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CUSTAS DE PARTE
RECLAMAÇÃO
DEPÓSITO DO VALOR DA NOTA
Sumário
O art.º 26º-A, nº 2, do Regulamento das Custas Processuais, na parte em que determina o depósito do valor da nota de custas de parte que seja objecto de reclamação, não viola o disposto no art.º 20º da Constituição da República Portuguesa, nem restringe o campo de actuação judicial, que é sempre chamado a apreciar se se encontram, ou não, reunidos os requisitos legais para aquela apreciação, não sendo, pois, inconstitucional. (Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:
Na execução para pagamento de quantia certa que a Caixa Económica Montepio Geral moveu a ES, o executado deduziu oposição por embargos de executado, aí pedindo a extinção da execução.
Recebidos os embargos e apresentada contestação pela exequente, foi proferida sentença que declarou extinta a execução.
Interposto recurso dessa sentença pela exequente/embargada, por acórdão de 13/1/2022 deste Tribunal da Relação de Lisboa foi o mesmo julgado improcedente, com a manutenção da sentença recorrida.
Sem que tal acórdão houvesse transitado em julgado, veio em 17/1/2022 o executado/embargante apresentar nota discriminativa e justificativa de custas de parte.
Por requerimento de 2/2/2022 a exequente/embargada veio arguir a intempestividade do requerimento e bem ainda reclamar da nota apresentada.
Tendo em 16/2/2022 a exequente/embargada interposto recurso do acórdão de 13/1/2022, e tendo o mesmo sido admitido como revista excepcional, por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/9/2022 foi confirmado o acórdão recorrido.
Sem que tal acórdão houvesse transitado em julgado, veio em 23/9/2022 o executado/embargante apresentar nova nota discriminativa e justificativa de custas de parte.
Tendo em 29/9/2022 a exequente/embargada apresentado reclamação do acórdão de 15/9/2022, por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/11/2022 foi a mesma indeferida.
Por requerimento de 21/11/2022 o executado/embargante apresentou nova e definitiva nota discriminativa e justificativa de custas de parte, aí reclamando o reembolso da quantia global de € 8.338,50, a efectuar pela exequente/embargada por transferência bancária para o IBAN que indicou.
Tendo sido certificado que o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 10/11/2022 transitou em julgado em 24/11/2022, e tendo os autos baixado à primeira instância, a exequente/embargada apresentou em 9/12/2022 requerimento com o seguinte teor:
“CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, embargada nos autos, transitada em julgada a sentença final, requer que V/Exa ordene o necessário a apreciação da reclamação da conta discriminativa de custas de parte apresentada 02/02/2022, sendo que a ora embargada apenas deverá ser devedora do necessário ao reembolso das taxas de justiça suportadas pela embargante e a compensação a patrono nomeado”.
Após resposta do executado/embargante, onde conclui que “a embargada é devedora da nota ora apresentada e junta aos autos principais e apensos, igualmente, enviada por email ao ilustre mandatário da embargada, devendo proceder ao seu pagamento dentro do prazo legal para o efeito, sem mais expedientes dilatórios, sem intuito sério ou construtivo e sem cabimento processual”, com data de 14/12/2022 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Caixa Económica Montepio Geral apresentou reclamação à nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada por pelo executado, mas não procedeu ao depósito prévio do valor da nota, como impõe o artigo 26.º-A, nº 2 do R.C.P. Pelo exposto, não se aprecia a reclamação à nota justificativa apresentada. Notifique. Sem custas atenta a simplicidade”.
A exequente/embargada recorre desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem (com correcção dos erros de escrita):
1- O douto Tribunal a quo indeferiu a apreciação da reclamação da nota justificativa e discriminativa das custas de parte,
2- Sustentando que a Recorrente não efectuou o prévio depósito dos valores constantes daquela nota, como impunha o artigo 26.º-A n.º 2 do RCP.
3- Entende a Recorrente que o depósito prévio de tais quantias coarcta o seu acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, violando o artigo 20.º da Constituição,
4- Sendo que o teor do artigo em causa é materialmente inconstitucional por limitativos do exercício de tais direitos constitucionalmente fundamentais.
5- Caso assim não se entenda, a Recorrente propugna que a nota justificativa e discriminativa das custas de parte deveria estar sujeita ao crivo, ainda que sumário, do douto Tribunal a quo.
6-A nota discriminativa apresenta graves erros de cálculo e quantias que não deveriam estar incluídas na reclamação.
7- Seja por erro ou má-fé, o embargante aumentou substancial e injustificadamente o valor global devido pela Recorrente,
8- Sendo evidente a desadequação dos valores aí obtidos estando em desarmonia com as normais legais in casu aplicáveis.
9- A imposição do depósito prévio dos valores devidos na nota discriminativa não é impeditiva que o douto Tribunal a quo deva ou possa apreciar, mas apenas sumariamente, se os valores indicados na nota discriminativa têm um mínimo de correspondência com os valores pagos no processo pela parte que elaborou a nota.
10- Era essa conduta que o douto Tribunal a quo se deveria ter cingido.
11- Pelo que deverá ser revogado o despacho em crise ser substituído por outro que julgue materialmente [in]constitucional o teor do artigo 26.º-A n.º 2 do RCP por violação do artigo 20.º da Constituição ou, se assim não se entender,
12- Ser substituído por outro despacho que decrete a apreciação, ainda que sumária, da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, e bem assim determinar se os valores indicados na nota discriminativa têm um mínimo de correspondência com os valores pagos no processo pela parte que elaborou a nota,
13- sem que seja imposta a esta o depósito prévio dos valores da nota discriminativa em causa.
O executado/embargante não apresentou alegação de resposta.
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Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, a questão submetida a recurso, delimitada pelas aludidas conclusões, prende‑se com a inexigibilidade do depósito a que respeita o nº 2 do art.º 26º-A do Regulamento das Custas Processuais, como condição de apreciação da reclamação da exequente/embargada à nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pelo executado/embargante.
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A materialidade com relevo para o conhecimento do objecto do presente recurso é a que decorre das ocorrências e dinâmica processual expostas no relatório que antecede.
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Sustenta a exequente/embargada que a jurisprudência do Tribunal Constitucional que resulta dos acórdãos 227/2007, 470/2007, 471/2007, 116/2008, 266/2010, 421/2013, 604/2013 e 844/2014 conduz a afirmar que o impedimento da apreciação da reclamação fundado na falta de depósito dos valores devidos segundo a nota reclamada se apresenta como violador do direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, tal como configurado no art.º 20º da Constituição da República Portuguesa.
No referido acórdão 227/2007 do Tribunal Constitucional foi decidido “julgar inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da mesma Constituição, a norma que resulta dos artigos 13.º, n.º 1, e tabela anexa, 15.º, n.º 1, alínea m), e 18.º, n.º 2, todos do Código das Custas Judiciais, na versão de 1996, na interpretação segundo a qual o montante da taxa de justiça devida em procedimentos cautelares e recursos neles interpostos, cujo valor excede 49.879,79€, é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo ao montante das custas, e na medida em que se não permite ao tribunal que limite o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão”.
No referido acórdão 470/2007 do Tribunal Constitucional foi decidido “julgar inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 224‑A/96, de 26 de Novembro, interpretada por forma a permitir que as custas devidas pelo expropriado excedam de forma intolerável o montante da indemnização depositada”.
No referido acórdão 471/2007 do Tribunal Constitucional foi decidido “julgar inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artº 20.º, da C.R.P., conjugado com o princípio da proibição do excesso, decorrente do artº 2.º, da C.R.P., a norma que se extrai da conjugação do disposto nos artigos 13.º, nº 1, 15.º, nº 1, o), 18.º, nº 2, e tabela anexa do C.C.J., na redacção do D.L. nº 224-A/96, de 26 de Novembro, na parte em que dela resulta que as taxas de justiça devidas por um processo, comportando um incidente de apoio judiciário e um recurso para o tribunal superior, ascendem ao montante global de €123.903,43, determinado exclusivamente em função do valor da acção, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite que o tribunal reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado desse montante”.
No referido acórdão 116/2008 do Tribunal Constitucional foi decidido “julgar inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da mesma Constituição, a norma que resulta dos artigos 13.º, n.º 1, e tabela anexa, 15.º, n.º 1, alínea m), e 18.º, n.º 2, todos do Código das Custas Judiciais, na versão de 1996, na interpretação segundo a qual o montante da taxa de justiça devida em procedimentos cautelares e recursos neles interpostos, cujo valor exceda 49.879,79 €, é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo ao montante das custas, e na medida em que se não permite ao tribunal que limite o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão”.
No referido acórdão 266/2010 do Tribunal Constitucional foi decidido “julgar inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proibição do excesso, decorrente do artigo 2.º da CRP, a norma que se extrai da conjugação do disposto nos artigos 13.º, n.º 1, 15.º, n.º 1, alínea o), 18.º, n.º 2, e tabela anexa do CCJ, na redacção do Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, na parte em que dela resulta que as taxas de justiça devidas por um recurso de agravo de um despacho interlocutório, interposto por quem não é parte na causa, sendo a questão de manifesta simplicidade e tendo o recurso seguido uma tramitação linear, ascendem ao montante global de € 15 204,39, determinado exclusivamente em função do valor da acção, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite que o tribunal reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado desse montante”.
No referido acórdão 421/2013 do Tribunal Constitucional foi decidido “julgar inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição, as normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pelo DL 52/2011, de 13 de Abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título”.
No referido acórdão 604/2013 do Tribunal Constitucional foi decidido “a) Julgar inconstitucional a norma que resulta dos artigos 13.º, n.º 1, e tabela anexa e 18.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, na versão de 1996, na interpretação segundo a qual o montante de taxa de justiça devida em recurso de apelação, cujo valor excede 49.879,79, é definido em função do valor sem qualquer limite máximo ao montante das custas, e na medida em que se não permite ao tribunal que limite o montante da taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente do artigo 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição; b) Julgar inconstitucional a norma que resulta dos artigos 13.º, n.º 1, e tabela anexa e 18.º, n.º 4, do Código das Custas Judiciais, na versão de 1996, na interpretação segundo a qual o montante de taxa de justiça devida em recurso de agravo de decisão interlocutória que suba juntamente com outro recurso, cujo valor excede 49.879,79, é definido em função do valor sem qualquer limite máximo ao montante das custas, e na medida em que se não permite ao tribunal que limite o montante da taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente do artigo 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição”.
E no acórdão 844/2014 do Tribunal Constitucional foi decidido “julgar inconstitucional, por violação dos princípios do acesso ao direito e da proporcionalidade, consagrados, respectivamente, nos artigos 20.º e 266.º, n.º 2.º, da Constituição, a norma constante do artigo 13.º, n.º 1 e Tabela Anexa ao Código das Custas Processuais, na versão do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, na medida em que dela decorrem custas sem conexão com a complexidade do processo, não se estabelecendo um limite para o valor da acção a considerar para efeitos do cálculo da taxa de justiça”.
Ou seja, em nenhum dos casos em apreço estava em causa a interpretação e aplicação de qualquer norma como aquela que resulta do nº 2 do art.º 26º-A do Regulamento das Custas Processuais, mas antes estava em causa a interpretação e aplicação da norma que fazia depender o cálculo da taxa de justiça devida pelas partes do valor da causa, sem qualquer limite e sem qualquer conexão com o caso concreto, designadamente com a natureza e complexidade do processo.
Já no acórdão 370/2020 do Tribunal Constitucional foi apreciada a conformidade constitucional daquele preceito legal, aí sendo decidido “não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais, aditada pela Lei n.º 27/2019, de 28 de Março, nos termos da qual a reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota”.
Do mesmo modo, e como aí se salienta, “o conteúdo normativo do n.º 2 do artigo 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais, na versão actualmente em vigor, apresenta a exacta redacção outrora constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria n.º 419‑A/2009, de 17 de Abril, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de Março. Sucede que a referida norma, ainda alojada no n.º 2 do artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, na redacção dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de Março, foi apreciada por este Tribunal Constitucional, tendo sido alvo, num primeiro momento, de juízos de inconstitucionalidade orgânica (a título de exemplo, vejam-se os Acórdãos n.ºs 189/2016 da 2.ª Secção e 653/2016, da 1.ª Secção), e, posteriormente, accionado o mecanismo previsto no artigo 82.º da LTC, declarada inconstitucional, com força obrigatória legal, no âmbito do Acórdão n.º 280/2017 do Plenário”.
Mais se afirma nesse acórdão que “assentando a inconstitucionalidade imputada à norma do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, na redacção dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de Março, que sujeita a apreciação da reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte ao prévio depósito da totalidade do valor aí inscrito, num vício de natureza orgânica e constando o mesmo regime na norma agora constante do n.º 2 do artigo 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais, em virtude do aditamento operado pelo artigo 6.º da Lei n.º 27/2019, de 28 de Março, naturalmente que não se pode atribuir a esta última o vício de inconstitucionalidade orgânica”.
E acrescenta-se que, “contudo, ainda antes de ser declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria n.º 419‑A/2009, de 17 de Abril, na redacção dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de Março, já este Tribunal sobre a mesma se tinha pronunciado, no âmbito do Acórdão n.º 678/2014 da 2.ª Secção, numa perspectiva material, aí decidindo «não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 33.º, n.º 2, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, na redacção conferida pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de Março, nos termos da qual a reclamação da nota justificativa das custas de parte está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota»”.
Ora, o que se colhe do citado acórdão 678/2014 do Tribunal Constitucional, no sentido da conformidade da norma em questão com o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art.º 20º da Constituição da República Portuguesa, é que “a predeterminação normativa do valor máximo admissível das custas de parte num dado processo e a necessidade de dar conhecimento simultâneo ao tribunal e à parte vencida da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, abrindo a possibilidade de uma reforma oficiosa da nota apresentada – constituem um controlo mínimo suficiente para assegurar que a sujeição da reclamação daquela nota ao depósito prévio do respectivo valor não rompe o equilíbrio interno do regime de custas, neste domínio específico das custas de parte”, e assim fazendo com que não haja de ser considerada excessiva tal sujeição, “atentos os valores coenvolvidos em tal regime, mormente o da moderação e racionalização das reclamações”.
Também este Tribunal da Relação de Lisboa tem afirmado tal conformidade constitucional do normativo em questão, que condiciona a admissão da reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte ao depósito prévio do respectivo valor.
Assim, no acórdão de 8/10/2020 (relatado por Carlos Castelo Branco, ora 1º adjunto, e disponível em www.dgsi.pt) ficou afirmado que “o artigo 26.º-A, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, na parte em que determina o depósito do valor da nota de custas de parte que seja objecto de reclamação, não viola o disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, nem restringe o campo de actuação judicial, que é sempre chamado a apreciar se se encontram, ou não, reunidos os requisitos legais para aquela apreciação, não sendo, pois, inconstitucional”.
Pela profundidade da fundamentação aí apresentada para se chegar a tal conclusão, que encontra pleno cabimento no âmbito da questão aqui em apreço, passa‑se a reproduzir a mesma em toda a sua extensão:
“No que concerne à questão de apreciação da inconstitucionalidade material da referida disposição legal, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27-02-2020 (Pº 502/14.1T8PTG-A.E1, rel. MÁRIO SILVA), cujas considerações são plenamente de acolher, teve já ocasião de se pronunciar. Foi considerado nesse aresto o seguinte: “O artigo 20º, nº 1, da CRP estabelece que a justiça não ser denegada por insuficiência de meios económicos. “A interpretação que deste art.º 20º vem sendo feita pelo Tribunal Constitucional pode condensar-se na seguinte doutrina: não há uma imperatividade constitucional de se assegurar a gratuitidade da justiça e ao direito subjectivo de acesso aos tribunais corresponde um dever correlativo do Estado de garantir condições para assegurar a efectividade da tutela jurisdicional. Daqui decorre que a liberdade do legislador, na disciplina do regime das custas, goza de uma relativa margem, sendo limitada, porém pela demonstração de que os custos por ele fixados para a utilização da máquina judiciária não sejam de tal modo onerosos ou excessivos que funcionem como um travão ou inibição, por parte do cidadão comum, no acesso ao tribunal. Só quando tal demonstração for feita é que se pode afirmar que o regime fixado pelo legislador é desproporcional e quebra o “equilíbrio interno ao sistema” que é reclamado pelo citado princípio constitucional de tutela jurisdicional efectiva. O que é determinante é saber se, em concreto, o montante que o reclamante tinha que depositar, a titulo de custas de parte, se pode considerar excessivamente oneroso, ou arbitrário e absolutamente injustificado, por forma a que se possa concluir que nesses termos haveria uma denegação do acesso à justiça, nomeadamente por insuficiência de meios económicos.” Ora, perante os elementos de facto, não cremos que tal juízo se possa formular. Na verdade, considerando o valor em concreto a liquidar constante da nota, (…), que não pode ser qualificado de arbitrário não cremos que se possa afirmar estar violado o direito constitucional de acesso aos tribunais para defesa do direito de reclamar da nota de custas de parte. O Acórdão 678/2014 do Tribunal Constitucional, pronunciou-se no sentido da constitucionalidade material do artigo 33º-A, nº 4, do CCJ da seguinte forma: “Face às finalidades prosseguidas pelo n.º 4 do artigo 33º-A do CCJ, se não torna desproporcionada a exigência, que nele se faz, de depósito prévio da quantia fixada na nota de custas, como condição da admissão da reclamação ou recurso. No caso sub iudicio, é igualmente aplicável esta doutrina sobre os limites do equilíbrio interno do regime de custas. Com efeito, na linha da jurisprudência contida no Acórdão n.º 347/2009(…), importa garantir que a solução legal quanto à elaboração da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, prosseguindo um fim legítimo, permite à instância judicial controlar minimamente o equilíbrio entre o montante peticionado a título de custas de parte e as circunstâncias concretas, relativas à lide e à complexidade da respectiva tramitação, e à própria parte, prevenindo hipóteses de, por lapsos inadvertidos mas grosseiros ou manipulações malévolas, impor custos indevidos e imprevisíveis à parte vencida. Consequentemente, atentos os valores coenvolvidos em tal regime, mormente o da moderação e racionalização das reclamações, a sujeição em causa prevista no artigo 33.º, n.º 2, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, na redacção dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de Março, não pode ser considerada excessiva, pelo que a mesma sujeição não viola o princípio da proporcionalidade.” O que acabou de se transcrever sobre a conformidade constitucional do nº 2 do art.º 33º, da Portaria 419-A/2009 aplica-se ao artigo 26º-A, nº 2, do RCP que tem redacção idêntica. O fim da norma em causa, o citado 26º-A, nº 2, do RCP (e antes os artigos 33º, nº 2, da Portaria 419-A/2009 e 33º-A, nº 4, do CCJ) é perfeitamente legítimo. Esse fim, é o de fazer depender a admissibilidade da reclamação [da nota discriminativa e justificativa das custas de parte] do depósito prévio do montante nela fixado, o que se explica “pela necessidade, especialmente reflectida pelo legislador ordinário, não só de garantir o pagamento das custas, mas ainda de moderar e razoabilizar, quanto a elas, o regime processual de reclamações e recursos, de forma a evitar o seu uso dilatório”.(…)] Assim sendo, é de acompanhar a conclusão extraída no citado aresto 347/2009, ou seja, “que, face às finalidades prosseguidas pelo nº 4 do artigo 33-A do CCJ, se não torna desproporcionada a exigência, que nele se faz, de depósito prévio da quantia fixada na nota de custas, como condição da admissão da reclamação ou recurso” é aplicável ao caso dos autos, “não havendo, pois, qualquer violação do princípio da proporcionalidade”. Não há, assim, no caso concreto violação do alegado princípio constitucional aludido no art.º 20º da CRP. Improcede, pelos motivos expostos, a apelação”. E, concluiu-se em tal aresto que: “Não há violação do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva ao fazer-se depender a admissão da respectiva reclamação do depósito prévio do montante do valor das custas de parte, tal como exige o artigo 26º-A, nº 2, do RCP”. A problemática em apreço foi novamente objecto de apreciação no recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-09-2020 (Pº 249/19.2T8FNC.L1-7, rel. CRISTINA COELHO), onde foi expendido o seguinte: “No que respeita à invocada inconstitucionalidade material do nº 2 do art. 26º-A do RCP, por violação do princípio fundamental ao acesso ao direito, do princípio da proporcionalidade e adequação, do princípio da equidade e lealdade processual, bem como do princípio do contraditório, sufragamos o entendimento expendido nos Acs. da RP de 15.1.2013, P. 511/09.2TVPRT.P2 (António Martins), da RE de 8.10.2015, P. 681/14.8T8PTM-D.E1 (Conceição Ferreira), da RP de 26.1.2016, P. 8043/06.4TBVNG.P1 (Rui Moreira), e da RE de 27.2.2020, P. 502/14.1T8PTG-A.E1 (Mário Silva), todos em www.dgsi.pt (…), remetendo-se para a argumentação aí amplamente expendida, a que aderimos. O tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a matéria, nomeadamente no Ac. do TC nº 678/2014, de 15.10.2014 (Pedro Machete), em www.dgsi.pt, no sentido de a norma contida no artigo 33º, nº 2, da Portaria nº 419-A/2009, de 17.04, na redacção dada pela Portaria nº 82/2012, de 29.03, não sofrer da inconstitucionalidade invocada, em termos abstractos, afigurando-se-nos que os argumentos se transpõem para o actual art. 26º-A do RCP. O artigo 20º, nº 1, da CRP estabelece que a justiça não pode ser negada por insuficiência de meios económicos. Como se escreveu no referido Ac. da RE de 8.10.2015, “A interpretação que deste art.º 20º vem sendo feita pelo Tribunal Constitucional pode condensar-se na seguinte doutrina: não há uma imperatividade constitucional de se assegurar a gratuitidade da justiça e ao direito subjectivo de acesso aos tribunais corresponde um dever correlativo do Estado de garantir condições para assegurar a efectividade da tutela jurisdicional. Daqui decorre que a liberdade do legislador, na disciplina do regime das custas, goza de uma relativa margem, sendo limitada, porém pela demonstração de que os custos por ele fixados para a utilização da máquina judiciária não sejam de tal modo onerosos ou excessivos que funcionem como um travão ou inibição, por parte do cidadão comum, no acesso ao tribunal. Só quando tal demonstração for feita é que se pode afirmar que o regime fixado pelo legislador é desproporcional e quebra o “equilíbrio interno ao sistema” que é reclamado pelo citado princípio constitucional de tutela jurisdicional efectiva. O que é determinante é saber se, em concreto, o montante que o reclamante tinha que depositar, a título de custas de parte, se pode considerar excessivamente oneroso, ou arbitrário e absolutamente injustificado, por forma a que se possa concluir que nesses termos haveria uma denegação do acesso à justiça, nomeadamente por insuficiência de meios económicos.”. Ora, dos elementos constantes dos autos não é possível formular tal juízo, considerando o valor atribuído à acção pelos AA./apelantes (€230.000,00), que não invocaram em concreto dificuldades económicas ou insuficiência de meios para depositar o valor da nota discriminativa de custas de parte e, ainda, o valor em concreto desta (€7.600,50), que não pode ser qualificado de arbitrário (…)”. As considerações expostas e produzidas nos aludidos arestos são inteiramente aplicáveis ao caso em apreço, não se vislumbrando que da exigência de depósito das quantias constantes da nota discriminativa e justificativa de custas de parte – que se encontram, na realidade, devidamente discriminadas e elencadas, percebendo o destinatário da mesma, em que assenta a pretensão da sua exigibilidade – em concreto, taxas de Justiça pagas pelo autor (na acção e no incidente de liquidação) e honorários dos mandatários (com referência ao valor apurado) – e cujo valor – resultando da soma das parcelas elencadas – se acha devidamente apurado. Assim, a exigência legal do depósito do respectivo valor - €1.734,00 – não se mostra compressora do acesso ao Direito dos réus (cuja pretensão assumia um valor na ordem das centenas de milhares de euros), cuja configuração constitucional não é, como se viu, irrestrita, ou não sujeita a quaisquer limites, nem ocorre alguma indevida restrição sobre a intervenção do juiz, antes, o qual apenas terá de apreciar – de mérito - reclamações em que se mostrem reunidos os requisitos legais prescritos para o efeito, constituindo o depósito prévio do valor da nota, um pressuposto processual para a apreciação, de fundo, de tal reclamação. Na realidade, o direito à tutela jurisdicional efectiva é um direito fundamental, com assento constitucional nos artigos 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa, respeitando a todos os cidadãos (carácter de universalidade), respondendo a uma exigência social constante (permanência) e referente às necessidades básicas da pessoa que o Estado se compromete solenemente a atender (fundamentalidade) (cfr. José de Melo Alexandrino; Direitos Fundamentais, Introdução Geral, Principia, 2007, p. 20 e ss.). A garantia do acesso ao direito e aos tribunais não admite a consagração, no plano legal, de exigências que consubstanciem condicionantes processuais desprovidas de fundamento racional e sem conteúdo útil ou excessivas, não sendo admissível o estabelecimento de ónus desinseridos da teleologia própria da tramitação processual e cuja consagração não prossiga quaisquer interesses dignos de tutela – cfr. acórdão do TC n.º 384/98 (rel. FERNANDA PALMA). Contudo, como evidenciam Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2010, p. 439) “o princípio pro actione, assim afirmado, não impede, naturalmente, a existência de requisitos ou de pressupostos processuais” a observar, onde se inserem as condições legais predispostas, e em termos gerais e abstractos, para o exercício de direitos, resultando, consequentemente, intocado o aludido princípio, decorrente da garantia constitucional de acesso ao direito e aos Tribunais. O artigo 26.º-A, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, na parte em que determina o depósito do valor da nota de custas de parte que seja objecto de reclamação, não viola o disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, nem restringe o campo de actuação judicial, que é sempre chamado a apreciar se se encontram, ou não, reunidos os requisitos legais para aquela apreciação, não sendo, pois, inconstitucional. Este juízo foi, aliás, reconhecido pelo Tribunal Constitucional, quer à luz do artigo 33.º, n.º 2, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, na redacção dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de Março (cfr. Acórdão do TC n.º 678/2014), quer a respeito da redacção vigente do n.º 2 do artigo 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais, aditada pela Lei n.º 27/2019, de 28 de Março (cfr. Acórdão do TC n.º 370/2020)”.
Ou seja, e regressando ao caso concreto, a desconformidade constitucional invocada pela exequente/embargada só será susceptível de ser afirmada na medida em que, face ao valor concreto do montante reclamado a título de custas de parte, seja de considerar que se está perante um montante excessivamente oneroso e absolutamente injustificado, evidenciando-se uma denegação do acesso da exequente/embargada ao direito à reclamação, designadamente por não apresentar meios económicos para suportar o depósito desse montante.
Ora, nem o valor de €8.338,50 indicado pelo executado/embargante a título de custas de parte se apresenta como exorbitante ou arbitrário, nem a exequente/embargada suscitou qualquer impossibilidade económica de depositar esse montante, do mesmo modo que a especial capacidade económico-financeira da mesma (recorde‑se que se trata de uma instituição de crédito) afasta tal conclusão.
Ou seja, sempre se há-de concluir que, no caso concreto, não está colocado em causa o denominado “equilíbrio interno do regime de custas” que emerge do art.º 20º da Constituição da República Portuguesa, não se apresentando a norma constante do nº 2 do art.º 26º-A do Regulamento das Custas Processuais como violadora do princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, assim improcedendo as conclusões do recurso da exequente/embargada, no que respeita ao juízo de inconstitucionalidade visado pela mesma.
Do mesmo modo, e no que respeita à pretendida apreciação sumária da nota justificativa e discriminativa das custas de parte, ainda que a exequente/embargada não haja depositado o valor da mesma, não está em causa a possibilidade de realização do controlo judicial da conformidade da nota elaborada pelo executado/embargante, através da reforma oficiosa da nota apresentada, quando seja patente que a mesma não respeita os pressupostos legais da sua elaboração.
Todavia, aquilo que não se pode admitir, sob o pretexto desta possibilidade de actuação oficiosa do tribunal, é que a parte que pretende reclamar da nota apresentada não proceda ao depósito que condiciona a admissão da reclamação e, ainda assim, pretenda que o tribunal efectue uma apreciação dos argumentos apresentados em sede da reclamação, “ainda que sumária”, como se lhe continuasse a assistir o direito à reclamação.
Ou seja, e não obstante a possibilidade que continua a assistir ao tribunal recorrido de verificar oficiosamente se a nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pelo executado/embargante está conforme ao disposto no nº 2 do art.º 25º e ao nº 3 do art.º 26º, ambos do Regulamento das Custas Processuais, não assiste à exequente/embargada o direito a ver apreciada a reclamação deduzida à mesma nota de custas de parte, dado que não procedeu ao depósito do valor constante da mesma, que se apresentava como condição da admissão desse incidente processual, nos termos que ficaram a constar da decisão recorrida.
Pelo que, na improcedência das demais conclusões da exequente/embargada, é de manter a decisão recorrida.
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DECISÃO
Em face do exposto julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pela exequente/embargada.
30 de Março de 2023
António Moreira
Carlos Castelo Branco
Orlando Nascimento