que são penalmente imputáveis, por terem idade superior a 16 anos de idade.
II - Não existindo motivo legal, em razão da idade, impeditivo da aplicação às peticionantes da medida coativa de prisão preventiva, não pode proceder a providência de habeas corpus formulado pelas mesmas ao abrigo do disposto no art.222.º, n.º2, alínea b), do mesmo Código.
Habeas Corpus
*
Acordam, em Audiência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça
I- Relatório
1. AA e BB, ambas arguidas em regime de prisão preventiva no Estabelecimento Prisional ..., à ordem do inquérito n.º 130/23.0PVLSB, que corre no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, DIAP – ... Secção, vêm requer ao Supremo Tribunal de Justiça, Petição de Habeas Corpus, ao abrigo do art.222.º, n.ºs 1 e 2, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal, nos termos que se transcrevem:
“1º Em 7/2/2023, foram as ora arguidas detidas e constituídas arguidas pela PSP e sujeitas a TIR nos autos de Inquérito nº 127/23.... a correr seus termos no DIAP Lisboa (... Secção)
2º Apresentadas ao Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa - ..., para 1º interrogatório, em 8/02/2023, foi-lhes aplicada a medida de coação de prisão preventiva.
3º A partir dessa mesma data, as arguidas encontram-se detidas em regime de prisão preventiva no EP ....
4º Em 28/2/2023, foram as mesmas arguidas constituídas arguidas no EP ... e prestado TIR, nos autos de Inquérito nº 127/23...., Inquérito nº 220/23...., Inquérito nº 68/... e Inquérito nº 130/23.0PVLSB, todos a correr seus termos no DIAP Lisboa, os quais se encontram incorporados nos presentes autos.
5º As arguidas são menores, com a idade de 15 anos, conforme comprovado documentalmente nestes autos.
6º Em 9/03/2023, as arguidas juntaram nestes autos os passaportes originais a título devolutivo.
7º Uma vez que as ora arguidas são menores de idade não podem permanecer detidas e em regime de prisão preventiva no EP ....
8º As ora arguidas têm o estatuto de refugiadas em Itália, onde permaneceram desde tenra idade, falando fluentemente a língua italiana.
9º As ora arguidas requereram a sua audição e prestar esclarecimentos em língua italiana, o que nunca aconteceu.
10º Sendo as ora arguidas menores de idade, não pode o Tribunal aplicar a medida de coação de prisão preventiva por falta de legitimidade e ofensa do princípio da legalidade.
11º A situação actual de medida de prisão preventiva no EP ... é ilegal e totalmente inadequada.
12º Neste sentido estão claramente preenchidos (do ponto de vista dos critérios vinculativos da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem) as exigências previstas no Artº 222º, do CPP, nº 1 e nº 2, b) e c), verificando-se a ilegalidade da manutenção da medida de coação de regime de prisão preventiva, e assim se fazendo imprescindível a apresentação o presente requerimento de Habeas Corpus.
13º Tem sido jurisprudência frequente deste Supremo Tribunal considerar que boa parte dos fundamentos do requerimento de Habeas Corpus são "matéria de recurso" e não se integram na necessidade da “providência excepcional” que o Habeas Corpus.
14º Existe a exigência de recurso material efectivo contra a violação dos Direitos do Homem, significa a possibilidade material efectiva de fazer cessar imediatamente a respectiva violação, ou impedir a sua consumação e isso não é, visivelmente, atingível pela demorada tramitação dos actos processuais que demoram meses a tramitar, meses durante os quais a violação subiste.
15º Em sede tutelar educativa, face à notícia da prática, por menor de idade compreendida entre os 12 e os 15 anos, de facto qualificado pela lei como crime, compete ao MP iniciar a fase de inquérito e dirigi-la e, no final, caso se justifique, requerer a abertura de fase jurisdicional.
16º No caso concreto, estamos em presença, além do mais, da violação do princípio da legalidade (Artº191º, CPP), em que a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei.
17º Ora em causa neste caso, está a prática de actos ilegais, tendo em conta serem as arguidas menores de idade compreendida entre os 12 e os 16 anos nomeadamente, as constantes dos Artºs 191º, 192º, 202º, 204º, todos do Código de Processo Penal, como se demonstrou e a tal ponto que nos não é possível reconhecer no exposto outro procedimento que não este, como nas expostas circunstâncias, um Tribunal de País membro da União Europeia;
TERMOS EM QUE SE REQUER,
A concessão imediata da presente Providência de Habeas Corpus em razão de prisão ilegal e detenção das arguidas, menores de idade, em regime de prisão preventiva.”
2. Pelo Exmo. Juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal – Juiz ..., foi prestada a seguinte informação, nos termos do art.223.º, n.º1, do Código de Processo Penal (transcrição):
“A medida de habeas corpus não se destina, salvo o devido respeito por outra opinião, a formular juízos de mérito sobre a decisão judicial de privação de liberdade.
Para esse efeito servem os recursos, os requerimentos e os incidentes próprios, na sede apropriada.
Nesta sede cabe apenas verificar se os pressupostos da prisão preventiva dos arguidos constituem patologia desviante enquadrável em alguma das als. do art. 222º, n.º 2 do C.P.P..
Nela se contêm os pressupostos nominados e em numerus clausus que podem fundamentar o uso da garantia em causa.
Ora, na situação presente:
1) A prisão preventiva dos arguidos foi ordenada por entidade competente (Juiz de Instrução Criminal) - art.222º, n.º 2, al. a) do C.P.P.;
2) Não se mostram ultrapassados os prazos a que alude o art.215º, n.º 1, al. a) “ex vi” art. 222º, n.º 2, al. c), ambos do C.P.P.).
A única questão que importa, pois, elucidar, é se prisão preventiva foi “motivada por facto pelo qual a lei a não permite” (art.222º, n.º 2, al. b) do mesmo diploma).
Considerando que só os maiores de 16 anos são imputáveis (art.19º do CP.) e que só relativamente estes poderá iniciar-se o procedimento criminal, parece-nos claro que, neste âmbito, ainda estamos no domínio do “facto”.
Vale o exposto por dizer que também só os maiores de 16 anos podem ser sujeitos à medida de coação de prisão preventiva (aliás, igualmente qualquer outra medida de coação).
As arguidas são maiores ou menores de 16 anos?
Salvo o devido respeito por outra opinião, não há qualquer elemento seguro no processo, antes pelo contrário, que permita concluir que as arguidas têm idade inferior a 16 anos.
Vejamos:
Em sede de 1º interrogatório judicial, a arguida BB declarou que nasceu no dia .../.../2010 e que tem 13 anos (fls. 80).
Por sua vez, a arguida AA declarou ter nascido a .../.../2010 e que tem 13 anos (fls. 81).
Acresce que, ambas, afirmaram serem naturais da Croácia e serem nacionais do mesmo país.
Presidi ao 1º interrogatório em referência.
À data, como consta da respetiva ata (fls. 80 e 81), tive a oportunidade de consignar o seguinte relativamente a ambas as arguidas:
“(…) entendo que face à fisionomia da arguida é impossível a mesma ter esta idade, sendo para mim perfeitamente credível, tendo em consideração esta mesma fisionomia, que a arguida terá mais de 20 anos.
A meu ver tratar-se-á de esquema delineado e preparado em ordem a que a arguida, invocando idade falsa, logre furtar-se a este 1º interrogatório e, deste modo, furtar-se-á a eventual sujeição de medidas de coação.
Tenho fundadas ou elevadíssimas suspeitas de que a arguida no âmbito das suas declarações quanto a sua identificação mentiu ao Tribunal.
Pelo exposto, oportunamente, deverá o M.P. informar se eventualmente prosseguirá eventual procedimento criminal pelo crime de falsidade de declaração (art. 359º, n.º 2 do CP.) e caso a resposta seja negativa deverá extrair certidão de todo o processado (…) e remeter-se ao M.P. para efeitos de eventual procedimento criminal (...)."
Note-se que, à data, dos autos não constava nenhum elemento de identificação das arguidas, as fotografias que lhe foram retiradas (fls. 41, 43 e 138), bem como a sua fisionomia eram (e são), inequívocas, quanto à conclusão retirada de que terão mais de 16 anos, aliás, mais de 20 anos!
Tenha-se presente, também, que as arguidas se recusaram a assinar os termos de identidade e residência já aquando da sua prisão (preventiva), no E.P. (fls. 125 a 130).
Nas diligencias prévias à apresentação das arguidas para primeiro interrogatório judicial, ambas as arguidas foram conduzidas às instalações da Polícia Judiciária para confirmar a sua identidade (fls. 137 e 138).
Foram efetuadas pesquisas no ficheiro central de dados lofoscópicos (FCDL), plataforma AFIS com resultado negativo.
Por sua vez, foram realizadas pesquisas internacionais às bases de dados com as quais a PJ se encontra conectada no âmbito das decisões Pruni, onde foi possível obter os seguintes Hit’s:
- AA, em Espanha e França;
- CC aliás BB, em Espanha, França e Bélgica;
Posteriormente, foram obtidas respostas (fls. 199) dos Estados Membros onde foram detetados HIT’s respeitantes aos indivíduos do sexo feminino AA e BB (CC), a saber:
1) AA (resposta de Espanha):
-identidade DD (aparentemente, esta arguida terá igualmente faltado à verdade no tocante ao seu nome em sede de 1º interrogatório judicial);
- nascida a .../.../1994 (ou seja, atualmente com 28 anos de idade);
Consta ainda: “siendo ésta su “VERDADEIRA IDENTIDADE” una vez cotejado el DNI del que es titular”.
2) BB (resposta de Espanha):
- identidade EE (aparentemente, esta arguida terá igualmente faltado à verdade no tocante ao seu nome em sede de 1º interrogatório judicial);
- nascida a .../.../1994 (ou seja, atualmente com 29 anos de idade);
Nota: “La identidade no ha sido confirmada”.
(resposta da Bélgica):
- CC - alias BB, is known under identity FF (dob. 5.5.2001) - i.e., terá atualmente 22 anos de idade;
No será irrelevante referir que segundo as mesmas informações terá sido detida a 21.3.2012 “por robo com fuerza (diligencias 209212/2012) – ...”.
Ou seja, se for verdadeira a data de nascimento indicada em sede de 1º interrogatório judicial (.../.../2010) e tratando-se da mesma pessoa - o que parece ser correto face ao HIT verificado - a arguida teria sido detida em Espanha/... pela prática de um crime de roubo quando tinha 2 anos, 2 meses e 20 dias de idade!!!
Relativamente à arguida AA foi ainda recebida a informação que pende uma denúncia em ... por "ROBÔ FUERZA COSAS" por factos praticados a 5.12.2014.
Se for verdadeira a data de nascimento indicada em sede de 1º interrogatório judicial (.../.../2010) e tratando-se da mesma pessoa - o que parece ser correto face ao HIT verificado - a arguida teria praticado um crime de roubo em Espanha/... quando tinha sensivelmente 4 anos e 11 meses de idade!!!
Ademais:
As arguidas, em sede de 1º interrogatório judicial, como referido, indicaram como nacionalidade e naturalidade a Croácia.
Efetuadas diligências junto da Embaixada da República da Croácia em Lisboa a qual contactou as autoridades competentes croatas, obteve-se a seguinte informação (fls. 187):
“As pessoas em cima nomeadas não possuem um número de registo como cidadãs croatas, nem residência registada no território da República da Croácia.
Informamos também que uma verificação efetuada nos registos de aquisição da nacionalidade croata do Ministério do Interior constatou que não foram recebidos pedidos de aquisição da nacionalidade croata para pessoas com os dados pessoais mencionados”.
Prosseguindo:
As arguidas pretendem provar a sua idade (agora já não 13, mas sim 15 anos), com base nas cópias do International Roma Pass de fls. 149 e 150 dos quais, entretanto, foram juntos os alegados originais (fls, 189).
Porém, como resulta das diligencias entretanto realizadas (fls. 178 a 1S3) e resulta do respetivo site institucional (https://iru2020.org/#passport) o intitulado Passaporte Roma exige documento de identificação nacional e não é válido para viagens.
Como consignado no despacho de fls. 169 v., não configura um passaporte “strictu sensu”, outrossim, um documento que teve a sua origem na resolução de 9 de Setembro de 2010 do Parlamento Europeu que tem subjacente a não discriminação de pessoas da etnia cigana na livre circulação na EU.
Aliás, lê-se no referido site institucional que o “passaporte cigano foi criado com um documento que confirma a afiliação de seu proprietário à nação cigana”.
Acresce que (v. fls. 182 e 183), “da análise entre o passaporte emitido pelo Internacional Romani Union e o documento apresentado pelo defensor das arguidas Roma Pass, constata-se que não apresenta qualquer semelhança entre os documentos, atrevendo-me a afirmar que se trata de um documento fictício.”
Ademais:
Como consignado no despacho de fls. 169 v. - e, em relação a isto não há quaisquer dúvidas - os International Roma Pass não estão assinados/subscritos pelas arguidas e foram emitidos em data em que as mesmas não estiveram presentes junto das entidades competentes, uma vez que na data de emissão que deles consta (22.2.2023) as arguidas já estavam sujeitas à medida de coação de prisão preventiva à ordem dos presentes autos (desde 8.2.2023).
Não se deixa, igualmente, de salientar que os alegados International Roma Pass têm uma numeração sequencial (009077 e 009078) e referem como local de nascimento ... (Croazia), o que já foi desmentido, por duas vezes, pela Embaixada da República da Croácia em Lisboa (fls. 187 e 205).
Anote-se ainda nas discrepâncias do afirmado pelas arguidas em sede de 1º interrogatório judicial quanto às suas datas de nascimento e ao que consta nos alegados International Roma Pass:
- BB: nasceu no dia .../.../2010 e tem 13 anos (1º interrogatório); nasceu a .../.../2008 e tem 15 anos (alegado documento);
- AA: nasceu no dia .../.../2010 e tem 13 anos (1º interrogatório); nasceu a .../.../2008 e tem 15 anos (alegado documento);
Resta ainda referir que estão diligências em curso, designadamente perícias médicas, de modo a determinar a idade biológica de ambas as arguidas no INIVÍLCF.
Em síntese:
Não há nenhum documento nos autos que comprove a idade das arguidas.
A sua aparência/fisionomia observada em sede de 1º interrogatório judicial aponta, inequivocamente, para uma idade superior a 20 anos.
Os elementos probatórios recolhidos até ao presente nas congéneres internacionais indicam idades de 28/29 anos.
O presente “habeas corpus”, a meu ver e salvo o devido respeito por outra opinião, visa apenas uma libertação “'forçada” das arguidas antes da realização da perícia médica e com base numa invocada, não comprovada e alegada idade de 15 anos (outrora, em sede de 1º interrogatório, de 13 anos)!
Trata-se de estratégia processual planeada pelas arguidas desde a sua apresentação a 1º interrogatório judicial que visa apenas um desiderato: a invocação de uma idade alegadamente fictícia de modo a convencer alguém incauto e, deste modo, obterem a sua libertação.
Por conseguinte e pelas razões aduzidas:
1) Mantém-se as arguidas sujeitos à medida de coação de prisão preventiva (art.223º, n.º 1 do C.P.P.).
Vossas Excelências, porém, Colendos Conselheiros, em superior critério, bom senso e ponderação farão certamente a necessária e costumada JUSTIÇA!”.
3. Convocada a Secção Criminal, notificado o Ministério Público e o Advogado das requerentes, procedeu-se à audiência, de harmonia com as formalidades legais, após o que o Tribunal reuniu e deliberou como segue (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP).
II - Fundamentação
4. Das peças processuais juntas aos autos e do teor da informação prestada nos termos do art.223.º do Código de Processo Penal, emergem apurados os seguintes factos relevantes para a decisão da providência requerida:
1. As ora peticionantes, foram detidas e constituídas arguidas pela PSP, no dia 7 de fevereiro de 2023, tendo-se identificado como “AA” e “CC” e, tendo recusado fornecer outros elementos de identificação, foram sujeitas a TIR apenas com esses dados identificativos.
2. Nas diligencias prévias à apresentação das arguidas para 1.º interrogatório judicial, nos autos de Inquérito n.º 130/23.0PVLSB, a correr seus termos no DIAP de Lisboa (... Secção), ambas as arguidas foram conduzidas às instalações da Polícia Judiciária para confirmar a sua identidade e, tendo aí sido realizadas, além do mais, pesquisas internacionais às bases de dados com as quais a PJ se encontra conectada no âmbito das decisões Pruni, foi possível obter os seguintes Hit’s:
- AA, em Espanha e França;
- CC aliás BB, em Espanha, França e Bélgica;
3. Apresentadas a 1.º interrogatório judicial, no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa – Juiz ..., no dia 8/02/2023, declararam não dominarem a língua portuguesa e falarem fluentemente a língua espanhola, pelo que lhes foi nomeada uma intérprete de língua espanhola.
Uma das arguidas declarou então chamar-se AA, nascida no dia .../.../2010 e, a outra arguida, declarou chamar-se BB, nascida no dia .../.../2010 e, ambas, que têm 13 anos de idade, sendo naturais da Croácia e nacionais do mesmo país.
4. Na sequência desta identificação das arguidas, o Ex.mo JIC determinou que se consignasse na ata, relativamente a cada uma delas, designadamente: “(…) entendo que face à fisionomia da arguida é impossível a mesma ter esta idade, sendo para mim perfeitamente credível, tendo em consideração esta mesma fisionomia, que a arguida terá mais de 20 anos.
A meu ver tratar-se-á de esquema delineado e preparado em ordem a que a arguida, invocando idade falsa, logre furtar-se a este 1º interrogatório e, deste modo, furtar-se-á a eventual sujeição de medidas de coação.
Tenho fundadas ou elevadíssimas suspeitas de que a arguida no âmbito das suas declarações quanto a sua identificação mentiu ao Tribunal.
Pelo exposto, oportunamente, deverá o M.P. informar se eventualmente prosseguirá eventual procedimento criminal pelo crime de falsidade de declaração (art.359º, n.º 2 do CP.) e caso a resposta seja negativa deverá extrair certidão de todo o processado (…) e remeter-se ao M.P. para efeitos de eventual procedimento criminal (...).”.
5. Por despacho de 8/02/2023, proferido no final do 1.º interrogatório judicial, o Ex.mo JIC, considerando haver fortes indícios da prática pelas arguidas, dos factos nele descritos, que integram em coautoria e na forma consumada, um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo art.191.º do Código Penal (NUIPC 130/23.0PVLSB) e três crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º n.º1 e 204.º, n.º 2, alíneas e) e g) do Código Penal ( 127/23...., 220/23.... e 68/23...., e se verificarem os perigos de continuação da atividade criminosa e de fuga, decidiu aplicar às duas arguidas as medidas coativas de TIR e de prisão preventiva, nos termos dos artigos 191.º a 193, 202.º, n.º1, alíneas a) e d) e 204.º, n.º1, alíneas a) e c), todos do Código de Processo Penal.
6. A partir dessa data as arguidas encontram-se em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional ....
7. No dia 28-2-2023, as arguidas foram novamente constituídas arguidas e prestaram novo TIR, tendo por referência as identidades que indicaram em sede de 1.º interrogatório judicial, tendo recusado assinar os respetivos documentos.
8. Por requerimento de 1-3-2023, as arguidas AA e BB, juntaram procurações forenses e cópias de dois documentos intitulados “International Roma Pass”, solicitando a sua imediata audição em interrogatório complementar, em língua italiana por terem estatuto de refugiadas em Itália, a fim de ser alterada a medida coativa de prisão preventiva, pois têm ambas 15 anos de idade.
As arguidas apresentaram os originais dos dois documentos intitulados “International Roma Pass”, com data de emissão de 22-2-2023, onde, além do mais, consta que AA, nasceu no dia .../.../2008 e BB nasceu no dia .../.../2008, sendo ambas naturais de ..., Croácia.
9. Por despacho do Ex.mo JIC, de 7-3-2023, foi indeferido o interrogatório complementar das arguidas, por não ser da sua competência e, mesmo que assim não se entendesse, por só o fazer quando estiverem finalizadas as diligências probatórias em curso para apuramento da identidade e idade das arguidas.
10. Tendo em conta os Estados Membros onde foram detetados HIT’s respeitantes a “AA” e “BB”, Espanha comunicou, entretanto, relativamente à identidade das mesmas, designadamente, o seguinte:
1) AA: identidade DD; nascida a .../.../1994; “siendo ésta su “VERDADEIRA IDENTIDADE” una vez cotejado el DNI del que es titular”.
2) BB:
- identidade EE; nascida a .../.../1994; com a nota de que “La identidade no ha sido confirmada”.
A resposta da Bélgica, foi por sua vez, designadamente, a seguinte:
- CC - aliás BB, “is known under identity FF (dob. 5.5.2001)”.
11. A Embaixada da República da Croácia, em Lisboa, informou nos autos, a 9 de março de 2023, que AA e BB não possuem registo como cidadãs croatas, não constam como tendo requerido a nacionalidade croata, nem têm residência registada no território da República da Croácia.
13. Encontra-se em curso no INMLCF, no âmbito do inquérito n.º130/23.0PVLSB, a realização de perícia para determinação da idade biológica das arguidas AA e BB, para o que é necessária a realização prévia de diversos exames complementares de diagnóstico.
5. Questão objeto do habeas corpus
Saber se as peticionantes AA e BB, sujeitas à medida coativa de prisão preventiva, se encontram em prisão ilegal, nos termos do art.22.º, n.º2, alíneas b) e c) do Código de Processo Penal, em virtude de terem 15 anos de idade.
6. Direito
Delimitado o objeto da providência requerida, importa tecer breves considerações sobre o instituto jurídico de habeas corpus e as normas que fundamentam o pedido das arguidas visando a sua imediata restituição à liberdade.
6.1. A liberdade física, liberdade de movimentos, expressão da dignidade da pessoa humana é, desde tempos longínquos, objeto de ilegalidades e violações por abuso de poder.
Como garantia do direito à liberdade física das pessoas e à segurança, o art.27.º, da Constituição da República Portuguesa, formula o princípio de que «todos têm direito à liberdade e à segurança» (n.º1), «e ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão» (n.º2).
Em reforço do mesmo princípio, o art.28.º da C.R.P. estatui, designadamente, que «A prisão preventiva tem natureza excecional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei.» (n.º2) e que « A prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei.» (n.º4).
A prisão ou detenção é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos nestes preceitos constitucionais.
No mesmo sentido, consagrando o princípio da legalidade, quanto às medidas de coação e de garantia patrimonial, estabelece o art.191.º, n.º1 do Código de Processo Penal, que «a liberdade só pode ser limitada , total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e de garantia patrimonial previstas na lei.»
Os artigos 192.º, 202.º e 204.º do Código de Processo Penal, invocados pelas peticionantes, estabelecem, respetivamente, as condições gerais de aplicação das medidas de coação e de garantia patrimonial, os pressupostos de aplicação da prisão preventiva e os requisitos gerais de aplicação, em concreto, das medidas de coação.
Para pôr termo à situação de ilegalidade da prisão, o art.31.º da Constituição da República Portuguesa, prevê, como providência específica, o «habeas corpus», dispondo o seguinte:
«1. Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.
2. A providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos.
3. O juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus em audiência contraditória.».
O abuso de poder, referido nesta norma constitucional, traduz uma atuação especialmente gravosa no âmbito dessa ilegalidade, referindo o deputado Barbosa de Melo, em sede de Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, no âmbito da IV Revisão Constitucional, que a ideia por trás da fórmula consagrada no art.31.º, n.º1, “…é que não basta que a prisão viole um aspeto menor, é necessário a violação de um princípio essencial da lei. Uma ilegalidade que é uma mera irregularidade não justifica o habeas corpus que é uma providência excecional.”.[1]
Anotando este art.31.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira:
“Na sua versão atual, o habeas corpus consiste essencialmente numa providência expedita contra a prisão ou detenção ilegal, sendo, por isso, uma garantia privilegiada do direito à liberdade, por motivos penais ou outros, garantido nos arts. 27º e 28.º (...).
A prisão ou detenção é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos no art.27º, quando efetuada ou ordenada por autoridade incompetente ou por forma irregular, quando tenham sido ultrapassados os prazos de apresentação ao juiz ou os prazos estabelecidos na lei para a duração da prisão preventiva, ou a duração da pena de prisão a cumprir, quando a detenção ou prisão ocorra fora dos estabelecimentos legalmente previstos, etc..
Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa dos direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade”.
Ainda na doutrina constitucional, Jorge Miranda e Rui Medeiros, em anotação ao art.31.º, n.º1, da Lei Fundamental, defendem, sobre a qualificação de «providência extraordinária», atribuída ao habeas corpus, que esta “…não significa e não equivale á excecionalidade. Juridicamente excecional é a privação da liberdade (pelo menos, fora dos termos e casos de cumprimento de pena ou medida de segurança) e nunca a sua tutela constitucional. A qualificação como providência extraordinária será de assumir no seu descomprometido significado literal de providência para além (e, nesse sentido, fora – extra) da ordem de garantias constituída pela validação judicial das detenções e pelo direito ao recurso de decisões sobre a liberdade pessoal.”. [2]
Na conformação constitucional e no seu desenho normativo, o habeas corpos é uma providência judicial urgente. “Visa reagir, de modo imediato e urgente, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal” decretada ou mantida com violação “patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação”.[3]
Dando expressão ao art.31.º da Constituição da República Portuguesa, o art.222.º, n.º2, do Código de Processo Penal, estabelece como pressupostos de habeas corpus, em virtude de prisão ilegal:
«a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;
b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou
c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.».
No seguimento do entendimento do habeas corpus, como uma providência extraordinária, a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem considerando que os fundamentos do «habeas corpus» são aqueles que se encontram taxativamente fixados na lei, não podendo esse expediente ser utilizado para a sindicância de outros motivos suscetíveis de pôr em causa a regularidade ou a legalidade da prisão.[4]
O Supremo Tribunal de Justiça tem decidido uniformemente, ainda, por um lado, que a providência de habeas corpus não se destina a apreciar erros de direito nem a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade[5] e, por outro, que a procedência do pedido pressupõe a atualidade da ilegalidade da prisão reportada ao momento em que é apreciado o pedido.[6]
A propósito do fundamento de habeas corpus da alínea b) do n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal, ou seja, em virtude de “prisão ilegal” por “ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite” - referiu o acórdão do S.T.J. de 8 de novembro de 2013:
“Este fundamento abrange uma multiplicidade de situações, nomeadamente: a não punibilidade dos factos imputados ao preso, a prescrição da pena, a amnistiada infração imputada ou o perdão da respetiva pena, a inimputabilidade do preso, a falta de trânsito da decisão condenatória, a inadmissibilidade legal de prisão preventiva.
O que importa é que se trate de uma ilegalidade evidente, de um erro diretamente verificável com base nos factos recolhidos no âmbito da providência confrontados com a lei, sem que haja necessidade de proceder à apreciação da pertinência ou correção de decisões judiciais, à análise de eventuais nulidades ou irregularidades do processo, matérias essas que não estão compreendidas no âmbito da providência de habeas corpus, e que só podem ser discutidas em recurso”.[7]
Verifica-se o preenchimento desta alínea aquando a prisão tenha sido assente em razões ou motivos não previstos na lei, por exemplo casos em que o arguido comete um crime doloso punível com pena de prisão inferior a três anos de prisão ou o crime ter sido praticado negligentemente; casos em que se apura à posteriori que o arguido que se encontra preso preventivamente à data dos factos tinha 15 anos de idade; casos em que se verifica a revogação da suspensão da execução da pena de prisão com base no pressuposto do cometimento de outro crime doloso durante a suspensão, em que se verifica mais tarde que afinal teria sido cometido antes da sentença condenatória.[8]
Em matéria de prazos da prisão preventiva, os prazos a considerar são os vertidos do art.215º do CPP, sob a epígrafe «prazos de duração máxima da prisão preventiva», onde se dispõe, nomeadamente, e com interesse para o presente caso:
«1- A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:
a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação;
b) Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória;
c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância;
2- Os prazos referidos no número anterior são elevados, respetivamente, para seis meses, dez meses, um ano e seis meses e dois anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou por crime:
(…).».
Os prazos de prisão preventiva aqui previstos são válidos para as diversas fases processuais nele consideradas.
Como consigna o acórdão do STJ de 16/03/2011, na jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal, são estes os prazos a que o art.222.º, n.º2 alínea c) do C.P.P. se refere para alegar excesso de prazo de prisão preventiva e não quaisquer outros prazos que corram durante o decurso da prisão preventiva, como os de reexame dessa medida a que alude o art.213.º do mesmo Código.[9]
6.2. As peticionantes defendem que a aplicação da medida coativa de prisão preventiva a que estão sujeitas desde o dia 8-2-2023, configura uma situação de prisão ilegal, ao abrigo do art.222.º, n.º2, alíneas b) e c), do C.P.P., alegando para o efeito e em síntese: (i) as arguidas são menores, com a idade de 15 anos, conforme comprovaram documentalmente nos autos após o 1.º interrogatório judicial , através da junção dos passaportes originais; (ii) face à notícia da prática, por menor de idade compreendida entre os 12 e os 16 anos, de facto qualificado pela lei como crime, compete ao Ministério Público iniciar a fase de inquérito em sede tutelar educativa e dirigi-la e, caso se justifique, no final, requerer a abertura de fase jurisdicional.
Vejamos, em primeiro lugar, se no caso se verifica o fundamento de habeas corpus previsto na alínea b), n.º2 do art.222.º do C.P.P..
Nos termos do art.19.º do Código Penal «os menores de 16 anos são inimputáveis» e, como tal, não lhe são aplicáveis, por exclusão da culpa, as normas penais.
A prática, por menor com idade compreendida entre os 12 anos e os 16 anos de idade, de facto qualificado pela lei como crime dá lugar à aplicação de medida tutelar educativa, em conformidade com a Lei Tutelar Educativa, aprovada pela Lei 166/99, de 14 de setembro.
A questão é, assim, saber se está determinado nos autos, designadamente, pela prova documental trazida aos autos pelas ora peticionantes, que têm 15 anos de idade, por conseguinte, idade em que não poderia ser-lhes aplicada a medida coativa de prisão preventiva a que se mantêm sujeitas desde 8-2-2023, atenta a sua inimputabilidade em razão da menoridade penal.
Para comprovarem a sua alegação de que têm 15 anos de idade, invocam as ora peticionantes os “passaportes originais” que juntaram aos autos a título devolutivo.
A respeito dos “passaportes”, inicialmente juntos como cópias destes documentos, consignou o Ex.mo JIC em despacho de 7-3-2023:
“Acresce que, aparentemente, as cópias dos documentos juntos (International Roma Pass) não estão assinados/subscritos pelas arguidas, terão sido emitidos em data em que as mesmas não estiveram presentes junto das entidades competente de Roma ( à data da emissão as arguidas estavam sujeitas à medida de coação de prisão preventiva à ordem dos presentes autos) e, aparentemente, não configuram um passaporte “stritu sensu”, outro sim, um documento que teve na sua origem a resolução de 9 de setembro de 2010 do Parlamento Europeu que tem subjacente a não discriminação de pessoas da etnia cigana na livre circulação na EU.”.
A PSP, em informação de serviço de 31-3-2023, consigna que contactado telefonicamente elemento do SEF, e descrevendo o tipo de documento, afirmou que se trata de documento “fraudulento”.
Da análise dos “passaportes” apresentados pelas ora peticionantes AA e BB, consta este Supremo Tribunal que os que foram emitidos aparentemente por uma entidade designada “International Romani Union”, para confirmar a afiliação do seu titular à “nação cigana”.
É do conhecimento geral que os passaportes emitidos por Estados reconhecidos internacionalmente, só são emitidos após comprovação, por documento autêntico, da identidade do requerente, que para o efeito comparece presencial nos serviços emissores e apõe neles a sua assinatura.
É a credibilidade do passaporte que exige estas formalidades aos requerentes destes documentos.
Os “International Roma Pass” juntos aos autos, foram emitidos sem a presença das titulares dos documentos e sem qualquer assinatura delas nos mesmos documentos, como se comprova do facto de terem sido emitidos com as datas de 22/02/2023, altura em que AA e BB estão em prisão preventiva.
Consta do “passaporte” emitido a favor de AA, que esta nasceu a .../.../2008, tem a nacionalidade croata e o local de nascimento a cidade ....
Ora, a data de nascimento da arguida AA comunicada pela própria em sede de 1.º interrogatório, ao JIC, é o dia ...-...-2010, o que não corresponde à que consta à daquele documento.
Por outro lado, a Embaixada da República da Croácia, em Lisboa, não confirma a arguida AA tenha nacionalidade croata, tenha nascido em ... e já tenha tido residência na Croácia.
Análoga situação se verifica quanto ao “passaporte” emitido a favor de BB, na medida em que consta deste documento que nasceu a .../.../2008, tem a nacionalidade Croata e como local de nascimento a cidade ..., e a arguida comunicou em sede de 1.º interrogatório, ao JIC, que nasceu no dia .../.../2010 e, também a Embaixada da República da Croácia, em Lisboa, não confirma a nacionalidade desta arguida como cidadã croata ou que tenha nascido em ... e tenha tido residência na Croácia.
A credibilidade da data de nascimento das arguidas AA e BB apostas nos “passaportes” juntos aos autos, como tendo ambas 15 anos de idade, é colocada em causa pelo Ex.mo JIC, em sede de 1.º interrogatório, quando no âmbito da imediação, deixa claro que face à fisionomia de cada uma das arguidas presentes é impossível terem 13 anos de idade - idade que então declararam -, pois qualquer delas terá “mais de 20 anos”.
Também o Supremo Tribunal de Justiça, sem a imediação de que o Ex.mo JIC beneficiou, perante as fotografias tiradas ao rosto e restante corpo das arguidas pelas autoridades policiais e juntas aos autos, considera, face às regras da experiência comum, que nenhuma das duas peticionantes desta providência tem 13 anos de idade, como declararam, nem 15 anos de idade, como terá declarado quem requereu a emissão dos “passaportes” a favor das arguidas AA e BB, ou seja, as arguidas não são já crianças, mas mulheres, com bem mais de16 anos de idade e, quase de certeza, com mais de 20 anos de idade.
Exatamente porque existe uma evidente falta de credibilidade das declarações prestadas pelas arguidas AA e BB sobre a data do seu nascimento, bem como de quem atestou as datas mencionadas nos ditos “passaportes”, encontra-se pendente no INMLCF uma perícia médico-legal para determinação da real idade das mesmas.
Acresce ao exposto, que até a identidade das próprias arguidas, como sendo AA e BB está em averiguação.
A arguida que declarou, em 1.º interrogatório judicial, chamar-se BB, declarara previamente a esta diligência, perante as autoridades policiais, chamar-se “CC” e a AA declarara antes chamar-se “AA”.
Das averiguações levadas a cabo a nível internacional, nomeadamente pelo Gabinete da Interpol, sobre a identidade das arguidas que se identificam agora como AA e BB, e que ainda decorrem, resulta que, segundo as autoridades espanholas, a verdadeira identidade de AA é “DD”, nascida a .../.../1994, portanto de 28 anos de idade e, embora já sem confirmação de identidade, a BB chamar-se-á “EE”, nascida em .../.../1994, portanto, com 29 anos de idade.
Para as autoridades belgas a identidade de “CC”, aliás “BB”, é conhecida como “FF”, nascida a .../.../2001, ou seja, tem 22 anos de idade.
Resulta, do exposto, em primeiro lugar, que as ora peticionantes AA e BB utilizam diversas identidades e que nenhuma das datas de nascimento indicadas pelas autoridades dos países estrangeiros que colaboram com o Ministério Público na averiguação da correta identidade e verdadeira idade das arguidas, indicam que estas têm idade inferior a 16 anos de idade. Aliás, foge às regras da experiência comum que uma criança de 13 ou 15 anos de idade tenha suficiente discernimento para se recusar a apor a sua assinatura em documentos que lhes são apresentados por autoridades, como aconteceu, no caso, com a recusa das arguidas em assinar o termo de constituição como arguidas e a prestação de TIR por referência às identidades que indicaram em sede de 1.º interrogatório judicial.
Do atrás referida resulta ainda, em segundo lugar, que face à fisionomia e corpo das arguidas, as datas de nascimento de AA e BB apostas nos seus “passaportes”, emitidos quando se encontram na situação de prisão preventiva, não se mostram credíveis e, como tal, não comprovam as suas verdadeiras idades.
Não há, pois, qualquer prova nos autos de que as ora peticionantes AA e BB têm menos de 16 anos de idade à data dos factos que lhes são imputados no despacho judicial que decretou a sua prisão preventiva e por outro lado, há fortes indícios de que as mesmas têm idade superior a 16 anos de idade e, consequentemente, que são penalmente imputáveis.
Sendo as ora peticionantes AA e BB penalmente imputáveis, não existe motivo legal, em razão da idade, impeditivo da aplicação às mesmas da medida coativa de prisão preventiva.
As peticionantes fundamentam o pedido habeas corpus, ainda, ao abrigo da alínea c), n.º2 do art.222.º do C.P.P., embora em lado algum desta providência afirmem que foram ultrapassados os prazos máximos de prisão preventiva fixados na lei.
As arguidas AA e BB encontram-se sujeitas, por despacho judicial de 8-2-2023, proferido no final do 1.º interrogatório judicial, à medida coativa de prisão preventiva, pela prática de quatro crimes, três dos quais de furto qualificados, puníveis com pena de prisão de 2 a 8 anos.
Assim, é evidente que, nesta data, não se mostra ultrapassado o prazo de 4 meses sem que tenha sido deduzida acusação, a que alude o art.215.º, n.º1, alínea a), do Código de Processo Penal.
Deste modo, também não pode proceder a providência de habeas corpus formulado pelas arguidas ao abrigo do disposto no art.222.º, n.º2, alínea c), do mesmo Código.
Em suma, a medida coativa de prisão preventiva a que as arguidas AA e BB se encontram sujeitas, mostra-se ordenada por entidade competente (Juiz de Instrução Criminal); é motivada por facto pelo qual a lei o permite; e não se mantém para além dos prazos fixados na lei, pelo que não se verificam os pressupostos para deferir o habeas corpus fixados nos artigos 31.º da Constituição da República Portuguesa e 222.º do Código de Processo Penal.
Inexistindo um quadro de abuso de poder, por virtude dos fundamentos de habeas corpus invocados pelas peticionantes, mais não resta que indeferir a sua petição.
III - Decisão
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decidem os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, em:
a) Indeferir o pedido de habeas corpus peticionado por AA e BB, nos termos do art.223.º, n.º4, alínea a), do C.P.P., por falta de fundamento bastante; e
b) Condenar cada uma das peticionantes nas custas do processo, fixando em 4 (quatro) UCs a taxa de justiça (art.513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).
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(Certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).
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Lisboa, 6 de abril de 2023
Orlando Gonçalves (Relator)
Leonor Furtado (Juíza Conselheira Adjunta)
António Latas (Juiz Conselheiro Adjunto)
Maria João Tomé (Presidente)
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[1] Assim, Diário da Assembleia da República, de 12-9-1996, II série –RC, n.º 20, pág. 523 e Cons. Maia Costa, in “Julgar”, n.º29, “ Habeas corpus: passado, presente, futuro, pág.238.
[2] Cf. “Constituição Portuguesa anotada”, Coimbra ed., 2005, tomo I, págs. 342/343.
[3] Cf. acórdão do STJ de 9/08/2017, in www.dgsi.pt.
[4] Cf. acórdãos do STJ de 19-05-2010, CJ (STJ), 2010, T2, pág.196, e de 03-03-2021, proc. n.º 744/17.8PAESP-A.S1, in www.dgsi.pt.
[5]Cf. por todos, o acórdão do S.T.J. de 4-1-2017, proc. n.º 109/16.9GBMDR-B. S1, e jurisprudência nele citada, in www. dgsi.pt.
[6] Cf., também, entre muitos outros, o acórdão de 8-11-2013, proc. n.º 115/13.3JAPRT-B. S1, in www. dgsi.pt.
[7] Cf. proc. n.º 115/13.5YFLSB.S1, in www.dgsi.pt
[8] Exemplos retirados de “Comentário do Código de Processo Penal”, de Paulo Pinto de Albuquerque, UCE, pág. 635, em anotação ao art.222.º.
[9] Cf. proc. n.º 155/10.6 JBLSB, in dgsi.pt